Como Erdogan reconquistou o sul da Turquia arrasado pelo terremoto


Tremores que deixaram mais de 50 mil mortos afetaram a reputação do presidente turco, mas com investimento e promessas o líder recuperou sua popularidade

Por Murat Oztaskin

NURDAGI, Turquia — Próximo ao centro desta pequena cidade no sul da Turquia, um pai e seus filhos carregavam portas e janelas que tinham recolhido de um prédio residencial abandonado até um caminhão à espera, esmagando cacos de vidro ao caminhar. A rua, antes delineada por edifícios altos, era definida agora por terrenos repletos de escombros.

No fim da via, um posto de gasolina ainda funcionava. O frentista Eren Yaka, de 18 anos, tinha participado de uma eleição pela primeira vez, votando no presidente Recep Tayyip Erdogan. “Nós estamos com o ‘reis’”, afirmou ele, referindo-se a Erdogan com um termo da era otomana que significa líder ou comandante, com o qual o presidente se alcunhou.

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O epicentro do primeiro dos dois terremotos que sacudiram o sul da Turquia em 6 de fevereiro se situou a menos de 25 quilômetros de Nurdagi. Os tremores deixaram a maior parte da cidade em ruínas. Um boom imobiliário de duas décadas por aqui, emblemático em relação ao foco nacional de Erdogan em desenvolvimento, mais do que dobrou a população local, para cerca de 25 mil pessoas. Um em cada seis habitantes de Nurdagi morreu nos terremotos. Mais de 50 mil pessoas morreram na região, de acordo com cifras oficiais; muitos observadores acreditam que o número real é muito maior.

Uma escavadeira remove os restos de edifícios fortemente danificados e destruídos pelo forte terremoto de fevereiro em Kahramanmaras, sudeste da Turquia Foto: Metin Yoksu / AP

Os terremotos ocorreram em um momento tenso para Erdogan, que já se preparava para enfrentar a eleição mais difícil em duas décadas. Pesquisas sugeriam que o poder lhe estava escapando, principalmente em razão da economia em crise e da inflação nas alturas. Conforme a escala do desastre foi ficando evidente e seu governo enfrentava dificuldades para responder, muitos esperaram que um preço político poderia ser cobrado do presidente. Mas em 14 de maio, por todo o sul turco arrasado — um tradicional reduto de Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) os eleitores permaneceram firmes em seu apoio ao líder.

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Nas seis províncias com maior número de mortes, Erdogan conquistou em média 63% dos votos. Ele perdeu em Hatay, a região mais devastada, mas apenas por 0,05 ponto porcentual. Nacionalmente, Erdogan obteve 49% dos votos; Kemal Kilicdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP) e da aliança de oposição, conquistou 45% do eleitorado. Ambos se enfrentarão em segundo turno em 28 de maio, com o presidente em posição de liderança para solidificar seu poder.

“Erdogan é um homem bom”, afirmou Yaka. “Depois dos terremotos, Deus o abençoe, ele cuidou muito bem da gente.”

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Após o prédio de quatro andares em que Yaka vivia ficar danificado e condenado, o governo lhe deu uma casa-contêiner que, disse ele, veio equipada com aparelho de ar-condicionado e máquinas de lavar roupa e louça. “Erdogan ajudou muito as vítimas”, acrescentou ele. “Essas coisas são claramente visíveis.”

Retomada

Grande parte da culpa da escala da devastação foi atribuída a práticas desleixadas de construção possibilitadas em parte por Erdogan e pelo Parlamento controlado pelo AKP. Esforços de resgate demorados e desorganizados também foram amplamente culpados por exacerbar o número de mortes e levantaram questões urgentes a respeito do presidente ter esvaziado instituições do Estado.

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Mas em um país tão polarizado quanto a Turquia, a tragédia não parece ter mudado os fundamentos da política. “O eleitorado turco está dividido entre dois blocos mais ou menos congelados”, afirmou o cientista político Murat Somer, da Universidade Koc, de Istambul.

Uma pesquisa pré-eleitoral do Instituto Ancara, um centro de estudos, revelou uma distinção clara entre as linhas partidárias: mais de 90% dos eleitores do AKP sentiram que o governo lidou de maneira correta com os terremotos; e aproximadamente 96% dos eleitores do CHP sentiram o oposto.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, discursa para apoiadores antes do segundo turno das eleições do país, que está marcado para o próximo domingo, 28  Foto: Assessoria de imprensa do presidente da Turqiua / REUTERS
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Trata-se de uma dinâmica reforçada por um controle estatal quase completo dos meios de comunicação, segundo Gonul Tol, diretora do programa para Turquia do Instituto do Oriente Médio: “Em sociedades polarizadas e especialmente em autocracias, em que o acesso à informação é limitado, as verdades podem não importar tanto”, afirmou ela.

Cerca de uma hora ao norte de Nurdagi fica Kahramanmaras, uma cidade de mais de meio milhão de habitantes em uma das regiões mais atingidas na zona de desastre. Mehmet, um técnico de eletrodomésticos de 57 anos que votou em Erdogan e no AKP, apontou para o acampamento em que estava vivendo com sua mulher e comércios locais que tinham começado a funcionar em uma vila de casas pré-fabricadas próximo de lá. “O que mais eles poderiam possivelmente fazer?”, disse ele.

Como outros habitantes desta cidade, Mehmet falou sob condição de ter o sobrenome omitido — ou não ser identificado de nenhuma maneira — temendo repercussões por falar de política abertamente.

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Ele se sentou na mureta de um prédio do governo, na mesma rua de um estádio de esportes a céu aberto que abrigou barracas por várias semanas antes disso, antes de também ser desmontado. Erdogan visitou a cidade em 8 de fevereiro, dois dias depois dos terremotos, e, discursando no estádio, ele reconheceu a lentidão na resposta do Estado e pediu unidade. “Isso foi muito importante”, afirmou um trabalhador da construção civil, de 35 anos, de Kahramanmaras. “Ele não nos deixou aqui sozinhos.”

