THE NEW YORK TIMES — Estou assistindo à guerra Israel-Hamas em Gaza hoje e pensando a respeito de um dos líderes mundiais que mais admiro: Manmohan Singh. Ele era primeiro-ministro da Índia no fim de novembro de 2008, quando10 militantes jihadistas paquistaneses do grupo Lashkar-e-Taiba, que, acredita-se amplamente, era ligado ao serviço de inteligência militar do Paquistão, infiltraram-se na Índia e mataram mais de 160 pessoas em Mumbai,
Incluindo 61 em dois hotéis de luxo. Qual foi a resposta militar de Singh após o 11 de Setembro indiano?
Ele não fez nada.
Singh nunca retaliou militarmente contra a nação paquistanesa ou os campos do Lashkar no Paquistão. Foi um ato notável de comedimento. Qual foi a lógica? Em seu livro “Choices: Inside the Making of India’s Foreign Policy” (Escolhas: por dentro da formulação da política externa indiana), o então secretário de Relações Exteriores da Índia, Shivshankar Menon, explicou essa atitude sustentando os seguintes argumentos:
“Eu próprio pressionei na época por uma retaliação visível imediata” contra as bases dos jihadistas ou a inteligência militar paquistanesa, “que claramente foi cúmplice”, escreveu Menon. “Fazer isso seria reconfortante emocionalmente e colaboraria para apagar a vergonha da incompetência demonstrada pela polícia e as agências de segurança indianas.”
Ele continuou, “Mas após uma reflexão ajuizada e em retrospectiva, agora eu creio que não retaliar militarmente e concentrar-se em meios diplomáticos, métodos furtivos e outros esforços foi a decisão correta para aquele tempo e espaço”.
Uma das principais razões, afirmou Menon, foi qualquer resposta militar poder obscurecer rapidamente o grau de ultraje e horror do ataque contra civis indianos e turistas; “o fato de um ataque terrorista do Paquistão contra a Índia com envolvimento oficial do lado paquistanês” teria se perdido. Uma vez que a Índia retaliasse, o mundo teria tido imediatamente o que Menon chamou de “reação ah tá” — tudo não passa de mais acerto de contas entre paquistaneses e indianos, nada de incomum aqui.
Ainda mais, escreveu Menon, “um ataque indiano contra o Paquistão teria unido os paquistaneses atrás do Exército do país, que estava em crescente descrédito domesticamente” e “também teria enfraquecido o governo civil paquistanês, que acabava de ser eleito e buscava uma relação muito melhor com a Índia do que o Exército paquistanês estava disposto a considerar”. Ele continuou, “Uma ameaça de guerra — e talvez até a própria guerra — era exatamente o que o Exército paquistanês queria para sustentar sua posição interna”.
Além disso, escreveu Menon, “uma guerra, mesmo que bem-sucedida, teria imposto custos e feito recuar o progresso da economia indiana justamente em novembro de 2008, quando a economia mundial enfrentava uma crise financeira sem precedentes”.
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Em última instância, afirmou Menon, “ao não atacar o Paquistão a Índia ficou livre para perseguir todos os meios legais e secretos para alcançar seus objetivos de trazer os perpetradores à Justiça, unindo a comunidade internacional para impor consequências sobre o Paquistão por seu comportamento e fortalecer a probabilidade de que um ataque como esse jamais ocorra novamente”.
Eu compreendo que Israel não é a Índia — um país de 1,4 bilhão de habitantes que abrange um território massivo. As mortes de mais de 160 pessoas em Mumbai, algumas delas turistas, não foi sentida em todos os lares e cidades da mesma forma que o assassinato de aproximadamente 1,4 mil israelenses perpetrado pelo Hamas, a mutilação de incontáveis vítimas e o sequestro de mais de 200 pessoas. E o Paquistão também tem armas nucleares para dissuadir retaliação.
Não obstante, é educativo refletir a respeito do contraste entre a resposta da Índia ao ataque terrorista em Mumbai e a resposta de Israel à matança do Hamas.
Após o horror inicial à selvageria absoluta do assassinato de crianças israelenses e de jovens em uma festa, o que aconteceu? A narrativa rapidamente mudou para a brutalidade do contra-ataque israelense contra os civis de Gaza, entre os quais o Hamas se esconde. O massivo contra-ataque israelense se sobrepôs ao terrorismo do Hamas o transformou de grupo terrorista em uma organização de alguma maneira heróica. E também forçou os novos aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão a se distanciar do Estado judaico.
Enquanto isso, com cerca de 360 mil reservistas convocados, a economia de Israel quase certamente sofrerá se a derrubada do Hamas levar meses, conforme previsto. A economia israelense já tem previsão de 10% de contração anual em relação aos três últimos meses do ano. Isso depois de ser avaliada no ranking da revista Economist como a quarta melhor economia em termos de desempenho entre os países da OCDE em 2022.
Em um nível pessoal, estou perplexo com a reação desses estudantes e progressistas que se posicionam do lado do Hamas contra Israel — em alguns casos antes até de Israel retaliar — como se o Estado judaico não tivesse direito nem à autodeterminação nem à autodefesa em nenhuma parte de sua terra ancestral. Essa reação também deixa de levar em conta que Israel, apesar de todos os defeitos, é uma sociedade multicultural, onde quase 50% dos doutores formados hoje são árabes ou drusos; e que o Hamas é uma organização islamista militante que não tolera dissenso nem indivíduos LGBT+ e que se dedica a erradicar o Estado judaico da face da Terra.
Portanto eu compreendo as escolhas terríveis que o governo de Israel enfrentou depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto. Mas foi precisamente por que acompanhei de perto a reação singular de Singh ao ataque terrorista em Mumbai que eu defendi imediatamente uma resposta muito mais direcionada, completamente pensada e repensada, de Israel. O país deveria tê-la batizado de Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses e colocado foco em capturar e matar os sequestradores de crianças e avós. Qualquer pai ou mãe entenderia.
Em vez disso, o governo de Benjamin Netanyahu avançou imediatamente com um plano para, conforme colocou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, “varrer” o Hamas “da face da Terra”. E em três dias Israel infligiu facilmente mais que o triplo de baixas civis e causou muitos mais destruição em Gaza do que Israel sofreu, ao mesmo tempo que se comprometeu em assumir controle militar de Gaza — uma operação, numa escala relativa entre populações aproximadamente similar aos EUA decidirem quase da noite para o dia ocupar metade do México. O plano israelense, de acordo com Netanyahu, será uma batalha “longa e difícil” para “destruir as capacidades militar e governamental do Hamas e trazer os reféns de volta para casa”.
Como eu disse, Israel não é a Índia, e de nenhuma maneira poderia se esperar que os israelenses oferecessem a outra face — não nessa vizinhança. Mas qual é o plano de Netanyahu? As autoridades israelenses com que converso dizem-me que têm certeza de duas coisas: o Hamas nunca mais governará Gaza; e Israel não governará Gaza pós-Hamas. Elas sugerem que estabelecerão um acordo visto em partes da Cisjordânia hoje, com os palestinos de Gaza administrando a vida civil cotidiana e militares israelenses e equipes de segurança do Shin Bet fortalecendo o policiamento nos bastidores.
O plano ainda não está amadurecido. Quem são esses palestinos a serem arregimentados para governar Gaza em nome de Israel? O que acontecerá na manhã que um palestino a serviço de Israel for encontrado morto em um beco com um bilhete pregado ao tórax: “Traidor”; assinado, “Hamas clandestino”.
Aliás, quem pagará para Israel controlar a saúde e a educação dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza? Levante a mão por favor quem pensa que a União Europeia, os Estados árabes do Golfo ou a substancial bancada progressista do Partido Democrata na Câmara dos Deputados financiarão indefinidamente o controle israelense sobre Gaza — enquanto Netanyahu e seu bando de supremacistas judeus estão empenhados em anexar a Cisjordânia sem garantir direitos iguais aos palestinos de lá. O custo de ocupar Gaza poderá sobrecarregar as Forças Armadas e a economia de Israel por anos.
Além disso tudo, como Israel conseguirá administrar uma operação tão complexa quando há — por bom motivo — tão pouca confiança em Netanyahu? No sábado, ele responsabilizou os diretores da inteligência militar de Israel e do Shin Bet por não ter detectado o ataque surpresa do Hamas, ao mesmo tempo que se eximiu de qualquer culpa. Um dia depois, a indignação do público israelense forçou o primeiro-ministro a se retratar de suas recriminações contra seus colegas em tempo de guerra. Mas o estrago estava feito.
Netanyahu não tem uma equipe de rivais que o apoiam. Ele tem uma equipe de indivíduos dos quais são requeridas decisões excruciantes a longo prazo sabendo que seu primeiro-ministro é uma pessoa de caráter tão baixo que os culpará de tudo que saia de errado e monopolizará todo o crédito por qualquer sucesso.
Em suma, caros leitores, eu entendo por que Israel crê que precisa destruir o Hamas e com isso dissuadir outros vizinhos de algum dia contemplarem atacar o país. Mas a visão de Washington é de que a liderança de Israel não tem um plano viável para vencer nem um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise. Israel precisa saber que a tolerância de seu aliado americano em relação a baixas massivas em Gaza em uma operação militar sem desfecho claro não é ilimitada. Na realidade, nós podemos já estar nos aproximando desse limite.
Israel deveria manter aberta a porta para um cessar-fogo humanitário e uma troca de prisioneiros que também permita ao país parar para refletir a respeito do que pretende exatamente com esta afoita operação militar em Gaza — e sobre o preço que ela poderia cobrar no futuro.
Por isso eu levantei o exemplo da Índia. Porque o uso direcionado de força com objetivos limitados e alcançáveis poderá colaborar para a segurança e a prosperidade de Israel a longo prazo mais que uma guerra sem desfecho definido para erradicar o Hamas. Espero que Israel esteja avaliando bem os custos e benefícios de ambas as estratégias.
Uma pausa também poderia permitir aos habitantes de Gaza perceber o que o ataque do Hamas contra Israel — e a resposta totalmente previsível de Israel — fez com suas vidas, famílias, residências e empresas. O que exatamente o Hamas pensou que conquistaria com esta guerra para os habitantes de Gaza, milhares dos quais atravessavam a fronteira todos os dias para trabalhar em Israel ou exportar produtos agrícolas e de outras naturezas até poucas semanas atrás? O Hamas tem recebido compreensão demais e questionamento de menos em relação a temas difíceis.
Eu quero ver os líderes do Hamas saírem de seus túneis sob os hospitais, olhar nos olhos seu povo e os meios de imprensa internacionais e explicar para o mundo por que eles acharam uma ideia tão boa mutilar e sequestrar crianças e avós israelenses e provocar esta terrível reação sobre as crianças e avós de seus conterrâneos em Gaza — sem mencionar às suas próprias crianças e avós.
Eu sempre acreditei que nós podemos reduzir o conflito israelo-palestino desde 1900 em uma linha: conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito e trégua. A diferença mais importante entre as partes é o que cada uma fez durante as tréguas.
Israel construiu uma sociedade e uma economia impressionantes, ainda que imperfeitas, e o Hamas usou quase todos os seus recursos para construir túneis de ataque.
Por favor, Israel, não se perca nesses túneis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL