Como o projeto de um grupo conservador está ligado à campanha de Donald Trump e afeta a eleição dos EUA


Há meses, Trump tenta se distanciar do Projeto 2025; sua equipe anunciou esta semana uma lista de assessores banidos, incluindo vários nomes que assinaram o rascunho do projeto

Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

WASHINGTON D.C. (ESTADOS UNIDOS) - Donald Trump vem crescendo nas pesquisas e pulverizando a vantagem da democrata Kamala Harris. Aos 78 anos, exausto pelo sprint final, segundo assessores, ele vem cancelando aparições em programas de TV, podcasts e entrevistas. Para manter o bom momento, uma das prioridades da campanha passou a ser se desvencilhar do Projeto 2025, plano ultraconservador para mudar a cara das instituições americana.

Há meses, Trump vem tentado se distanciar do Projeto 2025, mas o esforço se intensificou nesta semana, quando sua equipe incumbida de compilar nomes para um governo de transição anunciou uma lista de assessores banidos, incluindo vários nomes que assinaram o rascunho de projeto. Também foram proscritos todos os funcionários que renunciaram após os ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021, e qualquer um percebido como desleal ao ex-presidente.

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Considerado por parte da imprensa americana como “ultraconservador”, o Projeto 2025 é um documento de 900 páginas com propostas para o futuro governo americano organizado por um dos maiores centros de lobby e estudos conservadores do mundo, a Heritage Foundation. Ele prevê quatro objetivos: “restaurar a família como peça central da vida americana”, “desmontar o Estado administrativo e devolver a autogestão ao povo”, “defender a soberania contra ameaças globais” e “garantir o direito individual dado por Deus de desfrutar das bênçãos da liberdade”.

O candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, participa de um comício em Detroit, nos EUA  Foto: Evan Vucci/AP

Segundo os democratas, no entanto, o objetivo é restringir liberdades individuais, banir o aborto em caráter nacional e minar o sistema de freios e contrapesos, entre outras ideias ultraconservadoras.

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Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, um aliado de Trump, chegou a declarar em abril, em entrevista ao War Room, podcast do guru conservador Steve Bannon, que o Projeto 2025 era “a segunda revolução americana”, que seria feita sem derramamento de sangue, “se a esquerda permitir”.

O volume de críticas foi tão grande que, três dias depois, o ex-presidente foi obrigado a se fazer de desentendido. “Não sei do que se trata”, escreveu na sua rede social. “Não tenho a menor ideia de quem está por trás disso.”

O problema é que pelo menos 140 pessoas que trabalharam no governo Trump – incluindo seis secretários que ocuparam cargos em seu gabinete, além de quatro embaixadores indicados por ele – estão envolvidos no Projeto 2025.

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Projeto 2025 no centro dos debates

Tanto no debate entre os candidatos a presidente como no dos a vice-presidente, o Projeto 2025 foi citado. “O que vocês vão ouvir nesta noite é um plano detalhado e perigoso, que o ex-presidente (Trump) pretende implementar se for eleito novamente”, disse Kamala, no debate, no início de setembro. Procurada pelo Estadão, a Heritage Foundation, não quis falar sobre o projeto.

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O site da candidata democrata à presidência destina um espaço especial para seu adversário. Uma foto do ex-presidente Donald Trump e de seu companheiro na chapa, J.D. Vance, o título “Projeto 2025″ e a legenda “revisão de liberdades, proibição nacional do aborto e fim do sistema de freios e contrapesos” compõem a página do site em que os democratas relacionam seus adversários ao programa conservador para o país.

Sede da Heritage Foundation, em Washington DC, Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Na introdução do Projeto 2025, o diretor do projeto, Paul Dans, afirma que “a longa marcha do marxismo cultural através de nossas instituições aconteceu” e que o governo federal é hoje um “gigante armado contra cidadãos americanos e valores conservadores”.

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Logo no primeiro capítulo, por exemplo, os autores afirmam que “Abraham Lincoln alertou que a maior ameaça à América viria não de fora, mas de dentro”. “Isso é evidente hoje: seja por meio de obrigações de uso de máscara e vacina, fechamento de escolas e empresas, esforços para impedir que os americanos dirijam carros a gasolina ou usem fogões a gás, ou esforços para acabar com o financiamento a polícia, doutrinar crianças nas escolas, alterar livros queridos, restringir a liberdade de expressão, minar o ideal de igualdade racial ou negar a realidade biológica de que existem apenas dois sexos, a enxurrada de loucura da esquerda parece não ter fim. O próximo governo deve defender os ideais, as famílias e a cultura americanas – coisas nas quais, felizmente, a maioria dos americanos ainda acredita”, diz o livro.

Líder da maioria no Senado, o democrata Chuck Schumer, participa de coletiva atacando as propostas contidas no Projeto 2025, da Heritage Foundation  Foto: Kent Nishimura/AFP

Quais são as propostas do ‘Projeto 2025′

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Entre as propostas consideradas mais polêmicas no texto está a de concentrar poderes nas mãos do presidente – seja ampliando sua autoridade sobre agências seja reduzindo o número de funcionários públicos de carreira para substituí-los por indicação política. “A agenda do presidente que deve importar para os departamentos e agências que operam sob sua autoridade constitucional e que, em geral, são os conselheiros escolhidos pelo presidente que têm a melhor noção dos objetivos e intenções do presidente, tanto em relação às políticas que ele pretende implementar quanto em relação aos interesses que precisam ser assegurados para governar com sucesso em nome do povo americano”, afirma o texto.

Na avaliação do professor de governo Hans Noel, da Georgetown University, o projeto foi escrito para resolver “fraquezas” do governo Trump, no qual, diz ele, não havia pessoas preparadas para fazer o que o então presidente desejava. “Trump não assumiu o governo com um plano nem com conexões no Partido Republicano. Seu estilo de governar era o de um empresário, mas política não é um negócio. Existe uma enorme burocracia, e pessoas que não vão fazer simplesmente o que ele manda, porque existe uma legislação”, afirma Noel.

