TÓQUIO (AP) — Algumas cabanas de telhado azul, uma plataforma elevada de concreto e uma faixa de brita são tudo o que separa as Coreias em Panmunjom, um raro ponto de contato próximo à fronteira mais pesadamente fortificada no planeta. Indivíduos só atravessaram essa fina linha divisória sob circunstâncias muito especiais, pisando em duas nações tecnicamente ainda em guerra.
O ex-presidente americano Donald Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, fizeram isso. O ex-presidente sul-coreano Moon Jae-in caminhou ao lado de Kim através da fronteira. Em 2017, um soldado desertor do Norte cruzou próximo daquele ponto, sob fogo pesado, numa corrida desesperada.
E nesta semana um soldado americano diante de um possível processo disciplinar militar atravessou a fronteira, provocando um incidente internacional capaz de piorar as relações já tensas na Península da Coreia, onde o Norte realizou dúzias de testes de mísseis este ano ao mesmo tempo que trabalhou para fazer avançar seu programa nuclear para conseguir atingir o território continental dos Estados Unidos.
Grande parte da Zona Desmilitarizada (DMZ), uma faixa de 4 quilômetros de largura que se estende pela fronteira coreana, é área de vida selvagem, guarnecida por campos minados, cercas de arame farpado, armadilhas de tanques e soldados armados dos dois lados. A região é vigiada conjuntamente pelo Comando das Nações Unidas na Coreia, liderado pelos EUA, e pela Coreia do Norte.
Vilarejo
Mas Panmunjom, um vilarejo rural anteriormente obscuro na DMZ, que passou a abrigar uma “Área de Segurança Conjunta”, é diferente — o local se transformou em um ponto turístico, um dos mais surreais do planeta.
Os soldados sul-coreanos que ficam de guarda na fronteira, vigiando o outro lado, tornam palpáveis as sete décadas de divisão desde o fim dos combates da Guerra da Coreia. Os soldados norte-coreanos também estão lá, mas menos visíveis na maioria dos dias.
A Península da Coreia foi dividida no fim da 2.ª Guerra entre o Norte, controlado pela União Soviética, e o Sul, apoiado pelos EUA. Foi em Panmunjom que forças americanas e norte-coreanas negociaram e, eventualmente, assinaram uma trégua em 1953, que pôs fim aos combates e criou a DMZ. Um tratado de paz formal nunca foi assinado.
Uma atmosfera festiva pode pairar ocasionalmente no entorno de Panmunjom, com lojas de souvenir, restaurantes de fast-food e torrentes de turistas, apesar da Coreia do Norte estar fechada para o turismo em razão da pandemia de coronavírus desde o início de 2020. No lado sul-coreano, há um parque de diversões próximo ao vilarejo e chegou a funcionar uma lanchonete Popeyes.
Excursões turísticas ao sul da fronteira atraíam cerca de 100 mil visitantes ao ano antes da pandemia, quando a Coreia do Sul restringiu aglomerações para diminuir o ritmo do avanço da covid-19. O turismo foi retomado completamente no ano passado.
A área remonta também à Guerra Fria, um tempo de trocas de hostilidades e narrativas temerárias e inflamadas entre rivais com armas nucleares. Houve assassinatos a machadadas, sobrevoos de bombardeiros americanos e defecções desesperadas ao longo da fronteira. Presidentes e autoridades graduadas dos EUA visitaram regularmente o lado sul da DMZ para produzir ensaios fotográficos propagandísticos.
A área turística é próxima de Seul, que se localiza dentro do alcance de 70% da artilharia do estimado 1,2 milhão de soldados norte-coreanos estacionados ao longo da fronteira.
Há intercâmbios verbais ocasionais entre soldados americanos e norte-coreanos na Linha de Demarcação no vilarejo, com frequência com fins de comércio.
Talvez para os turistas a fronteira pareça emocionante, mas para os soldados que a guardam é uma proposta perigosa vigiá-la, chegando a patrulhar a poucos metros do limite.
Frequentemente passam-se meses ou anos sem nenhum incidente, mas quando algo acontece, pode haver violência.
Histórico
Em 1976, soldados norte-coreanos mataram a machadadas dois oficiais do Exército americano, e Washington respondeu lançando dois bombardeiros B-52 com capacidade nuclear na direção da DMZ, numa tentativa de intimidar o Norte.
Em 1984, soldados norte-americanos e do comando da ONU trocaram tiros quando um cidadão soviético fugiu, correndo, através da DMZ até o Sul. Três soldados norte-coreanos e um sul-coreano foram mortos.
Em 2017, quando um soldado norte-coreano em fuga atravessou a DMZ com um jipe até bater e saiu correndo para o Sul, militares do Norte abriram fogo de pistolas e fuzis contra o desertor antes de soldados sul-coreanos conseguirem socorrê-lo, baleado, e levá-lo para um local seguro. Os militares do Sul não responderam ao fogo norte-coreano.
Saiba mais
Norte-coreanos que fogem para o Sul — estimados 30 mil desde o fim dos combates da Guerra da Coreia — optam normalmente por atravessar a fronteira mais porosa entre seu país e a China.
Em 2019, durante um período que testemunhou diplomacia sem precedentes entre Pyongyang, Washington e Seul, Trump e Kim apertaram as mãos na fronteira. Trump desceu da plataforma de concreto, tornando-se o primeiro presidente americano a pôr os pés em território norte-coreano.
Na terça-feira, o soldado de 2.ª classe Travis King, de 23 anos, tornou-se o primeiro americano de que se tem notícia a ser preso no Norte em quase cinco anos, depois que ele atravessou a fronteira em Panmunjom.
King, que havia passado dois meses na cadeia no Sul, tinha sido preso por acusações de assalto e seria mandado para o Fort Bliss, no Texas, na segunda-feira, onde poderia enfrentar mais ações disciplinares e ser exonerado do serviço militar. Mas autoridades afirmam que, em vez de embarcar no avião para os EUA, King deixou o aeroporto e se juntou a uma excursão turística a Panmunjom. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO