Opinião|Como Israel e Arábia Saudita trocam de papéis no Oriente Médio


Netanyahu está transformando Israel em um lugar parecido com o que havia de pior na Arábia Saudita do passado; Mohammed bin Salman, por sua vez, transforma seu país em um lugar parecido com o que havia de melhor no Estado de Israel

Por Thomas Friedman
Atualização:

Arábia Saudita e Israel são os dois aliados mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio, e o governo Biden está profundamente envolvido com ambos hoje, tentando forjar um tratado mútuo de defesa com os sauditas e ajudando os israelenses em seus conflitos com o Hamas e o Irã. Mas a equipe de Biden se deparou com uma imensa oportunidade e um imenso perigo para os EUA — que derivam dos contrastes em suas políticas internas.

Falando diretamente: o príncipe-herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, mandou os piores extremistas religiosos de seu país para a cadeia, enquanto o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, colocou os piores extremistas religiosos de seu país em seu gabinete.

E há uma anedota aí.

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MBS, com sua mira laser em crescimento econômico após várias décadas em que, segundo ele descreve, a Arábia Saudita esteve “adormecida”, lançou a revolução social mais importante de todos os tempos no reino desértico — que tem produzido ondas de choque que reverberam por todo o mundo árabe. A coisa chegou a um ponto em que EUA e Arábia Saudita estão hoje dando os toques finais em uma aliança formal capaz de isolar o Irã, diminuir a influência da China no Oriente Médio e inspirar pacificamente mudanças mais positivas nessa região do que as invasões americanas ao Iraque e ao Afeganistão jamais produziram militarmente.

Imagem mostra o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, chegando em Jeddah, na Arábia Saudita, em março. EUA tem estreitado laços com país, que assume posição estratégica no Oriente Médio Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

O governo de MBS cometeu um ato abominável ao assassinar em Istambul o jornalista saudita Jamal Khashoggi, um crítico progressista que vivia nos EUA, em 2018. MBS também fez algo que nenhum de seus antecessores se atreveu: rompeu o jugo sufocante que os islamistas mais conservadores impunham sobre as políticas sociais e religiosas da Arábia Saudita desde 1979. Essa mudança se provou tão popular entre tantas mulheres e jovens sauditas que a participação feminina no mercado de trabalho saltou de 20% para 35% entre 2018 e 2022, de acordo com um levantamento do Atlantic Council, e é ainda mais alta hoje.

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Foi uma das mudanças sociais mais rápidas já ocorridas no planeta. Em Riad, vemos seu impacto nas ruas da cidade, em seus cafés e nos escritórios governamentais e privados. As mulheres sauditas não estão apenas dirigindo automóveis; estão promovendo mudanças em corpos diplomáticos, em alguns dos maiores bancos e com a recém-inaugurada liga profissional de futebol feminino. O auge da visão nova e radical de MBS para seu país manifesta-se em sua disposição declarada publicamente de normalizar as relações diplomáticas e econômicas entre Riad e o Estado judaico, como parte de um novo pacto de defesa mútua com os EUA.

O príncipe-herdeiro quer um Oriente Médio o mais pacífico possível e uma Arábia Saudita mais segura em relação ao Irã quanto possível para poder colocar foco em tornar seu país uma potência econômica diversificada.

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Israel aspirava o mesmo. Mas infelizmente a tragédia de Israel sob Netanyahu é que, em razão de o primeiro-ministro estar tão desesperado para conquistar o poder e se manter na função para evitar a possibilidade de ser preso por corrupção, ele criou uma coalizão de governo que conferiu uma força sem precedentes a dois supremacistas judeus de extrema direita com autoridade sobre três ministérios — Defesa, Finanças e Segurança Nacional — e priorizou a imposição de um golpe contra Judiciário antes qualquer outra medida. Netanyahu também abriu concessões inéditas a rabinos ultraortodoxos transferindo quantias gigantescas para suas escolas — que com frequência não ensinam nem matemática, nem inglês, nem educação cívica aos alunos. E a maioria dos homens jovens ultraortodoxos em idade de alistamento militar se recusa a servir o Exército, assim como ao lado de mulheres.

Claro, a Arábia Saudita é uma monarquia absolutista, e Israel é uma democracia. MBS tem capacidade de ordenar mudanças que nenhum primeiro-ministro israelense teria. Ainda assim, os líderes em ambos os países têm de calcular o que lhes possibilita permanecer no poder, e esses instintos estão fazendo Netanyahu transformar Israel em um lugar mais parecido com o que havia de pior na Arábia Saudita anterior e MBS a transformar a Arábia Saudita em um lugar mais parecido com o que havia de melhor no Estado de Israel anterior.

O resultado da aliança de Netanyahu com a extrema direita é que Israel não consegue tirar vantagem da mudança tectônica em Riad — com sua oferta de normalizar relações com o Estado judaico e abrir uma via para Israel manter relações com todo o mundo muçulmano — porque para isso os israelenses teriam de trabalhar com os palestinos em um caminho para a criação de dois Estados para dois povos originários.