Professor do departamento de ciência política da Universidade de Chicago e autor do livro “The Thinkers: The Rise of Partisan Think Tanks and the Polarization of American Politics” (“Os pensadores: a ascensão dos think tanks partidários e a polarização da política americana”, em tradução literal), E.J. Fagan destaca que o projeto busca apresentar uma alternativa legal para que o presidente não tenha de executar o Orçamento aprovado no Congresso. “Isso provavelmente seria inconstitucional. Mas, se vier a ocorrer, não sabemos como a Suprema Corte avaliaria o assunto”, diz ele, lembrando que seis dos nove juízes na corte foram indicados por presidentes republicanos.

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Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Outra sugestão polêmica do Projeto 2025 é a eliminação do Ministério da Educação. De acordo com o livro, as educações básica e secundária devem ser financiadas publicamente, mas as decisões educacionais precisam ser tomadas pelas famílias.

“Cada pai deve ter a opção de direcionar a parte do financiamento educacional de seu filho por meio de uma conta de poupança educacional, financiada em sua maioria por contribuintes estaduais e locais, que capacitaria os pais a escolher um conjunto de opções educacionais que atendam às necessidades únicas de seus filhos.”

Há ainda afirmações de que apenas um governo conservador é capaz de respeitar a Constituição. Sobre o aborto – um dos temas mais sensíveis dessas eleições –, o Projeto 2025 não afirma que ele deve ser proibido, mas sugere diferentes medidas que quase o inviabilizam e que não precisam de aprovação do Congresso, como a restrição ao acesso a pílulas abortivas por parte da FDA (o equivalente à Anvisa brasileira). Em relação à transição energética, diz que o “próximo governo conservador” deve “parar com a guerra contra o petróleo e o gás natural” e revogar “projetos de lei de gastos massivos”, como a Lei de Redução da Inflação (que dá subsídios a investimentos de energia renovável).

O que dizem Trump e a Heritage Foundation

Diante da repercussão negativa do Projeto 2025 e do risco de uma agenda radical afastar o eleitorado indeciso, Trump tem tentado desvencilhar sua imagem do livro. Por parte da fundação, as afirmações também são de que o ex-presidente não tem relação com o projeto.

Painel na sede da Heritage Foundation, em Washington, nos Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Em textos publicados em seu site, a fundação vem alegando que apresenta um compilados de sugestões de políticas para o país a cada quatro anos desde 1981 e que é normal think thanks ligados a diferentes correntes políticas terem em seu quadro ex-funcionários de governos. “Como apenas um exemplo, o Center for American Progress, de extrema esquerda, elabora recomendações de políticas para presidentes progressistas, inclusive o fez para o presidente Obama em 2008″, diz um dos textos.

O professor E.J. Fagan, da Universidade de Chicago, destaca, no entanto, que o Projeto 2025 é diferente de trabalhos elaborados anteriormente pela Heritage Foundation. Segundo ele, com exceção do governo Ronald Regan, nos anos 1980, a fundação sempre ficou à margem do poder e do Partido Republicano. Nos últimos 30 anos, considerava os republicanos pouco conservadores. Em 2020, porém, passou a contratar os ex-funcionários do alto escalão do governo Trump.

Ele afirma acreditar que, mesmo com as recentes brigas entre a campanha Trump e a Heritage Foundation, o republicano – se eleito – indicará para seu governo pessoas ligadas ao Projeto 2025. “Se Trump vencer agora, eles (os membros da fundação) estarão lá, mais dentro do governo do que nunca estiveram”, diz Fagan.

A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

WASHINGTON D.C. (ESTADOS UNIDOS) - Donald Trump vem crescendo nas pesquisas e pulverizando a vantagem da democrata Kamala Harris. Aos 78 anos, exausto pelo sprint final, segundo assessores, ele vem cancelando aparições em programas de TV, podcasts e entrevistas. Para manter o bom momento, uma das prioridades da campanha passou a ser se desvencilhar do Projeto 2025, plano ultraconservador para mudar a cara das instituições americana.

Há meses, Trump vem tentado se distanciar do Projeto 2025, mas o esforço se intensificou nesta semana, quando sua equipe incumbida de compilar nomes para um governo de transição anunciou uma lista de assessores banidos, incluindo vários nomes que assinaram o rascunho de projeto. Também foram proscritos todos os funcionários que renunciaram após os ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021, e qualquer um percebido como desleal ao ex-presidente.

Considerado por parte da imprensa americana como “ultraconservador”, o Projeto 2025 é um documento de 900 páginas com propostas para o futuro governo americano organizado por um dos maiores centros de lobby e estudos conservadores do mundo, a Heritage Foundation. Ele prevê quatro objetivos: “restaurar a família como peça central da vida americana”, “desmontar o Estado administrativo e devolver a autogestão ao povo”, “defender a soberania contra ameaças globais” e “garantir o direito individual dado por Deus de desfrutar das bênçãos da liberdade”.

O candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, participa de um comício em Detroit, nos EUA  Foto: Evan Vucci/AP

Segundo os democratas, no entanto, o objetivo é restringir liberdades individuais, banir o aborto em caráter nacional e minar o sistema de freios e contrapesos, entre outras ideias ultraconservadoras.

Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, um aliado de Trump, chegou a declarar em abril, em entrevista ao War Room, podcast do guru conservador Steve Bannon, que o Projeto 2025 era “a segunda revolução americana”, que seria feita sem derramamento de sangue, “se a esquerda permitir”.

O volume de críticas foi tão grande que, três dias depois, o ex-presidente foi obrigado a se fazer de desentendido. “Não sei do que se trata”, escreveu na sua rede social. “Não tenho a menor ideia de quem está por trás disso.”

O problema é que pelo menos 140 pessoas que trabalharam no governo Trump – incluindo seis secretários que ocuparam cargos em seu gabinete, além de quatro embaixadores indicados por ele – estão envolvidos no Projeto 2025.

Projeto 2025 no centro dos debates

Tanto no debate entre os candidatos a presidente como no dos a vice-presidente, o Projeto 2025 foi citado. “O que vocês vão ouvir nesta noite é um plano detalhado e perigoso, que o ex-presidente (Trump) pretende implementar se for eleito novamente”, disse Kamala, no debate, no início de setembro. Procurada pelo Estadão, a Heritage Foundation, não quis falar sobre o projeto.

O site da candidata democrata à presidência destina um espaço especial para seu adversário. Uma foto do ex-presidente Donald Trump e de seu companheiro na chapa, J.D. Vance, o título “Projeto 2025″ e a legenda “revisão de liberdades, proibição nacional do aborto e fim do sistema de freios e contrapesos” compõem a página do site em que os democratas relacionam seus adversários ao programa conservador para o país.

Sede da Heritage Foundation, em Washington DC, Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Na introdução do Projeto 2025, o diretor do projeto, Paul Dans, afirma que “a longa marcha do marxismo cultural através de nossas instituições aconteceu” e que o governo federal é hoje um “gigante armado contra cidadãos americanos e valores conservadores”.

Logo no primeiro capítulo, por exemplo, os autores afirmam que “Abraham Lincoln alertou que a maior ameaça à América viria não de fora, mas de dentro”. “Isso é evidente hoje: seja por meio de obrigações de uso de máscara e vacina, fechamento de escolas e empresas, esforços para impedir que os americanos dirijam carros a gasolina ou usem fogões a gás, ou esforços para acabar com o financiamento a polícia, doutrinar crianças nas escolas, alterar livros queridos, restringir a liberdade de expressão, minar o ideal de igualdade racial ou negar a realidade biológica de que existem apenas dois sexos, a enxurrada de loucura da esquerda parece não ter fim. O próximo governo deve defender os ideais, as famílias e a cultura americanas – coisas nas quais, felizmente, a maioria dos americanos ainda acredita”, diz o livro.

Líder da maioria no Senado, o democrata Chuck Schumer, participa de coletiva atacando as propostas contidas no Projeto 2025, da Heritage Foundation  Foto: Kent Nishimura/AFP

Quais são as propostas do ‘Projeto 2025′

Entre as propostas consideradas mais polêmicas no texto está a de concentrar poderes nas mãos do presidente – seja ampliando sua autoridade sobre agências seja reduzindo o número de funcionários públicos de carreira para substituí-los por indicação política. “A agenda do presidente que deve importar para os departamentos e agências que operam sob sua autoridade constitucional e que, em geral, são os conselheiros escolhidos pelo presidente que têm a melhor noção dos objetivos e intenções do presidente, tanto em relação às políticas que ele pretende implementar quanto em relação aos interesses que precisam ser assegurados para governar com sucesso em nome do povo americano”, afirma o texto.

Na avaliação do professor de governo Hans Noel, da Georgetown University, o projeto foi escrito para resolver “fraquezas” do governo Trump, no qual, diz ele, não havia pessoas preparadas para fazer o que o então presidente desejava. “Trump não assumiu o governo com um plano nem com conexões no Partido Republicano. Seu estilo de governar era o de um empresário, mas política não é um negócio. Existe uma enorme burocracia, e pessoas que não vão fazer simplesmente o que ele manda, porque existe uma legislação”, afirma Noel.

Professor do departamento de ciência política da Universidade de Chicago e autor do livro “The Thinkers: The Rise of Partisan Think Tanks and the Polarization of American Politics” (“Os pensadores: a ascensão dos think tanks partidários e a polarização da política americana”, em tradução literal), E.J. Fagan destaca que o projeto busca apresentar uma alternativa legal para que o presidente não tenha de executar o Orçamento aprovado no Congresso. “Isso provavelmente seria inconstitucional. Mas, se vier a ocorrer, não sabemos como a Suprema Corte avaliaria o assunto”, diz ele, lembrando que seis dos nove juízes na corte foram indicados por presidentes republicanos.

Seu navegador não suporta esse video.

Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Outra sugestão polêmica do Projeto 2025 é a eliminação do Ministério da Educação. De acordo com o livro, as educações básica e secundária devem ser financiadas publicamente, mas as decisões educacionais precisam ser tomadas pelas famílias.

“Cada pai deve ter a opção de direcionar a parte do financiamento educacional de seu filho por meio de uma conta de poupança educacional, financiada em sua maioria por contribuintes estaduais e locais, que capacitaria os pais a escolher um conjunto de opções educacionais que atendam às necessidades únicas de seus filhos.”

Há ainda afirmações de que apenas um governo conservador é capaz de respeitar a Constituição. Sobre o aborto – um dos temas mais sensíveis dessas eleições –, o Projeto 2025 não afirma que ele deve ser proibido, mas sugere diferentes medidas que quase o inviabilizam e que não precisam de aprovação do Congresso, como a restrição ao acesso a pílulas abortivas por parte da FDA (o equivalente à Anvisa brasileira). Em relação à transição energética, diz que o “próximo governo conservador” deve “parar com a guerra contra o petróleo e o gás natural” e revogar “projetos de lei de gastos massivos”, como a Lei de Redução da Inflação (que dá subsídios a investimentos de energia renovável).

O que dizem Trump e a Heritage Foundation

Diante da repercussão negativa do Projeto 2025 e do risco de uma agenda radical afastar o eleitorado indeciso, Trump tem tentado desvencilhar sua imagem do livro. Por parte da fundação, as afirmações também são de que o ex-presidente não tem relação com o projeto.

