À medida que os Estados Unidos começam a impor regras de fronteira que tornam mais difícil para que migrantes solicitem asilo, muitos enfrentam uma rápida deportação para o México, onde ficam vulneráveis a grupos criminosos e funcionários corruptos, de acordo com grupos de direitos humanos.
O papel do México como braço de Washington para impedir que os migrantes se dirijam ilegalmente aos Estados Unidos através do território mexicano se tornará mais significativo por conta da suspensão de uma política que foi aprovada nos Estados Unidos durante a pandemia da covid-19 conhecida como Título 42, que interrompeu a entrada de muitos migrantes na fronteira e permitiu que as autoridades americanas os expulsassem rapidamente.
Em conversas na semana passada com o governo do presidente americano Joe Biden, o México disse que aceitaria migrantes não mexicanos enviados de volta dos Estados Unidos sob as novas regras e faria os tramites para a entrada destas pessoas em asilos mexicanos.
Mas se o sistema de asilo nos Estados Unidos tem várias falhas e atrasos, a situação no México é igualmente ruim, com uma espera que já chegou há mais de um ano sem solução.
No México, muitos migrantes expulsos dos EUA enfrentam momentos complicados nas mãos de organizações criminosas e, em alguns casos, das mesmas agências governamentais que Washington está apoiando para ajudar a estancar o fluxo de migrantes na fronteira, de acordo com grupos de direitos humanos.
Assédios de organizações criminosas
Desde que o Joe Biden se tornou presidente nos EUA em janeiro de 2021, quase 13.500 ataques contra pessoas deportadas dos Estados Unidos para o México ou impedidas de cruzar a fronteira foram registrados, de acordo com um relatório recente do Human Rights First, um grupo de defesa.
O relatório aponta que, em alguns casos, as autoridades mexicanas conspiraram com organizações criminosas para extorquir migrantes.
O Instituto Nacional de Migração do México e o Ministério das Relações Exteriores não responderam aos pedidos de comentários sobre o tratamento dado pelo governo aos migrantes.
Falta de segurança
“Este país não é um país seguro”, afirmou Yuri Hurtado, uma migrante colombiana de 26 anos, sobre o México.
Hurtado deixou a Colômbia em março com seis membros da família. A intenção deles era escapar da pobreza e da violência em terras colombianas. Ela passa seus dias em um abrigo para migrantes perto da fronteira com os EUA ouvindo mensagens telefônicas ameaçadoras de membros de um grupo criminoso que, segundo Hurtado, sequestrou seus parentes na semana passada enquanto eles viajavam de ônibus pelo México.
O abrigo onde Hurtado está hospedada, a Casa Migrante San Juan Diego, fica em Matamoros, uma cidade do norte do México conhecida pela violência e que fica do outro lado da fronteira de Brownsville, Texas.
Hurtado disse que o grupo criminoso que mantinha suas duas irmãs, um cunhado e dois sobrinhos, de 2 e 5 anos, exigiu que ela pagasse US$ 4.000 pela libertação dos familiares. Caso o pagamento não fosse feito, o grupo iria extrair órgãos de membros da família.
A migrante colombiana afirmou que não vai conseguir juntar o dinheiro. Segundo ela, a polícia mexicana não ajudou quando ela tentou fazer uma denuncia, o que é típico das autoridades, segundo grupos de direitos dos migrantes.
“Me dá tanto medo o que acontece na fronteira e, no entanto, também estou com muito medo de morrer sozinha na fronteira”, disse ela, acrescentando que esperava que seus parentes fossem libertados antes que ela tentasse cruzar a fronteira.
Histórias como a de Hurtado não são incomuns; grupos criminosos muitas vezes cobram taxas de migrantes para viajar pelo México e depois sequestrá-los. Mais de 2.000 migrantes foram sequestrados por organizações criminosas no ano passado, informou o governo mexicano na semana passada.
Ao mesmo tempo, os migrantes também são vulneráveis a serem vitimados pelas autoridades de migração do México.
Abusos das autoridades
“Os abusos cometidos pelas próprias autoridades estatais são sistêmicos”, afirmou Julia Neusner, advogada que co-escreveu o relatório Human Rights First. “Ouvimos centenas de histórias de pessoas que sofreram danos diretamente nas mãos desses oficiais do estado, incluindo sequestros, estupro, agressão sexual, roubo, extorsão.”
Quando o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, assumiu o cargo no final de 2018, ele prometeu que o México nunca seria usado para “fazer o trabalho sujo” da política migratória de Washington.
Em vez disso, seu governo emitiu mais vistos para permitir que os migrantes viajassem livremente para o México e chegassem à fronteira com os Estados Unidos.
Mas López Obrador logo descobriu, como outros presidentes mexicanos antes dele, que é quase impossível para o México forjar uma política de migração por conta própria.
Em junho de 2019, o então presidente americano Donald Trump estava ameaçando aplicar tarifas ao México, a menos que López Obrador aceitasse aplicar medidas que reduzissem o número de migrantes que usavam vistos humanitários mexicanos para ir para os Estados Unidos.
López Obrador agiu rapidamente, enviando milhares de soldados para as fronteiras norte e sul do México para impedir que os migrantes entrassem no país ou viajassem facilmente para os Estados Unidos. A Guarda Nacional Mexicana, uma força policial militarizada, recebeu autoridade para deter migrantes, um poder que estava amplamente concentrado nas mãos de oficiais de migração.
O fechamento de rotas legais dentro do México e caminhos para os Estados Unidos forçou mais migrantes nas mãos de contrabandistas, disseram grupos de direitos humanos.
O alinhamento mais próximo do México com os Estados Unidos na fiscalização também levou a uma mudança na atitude do governo em relação aos migrantes, segundo alguns analistas.
“Por pressão dos Estados Unidos, detenções e expulsões foram priorizadas no México”, apontou Tonatiuh Guillén, que foi o primeiro comissário da Comissão Nacional do Instituto de Migração do México.
“Desdobrar as forças armadas como sua principal ferramenta de imposição da migração envia uma mensagem tanto para os migrantes, solicitantes de refúgio quanto para a sociedade de que os migrantes são uma ameaça e devem ser tratados como uma questão de segurança”, afirmou Stephanie Brewer, diretora do México no Washington Office on Latin America, um instituto de pesquisa.
Saiba mais sobre a críse migratória na fronteira entre Estados Unidos e México
No abrigo Casa Migrante San Juan Diego, em Matamoros, meia dúzia de migrantes disseram esta semana que eles ou um membro da família foram sequestrados nos últimos dias. Eles tinham medo de sair do abrigo depois de escurecer, temendo os grupos criminosos que rondam as ruas.
O diretor do abrigo, José Luis Elias Rodriguez, disse que ele e seus funcionários foram ameaçados por grupos criminosos. Mas ele prometeu continuar ajudando os migrantes.
“Se sairmos, quem ajuda os imigrantes?” ele perguntou. “Quem dá uma mão se formos embora? Quem levanta se sairmos? Quem os defenderá se formos embora?”.