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Imagem mostra Mohammed bin Salman em uma cerimônia em 2022 para a seleção saudita que participou da Copa do Mundo do Qatar. Desde que chegou ao poder, o príncipe-herdeiro promove reformas modernizantes em Riad Foto: Bandar Algaloud/Cedida pela Corte Real Saudita

Além disso, sem oferecer algum horizonte para uma solução de dois Estados com palestinos não pertencentes ao Hamas, Israel não conseguirá forjar uma aliança de segurança permanente com a coalizão de Estados árabes moderados que ajudou a conter a barragem de mais de 300 drones e mísseis que o Irã disparou contra o território israelense em 13 de abril, em resposta ao assassinato praticado por Israel de um alto comandante militar iraniano e alguns de seus subordinados, na Síria. Esses Estados árabes não podem dar a parecer que defenderão os israelenses indefinidamente se Israel não estiver trabalhando para encontrar parceiros palestinos moderados para substituir o controle israelense sobre Gaza e a Cisjordânia.

Em outras palavras, Israel não é capaz hoje de reunir as coalizões que precisa para prosperar enquanto nação porque isso ocasionaria um rompimento da coalizão de governo que Netanyahu precisa para sobreviver como político.

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Tudo isso cria uma enorme dor de cabeça para o presidente Joe Biden, que tem feito mais para salvar o povo israelense do Hamas e do Irã do que qualquer outro presidente americano, mas tem sido contrariado por um primeiro-ministro israelense mais interessado em salvar a si mesmo. O apoio de Biden a Netanyahu lhe está prejudicando politicamente e tolhendo sua capacidade de tirar vantagem plena das mudanças na Península Arábica. Poderá também lhe custar a reeleição.

Desde que MBS começou a dominar a tomada de decisões em Riad, em 2016, no lugar de seu pai enfermo, o rei Salman, a Arábia Saudita passou basicamente de uma incubadora da Al-Qaeda para uma incubadora de inteligência artificial.

Imagem mostra o presidente dos EUA, Joe Biden, em encontro com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em outubro de 2023. Biden pressiona Israel a mudar política na região, mas Netanyahu tem seus próprios planos Foto: Miriam Alster/via Reuters
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De fato, há um grande problema hoje em dia entre os dois líderes de mentalidade mais reformadora no mundo árabe: MBS e MBZ, Mohammed bin Zayed, que governa os Emirados Árabes Unidos. Mas é um problema bom: uma competição intensa sobre quem é capaz de estabelecer parcerias mais rapidamente e profundamente com as principais empresas globais impulsionadoras de inteligência artificial.

Conforme o jornal mais importante dos EAU, The National, notou na terça-feira: “Após o investimento de US$ 1,5 bilhão da Microsoft na empresa de inteligência artificial e nuvem G42, de Abu Dhabi, o foco se volta agora para a crescente estatura do Oriente Médio enquanto líder em tecnologia global na região. O avanço, liderado por EAU e Arábia Saudita, atraiu atenção de empresas como Oracle, Google e Amazon e sublinha a crescente confiança dos investidores na região, com cada vez mais apoio financeiro e relações cada vez mais profundas com o Ocidente”.

É impossível superestimar o poder de um bom exemplo próximo. Quando MBS anunciou, em 2018, que as mulheres sauditas poderiam frequentar eventos esportivos, como partidas de futebol masculino, as mulheres iranianas exigiram o mesmo de seus aiatolás. Os aiatolás foram forçados a ceder após uma iraniana de 29 anos acusada de tentar comparecer a um jogo de futebol masculino morrer, em setembro de 2019, ao tocar fogo no próprio corpo.

Conforme uma autoridade saudita me ressaltou recentemente, MBS foi capaz de escantear os extremistas religiosos no reino sem iniciar uma guerra civil desatando toda energia reprimida dos jovens sauditas, que queriam concretizar seu pleno potencial conectando-se com todas as tendências globais mais inovadoras. Então esses jovens simplesmente atropelaram a resistência dos cerca de 30% de sauditas que eu descreveria como hiperconservadores. (Fontes sauditas dizem-me que cerca de 500 dos clérigos mais extremistas foram encarcerados. MBS, sabiamente, ainda paga os salários de outras autoridades governamentais religiosas muito conservadoras, como a polícia religiosa, mas retirou seu poder — sob risco pessoal.) O Irã, em contraste, acionou a brutalidade total de suas autoridades religiosas para atropelar os jovens iranianos, que entraram em uma guerra civil aberta contra o regime em setembro de 2022, após uma iraniana chamada Mahsa Amini morrer sob custódia da polícia. Ela havia sido presa por supostamente não cobrir os cabelos de maneira apropriada em público.

É por isso que vimos cenas como as dos estudantes universitários do Irã, em 2020, recusando-se a caminhar sobre bandeiras americanas e israelenses que os clérigos tinham mandado pintar no piso das entradas de suas faculdades e, em abril, vaias e buzinas durante uma partida de futebol quando o regime exigiu um minuto de silêncio em honra aos militares iranianos assassinados por Israel. Os iranianos percebem que seus ditadores religiosos exploram a causa palestina e o Hamas para acobertar a brutalidade da Guarda Revolucionária Iraniana contra os jovens de seu próprio país.

Isso é um contraste diametral em relação ao que ocorre com alguns estudantes universitários que protestam atualmente nos EUA, que percebem Israel como um agressor “colonial” e isentam o Hamas, apesar do grupo ter assassinado, sequestrado e estuprado israelenses em 7 de outubro, ocasionando os bombardeios massivos que mataram dezenas de milhares de civis em Gaza, incluindo milhares de crianças, com aparente indiferença.

A questão-chave para o governo Biden e os sauditas hoje é: qual será o próximo passo? A boa notícia é que eles concluíram 90% do texto do tratado de defesa mútua que vinham traçando, dizem-me ambos os lados. Mas ainda precisam amarrar alguns pontos cruciais. Entre eles, precisamente como os EUA controlarão o programa civil de energia nuclear que a Arábia Saudita ganhará sob o acordo; se o componente de defesa mútua será explícito, como na relação EUA-Japão, ou menos formal, como no entendimento entre EUA e Taiwan; e um comprometimento de longo prazo para que a Arábia Saudita continue a estabelecer o preço do petróleo que produz em dólares americanos, em vez de mudar para a moeda chinesa.

Mas a outra parte do acordo, considerada crítica para conquistar apoio no Congresso, é a Arábia Saudita normalizar relações com Israel. O que acontecerá somente se Israel concordar com os termos de Riad: sair de Gaza, congelar a construção de assentamentos coloniais na Cisjordânia e concordar com um “caminho” para o estabelecimento de um Estado palestino nos territórios ocupados em um prazo de três a cinco anos. A criação desse Estado também seria condicionada à Autoridade Palestina ser reformada para tornar-se um órgão governamental em que os palestinos confiem e considerem legítimo e que Israel considere eficaz.

Há muitos “se” e “contanto que” nessa equação que parecem bastante improváveis hoje — que poderão tornar-se mais concebíveis quando a guerra em Gaza acabar e tanto os israelenses quanto os palestinos perceberem os custos terríveis de não haver uma solução de paz permanente e refletirem sobre escolher mais do mesmo ou uma mudança radical.

É evidente para autoridades americanas e sauditas que, jogando com a extrema direita para permanecer no poder, Netanyahu dificilmente concordará com qualquer estatuto de Estado para os palestinos que faça seus aliados derrubá-lo — a não ser que sua sobrevivência política dite outro rumo. Como resultado, os americanos e os sauditas estão considerando concluir o texto do acordo e levá-lo ao Congresso com uma provisão declarando que a Arábia Saudita normalizará as relações com os israelenses assim que Israel tiver um governo pronto para atender aos termos de Riad e Washington.

Mas nenhuma decisão foi tomada. As autoridades americanas sabem que, com tanta turbulência em Israel hoje — e com o mundo inteiro aparentemente caindo em cima — é impossível fazer os israelenses realmente considerarem os profundos benefícios políticos e econômicos a longo prazo de normalizar relações com a Arábia Saudita, a mais influente nação árabe-muçulmana do mundo.

Com sorte, porém, se puder haver um fim permanente aos combates e a libertação de todos os reféns israelenses, haverá novas eleições em Israel. E então — talvez, só talvez — a escolha diante dos israelenses não será entre Bibi e Bibi-light, mas entre Bibi e um caminho crível para a paz com a Arábia Saudita e os palestinos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Arábia Saudita e Israel são os dois aliados mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio, e o governo Biden está profundamente envolvido com ambos hoje, tentando forjar um tratado mútuo de defesa com os sauditas e ajudando os israelenses em seus conflitos com o Hamas e o Irã. Mas a equipe de Biden se deparou com uma imensa oportunidade e um imenso perigo para os EUA — que derivam dos contrastes em suas políticas internas.

Falando diretamente: o príncipe-herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, mandou os piores extremistas religiosos de seu país para a cadeia, enquanto o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, colocou os piores extremistas religiosos de seu país em seu gabinete.

E há uma anedota aí.

MBS, com sua mira laser em crescimento econômico após várias décadas em que, segundo ele descreve, a Arábia Saudita esteve “adormecida”, lançou a revolução social mais importante de todos os tempos no reino desértico — que tem produzido ondas de choque que reverberam por todo o mundo árabe. A coisa chegou a um ponto em que EUA e Arábia Saudita estão hoje dando os toques finais em uma aliança formal capaz de isolar o Irã, diminuir a influência da China no Oriente Médio e inspirar pacificamente mudanças mais positivas nessa região do que as invasões americanas ao Iraque e ao Afeganistão jamais produziram militarmente.

Imagem mostra o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, chegando em Jeddah, na Arábia Saudita, em março. EUA tem estreitado laços com país, que assume posição estratégica no Oriente Médio Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

O governo de MBS cometeu um ato abominável ao assassinar em Istambul o jornalista saudita Jamal Khashoggi, um crítico progressista que vivia nos EUA, em 2018. MBS também fez algo que nenhum de seus antecessores se atreveu: rompeu o jugo sufocante que os islamistas mais conservadores impunham sobre as políticas sociais e religiosas da Arábia Saudita desde 1979. Essa mudança se provou tão popular entre tantas mulheres e jovens sauditas que a participação feminina no mercado de trabalho saltou de 20% para 35% entre 2018 e 2022, de acordo com um levantamento do Atlantic Council, e é ainda mais alta hoje.

Foi uma das mudanças sociais mais rápidas já ocorridas no planeta. Em Riad, vemos seu impacto nas ruas da cidade, em seus cafés e nos escritórios governamentais e privados. As mulheres sauditas não estão apenas dirigindo automóveis; estão promovendo mudanças em corpos diplomáticos, em alguns dos maiores bancos e com a recém-inaugurada liga profissional de futebol feminino. O auge da visão nova e radical de MBS para seu país manifesta-se em sua disposição declarada publicamente de normalizar as relações diplomáticas e econômicas entre Riad e o Estado judaico, como parte de um novo pacto de defesa mútua com os EUA.

O príncipe-herdeiro quer um Oriente Médio o mais pacífico possível e uma Arábia Saudita mais segura em relação ao Irã quanto possível para poder colocar foco em tornar seu país uma potência econômica diversificada.

Israel aspirava o mesmo. Mas infelizmente a tragédia de Israel sob Netanyahu é que, em razão de o primeiro-ministro estar tão desesperado para conquistar o poder e se manter na função para evitar a possibilidade de ser preso por corrupção, ele criou uma coalizão de governo que conferiu uma força sem precedentes a dois supremacistas judeus de extrema direita com autoridade sobre três ministérios — Defesa, Finanças e Segurança Nacional — e priorizou a imposição de um golpe contra Judiciário antes qualquer outra medida. Netanyahu também abriu concessões inéditas a rabinos ultraortodoxos transferindo quantias gigantescas para suas escolas — que com frequência não ensinam nem matemática, nem inglês, nem educação cívica aos alunos. E a maioria dos homens jovens ultraortodoxos em idade de alistamento militar se recusa a servir o Exército, assim como ao lado de mulheres.

Claro, a Arábia Saudita é uma monarquia absolutista, e Israel é uma democracia. MBS tem capacidade de ordenar mudanças que nenhum primeiro-ministro israelense teria. Ainda assim, os líderes em ambos os países têm de calcular o que lhes possibilita permanecer no poder, e esses instintos estão fazendo Netanyahu transformar Israel em um lugar mais parecido com o que havia de pior na Arábia Saudita anterior e MBS a transformar a Arábia Saudita em um lugar mais parecido com o que havia de melhor no Estado de Israel anterior.

O resultado da aliança de Netanyahu com a extrema direita é que Israel não consegue tirar vantagem da mudança tectônica em Riad — com sua oferta de normalizar relações com o Estado judaico e abrir uma via para Israel manter relações com todo o mundo muçulmano — porque para isso os israelenses teriam de trabalhar com os palestinos em um caminho para a criação de dois Estados para dois povos originários.

Imagem mostra Mohammed bin Salman em uma cerimônia em 2022 para a seleção saudita que participou da Copa do Mundo do Qatar. Desde que chegou ao poder, o príncipe-herdeiro promove reformas modernizantes em Riad Foto: Bandar Algaloud/Cedida pela Corte Real Saudita

Além disso, sem oferecer algum horizonte para uma solução de dois Estados com palestinos não pertencentes ao Hamas, Israel não conseguirá forjar uma aliança de segurança permanente com a coalizão de Estados árabes moderados que ajudou a conter a barragem de mais de 300 drones e mísseis que o Irã disparou contra o território israelense em 13 de abril, em resposta ao assassinato praticado por Israel de um alto comandante militar iraniano e alguns de seus subordinados, na Síria. Esses Estados árabes não podem dar a parecer que defenderão os israelenses indefinidamente se Israel não estiver trabalhando para encontrar parceiros palestinos moderados para substituir o controle israelense sobre Gaza e a Cisjordânia.

Em outras palavras, Israel não é capaz hoje de reunir as coalizões que precisa para prosperar enquanto nação porque isso ocasionaria um rompimento da coalizão de governo que Netanyahu precisa para sobreviver como político.

Tudo isso cria uma enorme dor de cabeça para o presidente Joe Biden, que tem feito mais para salvar o povo israelense do Hamas e do Irã do que qualquer outro presidente americano, mas tem sido contrariado por um primeiro-ministro israelense mais interessado em salvar a si mesmo. O apoio de Biden a Netanyahu lhe está prejudicando politicamente e tolhendo sua capacidade de tirar vantagem plena das mudanças na Península Arábica. Poderá também lhe custar a reeleição.

Desde que MBS começou a dominar a tomada de decisões em Riad, em 2016, no lugar de seu pai enfermo, o rei Salman, a Arábia Saudita passou basicamente de uma incubadora da Al-Qaeda para uma incubadora de inteligência artificial.

Imagem mostra o presidente dos EUA, Joe Biden, em encontro com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em outubro de 2023. Biden pressiona Israel a mudar política na região, mas Netanyahu tem seus próprios planos Foto: Miriam Alster/via Reuters

De fato, há um grande problema hoje em dia entre os dois líderes de mentalidade mais reformadora no mundo árabe: MBS e MBZ, Mohammed bin Zayed, que governa os Emirados Árabes Unidos. Mas é um problema bom: uma competição intensa sobre quem é capaz de estabelecer parcerias mais rapidamente e profundamente com as principais empresas globais impulsionadoras de inteligência artificial.

Conforme o jornal mais importante dos EAU, The National, notou na terça-feira: “Após o investimento de US$ 1,5 bilhão da Microsoft na empresa de inteligência artificial e nuvem G42, de Abu Dhabi, o foco se volta agora para a crescente estatura do Oriente Médio enquanto líder em tecnologia global na região. O avanço, liderado por EAU e Arábia Saudita, atraiu atenção de empresas como Oracle, Google e Amazon e sublinha a crescente confiança dos investidores na região, com cada vez mais apoio financeiro e relações cada vez mais profundas com o Ocidente”.

É impossível superestimar o poder de um bom exemplo próximo. Quando MBS anunciou, em 2018, que as mulheres sauditas poderiam frequentar eventos esportivos, como partidas de futebol masculino, as mulheres iranianas exigiram o mesmo de seus aiatolás. Os aiatolás foram forçados a ceder após uma iraniana de 29 anos acusada de tentar comparecer a um jogo de futebol masculino morrer, em setembro de 2019, ao tocar fogo no próprio corpo.

Conforme uma autoridade saudita me ressaltou recentemente, MBS foi capaz de escantear os extremistas religiosos no reino sem iniciar uma guerra civil desatando toda energia reprimida dos jovens sauditas, que queriam concretizar seu pleno potencial conectando-se com todas as tendências globais mais inovadoras. Então esses jovens simplesmente atropelaram a resistência dos cerca de 30% de sauditas que eu descreveria como hiperconservadores. (Fontes sauditas dizem-me que cerca de 500 dos clérigos mais extremistas foram encarcerados. MBS, sabiamente, ainda paga os salários de outras autoridades governamentais religiosas muito conservadoras, como a polícia religiosa, mas retirou seu poder — sob risco pessoal.) O Irã, em contraste, acionou a brutalidade total de suas autoridades religiosas para atropelar os jovens iranianos, que entraram em uma guerra civil aberta contra o regime em setembro de 2022, após uma iraniana chamada Mahsa Amini morrer sob custódia da polícia. Ela havia sido presa por supostamente não cobrir os cabelos de maneira apropriada em público.

É por isso que vimos cenas como as dos estudantes universitários do Irã, em 2020, recusando-se a caminhar sobre bandeiras americanas e israelenses que os clérigos tinham mandado pintar no piso das entradas de suas faculdades e, em abril, vaias e buzinas durante uma partida de futebol quando o regime exigiu um minuto de silêncio em honra aos militares iranianos assassinados por Israel. Os iranianos percebem que seus ditadores religiosos exploram a causa palestina e o Hamas para acobertar a brutalidade da Guarda Revolucionária Iraniana contra os jovens de seu próprio país.

Isso é um contraste diametral em relação ao que ocorre com alguns estudantes universitários que protestam atualmente nos EUA, que percebem Israel como um agressor “colonial” e isentam o Hamas, apesar do grupo ter assassinado, sequestrado e estuprado israelenses em 7 de outubro, ocasionando os bombardeios massivos que mataram dezenas de milhares de civis em Gaza, incluindo milhares de crianças, com aparente indiferença.

A questão-chave para o governo Biden e os sauditas hoje é: qual será o próximo passo? A boa notícia é que eles concluíram 90% do texto do tratado de defesa mútua que vinham traçando, dizem-me ambos os lados. Mas ainda precisam amarrar alguns pontos cruciais. Entre eles, precisamente como os EUA controlarão o programa civil de energia nuclear que a Arábia Saudita ganhará sob o acordo; se o componente de defesa mútua será explícito, como na relação EUA-Japão, ou menos formal, como no entendimento entre EUA e Taiwan; e um comprometimento de longo prazo para que a Arábia Saudita continue a estabelecer o preço do petróleo que produz em dólares americanos, em vez de mudar para a moeda chinesa.

Mas a outra parte do acordo, considerada crítica para conquistar apoio no Congresso, é a Arábia Saudita normalizar relações com Israel. O que acontecerá somente se Israel concordar com os termos de Riad: sair de Gaza, congelar a construção de assentamentos coloniais na Cisjordânia e concordar com um “caminho” para o estabelecimento de um Estado palestino nos territórios ocupados em um prazo de três a cinco anos. A criação desse Estado também seria condicionada à Autoridade Palestina ser reformada para tornar-se um órgão governamental em que os palestinos confiem e considerem legítimo e que Israel considere eficaz.

Há muitos “se” e “contanto que” nessa equação que parecem bastante improváveis hoje — que poderão tornar-se mais concebíveis quando a guerra em Gaza acabar e tanto os israelenses quanto os palestinos perceberem os custos terríveis de não haver uma solução de paz permanente e refletirem sobre escolher mais do mesmo ou uma mudança radical.

É evidente para autoridades americanas e sauditas que, jogando com a extrema direita para permanecer no poder, Netanyahu dificilmente concordará com qualquer estatuto de Estado para os palestinos que faça seus aliados derrubá-lo — a não ser que sua sobrevivência política dite outro rumo. Como resultado, os americanos e os sauditas estão considerando concluir o texto do acordo e levá-lo ao Congresso com uma provisão declarando que a Arábia Saudita normalizará as relações com os israelenses assim que Israel tiver um governo pronto para atender aos termos de Riad e Washington.

Mas nenhuma decisão foi tomada. As autoridades americanas sabem que, com tanta turbulência em Israel hoje — e com o mundo inteiro aparentemente caindo em cima — é impossível fazer os israelenses realmente considerarem os profundos benefícios políticos e econômicos a longo prazo de normalizar relações com a Arábia Saudita, a mais influente nação árabe-muçulmana do mundo.

Com sorte, porém, se puder haver um fim permanente aos combates e a libertação de todos os reféns israelenses, haverá novas eleições em Israel. E então — talvez, só talvez — a escolha diante dos israelenses não será entre Bibi e Bibi-light, mas entre Bibi e um caminho crível para a paz com a Arábia Saudita e os palestinos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Arábia Saudita e Israel são os dois aliados mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio, e o governo Biden está profundamente envolvido com ambos hoje, tentando forjar um tratado mútuo de defesa com os sauditas e ajudando os israelenses em seus conflitos com o Hamas e o Irã. Mas a equipe de Biden se deparou com uma imensa oportunidade e um imenso perigo para os EUA — que derivam dos contrastes em suas políticas internas.

Falando diretamente: o príncipe-herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, mandou os piores extremistas religiosos de seu país para a cadeia, enquanto o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, colocou os piores extremistas religiosos de seu país em seu gabinete.

E há uma anedota aí.

MBS, com sua mira laser em crescimento econômico após várias décadas em que, segundo ele descreve, a Arábia Saudita esteve “adormecida”, lançou a revolução social mais importante de todos os tempos no reino desértico — que tem produzido ondas de choque que reverberam por todo o mundo árabe. A coisa chegou a um ponto em que EUA e Arábia Saudita estão hoje dando os toques finais em uma aliança formal capaz de isolar o Irã, diminuir a influência da China no Oriente Médio e inspirar pacificamente mudanças mais positivas nessa região do que as invasões americanas ao Iraque e ao Afeganistão jamais produziram militarmente.

Imagem mostra o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, chegando em Jeddah, na Arábia Saudita, em março. EUA tem estreitado laços com país, que assume posição estratégica no Oriente Médio Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

O governo de MBS cometeu um ato abominável ao assassinar em Istambul o jornalista saudita Jamal Khashoggi, um crítico progressista que vivia nos EUA, em 2018. MBS também fez algo que nenhum de seus antecessores se atreveu: rompeu o jugo sufocante que os islamistas mais conservadores impunham sobre as políticas sociais e religiosas da Arábia Saudita desde 1979. Essa mudança se provou tão popular entre tantas mulheres e jovens sauditas que a participação feminina no mercado de trabalho saltou de 20% para 35% entre 2018 e 2022, de acordo com um levantamento do Atlantic Council, e é ainda mais alta hoje.

Foi uma das mudanças sociais mais rápidas já ocorridas no planeta. Em Riad, vemos seu impacto nas ruas da cidade, em seus cafés e nos escritórios governamentais e privados. As mulheres sauditas não estão apenas dirigindo automóveis; estão promovendo mudanças em corpos diplomáticos, em alguns dos maiores bancos e com a recém-inaugurada liga profissional de futebol feminino. O auge da visão nova e radical de MBS para seu país manifesta-se em sua disposição declarada publicamente de normalizar as relações diplomáticas e econômicas entre Riad e o Estado judaico, como parte de um novo pacto de defesa mútua com os EUA.

O príncipe-herdeiro quer um Oriente Médio o mais pacífico possível e uma Arábia Saudita mais segura em relação ao Irã quanto possível para poder colocar foco em tornar seu país uma potência econômica diversificada.

Israel aspirava o mesmo. Mas infelizmente a tragédia de Israel sob Netanyahu é que, em razão de o primeiro-ministro estar tão desesperado para conquistar o poder e se manter na função para evitar a possibilidade de ser preso por corrupção, ele criou uma coalizão de governo que conferiu uma força sem precedentes a dois supremacistas judeus de extrema direita com autoridade sobre três ministérios — Defesa, Finanças e Segurança Nacional — e priorizou a imposição de um golpe contra Judiciário antes qualquer outra medida. Netanyahu também abriu concessões inéditas a rabinos ultraortodoxos transferindo quantias gigantescas para suas escolas — que com frequência não ensinam nem matemática, nem inglês, nem educação cívica aos alunos. E a maioria dos homens jovens ultraortodoxos em idade de alistamento militar se recusa a servir o Exército, assim como ao lado de mulheres.

Claro, a Arábia Saudita é uma monarquia absolutista, e Israel é uma democracia. MBS tem capacidade de ordenar mudanças que nenhum primeiro-ministro israelense teria. Ainda assim, os líderes em ambos os países têm de calcular o que lhes possibilita permanecer no poder, e esses instintos estão fazendo Netanyahu transformar Israel em um lugar mais parecido com o que havia de pior na Arábia Saudita anterior e MBS a transformar a Arábia Saudita em um lugar mais parecido com o que havia de melhor no Estado de Israel anterior.

O resultado da aliança de Netanyahu com a extrema direita é que Israel não consegue tirar vantagem da mudança tectônica em Riad — com sua oferta de normalizar relações com o Estado judaico e abrir uma via para Israel manter relações com todo o mundo muçulmano — porque para isso os israelenses teriam de trabalhar com os palestinos em um caminho para a criação de dois Estados para dois povos originários.

Imagem mostra Mohammed bin Salman em uma cerimônia em 2022 para a seleção saudita que participou da Copa do Mundo do Qatar. Desde que chegou ao poder, o príncipe-herdeiro promove reformas modernizantes em Riad Foto: Bandar Algaloud/Cedida pela Corte Real Saudita

Além disso, sem oferecer algum horizonte para uma solução de dois Estados com palestinos não pertencentes ao Hamas, Israel não conseguirá forjar uma aliança de segurança permanente com a coalizão de Estados árabes moderados que ajudou a conter a barragem de mais de 300 drones e mísseis que o Irã disparou contra o território israelense em 13 de abril, em resposta ao assassinato praticado por Israel de um alto comandante militar iraniano e alguns de seus subordinados, na Síria. Esses Estados árabes não podem dar a parecer que defenderão os israelenses indefinidamente se Israel não estiver trabalhando para encontrar parceiros palestinos moderados para substituir o controle israelense sobre Gaza e a Cisjordânia.

Em outras palavras, Israel não é capaz hoje de reunir as coalizões que precisa para prosperar enquanto nação porque isso ocasionaria um rompimento da coalizão de governo que Netanyahu precisa para sobreviver como político.

Tudo isso cria uma enorme dor de cabeça para o presidente Joe Biden, que tem feito mais para salvar o povo israelense do Hamas e do Irã do que qualquer outro presidente americano, mas tem sido contrariado por um primeiro-ministro israelense mais interessado em salvar a si mesmo. O apoio de Biden a Netanyahu lhe está prejudicando politicamente e tolhendo sua capacidade de tirar vantagem plena das mudanças na Península Arábica. Poderá também lhe custar a reeleição.

Desde que MBS começou a dominar a tomada de decisões em Riad, em 2016, no lugar de seu pai enfermo, o rei Salman, a Arábia Saudita passou basicamente de uma incubadora da Al-Qaeda para uma incubadora de inteligência artificial.

Imagem mostra o presidente dos EUA, Joe Biden, em encontro com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em outubro de 2023. Biden pressiona Israel a mudar política na região, mas Netanyahu tem seus próprios planos Foto: Miriam Alster/via Reuters

De fato, há um grande problema hoje em dia entre os dois líderes de mentalidade mais reformadora no mundo árabe: MBS e MBZ, Mohammed bin Zayed, que governa os Emirados Árabes Unidos. Mas é um problema bom: uma competição intensa sobre quem é capaz de estabelecer parcerias mais rapidamente e profundamente com as principais empresas globais impulsionadoras de inteligência artificial.

Conforme o jornal mais importante dos EAU, The National, notou na terça-feira: “Após o investimento de US$ 1,5 bilhão da Microsoft na empresa de inteligência artificial e nuvem G42, de Abu Dhabi, o foco se volta agora para a crescente estatura do Oriente Médio enquanto líder em tecnologia global na região. O avanço, liderado por EAU e Arábia Saudita, atraiu atenção de empresas como Oracle, Google e Amazon e sublinha a crescente confiança dos investidores na região, com cada vez mais apoio financeiro e relações cada vez mais profundas com o Ocidente”.

É impossível superestimar o poder de um bom exemplo próximo. Quando MBS anunciou, em 2018, que as mulheres sauditas poderiam frequentar eventos esportivos, como partidas de futebol masculino, as mulheres iranianas exigiram o mesmo de seus aiatolás. Os aiatolás foram forçados a ceder após uma iraniana de 29 anos acusada de tentar comparecer a um jogo de futebol masculino morrer, em setembro de 2019, ao tocar fogo no próprio corpo.