Painel na sede da Heritage Foundation, em Washington, nos Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Em textos publicados em seu site, a fundação vem alegando que apresenta um compilados de sugestões de políticas para o país a cada quatro anos desde 1981 e que é normal think thanks ligados a diferentes correntes políticas terem em seu quadro ex-funcionários de governos. “Como apenas um exemplo, o Center for American Progress, de extrema esquerda, elabora recomendações de políticas para presidentes progressistas, inclusive o fez para o presidente Obama em 2008″, diz um dos textos.

O professor E.J. Fagan, da Universidade de Chicago, destaca, no entanto, que o Projeto 2025 é diferente de trabalhos elaborados anteriormente pela Heritage Foundation. Segundo ele, com exceção do governo Ronald Regan, nos anos 1980, a fundação sempre ficou à margem do poder e do Partido Republicano. Nos últimos 30 anos, considerava os republicanos pouco conservadores. Em 2020, porém, passou a contratar os ex-funcionários do alto escalão do governo Trump.

Ele afirma acreditar que, mesmo com as recentes brigas entre a campanha Trump e a Heritage Foundation, o republicano – se eleito – indicará para seu governo pessoas ligadas ao Projeto 2025. “Se Trump vencer agora, eles (os membros da fundação) estarão lá, mais dentro do governo do que nunca estiveram”, diz Fagan.

A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

WASHINGTON D.C. (ESTADOS UNIDOS) - Donald Trump vem crescendo nas pesquisas e pulverizando a vantagem da democrata Kamala Harris. Aos 78 anos, exausto pelo sprint final, segundo assessores, ele vem cancelando aparições em programas de TV, podcasts e entrevistas. Para manter o bom momento, uma das prioridades da campanha passou a ser se desvencilhar do Projeto 2025, plano ultraconservador para mudar a cara das instituições americana.

Há meses, Trump vem tentado se distanciar do Projeto 2025, mas o esforço se intensificou nesta semana, quando sua equipe incumbida de compilar nomes para um governo de transição anunciou uma lista de assessores banidos, incluindo vários nomes que assinaram o rascunho de projeto. Também foram proscritos todos os funcionários que renunciaram após os ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021, e qualquer um percebido como desleal ao ex-presidente.

Considerado por parte da imprensa americana como “ultraconservador”, o Projeto 2025 é um documento de 900 páginas com propostas para o futuro governo americano organizado por um dos maiores centros de lobby e estudos conservadores do mundo, a Heritage Foundation. Ele prevê quatro objetivos: “restaurar a família como peça central da vida americana”, “desmontar o Estado administrativo e devolver a autogestão ao povo”, “defender a soberania contra ameaças globais” e “garantir o direito individual dado por Deus de desfrutar das bênçãos da liberdade”.

O candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, participa de um comício em Detroit, nos EUA  Foto: Evan Vucci/AP

Segundo os democratas, no entanto, o objetivo é restringir liberdades individuais, banir o aborto em caráter nacional e minar o sistema de freios e contrapesos, entre outras ideias ultraconservadoras.

Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, um aliado de Trump, chegou a declarar em abril, em entrevista ao War Room, podcast do guru conservador Steve Bannon, que o Projeto 2025 era “a segunda revolução americana”, que seria feita sem derramamento de sangue, “se a esquerda permitir”.

O volume de críticas foi tão grande que, três dias depois, o ex-presidente foi obrigado a se fazer de desentendido. “Não sei do que se trata”, escreveu na sua rede social. “Não tenho a menor ideia de quem está por trás disso.”

O problema é que pelo menos 140 pessoas que trabalharam no governo Trump – incluindo seis secretários que ocuparam cargos em seu gabinete, além de quatro embaixadores indicados por ele – estão envolvidos no Projeto 2025.

Projeto 2025 no centro dos debates

Tanto no debate entre os candidatos a presidente como no dos a vice-presidente, o Projeto 2025 foi citado. “O que vocês vão ouvir nesta noite é um plano detalhado e perigoso, que o ex-presidente (Trump) pretende implementar se for eleito novamente”, disse Kamala, no debate, no início de setembro. Procurada pelo Estadão, a Heritage Foundation, não quis falar sobre o projeto.

O site da candidata democrata à presidência destina um espaço especial para seu adversário. Uma foto do ex-presidente Donald Trump e de seu companheiro na chapa, J.D. Vance, o título “Projeto 2025″ e a legenda “revisão de liberdades, proibição nacional do aborto e fim do sistema de freios e contrapesos” compõem a página do site em que os democratas relacionam seus adversários ao programa conservador para o país.

Sede da Heritage Foundation, em Washington DC, Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Na introdução do Projeto 2025, o diretor do projeto, Paul Dans, afirma que “a longa marcha do marxismo cultural através de nossas instituições aconteceu” e que o governo federal é hoje um “gigante armado contra cidadãos americanos e valores conservadores”.

Logo no primeiro capítulo, por exemplo, os autores afirmam que “Abraham Lincoln alertou que a maior ameaça à América viria não de fora, mas de dentro”. “Isso é evidente hoje: seja por meio de obrigações de uso de máscara e vacina, fechamento de escolas e empresas, esforços para impedir que os americanos dirijam carros a gasolina ou usem fogões a gás, ou esforços para acabar com o financiamento a polícia, doutrinar crianças nas escolas, alterar livros queridos, restringir a liberdade de expressão, minar o ideal de igualdade racial ou negar a realidade biológica de que existem apenas dois sexos, a enxurrada de loucura da esquerda parece não ter fim. O próximo governo deve defender os ideais, as famílias e a cultura americanas – coisas nas quais, felizmente, a maioria dos americanos ainda acredita”, diz o livro.

Líder da maioria no Senado, o democrata Chuck Schumer, participa de coletiva atacando as propostas contidas no Projeto 2025, da Heritage Foundation  Foto: Kent Nishimura/AFP

Quais são as propostas do ‘Projeto 2025′

Entre as propostas consideradas mais polêmicas no texto está a de concentrar poderes nas mãos do presidente – seja ampliando sua autoridade sobre agências seja reduzindo o número de funcionários públicos de carreira para substituí-los por indicação política. “A agenda do presidente que deve importar para os departamentos e agências que operam sob sua autoridade constitucional e que, em geral, são os conselheiros escolhidos pelo presidente que têm a melhor noção dos objetivos e intenções do presidente, tanto em relação às políticas que ele pretende implementar quanto em relação aos interesses que precisam ser assegurados para governar com sucesso em nome do povo americano”, afirma o texto.

Na avaliação do professor de governo Hans Noel, da Georgetown University, o projeto foi escrito para resolver “fraquezas” do governo Trump, no qual, diz ele, não havia pessoas preparadas para fazer o que o então presidente desejava. “Trump não assumiu o governo com um plano nem com conexões no Partido Republicano. Seu estilo de governar era o de um empresário, mas política não é um negócio. Existe uma enorme burocracia, e pessoas que não vão fazer simplesmente o que ele manda, porque existe uma legislação”, afirma Noel.

Professor do departamento de ciência política da Universidade de Chicago e autor do livro “The Thinkers: The Rise of Partisan Think Tanks and the Polarization of American Politics” (“Os pensadores: a ascensão dos think tanks partidários e a polarização da política americana”, em tradução literal), E.J. Fagan destaca que o projeto busca apresentar uma alternativa legal para que o presidente não tenha de executar o Orçamento aprovado no Congresso. “Isso provavelmente seria inconstitucional. Mas, se vier a ocorrer, não sabemos como a Suprema Corte avaliaria o assunto”, diz ele, lembrando que seis dos nove juízes na corte foram indicados por presidentes republicanos.

Seu navegador não suporta esse video.

Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Outra sugestão polêmica do Projeto 2025 é a eliminação do Ministério da Educação. De acordo com o livro, as educações básica e secundária devem ser financiadas publicamente, mas as decisões educacionais precisam ser tomadas pelas famílias.

“Cada pai deve ter a opção de direcionar a parte do financiamento educacional de seu filho por meio de uma conta de poupança educacional, financiada em sua maioria por contribuintes estaduais e locais, que capacitaria os pais a escolher um conjunto de opções educacionais que atendam às necessidades únicas de seus filhos.”

Há ainda afirmações de que apenas um governo conservador é capaz de respeitar a Constituição. Sobre o aborto – um dos temas mais sensíveis dessas eleições –, o Projeto 2025 não afirma que ele deve ser proibido, mas sugere diferentes medidas que quase o inviabilizam e que não precisam de aprovação do Congresso, como a restrição ao acesso a pílulas abortivas por parte da FDA (o equivalente à Anvisa brasileira). Em relação à transição energética, diz que o “próximo governo conservador” deve “parar com a guerra contra o petróleo e o gás natural” e revogar “projetos de lei de gastos massivos”, como a Lei de Redução da Inflação (que dá subsídios a investimentos de energia renovável).

O que dizem Trump e a Heritage Foundation

Diante da repercussão negativa do Projeto 2025 e do risco de uma agenda radical afastar o eleitorado indeciso, Trump tem tentado desvencilhar sua imagem do livro. Por parte da fundação, as afirmações também são de que o ex-presidente não tem relação com o projeto.

Painel na sede da Heritage Foundation, em Washington, nos Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Em textos publicados em seu site, a fundação vem alegando que apresenta um compilados de sugestões de políticas para o país a cada quatro anos desde 1981 e que é normal think thanks ligados a diferentes correntes políticas terem em seu quadro ex-funcionários de governos. “Como apenas um exemplo, o Center for American Progress, de extrema esquerda, elabora recomendações de políticas para presidentes progressistas, inclusive o fez para o presidente Obama em 2008″, diz um dos textos.

O professor E.J. Fagan, da Universidade de Chicago, destaca, no entanto, que o Projeto 2025 é diferente de trabalhos elaborados anteriormente pela Heritage Foundation. Segundo ele, com exceção do governo Ronald Regan, nos anos 1980, a fundação sempre ficou à margem do poder e do Partido Republicano. Nos últimos 30 anos, considerava os republicanos pouco conservadores. Em 2020, porém, passou a contratar os ex-funcionários do alto escalão do governo Trump.

Ele afirma acreditar que, mesmo com as recentes brigas entre a campanha Trump e a Heritage Foundation, o republicano – se eleito – indicará para seu governo pessoas ligadas ao Projeto 2025. “Se Trump vencer agora, eles (os membros da fundação) estarão lá, mais dentro do governo do que nunca estiveram”, diz Fagan.

A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

WASHINGTON D.C. (ESTADOS UNIDOS) - Donald Trump vem crescendo nas pesquisas e pulverizando a vantagem da democrata Kamala Harris. Aos 78 anos, exausto pelo sprint final, segundo assessores, ele vem cancelando aparições em programas de TV, podcasts e entrevistas. Para manter o bom momento, uma das prioridades da campanha passou a ser se desvencilhar do Projeto 2025, plano ultraconservador para mudar a cara das instituições americana.

Há meses, Trump vem tentado se distanciar do Projeto 2025, mas o esforço se intensificou nesta semana, quando sua equipe incumbida de compilar nomes para um governo de transição anunciou uma lista de assessores banidos, incluindo vários nomes que assinaram o rascunho de projeto. Também foram proscritos todos os funcionários que renunciaram após os ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021, e qualquer um percebido como desleal ao ex-presidente.

Considerado por parte da imprensa americana como “ultraconservador”, o Projeto 2025 é um documento de 900 páginas com propostas para o futuro governo americano organizado por um dos maiores centros de lobby e estudos conservadores do mundo, a Heritage Foundation. Ele prevê quatro objetivos: “restaurar a família como peça central da vida americana”, “desmontar o Estado administrativo e devolver a autogestão ao povo”, “defender a soberania contra ameaças globais” e “garantir o direito individual dado por Deus de desfrutar das bênçãos da liberdade”.

O candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, participa de um comício em Detroit, nos EUA  Foto: Evan Vucci/AP

Segundo os democratas, no entanto, o objetivo é restringir liberdades individuais, banir o aborto em caráter nacional e minar o sistema de freios e contrapesos, entre outras ideias ultraconservadoras.

Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, um aliado de Trump, chegou a declarar em abril, em entrevista ao War Room, podcast do guru conservador Steve Bannon, que o Projeto 2025 era “a segunda revolução americana”, que seria feita sem derramamento de sangue, “se a esquerda permitir”.

O volume de críticas foi tão grande que, três dias depois, o ex-presidente foi obrigado a se fazer de desentendido. “Não sei do que se trata”, escreveu na sua rede social. “Não tenho a menor ideia de quem está por trás disso.”

O problema é que pelo menos 140 pessoas que trabalharam no governo Trump – incluindo seis secretários que ocuparam cargos em seu gabinete, além de quatro embaixadores indicados por ele – estão envolvidos no Projeto 2025.

Projeto 2025 no centro dos debates

Tanto no debate entre os candidatos a presidente como no dos a vice-presidente, o Projeto 2025 foi citado. “O que vocês vão ouvir nesta noite é um plano detalhado e perigoso, que o ex-presidente (Trump) pretende implementar se for eleito novamente”, disse Kamala, no debate, no início de setembro. Procurada pelo Estadão, a Heritage Foundation, não quis falar sobre o projeto.

O site da candidata democrata à presidência destina um espaço especial para seu adversário. Uma foto do ex-presidente Donald Trump e de seu companheiro na chapa, J.D. Vance, o título “Projeto 2025″ e a legenda “revisão de liberdades, proibição nacional do aborto e fim do sistema de freios e contrapesos” compõem a página do site em que os democratas relacionam seus adversários ao programa conservador para o país.

Sede da Heritage Foundation, em Washington DC, Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Na introdução do Projeto 2025, o diretor do projeto, Paul Dans, afirma que “a longa marcha do marxismo cultural através de nossas instituições aconteceu” e que o governo federal é hoje um “gigante armado contra cidadãos americanos e valores conservadores”.

Logo no primeiro capítulo, por exemplo, os autores afirmam que “Abraham Lincoln alertou que a maior ameaça à América viria não de fora, mas de dentro”. “Isso é evidente hoje: seja por meio de obrigações de uso de máscara e vacina, fechamento de escolas e empresas, esforços para impedir que os americanos dirijam carros a gasolina ou usem fogões a gás, ou esforços para acabar com o financiamento a polícia, doutrinar crianças nas escolas, alterar livros queridos, restringir a liberdade de expressão, minar o ideal de igualdade racial ou negar a realidade biológica de que existem apenas dois sexos, a enxurrada de loucura da esquerda parece não ter fim. O próximo governo deve defender os ideais, as famílias e a cultura americanas – coisas nas quais, felizmente, a maioria dos americanos ainda acredita”, diz o livro.

Líder da maioria no Senado, o democrata Chuck Schumer, participa de coletiva atacando as propostas contidas no Projeto 2025, da Heritage Foundation  Foto: Kent Nishimura/AFP

Quais são as propostas do ‘Projeto 2025′

Entre as propostas consideradas mais polêmicas no texto está a de concentrar poderes nas mãos do presidente – seja ampliando sua autoridade sobre agências seja reduzindo o número de funcionários públicos de carreira para substituí-los por indicação política. “A agenda do presidente que deve importar para os departamentos e agências que operam sob sua autoridade constitucional e que, em geral, são os conselheiros escolhidos pelo presidente que têm a melhor noção dos objetivos e intenções do presidente, tanto em relação às políticas que ele pretende implementar quanto em relação aos interesses que precisam ser assegurados para governar com sucesso em nome do povo americano”, afirma o texto.

Na avaliação do professor de governo Hans Noel, da Georgetown University, o projeto foi escrito para resolver “fraquezas” do governo Trump, no qual, diz ele, não havia pessoas preparadas para fazer o que o então presidente desejava. “Trump não assumiu o governo com um plano nem com conexões no Partido Republicano. Seu estilo de governar era o de um empresário, mas política não é um negócio. Existe uma enorme burocracia, e pessoas que não vão fazer simplesmente o que ele manda, porque existe uma legislação”, afirma Noel.

Professor do departamento de ciência política da Universidade de Chicago e autor do livro “The Thinkers: The Rise of Partisan Think Tanks and the Polarization of American Politics” (“Os pensadores: a ascensão dos think tanks partidários e a polarização da política americana”, em tradução literal), E.J. Fagan destaca que o projeto busca apresentar uma alternativa legal para que o presidente não tenha de executar o Orçamento aprovado no Congresso. “Isso provavelmente seria inconstitucional. Mas, se vier a ocorrer, não sabemos como a Suprema Corte avaliaria o assunto”, diz ele, lembrando que seis dos nove juízes na corte foram indicados por presidentes republicanos.

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Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Outra sugestão polêmica do Projeto 2025 é a eliminação do Ministério da Educação. De acordo com o livro, as educações básica e secundária devem ser financiadas publicamente, mas as decisões educacionais precisam ser tomadas pelas famílias.

“Cada pai deve ter a opção de direcionar a parte do financiamento educacional de seu filho por meio de uma conta de poupança educacional, financiada em sua maioria por contribuintes estaduais e locais, que capacitaria os pais a escolher um conjunto de opções educacionais que atendam às necessidades únicas de seus filhos.”