Danos

A agência de monitoramento e mitigação de desastres da Turquia estima que cerca de 2 milhões de pessoas se mudaram da zona atingida pelos terremotos. Os sobreviventes tiveram até 2 de abril para se registrar para votar em novos distritos, mas apenas 133 mil o fizeram, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia. Todos os outros eleitores que quiseram votar tiveram de viajar de volta para as áreas que abandonaram, alguns por conta própria, outros financiados por organizações políticas ou doações privadas.

Ainda não se sabe quantas pessoas conseguiram fazer essas viagens. Enquanto em média 89% dos eleitores turcos compareceram às urnas no primeiro turno da eleição, em grande parte da zona de desastre a participação foi menor, de 5 a 6 pontos porcentuais mais baixa em certas províncias. Em Hatay, o comparecimento caiu para 83%, apesar de até esse índice ter superado expectativas, afirmou Bulent Ok, autoridade do governo local, do Partido Republicano do Povo (CHP), mesma sigla do candidato da oposição a presidência do país, Kemal Kilicdaroglu.

Erdogan provou-se mais resiliente politicamente por aqui do que seu partido. Nas eleições parlamentares que definiram os 600 assentos da Assembleia Nacional da Turquia, o AKP recebeu mais votos do que qualquer outro partido nas regiões atingidas pelos terremotos, mas consideravelmente menos que em 2018. O apoio ao AKP em Kahramanmaras caiu 11 pontos porcentuais. “As pessoas demonstraram raiva em relação ao AKP, não contra o presidente Erdogan”, afirmou Seren Korkmaz, diretora-executiva do instituto de análise IstanPol. Apesar de perder 27 assentos no Parlamento, o AKP manteve apoio suficiente para manter sua aliança majoritária.

Okkes, um segurança aposentado, de 64 anos, de Kahramanmaras, criticou duramente o governo do AKP na cidade, particularmente em razão do que ele descreveu como uma ausência de liderança de seu prefeito. “A esquerda e a direita” estão furiosas, afirmou ele.

“As pessoas estão acostumadas a simplesmente votar no AKP sem pensar a respeito”, acrescentou Okkes. “Depois disso tudo será difícil para o partido permanecer no poder”, disse ele, enquanto vendia utensílios domésticos expostos sobre seu carro em uma estrada ao sul do antigo estádio. O terreno atrás dele, que antes abrigava um prédio residencial de oito andares, virou um pátio de contêineres.

Okkes recusou-se a dizer em quem votou.

Alguns dos que votaram em Erdogan falam do presidente como se ele fosse um velho amigo. “Ele entende a gente completamente, conhece a gente bem”, afirmou Mehmet, o técnico de eletrodomésticos. “Nós sabemos quem o nosso presidente é.”

Em um tempo de desastre e incerteza, afirmou Tol, as pessoas “só querem um líder assertivo”.

O líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, irá enfrentar o atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no segundo turno das eleições  Foto: Erdem Sahin / EFE

Depois dos terremotos, conforme Kilicdaroglu continuou a fazer campanha prometendo reformar a política e o consertar a economia, alguns eleitores nas zonas atingidas passaram a acreditar que Erdogan é o único que cuida deles. O presidente revelou um plano de reconstrução — de erguer habitações para todos os deslocados em até um ano — “antes mesmo que as pessoas pudessem tirar os corpos de seus parentes dos escombros”, afirmou Tol.

Korkmaz notou que Kilicdaroglu também tem um plano de recuperação dos terremotos, mas que “as propostas da oposição não chegaram às regiões atingidas” em razão do controle estatal dos meios de comunicação.

“A principal estratégia para Erdogan nesta eleição foi administrar percepções, em vez de produzir soluções para os problemas”, afirmou Korkmaz, que cresceu em Malatya, outra região arrasada. Para seus apoiadores, disse ela, “o presidente Erdogan ainda é o líder supremo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

NURDAGI, Turquia — Próximo ao centro desta pequena cidade no sul da Turquia, um pai e seus filhos carregavam portas e janelas que tinham recolhido de um prédio residencial abandonado até um caminhão à espera, esmagando cacos de vidro ao caminhar. A rua, antes delineada por edifícios altos, era definida agora por terrenos repletos de escombros.

No fim da via, um posto de gasolina ainda funcionava. O frentista Eren Yaka, de 18 anos, tinha participado de uma eleição pela primeira vez, votando no presidente Recep Tayyip Erdogan. “Nós estamos com o ‘reis’”, afirmou ele, referindo-se a Erdogan com um termo da era otomana que significa líder ou comandante, com o qual o presidente se alcunhou.

O epicentro do primeiro dos dois terremotos que sacudiram o sul da Turquia em 6 de fevereiro se situou a menos de 25 quilômetros de Nurdagi. Os tremores deixaram a maior parte da cidade em ruínas. Um boom imobiliário de duas décadas por aqui, emblemático em relação ao foco nacional de Erdogan em desenvolvimento, mais do que dobrou a população local, para cerca de 25 mil pessoas. Um em cada seis habitantes de Nurdagi morreu nos terremotos. Mais de 50 mil pessoas morreram na região, de acordo com cifras oficiais; muitos observadores acreditam que o número real é muito maior.

Uma escavadeira remove os restos de edifícios fortemente danificados e destruídos pelo forte terremoto de fevereiro em Kahramanmaras, sudeste da Turquia Foto: Metin Yoksu / AP

Os terremotos ocorreram em um momento tenso para Erdogan, que já se preparava para enfrentar a eleição mais difícil em duas décadas. Pesquisas sugeriam que o poder lhe estava escapando, principalmente em razão da economia em crise e da inflação nas alturas. Conforme a escala do desastre foi ficando evidente e seu governo enfrentava dificuldades para responder, muitos esperaram que um preço político poderia ser cobrado do presidente. Mas em 14 de maio, por todo o sul turco arrasado — um tradicional reduto de Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) os eleitores permaneceram firmes em seu apoio ao líder.

Nas seis províncias com maior número de mortes, Erdogan conquistou em média 63% dos votos. Ele perdeu em Hatay, a região mais devastada, mas apenas por 0,05 ponto porcentual. Nacionalmente, Erdogan obteve 49% dos votos; Kemal Kilicdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP) e da aliança de oposição, conquistou 45% do eleitorado. Ambos se enfrentarão em segundo turno em 28 de maio, com o presidente em posição de liderança para solidificar seu poder.

“Erdogan é um homem bom”, afirmou Yaka. “Depois dos terremotos, Deus o abençoe, ele cuidou muito bem da gente.”

Após o prédio de quatro andares em que Yaka vivia ficar danificado e condenado, o governo lhe deu uma casa-contêiner que, disse ele, veio equipada com aparelho de ar-condicionado e máquinas de lavar roupa e louça. “Erdogan ajudou muito as vítimas”, acrescentou ele. “Essas coisas são claramente visíveis.”

Retomada

Grande parte da culpa da escala da devastação foi atribuída a práticas desleixadas de construção possibilitadas em parte por Erdogan e pelo Parlamento controlado pelo AKP. Esforços de resgate demorados e desorganizados também foram amplamente culpados por exacerbar o número de mortes e levantaram questões urgentes a respeito do presidente ter esvaziado instituições do Estado.

Mas em um país tão polarizado quanto a Turquia, a tragédia não parece ter mudado os fundamentos da política. “O eleitorado turco está dividido entre dois blocos mais ou menos congelados”, afirmou o cientista político Murat Somer, da Universidade Koc, de Istambul.

Uma pesquisa pré-eleitoral do Instituto Ancara, um centro de estudos, revelou uma distinção clara entre as linhas partidárias: mais de 90% dos eleitores do AKP sentiram que o governo lidou de maneira correta com os terremotos; e aproximadamente 96% dos eleitores do CHP sentiram o oposto.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, discursa para apoiadores antes do segundo turno das eleições do país, que está marcado para o próximo domingo, 28  Foto: Assessoria de imprensa do presidente da Turqiua / REUTERS

Trata-se de uma dinâmica reforçada por um controle estatal quase completo dos meios de comunicação, segundo Gonul Tol, diretora do programa para Turquia do Instituto do Oriente Médio: “Em sociedades polarizadas e especialmente em autocracias, em que o acesso à informação é limitado, as verdades podem não importar tanto”, afirmou ela.

Cerca de uma hora ao norte de Nurdagi fica Kahramanmaras, uma cidade de mais de meio milhão de habitantes em uma das regiões mais atingidas na zona de desastre. Mehmet, um técnico de eletrodomésticos de 57 anos que votou em Erdogan e no AKP, apontou para o acampamento em que estava vivendo com sua mulher e comércios locais que tinham começado a funcionar em uma vila de casas pré-fabricadas próximo de lá. “O que mais eles poderiam possivelmente fazer?”, disse ele.

Como outros habitantes desta cidade, Mehmet falou sob condição de ter o sobrenome omitido — ou não ser identificado de nenhuma maneira — temendo repercussões por falar de política abertamente.

Ele se sentou na mureta de um prédio do governo, na mesma rua de um estádio de esportes a céu aberto que abrigou barracas por várias semanas antes disso, antes de também ser desmontado. Erdogan visitou a cidade em 8 de fevereiro, dois dias depois dos terremotos, e, discursando no estádio, ele reconheceu a lentidão na resposta do Estado e pediu unidade. “Isso foi muito importante”, afirmou um trabalhador da construção civil, de 35 anos, de Kahramanmaras. “Ele não nos deixou aqui sozinhos.”

Danos

A agência de monitoramento e mitigação de desastres da Turquia estima que cerca de 2 milhões de pessoas se mudaram da zona atingida pelos terremotos. Os sobreviventes tiveram até 2 de abril para se registrar para votar em novos distritos, mas apenas 133 mil o fizeram, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia. Todos os outros eleitores que quiseram votar tiveram de viajar de volta para as áreas que abandonaram, alguns por conta própria, outros financiados por organizações políticas ou doações privadas.

Ainda não se sabe quantas pessoas conseguiram fazer essas viagens. Enquanto em média 89% dos eleitores turcos compareceram às urnas no primeiro turno da eleição, em grande parte da zona de desastre a participação foi menor, de 5 a 6 pontos porcentuais mais baixa em certas províncias. Em Hatay, o comparecimento caiu para 83%, apesar de até esse índice ter superado expectativas, afirmou Bulent Ok, autoridade do governo local, do Partido Republicano do Povo (CHP), mesma sigla do candidato da oposição a presidência do país, Kemal Kilicdaroglu.

Erdogan provou-se mais resiliente politicamente por aqui do que seu partido. Nas eleições parlamentares que definiram os 600 assentos da Assembleia Nacional da Turquia, o AKP recebeu mais votos do que qualquer outro partido nas regiões atingidas pelos terremotos, mas consideravelmente menos que em 2018. O apoio ao AKP em Kahramanmaras caiu 11 pontos porcentuais. “As pessoas demonstraram raiva em relação ao AKP, não contra o presidente Erdogan”, afirmou Seren Korkmaz, diretora-executiva do instituto de análise IstanPol. Apesar de perder 27 assentos no Parlamento, o AKP manteve apoio suficiente para manter sua aliança majoritária.

Okkes, um segurança aposentado, de 64 anos, de Kahramanmaras, criticou duramente o governo do AKP na cidade, particularmente em razão do que ele descreveu como uma ausência de liderança de seu prefeito. “A esquerda e a direita” estão furiosas, afirmou ele.

“As pessoas estão acostumadas a simplesmente votar no AKP sem pensar a respeito”, acrescentou Okkes. “Depois disso tudo será difícil para o partido permanecer no poder”, disse ele, enquanto vendia utensílios domésticos expostos sobre seu carro em uma estrada ao sul do antigo estádio. O terreno atrás dele, que antes abrigava um prédio residencial de oito andares, virou um pátio de contêineres.

Okkes recusou-se a dizer em quem votou.

Alguns dos que votaram em Erdogan falam do presidente como se ele fosse um velho amigo. “Ele entende a gente completamente, conhece a gente bem”, afirmou Mehmet, o técnico de eletrodomésticos. “Nós sabemos quem o nosso presidente é.”

Em um tempo de desastre e incerteza, afirmou Tol, as pessoas “só querem um líder assertivo”.

O líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, irá enfrentar o atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no segundo turno das eleições  Foto: Erdem Sahin / EFE

Depois dos terremotos, conforme Kilicdaroglu continuou a fazer campanha prometendo reformar a política e o consertar a economia, alguns eleitores nas zonas atingidas passaram a acreditar que Erdogan é o único que cuida deles. O presidente revelou um plano de reconstrução — de erguer habitações para todos os deslocados em até um ano — “antes mesmo que as pessoas pudessem tirar os corpos de seus parentes dos escombros”, afirmou Tol.

Korkmaz notou que Kilicdaroglu também tem um plano de recuperação dos terremotos, mas que “as propostas da oposição não chegaram às regiões atingidas” em razão do controle estatal dos meios de comunicação.

“A principal estratégia para Erdogan nesta eleição foi administrar percepções, em vez de produzir soluções para os problemas”, afirmou Korkmaz, que cresceu em Malatya, outra região arrasada. Para seus apoiadores, disse ela, “o presidente Erdogan ainda é o líder supremo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

NURDAGI, Turquia — Próximo ao centro desta pequena cidade no sul da Turquia, um pai e seus filhos carregavam portas e janelas que tinham recolhido de um prédio residencial abandonado até um caminhão à espera, esmagando cacos de vidro ao caminhar. A rua, antes delineada por edifícios altos, era definida agora por terrenos repletos de escombros.

No fim da via, um posto de gasolina ainda funcionava. O frentista Eren Yaka, de 18 anos, tinha participado de uma eleição pela primeira vez, votando no presidente Recep Tayyip Erdogan. “Nós estamos com o ‘reis’”, afirmou ele, referindo-se a Erdogan com um termo da era otomana que significa líder ou comandante, com o qual o presidente se alcunhou.

O epicentro do primeiro dos dois terremotos que sacudiram o sul da Turquia em 6 de fevereiro se situou a menos de 25 quilômetros de Nurdagi. Os tremores deixaram a maior parte da cidade em ruínas. Um boom imobiliário de duas décadas por aqui, emblemático em relação ao foco nacional de Erdogan em desenvolvimento, mais do que dobrou a população local, para cerca de 25 mil pessoas. Um em cada seis habitantes de Nurdagi morreu nos terremotos. Mais de 50 mil pessoas morreram na região, de acordo com cifras oficiais; muitos observadores acreditam que o número real é muito maior.

Uma escavadeira remove os restos de edifícios fortemente danificados e destruídos pelo forte terremoto de fevereiro em Kahramanmaras, sudeste da Turquia Foto: Metin Yoksu / AP

Os terremotos ocorreram em um momento tenso para Erdogan, que já se preparava para enfrentar a eleição mais difícil em duas décadas. Pesquisas sugeriam que o poder lhe estava escapando, principalmente em razão da economia em crise e da inflação nas alturas. Conforme a escala do desastre foi ficando evidente e seu governo enfrentava dificuldades para responder, muitos esperaram que um preço político poderia ser cobrado do presidente. Mas em 14 de maio, por todo o sul turco arrasado — um tradicional reduto de Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) os eleitores permaneceram firmes em seu apoio ao líder.

Nas seis províncias com maior número de mortes, Erdogan conquistou em média 63% dos votos. Ele perdeu em Hatay, a região mais devastada, mas apenas por 0,05 ponto porcentual. Nacionalmente, Erdogan obteve 49% dos votos; Kemal Kilicdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP) e da aliança de oposição, conquistou 45% do eleitorado. Ambos se enfrentarão em segundo turno em 28 de maio, com o presidente em posição de liderança para solidificar seu poder.

“Erdogan é um homem bom”, afirmou Yaka. “Depois dos terremotos, Deus o abençoe, ele cuidou muito bem da gente.”

Após o prédio de quatro andares em que Yaka vivia ficar danificado e condenado, o governo lhe deu uma casa-contêiner que, disse ele, veio equipada com aparelho de ar-condicionado e máquinas de lavar roupa e louça. “Erdogan ajudou muito as vítimas”, acrescentou ele. “Essas coisas são claramente visíveis.”

Retomada

Grande parte da culpa da escala da devastação foi atribuída a práticas desleixadas de construção possibilitadas em parte por Erdogan e pelo Parlamento controlado pelo AKP. Esforços de resgate demorados e desorganizados também foram amplamente culpados por exacerbar o número de mortes e levantaram questões urgentes a respeito do presidente ter esvaziado instituições do Estado.

Mas em um país tão polarizado quanto a Turquia, a tragédia não parece ter mudado os fundamentos da política. “O eleitorado turco está dividido entre dois blocos mais ou menos congelados”, afirmou o cientista político Murat Somer, da Universidade Koc, de Istambul.

Uma pesquisa pré-eleitoral do Instituto Ancara, um centro de estudos, revelou uma distinção clara entre as linhas partidárias: mais de 90% dos eleitores do AKP sentiram que o governo lidou de maneira correta com os terremotos; e aproximadamente 96% dos eleitores do CHP sentiram o oposto.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, discursa para apoiadores antes do segundo turno das eleições do país, que está marcado para o próximo domingo, 28  Foto: Assessoria de imprensa do presidente da Turqiua / REUTERS

Trata-se de uma dinâmica reforçada por um controle estatal quase completo dos meios de comunicação, segundo Gonul Tol, diretora do programa para Turquia do Instituto do Oriente Médio: “Em sociedades polarizadas e especialmente em autocracias, em que o acesso à informação é limitado, as verdades podem não importar tanto”, afirmou ela.

Cerca de uma hora ao norte de Nurdagi fica Kahramanmaras, uma cidade de mais de meio milhão de habitantes em uma das regiões mais atingidas na zona de desastre. Mehmet, um técnico de eletrodomésticos de 57 anos que votou em Erdogan e no AKP, apontou para o acampamento em que estava vivendo com sua mulher e comércios locais que tinham começado a funcionar em uma vila de casas pré-fabricadas próximo de lá. “O que mais eles poderiam possivelmente fazer?”, disse ele.

Como outros habitantes desta cidade, Mehmet falou sob condição de ter o sobrenome omitido — ou não ser identificado de nenhuma maneira — temendo repercussões por falar de política abertamente.

Ele se sentou na mureta de um prédio do governo, na mesma rua de um estádio de esportes a céu aberto que abrigou barracas por várias semanas antes disso, antes de também ser desmontado. Erdogan visitou a cidade em 8 de fevereiro, dois dias depois dos terremotos, e, discursando no estádio, ele reconheceu a lentidão na resposta do Estado e pediu unidade. “Isso foi muito importante”, afirmou um trabalhador da construção civil, de 35 anos, de Kahramanmaras. “Ele não nos deixou aqui sozinhos.”

Danos

A agência de monitoramento e mitigação de desastres da Turquia estima que cerca de 2 milhões de pessoas se mudaram da zona atingida pelos terremotos. Os sobreviventes tiveram até 2 de abril para se registrar para votar em novos distritos, mas apenas 133 mil o fizeram, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia. Todos os outros eleitores que quiseram votar tiveram de viajar de volta para as áreas que abandonaram, alguns por conta própria, outros financiados por organizações políticas ou doações privadas.

Ainda não se sabe quantas pessoas conseguiram fazer essas viagens. Enquanto em média 89% dos eleitores turcos compareceram às urnas no primeiro turno da eleição, em grande parte da zona de desastre a participação foi menor, de 5 a 6 pontos porcentuais mais baixa em certas províncias. Em Hatay, o comparecimento caiu para 83%, apesar de até esse índice ter superado expectativas, afirmou Bulent Ok, autoridade do governo local, do Partido Republicano do Povo (CHP), mesma sigla do candidato da oposição a presidência do país, Kemal Kilicdaroglu.

Erdogan provou-se mais resiliente politicamente por aqui do que seu partido. Nas eleições parlamentares que definiram os 600 assentos da Assembleia Nacional da Turquia, o AKP recebeu mais votos do que qualquer outro partido nas regiões atingidas pelos terremotos, mas consideravelmente menos que em 2018. O apoio ao AKP em Kahramanmaras caiu 11 pontos porcentuais. “As pessoas demonstraram raiva em relação ao AKP, não contra o presidente Erdogan”, afirmou Seren Korkmaz, diretora-executiva do instituto de análise IstanPol. Apesar de perder 27 assentos no Parlamento, o AKP manteve apoio suficiente para manter sua aliança majoritária.

Okkes, um segurança aposentado, de 64 anos, de Kahramanmaras, criticou duramente o governo do AKP na cidade, particularmente em razão do que ele descreveu como uma ausência de liderança de seu prefeito. “A esquerda e a direita” estão furiosas, afirmou ele.

“As pessoas estão acostumadas a simplesmente votar no AKP sem pensar a respeito”, acrescentou Okkes. “Depois disso tudo será difícil para o partido permanecer no poder”, disse ele, enquanto vendia utensílios domésticos expostos sobre seu carro em uma estrada ao sul do antigo estádio. O terreno atrás dele, que antes abrigava um prédio residencial de oito andares, virou um pátio de contêineres.

Okkes recusou-se a dizer em quem votou.

Alguns dos que votaram em Erdogan falam do presidente como se ele fosse um velho amigo. “Ele entende a gente completamente, conhece a gente bem”, afirmou Mehmet, o técnico de eletrodomésticos. “Nós sabemos quem o nosso presidente é.”

Em um tempo de desastre e incerteza, afirmou Tol, as pessoas “só querem um líder assertivo”.

O líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, irá enfrentar o atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no segundo turno das eleições  Foto: Erdem Sahin / EFE

Depois dos terremotos, conforme Kilicdaroglu continuou a fazer campanha prometendo reformar a política e o consertar a economia, alguns eleitores nas zonas atingidas passaram a acreditar que Erdogan é o único que cuida deles. O presidente revelou um plano de reconstrução — de erguer habitações para todos os deslocados em até um ano — “antes mesmo que as pessoas pudessem tirar os corpos de seus parentes dos escombros”, afirmou Tol.

Korkmaz notou que Kilicdaroglu também tem um plano de recuperação dos terremotos, mas que “as propostas da oposição não chegaram às regiões atingidas” em razão do controle estatal dos meios de comunicação.

“A principal estratégia para Erdogan nesta eleição foi administrar percepções, em vez de produzir soluções para os problemas”, afirmou Korkmaz, que cresceu em Malatya, outra região arrasada. Para seus apoiadores, disse ela, “o presidente Erdogan ainda é o líder supremo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

NURDAGI, Turquia — Próximo ao centro desta pequena cidade no sul da Turquia, um pai e seus filhos carregavam portas e janelas que tinham recolhido de um prédio residencial abandonado até um caminhão à espera, esmagando cacos de vidro ao caminhar. A rua, antes delineada por edifícios altos, era definida agora por terrenos repletos de escombros.

No fim da via, um posto de gasolina ainda funcionava. O frentista Eren Yaka, de 18 anos, tinha participado de uma eleição pela primeira vez, votando no presidente Recep Tayyip Erdogan. “Nós estamos com o ‘reis’”, afirmou ele, referindo-se a Erdogan com um termo da era otomana que significa líder ou comandante, com o qual o presidente se alcunhou.

O epicentro do primeiro dos dois terremotos que sacudiram o sul da Turquia em 6 de fevereiro se situou a menos de 25 quilômetros de Nurdagi. Os tremores deixaram a maior parte da cidade em ruínas. Um boom imobiliário de duas décadas por aqui, emblemático em relação ao foco nacional de Erdogan em desenvolvimento, mais do que dobrou a população local, para cerca de 25 mil pessoas. Um em cada seis habitantes de Nurdagi morreu nos terremotos. Mais de 50 mil pessoas morreram na região, de acordo com cifras oficiais; muitos observadores acreditam que o número real é muito maior.

