Opinião|Como fica a relação com o Brasil se Kamala Harris vencer as eleições nos EUA?


A vitória da democrata em 2024 significaria um relacionamento sem sobressaltos no nível presidencial, mas não reverte a falta de densidade política que a relação bilateral apresenta hoje

Por Matias Spektor
Atualização:

Uma vitória de Kamala Harris nas eleições desta semana representa continuidade nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Isso significa um relacionamento sem sobressaltos no nível presidencial, mas não reverte a falta de densidade política que a relação bilateral apresenta hoje, nem interrompe o deslocamento gradual do centro de gravidade da política externa brasileira em direção à China.

Se Kamala vencer, os Estados Unidos terão participação de alto nível na COP 30, contribuindo para fazer dela um sucesso. Isso é positivo para Lula e para o Brasil. No entanto, não é plausível esperar uma transformação material da relação bilateral nessa agenda.

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Como se viu durante o governo Biden, apesar da afinidade ideológica entre o Partido Democrata e o PT, as pautas ambientais dos dois países não resultaram em uma articulação política expressiva ou fluxo de financiamento americano para a transição ecológica brasileira.

A vice-presidente dos EUA e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, discursa durante um comício de campanha na Casa de Campo Jenison da Universidade Estadual de Michigan, em East Lansing, no domingo, 3 de novembro  Foto: Jeff Kowalsky/AFP
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Ao contrário, a política ambiental dos Estados Unidos ameaça com o surgimento de uma nova geração de normas protecionistas. Por exemplo, a implementação do ‘Inflation Reduction Act’ nos EUA inclui subsídios que podem prejudicar a competitividade de produtos brasileiros no mercado americano.

Em fóruns multilaterais, Brasil e Estados Unidos mantêm posições divergentes quando se trata de financiamento ambiental ao Sul Global. Além disso, a Casa Branca vê a postura de Lula sobre a guerra na Ucrânia e os conflitos no Oriente Médio como problemática.

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No cenário Kamala, o Brasil seguirá buscando alavancar suas relações com China e Rússia para extrair concessões dos Estados Unidos e da Europa, adotando, na medida do possível, uma política de não-alinhamento a nenhum dos grandes polos de poder. Contudo, a capacidade do Brasil de manter uma política externa independente continuará a se reduzir progressivamente.

Esse cenário se intensifica porque, diante de uns Estados Unidos mais protecionista, o Brasil continuará sua aproximação à China, entendendo que é dela que podem vir as principais oportunidades de comércio e financiamento para grandes obras de infraestrutura capazes de destravar a produtividade da economia brasileira.

Essa dependência reduz a margem de manobra do Brasil para adotar posições que possam desagradar a Pequim. Isso significa que um Brasil altamente dependente da China terá de gerir eventuais fricções com a Casa Branca.

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Em um governo Kamala, China e Rússia utilizarão o grupo BRICS como plataforma para atuação coordenada em organismos multilaterais. Já surgem iniciativas desse tipo em fóruns como a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio, o Programa da ONU para o Meio Ambiente e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, além de temas variados como direito do mar, espaço exterior, comércio, clima e desenvolvimento sustentável. Isto representa um desafio grande para o Brasil, uma vez que a adoção de posições que sejam vistas como “anti-Ocidente” cobrarão um custo cada vez mais alto em Washington.

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Por fim, embora em menor escala do que no caso de Trump, um governo Kamala também pode ter impactos inflacionários. Isso ocorre porque os Democratas vêm adotando posições mais protecionistas em comércio internacional e mais antiimigrante, na tentativa de esvaziar o apelo eleitoral do partido Republicano. O efeito disso sobre o Brasil e o governo Lula é negativo: a manutenção ou aumento da taxa de juros nos Estados Unidos inviabilizará o plano do Banco Central do Brasil de reduzir essa taxa em 2026, atrapalhando a economia brasileira e dificultando a campanha de Lula à reeleição.

Uma vitória de Kamala Harris nas eleições desta semana representa continuidade nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Isso significa um relacionamento sem sobressaltos no nível presidencial, mas não reverte a falta de densidade política que a relação bilateral apresenta hoje, nem interrompe o deslocamento gradual do centro de gravidade da política externa brasileira em direção à China.

Se Kamala vencer, os Estados Unidos terão participação de alto nível na COP 30, contribuindo para fazer dela um sucesso. Isso é positivo para Lula e para o Brasil. No entanto, não é plausível esperar uma transformação material da relação bilateral nessa agenda.

Como se viu durante o governo Biden, apesar da afinidade ideológica entre o Partido Democrata e o PT, as pautas ambientais dos dois países não resultaram em uma articulação política expressiva ou fluxo de financiamento americano para a transição ecológica brasileira.

A vice-presidente dos EUA e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, discursa durante um comício de campanha na Casa de Campo Jenison da Universidade Estadual de Michigan, em East Lansing, no domingo, 3 de novembro  Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Ao contrário, a política ambiental dos Estados Unidos ameaça com o surgimento de uma nova geração de normas protecionistas. Por exemplo, a implementação do ‘Inflation Reduction Act’ nos EUA inclui subsídios que podem prejudicar a competitividade de produtos brasileiros no mercado americano.

Em fóruns multilaterais, Brasil e Estados Unidos mantêm posições divergentes quando se trata de financiamento ambiental ao Sul Global. Além disso, a Casa Branca vê a postura de Lula sobre a guerra na Ucrânia e os conflitos no Oriente Médio como problemática.