Há ainda afirmações de que apenas um governo conservador é capaz de respeitar a Constituição. Sobre o aborto – um dos temas mais sensíveis dessas eleições –, o Projeto 2025 não afirma que ele deve ser proibido, mas sugere diferentes medidas que quase o inviabilizam e que não precisam de aprovação do Congresso, como a restrição ao acesso a pílulas abortivas por parte da FDA (o equivalente à Anvisa brasileira). Em relação à transição energética, diz que o “próximo governo conservador” deve “parar com a guerra contra o petróleo e o gás natural” e revogar “projetos de lei de gastos massivos”, como a Lei de Redução da Inflação (que dá subsídios a investimentos de energia renovável).

O que dizem Trump e a Heritage Foundation

Diante da repercussão negativa do Projeto 2025 e do risco de uma agenda radical afastar o eleitorado indeciso, Trump tem tentado desvencilhar sua imagem do livro. Por parte da fundação, as afirmações também são de que o ex-presidente não tem relação com o projeto.

Painel na sede da Heritage Foundation, em Washington, nos Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Em textos publicados em seu site, a fundação vem alegando que apresenta um compilados de sugestões de políticas para o país a cada quatro anos desde 1981 e que é normal think thanks ligados a diferentes correntes políticas terem em seu quadro ex-funcionários de governos. “Como apenas um exemplo, o Center for American Progress, de extrema esquerda, elabora recomendações de políticas para presidentes progressistas, inclusive o fez para o presidente Obama em 2008″, diz um dos textos.

O professor E.J. Fagan, da Universidade de Chicago, destaca, no entanto, que o Projeto 2025 é diferente de trabalhos elaborados anteriormente pela Heritage Foundation. Segundo ele, com exceção do governo Ronald Regan, nos anos 1980, a fundação sempre ficou à margem do poder e do Partido Republicano. Nos últimos 30 anos, considerava os republicanos pouco conservadores. Em 2020, porém, passou a contratar os ex-funcionários do alto escalão do governo Trump.

Ele afirma acreditar que, mesmo com as recentes brigas entre a campanha Trump e a Heritage Foundation, o republicano – se eleito – indicará para seu governo pessoas ligadas ao Projeto 2025. “Se Trump vencer agora, eles (os membros da fundação) estarão lá, mais dentro do governo do que nunca estiveram”, diz Fagan.

A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

WASHINGTON D.C. (ESTADOS UNIDOS) - Donald Trump vem crescendo nas pesquisas e pulverizando a vantagem da democrata Kamala Harris. Aos 78 anos, exausto pelo sprint final, segundo assessores, ele vem cancelando aparições em programas de TV, podcasts e entrevistas. Para manter o bom momento, uma das prioridades da campanha passou a ser se desvencilhar do Projeto 2025, plano ultraconservador para mudar a cara das instituições americana.

Há meses, Trump vem tentado se distanciar do Projeto 2025, mas o esforço se intensificou nesta semana, quando sua equipe incumbida de compilar nomes para um governo de transição anunciou uma lista de assessores banidos, incluindo vários nomes que assinaram o rascunho de projeto. Também foram proscritos todos os funcionários que renunciaram após os ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021, e qualquer um percebido como desleal ao ex-presidente.

Considerado por parte da imprensa americana como “ultraconservador”, o Projeto 2025 é um documento de 900 páginas com propostas para o futuro governo americano organizado por um dos maiores centros de lobby e estudos conservadores do mundo, a Heritage Foundation. Ele prevê quatro objetivos: “restaurar a família como peça central da vida americana”, “desmontar o Estado administrativo e devolver a autogestão ao povo”, “defender a soberania contra ameaças globais” e “garantir o direito individual dado por Deus de desfrutar das bênçãos da liberdade”.

O candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, participa de um comício em Detroit, nos EUA  Foto: Evan Vucci/AP

Segundo os democratas, no entanto, o objetivo é restringir liberdades individuais, banir o aborto em caráter nacional e minar o sistema de freios e contrapesos, entre outras ideias ultraconservadoras.

Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, um aliado de Trump, chegou a declarar em abril, em entrevista ao War Room, podcast do guru conservador Steve Bannon, que o Projeto 2025 era “a segunda revolução americana”, que seria feita sem derramamento de sangue, “se a esquerda permitir”.

O volume de críticas foi tão grande que, três dias depois, o ex-presidente foi obrigado a se fazer de desentendido. “Não sei do que se trata”, escreveu na sua rede social. “Não tenho a menor ideia de quem está por trás disso.”

O problema é que pelo menos 140 pessoas que trabalharam no governo Trump – incluindo seis secretários que ocuparam cargos em seu gabinete, além de quatro embaixadores indicados por ele – estão envolvidos no Projeto 2025.

Projeto 2025 no centro dos debates

Tanto no debate entre os candidatos a presidente como no dos a vice-presidente, o Projeto 2025 foi citado. “O que vocês vão ouvir nesta noite é um plano detalhado e perigoso, que o ex-presidente (Trump) pretende implementar se for eleito novamente”, disse Kamala, no debate, no início de setembro. Procurada pelo Estadão, a Heritage Foundation, não quis falar sobre o projeto.

O site da candidata democrata à presidência destina um espaço especial para seu adversário. Uma foto do ex-presidente Donald Trump e de seu companheiro na chapa, J.D. Vance, o título “Projeto 2025″ e a legenda “revisão de liberdades, proibição nacional do aborto e fim do sistema de freios e contrapesos” compõem a página do site em que os democratas relacionam seus adversários ao programa conservador para o país.

Sede da Heritage Foundation, em Washington DC, Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Na introdução do Projeto 2025, o diretor do projeto, Paul Dans, afirma que “a longa marcha do marxismo cultural através de nossas instituições aconteceu” e que o governo federal é hoje um “gigante armado contra cidadãos americanos e valores conservadores”.

