Análise|Como impedir que mais guerras se espalhem pelo mundo?


Conflitos se espalham pelo planeta, enquanto mecanismos de paz falham; líderes precisam encontrar novas formas de evitar guerras

Por David Ignatius
Atualização:

No alvorecer de 2024, nós devemos reconhecer que a violência varre nosso planeta e que os mecanismos para evitá-la estão falhando terrivelmente. Propostas de resoluções da ONU pela manutenção da paz têm sido vetadas rotineiramente por combatentes ou seus protetores; a “dissuasão” não dissuade a Rússia, nem o Hamas, nem os houthis. A “ordem com base em regras” que o presidente Joe Biden proclama tornou-se um slogan em vez de um fato.

O desvario da guerra é acreditar que ela resolve problemas. Israelenses e palestinos enfrentam-se há mais de 50 anos sem alcançar uma segurança duradoura. A guerra não provocada da Rússia na Ucrânia começou como um delírio febril do presidente Vladimir Putin. Ele não foi capaz de conquistar Kiev graças à brava resistência ucraniana, mas a sangrenta guerra de desgaste que se seguiu custou à Rússia estimadas 320 mil baixas e à Ucrânia, estimadas 170 mil a 190 mil.

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A maior questão de segurança nacional para 2024 e além é como forjar novos mecanismos capazes de combater a disseminação da guerra. Já retumbam tambores de conflitos futuros capazes de ser muito mais mortíferos do que a atual rodada: uma batalha entre EUA e China por Taiwan, por exemplo, ou uma campanha militar para impedir o Irã de obter armas nucleares.

Nuvem de fumaça é vista em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, em imagem desta segunda-feira, 8. Israel anunciou fim de operações no norte, mas segue no sul Foto: AFP

Conforme refletimos a respeito de como evitar guerras futuras, um bom guia é o ex-presidente Dwight Eisenhower, um comandante heróico na 2.ª Guerra e oponente determinado ao que ele chamava de “complexo militar-industrial”. “Eu odeio a guerra como apenas um soldado que a viveu pode odiá-la, como alguém que viu sua brutalidade, sua futilidade, sua estupidez”, disse ele em 1946.

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“A única maneira de vencer a próxima guerra mundial é evitá-la”, afirmou Ike em 1956, como presidente. Ele foi bem-sucedido em evitar uma catástrofe nuclear, e todos os comandantes-chefes que se seguiram ecoaram sua mensagem. A versão mais recente foi o reconhecimento relatado do presidente Biden em reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, de que “uma guerra nuclear nunca deve ser travada e não pode ser vencida”.

Sob seu guarda-chuva nuclear, os EUA se valem da retórica da resolução de conflitos. Mas na realidade nós temos sido facilitadores de guerra limitadas quase tanto quanto a Rússia — graças ao poder de veto na ONU. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, o Conselho de Segurança da ONU elaborou imediatamente uma proposta de resolução pedindo a retirada; Moscou vetou. Em dezembro de 2023, conforme as mortes de civis se aproximavam de 20 mil em Gaza, o Conselho de Segurança redigiu uma proposta de resolução com amplo apoio; Washington vetou.

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Sim, eu sei, há razões para se opor a um cessar-fogo neste momento em Gaza. O Hamas segue sendo uma ameaça; Israel matou menos da metade dos 20 mil combatentes do grupo, segundo o contingente estimado pela CIA antes da guerra. Mas Israel não tem um bom plano para obliterar o restante e “vencer” este conflito. Israel precisa dos EUA enquanto elemento estabilizador e construtor de pontes em Gaza, não apenas como um vendedor de armas.

Os EUA adotam a “ordem com base em regras” quando ela atende aos seus propósitos. Quando quis travar uma guerra equivocada contra Saddam Hussein no Iraque, o ex-presidente George W. Bush contornou objeções da ONU; quando quis enfrentar o Taleban no que se provou uma infrutífera guerra de 20 anos no Afeganistão, ele se valeu da autorização de uso de força militar produzida pelos atentados de 11 de setembro de 2001 juntamente com a robusta coalizão da Otan. Os EUA insistem na primazia do direito internacional, mas não aderem ao Tribunal Penal Internacional por temer que suas autoridades possam ser processadas.

Os EUA invocaram com frequência seus valores ao entrar em guerras ou apoiar insurgências. Esse espírito intervencionista é infundido de idealismo, e eu compartilhei dele frequentemente. Mas também ocasionou uma cadeia quase ininterrupta de envolvimento americano em conflitos no exterior, do Vietnã à América Central, nos Bálcãs e, acima de tudo, no Oriente Médio.

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Imagem do Serviço de Emergência da Ucrânia mostra casas destruídas por ataque russo em Novomoskovsk, em imagem desta segunda-feira, 8. Guerra na Ucrânia está prestes a completar dois anos Foto: Serviço de Emergência da Ucrânia / AP

Putin está errado a respeito da maioria das coisas. Mas havia um elemento de verdade em seu discurso de 2015 às Nações Unidas sobre os efeitos da intervenção americana no Iraque, na Síria, na Líbia e no Egito: “Em vez de ocasionar reformas, uma interferência estrangeira agressiva resultou numa destruição desavergonhada de instituições nacionais e do próprio estilo de vida. Em vez do triunfo da democracia e do progresso, nós vimos violência, pobreza e desastre social”.

Tanta disposição dos EUA em intervir no exterior para colaborar com seus amigos e valores cria um tipo de risco moral para países ou grupos políticos menores e mais fracos. Eles começam guerras que não conseguem terminar esperando que os EUA os acudam. Isso foi verdadeiro nos Bálcãs nos anos 90 e no Oriente Médio durante a Primavera Árabe, na década de 2010, e eu temo que poderá tornar-se verdade novamente à medida que Israel se movimentar na direção de um confronto direto com o Irã. Os EUA não são bons em dizer não.

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A dissuasão manteve a paz entre as superpotências, mas até nessa relação a tecnologia está desgastando o comedimento e a razão. Conforme constrói suas forças estratégicas, a China disfarça mísseis nucleares e não nucleares para que fique difícil saber que tipo está sendo lançado. A Rússia desenvolveu mísseis de cruzeiro hipersônicos que encurtam tempos de tomada de decisão e impedem a constatação sobre os alvos pretendidos serem civis ou militares. A inteligência artificial fará evoluir estratégias radicalmente novas. E armas espaciais permitirão a quem se movimentar primeiro cegar e incapacitar seus adversários.

O pior: a dissuasão é cada vez mais uma via de mão única. Os EUA agem com comedimento, mas seus adversários não. É isso que vemos com as ameaças nucleares da Rússia durante o conflito na Ucrânia: os EUA estão impedidos de fornecer armas que possam levar a uma escalada, e a Rússia segue cometendo crimes de guerra.

Estrategistas militares sempre insistem que a melhor maneira de evitar a guerra é preparar-se para a guerra. Mas nós temos de admitir para nós mesmos, conforme outro ano de conflitos sangrentos se inicia, que o atual modelo não está funcionando. Nós precisamos de novas regras nas Nações Unidas para impedir guerras e de um novo ordenamento para gestão de crises com aliados e adversários. De outro modo, em 2024 e além nós teremos de ponderar sobre o impensável. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

No alvorecer de 2024, nós devemos reconhecer que a violência varre nosso planeta e que os mecanismos para evitá-la estão falhando terrivelmente. Propostas de resoluções da ONU pela manutenção da paz têm sido vetadas rotineiramente por combatentes ou seus protetores; a “dissuasão” não dissuade a Rússia, nem o Hamas, nem os houthis. A “ordem com base em regras” que o presidente Joe Biden proclama tornou-se um slogan em vez de um fato.

O desvario da guerra é acreditar que ela resolve problemas. Israelenses e palestinos enfrentam-se há mais de 50 anos sem alcançar uma segurança duradoura. A guerra não provocada da Rússia na Ucrânia começou como um delírio febril do presidente Vladimir Putin. Ele não foi capaz de conquistar Kiev graças à brava resistência ucraniana, mas a sangrenta guerra de desgaste que se seguiu custou à Rússia estimadas 320 mil baixas e à Ucrânia, estimadas 170 mil a 190 mil.

A maior questão de segurança nacional para 2024 e além é como forjar novos mecanismos capazes de combater a disseminação da guerra. Já retumbam tambores de conflitos futuros capazes de ser muito mais mortíferos do que a atual rodada: uma batalha entre EUA e China por Taiwan, por exemplo, ou uma campanha militar para impedir o Irã de obter armas nucleares.

Nuvem de fumaça é vista em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, em imagem desta segunda-feira, 8. Israel anunciou fim de operações no norte, mas segue no sul Foto: AFP

Conforme refletimos a respeito de como evitar guerras futuras, um bom guia é o ex-presidente Dwight Eisenhower, um comandante heróico na 2.ª Guerra e oponente determinado ao que ele chamava de “complexo militar-industrial”. “Eu odeio a guerra como apenas um soldado que a viveu pode odiá-la, como alguém que viu sua brutalidade, sua futilidade, sua estupidez”, disse ele em 1946.

“A única maneira de vencer a próxima guerra mundial é evitá-la”, afirmou Ike em 1956, como presidente. Ele foi bem-sucedido em evitar uma catástrofe nuclear, e todos os comandantes-chefes que se seguiram ecoaram sua mensagem. A versão mais recente foi o reconhecimento relatado do presidente Biden em reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, de que “uma guerra nuclear nunca deve ser travada e não pode ser vencida”.

Sob seu guarda-chuva nuclear, os EUA se valem da retórica da resolução de conflitos. Mas na realidade nós temos sido facilitadores de guerra limitadas quase tanto quanto a Rússia — graças ao poder de veto na ONU. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, o Conselho de Segurança da ONU elaborou imediatamente uma proposta de resolução pedindo a retirada; Moscou vetou. Em dezembro de 2023, conforme as mortes de civis se aproximavam de 20 mil em Gaza, o Conselho de Segurança redigiu uma proposta de resolução com amplo apoio; Washington vetou.

Sim, eu sei, há razões para se opor a um cessar-fogo neste momento em Gaza. O Hamas segue sendo uma ameaça; Israel matou menos da metade dos 20 mil combatentes do grupo, segundo o contingente estimado pela CIA antes da guerra. Mas Israel não tem um bom plano para obliterar o restante e “vencer” este conflito. Israel precisa dos EUA enquanto elemento estabilizador e construtor de pontes em Gaza, não apenas como um vendedor de armas.

Os EUA adotam a “ordem com base em regras” quando ela atende aos seus propósitos. Quando quis travar uma guerra equivocada contra Saddam Hussein no Iraque, o ex-presidente George W. Bush contornou objeções da ONU; quando quis enfrentar o Taleban no que se provou uma infrutífera guerra de 20 anos no Afeganistão, ele se valeu da autorização de uso de força militar produzida pelos atentados de 11 de setembro de 2001 juntamente com a robusta coalizão da Otan. Os EUA insistem na primazia do direito internacional, mas não aderem ao Tribunal Penal Internacional por temer que suas autoridades possam ser processadas.

Os EUA invocaram com frequência seus valores ao entrar em guerras ou apoiar insurgências. Esse espírito intervencionista é infundido de idealismo, e eu compartilhei dele frequentemente. Mas também ocasionou uma cadeia quase ininterrupta de envolvimento americano em conflitos no exterior, do Vietnã à América Central, nos Bálcãs e, acima de tudo, no Oriente Médio.

Imagem do Serviço de Emergência da Ucrânia mostra casas destruídas por ataque russo em Novomoskovsk, em imagem desta segunda-feira, 8. Guerra na Ucrânia está prestes a completar dois anos Foto: Serviço de Emergência da Ucrânia / AP

Putin está errado a respeito da maioria das coisas. Mas havia um elemento de verdade em seu discurso de 2015 às Nações Unidas sobre os efeitos da intervenção americana no Iraque, na Síria, na Líbia e no Egito: “Em vez de ocasionar reformas, uma interferência estrangeira agressiva resultou numa destruição desavergonhada de instituições nacionais e do próprio estilo de vida. Em vez do triunfo da democracia e do progresso, nós vimos violência, pobreza e desastre social”.

Tanta disposição dos EUA em intervir no exterior para colaborar com seus amigos e valores cria um tipo de risco moral para países ou grupos políticos menores e mais fracos. Eles começam guerras que não conseguem terminar esperando que os EUA os acudam. Isso foi verdadeiro nos Bálcãs nos anos 90 e no Oriente Médio durante a Primavera Árabe, na década de 2010, e eu temo que poderá tornar-se verdade novamente à medida que Israel se movimentar na direção de um confronto direto com o Irã. Os EUA não são bons em dizer não.

A dissuasão manteve a paz entre as superpotências, mas até nessa relação a tecnologia está desgastando o comedimento e a razão. Conforme constrói suas forças estratégicas, a China disfarça mísseis nucleares e não nucleares para que fique difícil saber que tipo está sendo lançado. A Rússia desenvolveu mísseis de cruzeiro hipersônicos que encurtam tempos de tomada de decisão e impedem a constatação sobre os alvos pretendidos serem civis ou militares. A inteligência artificial fará evoluir estratégias radicalmente novas. E armas espaciais permitirão a quem se movimentar primeiro cegar e incapacitar seus adversários.

O pior: a dissuasão é cada vez mais uma via de mão única. Os EUA agem com comedimento, mas seus adversários não. É isso que vemos com as ameaças nucleares da Rússia durante o conflito na Ucrânia: os EUA estão impedidos de fornecer armas que possam levar a uma escalada, e a Rússia segue cometendo crimes de guerra.

Estrategistas militares sempre insistem que a melhor maneira de evitar a guerra é preparar-se para a guerra. Mas nós temos de admitir para nós mesmos, conforme outro ano de conflitos sangrentos se inicia, que o atual modelo não está funcionando. Nós precisamos de novas regras nas Nações Unidas para impedir guerras e de um novo ordenamento para gestão de crises com aliados e adversários. De outro modo, em 2024 e além nós teremos de ponderar sobre o impensável. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

No alvorecer de 2024, nós devemos reconhecer que a violência varre nosso planeta e que os mecanismos para evitá-la estão falhando terrivelmente. Propostas de resoluções da ONU pela manutenção da paz têm sido vetadas rotineiramente por combatentes ou seus protetores; a “dissuasão” não dissuade a Rússia, nem o Hamas, nem os houthis. A “ordem com base em regras” que o presidente Joe Biden proclama tornou-se um slogan em vez de um fato.

O desvario da guerra é acreditar que ela resolve problemas. Israelenses e palestinos enfrentam-se há mais de 50 anos sem alcançar uma segurança duradoura. A guerra não provocada da Rússia na Ucrânia começou como um delírio febril do presidente Vladimir Putin. Ele não foi capaz de conquistar Kiev graças à brava resistência ucraniana, mas a sangrenta guerra de desgaste que se seguiu custou à Rússia estimadas 320 mil baixas e à Ucrânia, estimadas 170 mil a 190 mil.

A maior questão de segurança nacional para 2024 e além é como forjar novos mecanismos capazes de combater a disseminação da guerra. Já retumbam tambores de conflitos futuros capazes de ser muito mais mortíferos do que a atual rodada: uma batalha entre EUA e China por Taiwan, por exemplo, ou uma campanha militar para impedir o Irã de obter armas nucleares.

Nuvem de fumaça é vista em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, em imagem desta segunda-feira, 8. Israel anunciou fim de operações no norte, mas segue no sul Foto: AFP

Conforme refletimos a respeito de como evitar guerras futuras, um bom guia é o ex-presidente Dwight Eisenhower, um comandante heróico na 2.ª Guerra e oponente determinado ao que ele chamava de “complexo militar-industrial”. “Eu odeio a guerra como apenas um soldado que a viveu pode odiá-la, como alguém que viu sua brutalidade, sua futilidade, sua estupidez”, disse ele em 1946.

“A única maneira de vencer a próxima guerra mundial é evitá-la”, afirmou Ike em 1956, como presidente. Ele foi bem-sucedido em evitar uma catástrofe nuclear, e todos os comandantes-chefes que se seguiram ecoaram sua mensagem. A versão mais recente foi o reconhecimento relatado do presidente Biden em reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, de que “uma guerra nuclear nunca deve ser travada e não pode ser vencida”.

Sob seu guarda-chuva nuclear, os EUA se valem da retórica da resolução de conflitos. Mas na realidade nós temos sido facilitadores de guerra limitadas quase tanto quanto a Rússia — graças ao poder de veto na ONU. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, o Conselho de Segurança da ONU elaborou imediatamente uma proposta de resolução pedindo a retirada; Moscou vetou. Em dezembro de 2023, conforme as mortes de civis se aproximavam de 20 mil em Gaza, o Conselho de Segurança redigiu uma proposta de resolução com amplo apoio; Washington vetou.