Uma escavadeira remove os restos de edifícios fortemente danificados e destruídos pelo forte terremoto de fevereiro em Kahramanmaras, sudeste da Turquia Foto: Metin Yoksu / AP

Os terremotos ocorreram em um momento tenso para Erdogan, que já se preparava para enfrentar a eleição mais difícil em duas décadas. Pesquisas sugeriam que o poder lhe estava escapando, principalmente em razão da economia em crise e da inflação nas alturas. Conforme a escala do desastre foi ficando evidente e seu governo enfrentava dificuldades para responder, muitos esperaram que um preço político poderia ser cobrado do presidente. Mas em 14 de maio, por todo o sul turco arrasado — um tradicional reduto de Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) os eleitores permaneceram firmes em seu apoio ao líder.

Nas seis províncias com maior número de mortes, Erdogan conquistou em média 63% dos votos. Ele perdeu em Hatay, a região mais devastada, mas apenas por 0,05 ponto porcentual. Nacionalmente, Erdogan obteve 49% dos votos; Kemal Kilicdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP) e da aliança de oposição, conquistou 45% do eleitorado. Ambos se enfrentarão em segundo turno em 28 de maio, com o presidente em posição de liderança para solidificar seu poder.

“Erdogan é um homem bom”, afirmou Yaka. “Depois dos terremotos, Deus o abençoe, ele cuidou muito bem da gente.”

Após o prédio de quatro andares em que Yaka vivia ficar danificado e condenado, o governo lhe deu uma casa-contêiner que, disse ele, veio equipada com aparelho de ar-condicionado e máquinas de lavar roupa e louça. “Erdogan ajudou muito as vítimas”, acrescentou ele. “Essas coisas são claramente visíveis.”

Retomada

Grande parte da culpa da escala da devastação foi atribuída a práticas desleixadas de construção possibilitadas em parte por Erdogan e pelo Parlamento controlado pelo AKP. Esforços de resgate demorados e desorganizados também foram amplamente culpados por exacerbar o número de mortes e levantaram questões urgentes a respeito do presidente ter esvaziado instituições do Estado.

Mas em um país tão polarizado quanto a Turquia, a tragédia não parece ter mudado os fundamentos da política. “O eleitorado turco está dividido entre dois blocos mais ou menos congelados”, afirmou o cientista político Murat Somer, da Universidade Koc, de Istambul.

Uma pesquisa pré-eleitoral do Instituto Ancara, um centro de estudos, revelou uma distinção clara entre as linhas partidárias: mais de 90% dos eleitores do AKP sentiram que o governo lidou de maneira correta com os terremotos; e aproximadamente 96% dos eleitores do CHP sentiram o oposto.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, discursa para apoiadores antes do segundo turno das eleições do país, que está marcado para o próximo domingo, 28  Foto: Assessoria de imprensa do presidente da Turqiua / REUTERS

Trata-se de uma dinâmica reforçada por um controle estatal quase completo dos meios de comunicação, segundo Gonul Tol, diretora do programa para Turquia do Instituto do Oriente Médio: “Em sociedades polarizadas e especialmente em autocracias, em que o acesso à informação é limitado, as verdades podem não importar tanto”, afirmou ela.

Cerca de uma hora ao norte de Nurdagi fica Kahramanmaras, uma cidade de mais de meio milhão de habitantes em uma das regiões mais atingidas na zona de desastre. Mehmet, um técnico de eletrodomésticos de 57 anos que votou em Erdogan e no AKP, apontou para o acampamento em que estava vivendo com sua mulher e comércios locais que tinham começado a funcionar em uma vila de casas pré-fabricadas próximo de lá. “O que mais eles poderiam possivelmente fazer?”, disse ele.

Como outros habitantes desta cidade, Mehmet falou sob condição de ter o sobrenome omitido — ou não ser identificado de nenhuma maneira — temendo repercussões por falar de política abertamente.

Ele se sentou na mureta de um prédio do governo, na mesma rua de um estádio de esportes a céu aberto que abrigou barracas por várias semanas antes disso, antes de também ser desmontado. Erdogan visitou a cidade em 8 de fevereiro, dois dias depois dos terremotos, e, discursando no estádio, ele reconheceu a lentidão na resposta do Estado e pediu unidade. “Isso foi muito importante”, afirmou um trabalhador da construção civil, de 35 anos, de Kahramanmaras. “Ele não nos deixou aqui sozinhos.”

Danos

A agência de monitoramento e mitigação de desastres da Turquia estima que cerca de 2 milhões de pessoas se mudaram da zona atingida pelos terremotos. Os sobreviventes tiveram até 2 de abril para se registrar para votar em novos distritos, mas apenas 133 mil o fizeram, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia. Todos os outros eleitores que quiseram votar tiveram de viajar de volta para as áreas que abandonaram, alguns por conta própria, outros financiados por organizações políticas ou doações privadas.

Ainda não se sabe quantas pessoas conseguiram fazer essas viagens. Enquanto em média 89% dos eleitores turcos compareceram às urnas no primeiro turno da eleição, em grande parte da zona de desastre a participação foi menor, de 5 a 6 pontos porcentuais mais baixa em certas províncias. Em Hatay, o comparecimento caiu para 83%, apesar de até esse índice ter superado expectativas, afirmou Bulent Ok, autoridade do governo local, do Partido Republicano do Povo (CHP), mesma sigla do candidato da oposição a presidência do país, Kemal Kilicdaroglu.

Erdogan provou-se mais resiliente politicamente por aqui do que seu partido. Nas eleições parlamentares que definiram os 600 assentos da Assembleia Nacional da Turquia, o AKP recebeu mais votos do que qualquer outro partido nas regiões atingidas pelos terremotos, mas consideravelmente menos que em 2018. O apoio ao AKP em Kahramanmaras caiu 11 pontos porcentuais. “As pessoas demonstraram raiva em relação ao AKP, não contra o presidente Erdogan”, afirmou Seren Korkmaz, diretora-executiva do instituto de análise IstanPol. Apesar de perder 27 assentos no Parlamento, o AKP manteve apoio suficiente para manter sua aliança majoritária.

Okkes, um segurança aposentado, de 64 anos, de Kahramanmaras, criticou duramente o governo do AKP na cidade, particularmente em razão do que ele descreveu como uma ausência de liderança de seu prefeito. “A esquerda e a direita” estão furiosas, afirmou ele.

“As pessoas estão acostumadas a simplesmente votar no AKP sem pensar a respeito”, acrescentou Okkes. “Depois disso tudo será difícil para o partido permanecer no poder”, disse ele, enquanto vendia utensílios domésticos expostos sobre seu carro em uma estrada ao sul do antigo estádio. O terreno atrás dele, que antes abrigava um prédio residencial de oito andares, virou um pátio de contêineres.

Okkes recusou-se a dizer em quem votou.

Alguns dos que votaram em Erdogan falam do presidente como se ele fosse um velho amigo. “Ele entende a gente completamente, conhece a gente bem”, afirmou Mehmet, o técnico de eletrodomésticos. “Nós sabemos quem o nosso presidente é.”

Em um tempo de desastre e incerteza, afirmou Tol, as pessoas “só querem um líder assertivo”.

O líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, irá enfrentar o atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no segundo turno das eleições  Foto: Erdem Sahin / EFE

Depois dos terremotos, conforme Kilicdaroglu continuou a fazer campanha prometendo reformar a política e o consertar a economia, alguns eleitores nas zonas atingidas passaram a acreditar que Erdogan é o único que cuida deles. O presidente revelou um plano de reconstrução — de erguer habitações para todos os deslocados em até um ano — “antes mesmo que as pessoas pudessem tirar os corpos de seus parentes dos escombros”, afirmou Tol.

Korkmaz notou que Kilicdaroglu também tem um plano de recuperação dos terremotos, mas que “as propostas da oposição não chegaram às regiões atingidas” em razão do controle estatal dos meios de comunicação.

“A principal estratégia para Erdogan nesta eleição foi administrar percepções, em vez de produzir soluções para os problemas”, afirmou Korkmaz, que cresceu em Malatya, outra região arrasada. Para seus apoiadores, disse ela, “o presidente Erdogan ainda é o líder supremo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

NURDAGI, Turquia — Próximo ao centro desta pequena cidade no sul da Turquia, um pai e seus filhos carregavam portas e janelas que tinham recolhido de um prédio residencial abandonado até um caminhão à espera, esmagando cacos de vidro ao caminhar. A rua, antes delineada por edifícios altos, era definida agora por terrenos repletos de escombros.

No fim da via, um posto de gasolina ainda funcionava. O frentista Eren Yaka, de 18 anos, tinha participado de uma eleição pela primeira vez, votando no presidente Recep Tayyip Erdogan. “Nós estamos com o ‘reis’”, afirmou ele, referindo-se a Erdogan com um termo da era otomana que significa líder ou comandante, com o qual o presidente se alcunhou.

O epicentro do primeiro dos dois terremotos que sacudiram o sul da Turquia em 6 de fevereiro se situou a menos de 25 quilômetros de Nurdagi. Os tremores deixaram a maior parte da cidade em ruínas. Um boom imobiliário de duas décadas por aqui, emblemático em relação ao foco nacional de Erdogan em desenvolvimento, mais do que dobrou a população local, para cerca de 25 mil pessoas. Um em cada seis habitantes de Nurdagi morreu nos terremotos. Mais de 50 mil pessoas morreram na região, de acordo com cifras oficiais; muitos observadores acreditam que o número real é muito maior.

Uma escavadeira remove os restos de edifícios fortemente danificados e destruídos pelo forte terremoto de fevereiro em Kahramanmaras, sudeste da Turquia Foto: Metin Yoksu / AP

Os terremotos ocorreram em um momento tenso para Erdogan, que já se preparava para enfrentar a eleição mais difícil em duas décadas. Pesquisas sugeriam que o poder lhe estava escapando, principalmente em razão da economia em crise e da inflação nas alturas. Conforme a escala do desastre foi ficando evidente e seu governo enfrentava dificuldades para responder, muitos esperaram que um preço político poderia ser cobrado do presidente. Mas em 14 de maio, por todo o sul turco arrasado — um tradicional reduto de Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) os eleitores permaneceram firmes em seu apoio ao líder.

Nas seis províncias com maior número de mortes, Erdogan conquistou em média 63% dos votos. Ele perdeu em Hatay, a região mais devastada, mas apenas por 0,05 ponto porcentual. Nacionalmente, Erdogan obteve 49% dos votos; Kemal Kilicdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP) e da aliança de oposição, conquistou 45% do eleitorado. Ambos se enfrentarão em segundo turno em 28 de maio, com o presidente em posição de liderança para solidificar seu poder.

“Erdogan é um homem bom”, afirmou Yaka. “Depois dos terremotos, Deus o abençoe, ele cuidou muito bem da gente.”

Após o prédio de quatro andares em que Yaka vivia ficar danificado e condenado, o governo lhe deu uma casa-contêiner que, disse ele, veio equipada com aparelho de ar-condicionado e máquinas de lavar roupa e louça. “Erdogan ajudou muito as vítimas”, acrescentou ele. “Essas coisas são claramente visíveis.”

Retomada

Grande parte da culpa da escala da devastação foi atribuída a práticas desleixadas de construção possibilitadas em parte por Erdogan e pelo Parlamento controlado pelo AKP. Esforços de resgate demorados e desorganizados também foram amplamente culpados por exacerbar o número de mortes e levantaram questões urgentes a respeito do presidente ter esvaziado instituições do Estado.

Mas em um país tão polarizado quanto a Turquia, a tragédia não parece ter mudado os fundamentos da política. “O eleitorado turco está dividido entre dois blocos mais ou menos congelados”, afirmou o cientista político Murat Somer, da Universidade Koc, de Istambul.