Logo no primeiro capítulo, por exemplo, os autores afirmam que “Abraham Lincoln alertou que a maior ameaça à América viria não de fora, mas de dentro”. “Isso é evidente hoje: seja por meio de obrigações de uso de máscara e vacina, fechamento de escolas e empresas, esforços para impedir que os americanos dirijam carros a gasolina ou usem fogões a gás, ou esforços para acabar com o financiamento a polícia, doutrinar crianças nas escolas, alterar livros queridos, restringir a liberdade de expressão, minar o ideal de igualdade racial ou negar a realidade biológica de que existem apenas dois sexos, a enxurrada de loucura da esquerda parece não ter fim. O próximo governo deve defender os ideais, as famílias e a cultura americanas – coisas nas quais, felizmente, a maioria dos americanos ainda acredita”, diz o livro.

Líder da maioria no Senado, o democrata Chuck Schumer, participa de coletiva atacando as propostas contidas no Projeto 2025, da Heritage Foundation  Foto: Kent Nishimura/AFP

Quais são as propostas do ‘Projeto 2025′

Entre as propostas consideradas mais polêmicas no texto está a de concentrar poderes nas mãos do presidente – seja ampliando sua autoridade sobre agências seja reduzindo o número de funcionários públicos de carreira para substituí-los por indicação política. “A agenda do presidente que deve importar para os departamentos e agências que operam sob sua autoridade constitucional e que, em geral, são os conselheiros escolhidos pelo presidente que têm a melhor noção dos objetivos e intenções do presidente, tanto em relação às políticas que ele pretende implementar quanto em relação aos interesses que precisam ser assegurados para governar com sucesso em nome do povo americano”, afirma o texto.

Na avaliação do professor de governo Hans Noel, da Georgetown University, o projeto foi escrito para resolver “fraquezas” do governo Trump, no qual, diz ele, não havia pessoas preparadas para fazer o que o então presidente desejava. “Trump não assumiu o governo com um plano nem com conexões no Partido Republicano. Seu estilo de governar era o de um empresário, mas política não é um negócio. Existe uma enorme burocracia, e pessoas que não vão fazer simplesmente o que ele manda, porque existe uma legislação”, afirma Noel.

Professor do departamento de ciência política da Universidade de Chicago e autor do livro “The Thinkers: The Rise of Partisan Think Tanks and the Polarization of American Politics” (“Os pensadores: a ascensão dos think tanks partidários e a polarização da política americana”, em tradução literal), E.J. Fagan destaca que o projeto busca apresentar uma alternativa legal para que o presidente não tenha de executar o Orçamento aprovado no Congresso. “Isso provavelmente seria inconstitucional. Mas, se vier a ocorrer, não sabemos como a Suprema Corte avaliaria o assunto”, diz ele, lembrando que seis dos nove juízes na corte foram indicados por presidentes republicanos.

Seu navegador não suporta esse video.

Conhecido como 'Nostradamus das eleições americanas', o historiador Allan Lichtman faz sua aposta para o resultado

Outra sugestão polêmica do Projeto 2025 é a eliminação do Ministério da Educação. De acordo com o livro, as educações básica e secundária devem ser financiadas publicamente, mas as decisões educacionais precisam ser tomadas pelas famílias.

“Cada pai deve ter a opção de direcionar a parte do financiamento educacional de seu filho por meio de uma conta de poupança educacional, financiada em sua maioria por contribuintes estaduais e locais, que capacitaria os pais a escolher um conjunto de opções educacionais que atendam às necessidades únicas de seus filhos.”

Há ainda afirmações de que apenas um governo conservador é capaz de respeitar a Constituição. Sobre o aborto – um dos temas mais sensíveis dessas eleições –, o Projeto 2025 não afirma que ele deve ser proibido, mas sugere diferentes medidas que quase o inviabilizam e que não precisam de aprovação do Congresso, como a restrição ao acesso a pílulas abortivas por parte da FDA (o equivalente à Anvisa brasileira). Em relação à transição energética, diz que o “próximo governo conservador” deve “parar com a guerra contra o petróleo e o gás natural” e revogar “projetos de lei de gastos massivos”, como a Lei de Redução da Inflação (que dá subsídios a investimentos de energia renovável).

O que dizem Trump e a Heritage Foundation

Diante da repercussão negativa do Projeto 2025 e do risco de uma agenda radical afastar o eleitorado indeciso, Trump tem tentado desvencilhar sua imagem do livro. Por parte da fundação, as afirmações também são de que o ex-presidente não tem relação com o projeto.

Painel na sede da Heritage Foundation, em Washington, nos Estados Unidos Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Em textos publicados em seu site, a fundação vem alegando que apresenta um compilados de sugestões de políticas para o país a cada quatro anos desde 1981 e que é normal think thanks ligados a diferentes correntes políticas terem em seu quadro ex-funcionários de governos. “Como apenas um exemplo, o Center for American Progress, de extrema esquerda, elabora recomendações de políticas para presidentes progressistas, inclusive o fez para o presidente Obama em 2008″, diz um dos textos.

O professor E.J. Fagan, da Universidade de Chicago, destaca, no entanto, que o Projeto 2025 é diferente de trabalhos elaborados anteriormente pela Heritage Foundation. Segundo ele, com exceção do governo Ronald Regan, nos anos 1980, a fundação sempre ficou à margem do poder e do Partido Republicano. Nos últimos 30 anos, considerava os republicanos pouco conservadores. Em 2020, porém, passou a contratar os ex-funcionários do alto escalão do governo Trump.

Ele afirma acreditar que, mesmo com as recentes brigas entre a campanha Trump e a Heritage Foundation, o republicano – se eleito – indicará para seu governo pessoas ligadas ao Projeto 2025. “Se Trump vencer agora, eles (os membros da fundação) estarão lá, mais dentro do governo do que nunca estiveram”, diz Fagan.

A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

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