No cenário Kamala, o Brasil seguirá buscando alavancar suas relações com China e Rússia para extrair concessões dos Estados Unidos e da Europa, adotando, na medida do possível, uma política de não-alinhamento a nenhum dos grandes polos de poder. Contudo, a capacidade do Brasil de manter uma política externa independente continuará a se reduzir progressivamente.

Esse cenário se intensifica porque, diante de uns Estados Unidos mais protecionista, o Brasil continuará sua aproximação à China, entendendo que é dela que podem vir as principais oportunidades de comércio e financiamento para grandes obras de infraestrutura capazes de destravar a produtividade da economia brasileira.

Essa dependência reduz a margem de manobra do Brasil para adotar posições que possam desagradar a Pequim. Isso significa que um Brasil altamente dependente da China terá de gerir eventuais fricções com a Casa Branca.

Em um governo Kamala, China e Rússia utilizarão o grupo BRICS como plataforma para atuação coordenada em organismos multilaterais. Já surgem iniciativas desse tipo em fóruns como a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio, o Programa da ONU para o Meio Ambiente e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, além de temas variados como direito do mar, espaço exterior, comércio, clima e desenvolvimento sustentável. Isto representa um desafio grande para o Brasil, uma vez que a adoção de posições que sejam vistas como “anti-Ocidente” cobrarão um custo cada vez mais alto em Washington.

Por fim, embora em menor escala do que no caso de Trump, um governo Kamala também pode ter impactos inflacionários. Isso ocorre porque os Democratas vêm adotando posições mais protecionistas em comércio internacional e mais antiimigrante, na tentativa de esvaziar o apelo eleitoral do partido Republicano. O efeito disso sobre o Brasil e o governo Lula é negativo: a manutenção ou aumento da taxa de juros nos Estados Unidos inviabilizará o plano do Banco Central do Brasil de reduzir essa taxa em 2026, atrapalhando a economia brasileira e dificultando a campanha de Lula à reeleição.

Uma vitória de Kamala Harris nas eleições desta semana representa continuidade nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Isso significa um relacionamento sem sobressaltos no nível presidencial, mas não reverte a falta de densidade política que a relação bilateral apresenta hoje, nem interrompe o deslocamento gradual do centro de gravidade da política externa brasileira em direção à China.

Se Kamala vencer, os Estados Unidos terão participação de alto nível na COP 30, contribuindo para fazer dela um sucesso. Isso é positivo para Lula e para o Brasil. No entanto, não é plausível esperar uma transformação material da relação bilateral nessa agenda.

Como se viu durante o governo Biden, apesar da afinidade ideológica entre o Partido Democrata e o PT, as pautas ambientais dos dois países não resultaram em uma articulação política expressiva ou fluxo de financiamento americano para a transição ecológica brasileira.

A vice-presidente dos EUA e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, discursa durante um comício de campanha na Casa de Campo Jenison da Universidade Estadual de Michigan, em East Lansing, no domingo, 3 de novembro  Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Ao contrário, a política ambiental dos Estados Unidos ameaça com o surgimento de uma nova geração de normas protecionistas. Por exemplo, a implementação do ‘Inflation Reduction Act’ nos EUA inclui subsídios que podem prejudicar a competitividade de produtos brasileiros no mercado americano.

Em fóruns multilaterais, Brasil e Estados Unidos mantêm posições divergentes quando se trata de financiamento ambiental ao Sul Global. Além disso, a Casa Branca vê a postura de Lula sobre a guerra na Ucrânia e os conflitos no Oriente Médio como problemática.

No cenário Kamala, o Brasil seguirá buscando alavancar suas relações com China e Rússia para extrair concessões dos Estados Unidos e da Europa, adotando, na medida do possível, uma política de não-alinhamento a nenhum dos grandes polos de poder. Contudo, a capacidade do Brasil de manter uma política externa independente continuará a se reduzir progressivamente.

Esse cenário se intensifica porque, diante de uns Estados Unidos mais protecionista, o Brasil continuará sua aproximação à China, entendendo que é dela que podem vir as principais oportunidades de comércio e financiamento para grandes obras de infraestrutura capazes de destravar a produtividade da economia brasileira.

Essa dependência reduz a margem de manobra do Brasil para adotar posições que possam desagradar a Pequim. Isso significa que um Brasil altamente dependente da China terá de gerir eventuais fricções com a Casa Branca.

Em um governo Kamala, China e Rússia utilizarão o grupo BRICS como plataforma para atuação coordenada em organismos multilaterais. Já surgem iniciativas desse tipo em fóruns como a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio, o Programa da ONU para o Meio Ambiente e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, além de temas variados como direito do mar, espaço exterior, comércio, clima e desenvolvimento sustentável. Isto representa um desafio grande para o Brasil, uma vez que a adoção de posições que sejam vistas como “anti-Ocidente” cobrarão um custo cada vez mais alto em Washington.

Por fim, embora em menor escala do que no caso de Trump, um governo Kamala também pode ter impactos inflacionários. Isso ocorre porque os Democratas vêm adotando posições mais protecionistas em comércio internacional e mais antiimigrante, na tentativa de esvaziar o apelo eleitoral do partido Republicano. O efeito disso sobre o Brasil e o governo Lula é negativo: a manutenção ou aumento da taxa de juros nos Estados Unidos inviabilizará o plano do Banco Central do Brasil de reduzir essa taxa em 2026, atrapalhando a economia brasileira e dificultando a campanha de Lula à reeleição.

Opinião por Matias Spektor

Professor de Política e Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas, e pesquisador do Carnegie Endowment. É autor de "18 dias: quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush" (2014), "Kissinger e o Brasil" (2009).

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