Sim, eu sei, há razões para se opor a um cessar-fogo neste momento em Gaza. O Hamas segue sendo uma ameaça; Israel matou menos da metade dos 20 mil combatentes do grupo, segundo o contingente estimado pela CIA antes da guerra. Mas Israel não tem um bom plano para obliterar o restante e “vencer” este conflito. Israel precisa dos EUA enquanto elemento estabilizador e construtor de pontes em Gaza, não apenas como um vendedor de armas.

Os EUA adotam a “ordem com base em regras” quando ela atende aos seus propósitos. Quando quis travar uma guerra equivocada contra Saddam Hussein no Iraque, o ex-presidente George W. Bush contornou objeções da ONU; quando quis enfrentar o Taleban no que se provou uma infrutífera guerra de 20 anos no Afeganistão, ele se valeu da autorização de uso de força militar produzida pelos atentados de 11 de setembro de 2001 juntamente com a robusta coalizão da Otan. Os EUA insistem na primazia do direito internacional, mas não aderem ao Tribunal Penal Internacional por temer que suas autoridades possam ser processadas.

Os EUA invocaram com frequência seus valores ao entrar em guerras ou apoiar insurgências. Esse espírito intervencionista é infundido de idealismo, e eu compartilhei dele frequentemente. Mas também ocasionou uma cadeia quase ininterrupta de envolvimento americano em conflitos no exterior, do Vietnã à América Central, nos Bálcãs e, acima de tudo, no Oriente Médio.

Imagem do Serviço de Emergência da Ucrânia mostra casas destruídas por ataque russo em Novomoskovsk, em imagem desta segunda-feira, 8. Guerra na Ucrânia está prestes a completar dois anos Foto: Serviço de Emergência da Ucrânia / AP

Putin está errado a respeito da maioria das coisas. Mas havia um elemento de verdade em seu discurso de 2015 às Nações Unidas sobre os efeitos da intervenção americana no Iraque, na Síria, na Líbia e no Egito: “Em vez de ocasionar reformas, uma interferência estrangeira agressiva resultou numa destruição desavergonhada de instituições nacionais e do próprio estilo de vida. Em vez do triunfo da democracia e do progresso, nós vimos violência, pobreza e desastre social”.

Tanta disposição dos EUA em intervir no exterior para colaborar com seus amigos e valores cria um tipo de risco moral para países ou grupos políticos menores e mais fracos. Eles começam guerras que não conseguem terminar esperando que os EUA os acudam. Isso foi verdadeiro nos Bálcãs nos anos 90 e no Oriente Médio durante a Primavera Árabe, na década de 2010, e eu temo que poderá tornar-se verdade novamente à medida que Israel se movimentar na direção de um confronto direto com o Irã. Os EUA não são bons em dizer não.

A dissuasão manteve a paz entre as superpotências, mas até nessa relação a tecnologia está desgastando o comedimento e a razão. Conforme constrói suas forças estratégicas, a China disfarça mísseis nucleares e não nucleares para que fique difícil saber que tipo está sendo lançado. A Rússia desenvolveu mísseis de cruzeiro hipersônicos que encurtam tempos de tomada de decisão e impedem a constatação sobre os alvos pretendidos serem civis ou militares. A inteligência artificial fará evoluir estratégias radicalmente novas. E armas espaciais permitirão a quem se movimentar primeiro cegar e incapacitar seus adversários.

O pior: a dissuasão é cada vez mais uma via de mão única. Os EUA agem com comedimento, mas seus adversários não. É isso que vemos com as ameaças nucleares da Rússia durante o conflito na Ucrânia: os EUA estão impedidos de fornecer armas que possam levar a uma escalada, e a Rússia segue cometendo crimes de guerra.

Estrategistas militares sempre insistem que a melhor maneira de evitar a guerra é preparar-se para a guerra. Mas nós temos de admitir para nós mesmos, conforme outro ano de conflitos sangrentos se inicia, que o atual modelo não está funcionando. Nós precisamos de novas regras nas Nações Unidas para impedir guerras e de um novo ordenamento para gestão de crises com aliados e adversários. De outro modo, em 2024 e além nós teremos de ponderar sobre o impensável. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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