Uma pesquisa pré-eleitoral do Instituto Ancara, um centro de estudos, revelou uma distinção clara entre as linhas partidárias: mais de 90% dos eleitores do AKP sentiram que o governo lidou de maneira correta com os terremotos; e aproximadamente 96% dos eleitores do CHP sentiram o oposto.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, discursa para apoiadores antes do segundo turno das eleições do país, que está marcado para o próximo domingo, 28  Foto: Assessoria de imprensa do presidente da Turqiua / REUTERS

Trata-se de uma dinâmica reforçada por um controle estatal quase completo dos meios de comunicação, segundo Gonul Tol, diretora do programa para Turquia do Instituto do Oriente Médio: “Em sociedades polarizadas e especialmente em autocracias, em que o acesso à informação é limitado, as verdades podem não importar tanto”, afirmou ela.

Cerca de uma hora ao norte de Nurdagi fica Kahramanmaras, uma cidade de mais de meio milhão de habitantes em uma das regiões mais atingidas na zona de desastre. Mehmet, um técnico de eletrodomésticos de 57 anos que votou em Erdogan e no AKP, apontou para o acampamento em que estava vivendo com sua mulher e comércios locais que tinham começado a funcionar em uma vila de casas pré-fabricadas próximo de lá. “O que mais eles poderiam possivelmente fazer?”, disse ele.

Como outros habitantes desta cidade, Mehmet falou sob condição de ter o sobrenome omitido — ou não ser identificado de nenhuma maneira — temendo repercussões por falar de política abertamente.

Ele se sentou na mureta de um prédio do governo, na mesma rua de um estádio de esportes a céu aberto que abrigou barracas por várias semanas antes disso, antes de também ser desmontado. Erdogan visitou a cidade em 8 de fevereiro, dois dias depois dos terremotos, e, discursando no estádio, ele reconheceu a lentidão na resposta do Estado e pediu unidade. “Isso foi muito importante”, afirmou um trabalhador da construção civil, de 35 anos, de Kahramanmaras. “Ele não nos deixou aqui sozinhos.”

Danos

A agência de monitoramento e mitigação de desastres da Turquia estima que cerca de 2 milhões de pessoas se mudaram da zona atingida pelos terremotos. Os sobreviventes tiveram até 2 de abril para se registrar para votar em novos distritos, mas apenas 133 mil o fizeram, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia. Todos os outros eleitores que quiseram votar tiveram de viajar de volta para as áreas que abandonaram, alguns por conta própria, outros financiados por organizações políticas ou doações privadas.

Ainda não se sabe quantas pessoas conseguiram fazer essas viagens. Enquanto em média 89% dos eleitores turcos compareceram às urnas no primeiro turno da eleição, em grande parte da zona de desastre a participação foi menor, de 5 a 6 pontos porcentuais mais baixa em certas províncias. Em Hatay, o comparecimento caiu para 83%, apesar de até esse índice ter superado expectativas, afirmou Bulent Ok, autoridade do governo local, do Partido Republicano do Povo (CHP), mesma sigla do candidato da oposição a presidência do país, Kemal Kilicdaroglu.

Erdogan provou-se mais resiliente politicamente por aqui do que seu partido. Nas eleições parlamentares que definiram os 600 assentos da Assembleia Nacional da Turquia, o AKP recebeu mais votos do que qualquer outro partido nas regiões atingidas pelos terremotos, mas consideravelmente menos que em 2018. O apoio ao AKP em Kahramanmaras caiu 11 pontos porcentuais. “As pessoas demonstraram raiva em relação ao AKP, não contra o presidente Erdogan”, afirmou Seren Korkmaz, diretora-executiva do instituto de análise IstanPol. Apesar de perder 27 assentos no Parlamento, o AKP manteve apoio suficiente para manter sua aliança majoritária.

Okkes, um segurança aposentado, de 64 anos, de Kahramanmaras, criticou duramente o governo do AKP na cidade, particularmente em razão do que ele descreveu como uma ausência de liderança de seu prefeito. “A esquerda e a direita” estão furiosas, afirmou ele.

“As pessoas estão acostumadas a simplesmente votar no AKP sem pensar a respeito”, acrescentou Okkes. “Depois disso tudo será difícil para o partido permanecer no poder”, disse ele, enquanto vendia utensílios domésticos expostos sobre seu carro em uma estrada ao sul do antigo estádio. O terreno atrás dele, que antes abrigava um prédio residencial de oito andares, virou um pátio de contêineres.

Okkes recusou-se a dizer em quem votou.

Alguns dos que votaram em Erdogan falam do presidente como se ele fosse um velho amigo. “Ele entende a gente completamente, conhece a gente bem”, afirmou Mehmet, o técnico de eletrodomésticos. “Nós sabemos quem o nosso presidente é.”

Em um tempo de desastre e incerteza, afirmou Tol, as pessoas “só querem um líder assertivo”.

O líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu, irá enfrentar o atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no segundo turno das eleições  Foto: Erdem Sahin / EFE

Depois dos terremotos, conforme Kilicdaroglu continuou a fazer campanha prometendo reformar a política e o consertar a economia, alguns eleitores nas zonas atingidas passaram a acreditar que Erdogan é o único que cuida deles. O presidente revelou um plano de reconstrução — de erguer habitações para todos os deslocados em até um ano — “antes mesmo que as pessoas pudessem tirar os corpos de seus parentes dos escombros”, afirmou Tol.

Korkmaz notou que Kilicdaroglu também tem um plano de recuperação dos terremotos, mas que “as propostas da oposição não chegaram às regiões atingidas” em razão do controle estatal dos meios de comunicação.

“A principal estratégia para Erdogan nesta eleição foi administrar percepções, em vez de produzir soluções para os problemas”, afirmou Korkmaz, que cresceu em Malatya, outra região arrasada. Para seus apoiadores, disse ela, “o presidente Erdogan ainda é o líder supremo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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