Conforme uma autoridade saudita me ressaltou recentemente, MBS foi capaz de escantear os extremistas religiosos no reino sem iniciar uma guerra civil desatando toda energia reprimida dos jovens sauditas, que queriam concretizar seu pleno potencial conectando-se com todas as tendências globais mais inovadoras. Então esses jovens simplesmente atropelaram a resistência dos cerca de 30% de sauditas que eu descreveria como hiperconservadores. (Fontes sauditas dizem-me que cerca de 500 dos clérigos mais extremistas foram encarcerados. MBS, sabiamente, ainda paga os salários de outras autoridades governamentais religiosas muito conservadoras, como a polícia religiosa, mas retirou seu poder — sob risco pessoal.) O Irã, em contraste, acionou a brutalidade total de suas autoridades religiosas para atropelar os jovens iranianos, que entraram em uma guerra civil aberta contra o regime em setembro de 2022, após uma iraniana chamada Mahsa Amini morrer sob custódia da polícia. Ela havia sido presa por supostamente não cobrir os cabelos de maneira apropriada em público.

É por isso que vimos cenas como as dos estudantes universitários do Irã, em 2020, recusando-se a caminhar sobre bandeiras americanas e israelenses que os clérigos tinham mandado pintar no piso das entradas de suas faculdades e, em abril, vaias e buzinas durante uma partida de futebol quando o regime exigiu um minuto de silêncio em honra aos militares iranianos assassinados por Israel. Os iranianos percebem que seus ditadores religiosos exploram a causa palestina e o Hamas para acobertar a brutalidade da Guarda Revolucionária Iraniana contra os jovens de seu próprio país.

Isso é um contraste diametral em relação ao que ocorre com alguns estudantes universitários que protestam atualmente nos EUA, que percebem Israel como um agressor “colonial” e isentam o Hamas, apesar do grupo ter assassinado, sequestrado e estuprado israelenses em 7 de outubro, ocasionando os bombardeios massivos que mataram dezenas de milhares de civis em Gaza, incluindo milhares de crianças, com aparente indiferença.

A questão-chave para o governo Biden e os sauditas hoje é: qual será o próximo passo? A boa notícia é que eles concluíram 90% do texto do tratado de defesa mútua que vinham traçando, dizem-me ambos os lados. Mas ainda precisam amarrar alguns pontos cruciais. Entre eles, precisamente como os EUA controlarão o programa civil de energia nuclear que a Arábia Saudita ganhará sob o acordo; se o componente de defesa mútua será explícito, como na relação EUA-Japão, ou menos formal, como no entendimento entre EUA e Taiwan; e um comprometimento de longo prazo para que a Arábia Saudita continue a estabelecer o preço do petróleo que produz em dólares americanos, em vez de mudar para a moeda chinesa.

Mas a outra parte do acordo, considerada crítica para conquistar apoio no Congresso, é a Arábia Saudita normalizar relações com Israel. O que acontecerá somente se Israel concordar com os termos de Riad: sair de Gaza, congelar a construção de assentamentos coloniais na Cisjordânia e concordar com um “caminho” para o estabelecimento de um Estado palestino nos territórios ocupados em um prazo de três a cinco anos. A criação desse Estado também seria condicionada à Autoridade Palestina ser reformada para tornar-se um órgão governamental em que os palestinos confiem e considerem legítimo e que Israel considere eficaz.

Há muitos “se” e “contanto que” nessa equação que parecem bastante improváveis hoje — que poderão tornar-se mais concebíveis quando a guerra em Gaza acabar e tanto os israelenses quanto os palestinos perceberem os custos terríveis de não haver uma solução de paz permanente e refletirem sobre escolher mais do mesmo ou uma mudança radical.

É evidente para autoridades americanas e sauditas que, jogando com a extrema direita para permanecer no poder, Netanyahu dificilmente concordará com qualquer estatuto de Estado para os palestinos que faça seus aliados derrubá-lo — a não ser que sua sobrevivência política dite outro rumo. Como resultado, os americanos e os sauditas estão considerando concluir o texto do acordo e levá-lo ao Congresso com uma provisão declarando que a Arábia Saudita normalizará as relações com os israelenses assim que Israel tiver um governo pronto para atender aos termos de Riad e Washington.

Mas nenhuma decisão foi tomada. As autoridades americanas sabem que, com tanta turbulência em Israel hoje — e com o mundo inteiro aparentemente caindo em cima — é impossível fazer os israelenses realmente considerarem os profundos benefícios políticos e econômicos a longo prazo de normalizar relações com a Arábia Saudita, a mais influente nação árabe-muçulmana do mundo.

Com sorte, porém, se puder haver um fim permanente aos combates e a libertação de todos os reféns israelenses, haverá novas eleições em Israel. E então — talvez, só talvez — a escolha diante dos israelenses não será entre Bibi e Bibi-light, mas entre Bibi e um caminho crível para a paz com a Arábia Saudita e os palestinos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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