Como Israel pode derrotar o Hamas com o exemplo da luta da Índia contra o terror; leia a análise


Israel precisa ter um plano viável para vencer, assim como um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise

Por Thomas Friedman

THE NEW YORK TIMES — Estou assistindo à guerra Israel-Hamas em Gaza hoje e pensando a respeito de um dos líderes mundiais que mais admiro: Manmohan Singh. Ele era primeiro-ministro da Índia no fim de novembro de 2008, quando10 militantes jihadistas paquistaneses do grupo Lashkar-e-Taiba, que, acredita-se amplamente, era ligado ao serviço de inteligência militar do Paquistão, infiltraram-se na Índia e mataram mais de 160 pessoas em Mumbai,

Incluindo 61 em dois hotéis de luxo. Qual foi a resposta militar de Singh após o 11 de Setembro indiano?

Ele não fez nada.

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O sistema de defesa aérea israelense Iron Dome dispara para interceptar um foguete disparado da Faixa de Gaza, no centro de Israel, na segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Oded Balilty / AP

Singh nunca retaliou militarmente contra a nação paquistanesa ou os campos do Lashkar no Paquistão. Foi um ato notável de comedimento. Qual foi a lógica? Em seu livro “Choices: Inside the Making of India’s Foreign Policy” (Escolhas: por dentro da formulação da política externa indiana), o então secretário de Relações Exteriores da Índia, Shivshankar Menon, explicou essa atitude sustentando os seguintes argumentos:

“Eu próprio pressionei na época por uma retaliação visível imediata” contra as bases dos jihadistas ou a inteligência militar paquistanesa, “que claramente foi cúmplice”, escreveu Menon. “Fazer isso seria reconfortante emocionalmente e colaboraria para apagar a vergonha da incompetência demonstrada pela polícia e as agências de segurança indianas.”

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Ele continuou, “Mas após uma reflexão ajuizada e em retrospectiva, agora eu creio que não retaliar militarmente e concentrar-se em meios diplomáticos, métodos furtivos e outros esforços foi a decisão correta para aquele tempo e espaço”.

Uma das principais razões, afirmou Menon, foi qualquer resposta militar poder obscurecer rapidamente o grau de ultraje e horror do ataque contra civis indianos e turistas; “o fato de um ataque terrorista do Paquistão contra a Índia com envolvimento oficial do lado paquistanês” teria se perdido. Uma vez que a Índia retaliasse, o mundo teria tido imediatamente o que Menon chamou de “reação ah tá” — tudo não passa de mais acerto de contas entre paquistaneses e indianos, nada de incomum aqui.

O então primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em Nova Délhi, em 24 de abril de 2008.  Foto: B MATHUR / REUTERS
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Ainda mais, escreveu Menon, “um ataque indiano contra o Paquistão teria unido os paquistaneses atrás do Exército do país, que estava em crescente descrédito domesticamente” e “também teria enfraquecido o governo civil paquistanês, que acabava de ser eleito e buscava uma relação muito melhor com a Índia do que o Exército paquistanês estava disposto a considerar”. Ele continuou, “Uma ameaça de guerra — e talvez até a própria guerra — era exatamente o que o Exército paquistanês queria para sustentar sua posição interna”.

Além disso, escreveu Menon, “uma guerra, mesmo que bem-sucedida, teria imposto custos e feito recuar o progresso da economia indiana justamente em novembro de 2008, quando a economia mundial enfrentava uma crise financeira sem precedentes”.

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Em última instância, afirmou Menon, “ao não atacar o Paquistão a Índia ficou livre para perseguir todos os meios legais e secretos para alcançar seus objetivos de trazer os perpetradores à Justiça, unindo a comunidade internacional para impor consequências sobre o Paquistão por seu comportamento e fortalecer a probabilidade de que um ataque como esse jamais ocorra novamente”.

Eu compreendo que Israel não é a Índia — um país de 1,4 bilhão de habitantes que abrange um território massivo. As mortes de mais de 160 pessoas em Mumbai, algumas delas turistas, não foi sentida em todos os lares e cidades da mesma forma que o assassinato de aproximadamente 1,4 mil israelenses perpetrado pelo Hamas, a mutilação de incontáveis vítimas e o sequestro de mais de 200 pessoas. E o Paquistão também tem armas nucleares para dissuadir retaliação.

Estudantes de seminário islâmico se juntam a outros grupos de manifestantes muçulmanos reunidos no Victoria Terminus, ao fundo, enquanto marcham para o Oberoi Hotel no sul de Mumbai, Índia, no domingo, 7 de dezembro de 2008. Foto: Ruth Fremson / NYT
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Não obstante, é educativo refletir a respeito do contraste entre a resposta da Índia ao ataque terrorista em Mumbai e a resposta de Israel à matança do Hamas.

Após o horror inicial à selvageria absoluta do assassinato de crianças israelenses e de jovens em uma festa, o que aconteceu? A narrativa rapidamente mudou para a brutalidade do contra-ataque israelense contra os civis de Gaza, entre os quais o Hamas se esconde. O massivo contra-ataque israelense se sobrepôs ao terrorismo do Hamas o transformou de grupo terrorista em uma organização de alguma maneira heróica. E também forçou os novos aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão a se distanciar do Estado judaico.

Enquanto isso, com cerca de 360 mil reservistas convocados, a economia de Israel quase certamente sofrerá se a derrubada do Hamas levar meses, conforme previsto. A economia israelense já tem previsão de 10% de contração anual em relação aos três últimos meses do ano. Isso depois de ser avaliada no ranking da revista Economist como a quarta melhor economia em termos de desempenho entre os países da OCDE em 2022.

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Em um nível pessoal, estou perplexo com a reação desses estudantes e progressistas que se posicionam do lado do Hamas contra Israel — em alguns casos antes até de Israel retaliar — como se o Estado judaico não tivesse direito nem à autodeterminação nem à autodefesa em nenhuma parte de sua terra ancestral. Essa reação também deixa de levar em conta que Israel, apesar de todos os defeitos, é uma sociedade multicultural, onde quase 50% dos doutores formados hoje são árabes ou drusos; e que o Hamas é uma organização islamista militante que não tolera dissenso nem indivíduos LGBT+ e que se dedica a erradicar o Estado judaico da face da Terra.

Portanto eu compreendo as escolhas terríveis que o governo de Israel enfrentou depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto. Mas foi precisamente por que acompanhei de perto a reação singular de Singh ao ataque terrorista em Mumbai que eu defendi imediatamente uma resposta muito mais direcionada, completamente pensada e repensada, de Israel. O país deveria tê-la batizado de Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses e colocado foco em capturar e matar os sequestradores de crianças e avós. Qualquer pai ou mãe entenderia.

Em vez disso, o governo de Benjamin Netanyahu avançou imediatamente com um plano para, conforme colocou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, “varrer” o Hamas “da face da Terra”. E em três dias Israel infligiu facilmente mais que o triplo de baixas civis e causou muitos mais destruição em Gaza do que Israel sofreu, ao mesmo tempo que se comprometeu em assumir controle militar de Gaza — uma operação, numa escala relativa entre populações aproximadamente similar aos EUA decidirem quase da noite para o dia ocupar metade do México. O plano israelense, de acordo com Netanyahu, será uma batalha “longa e difícil” para “destruir as capacidades militar e governamental do Hamas e trazer os reféns de volta para casa”.

Numerosos tanques israelenses são vistos reunidos no sul de Israel, enquanto Israel diz que está ampliando suas operações militares em Gaza. 30 de outubro de 2023.  Foto: Evelyn Hockstein / REUTERS

Como eu disse, Israel não é a Índia, e de nenhuma maneira poderia se esperar que os israelenses oferecessem a outra face — não nessa vizinhança. Mas qual é o plano de Netanyahu? As autoridades israelenses com que converso dizem-me que têm certeza de duas coisas: o Hamas nunca mais governará Gaza; e Israel não governará Gaza pós-Hamas. Elas sugerem que estabelecerão um acordo visto em partes da Cisjordânia hoje, com os palestinos de Gaza administrando a vida civil cotidiana e militares israelenses e equipes de segurança do Shin Bet fortalecendo o policiamento nos bastidores.

O plano ainda não está amadurecido. Quem são esses palestinos a serem arregimentados para governar Gaza em nome de Israel? O que acontecerá na manhã que um palestino a serviço de Israel for encontrado morto em um beco com um bilhete pregado ao tórax: “Traidor”; assinado, “Hamas clandestino”.

Aliás, quem pagará para Israel controlar a saúde e a educação dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza? Levante a mão por favor quem pensa que a União Europeia, os Estados árabes do Golfo ou a substancial bancada progressista do Partido Democrata na Câmara dos Deputados financiarão indefinidamente o controle israelense sobre Gaza — enquanto Netanyahu e seu bando de supremacistas judeus estão empenhados em anexar a Cisjordânia sem garantir direitos iguais aos palestinos de lá. O custo de ocupar Gaza poderá sobrecarregar as Forças Armadas e a economia de Israel por anos.

Além disso tudo, como Israel conseguirá administrar uma operação tão complexa quando há — por bom motivo — tão pouca confiança em Netanyahu? No sábado, ele responsabilizou os diretores da inteligência militar de Israel e do Shin Bet por não ter detectado o ataque surpresa do Hamas, ao mesmo tempo que se eximiu de qualquer culpa. Um dia depois, a indignação do público israelense forçou o primeiro-ministro a se retratar de suas recriminações contra seus colegas em tempo de guerra. Mas o estrago estava feito.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fala durante uma coletiva de imprensa com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ministro do Gabinete, Benny Gantz, na base militar de Kirya, em Tel Aviv, Israel, sábado, 28 de outubro de 2023.  Foto: Abir Sultan / AP

Netanyahu não tem uma equipe de rivais que o apoiam. Ele tem uma equipe de indivíduos dos quais são requeridas decisões excruciantes a longo prazo sabendo que seu primeiro-ministro é uma pessoa de caráter tão baixo que os culpará de tudo que saia de errado e monopolizará todo o crédito por qualquer sucesso.

Em suma, caros leitores, eu entendo por que Israel crê que precisa destruir o Hamas e com isso dissuadir outros vizinhos de algum dia contemplarem atacar o país. Mas a visão de Washington é de que a liderança de Israel não tem um plano viável para vencer nem um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise. Israel precisa saber que a tolerância de seu aliado americano em relação a baixas massivas em Gaza em uma operação militar sem desfecho claro não é ilimitada. Na realidade, nós podemos já estar nos aproximando desse limite.

Israel deveria manter aberta a porta para um cessar-fogo humanitário e uma troca de prisioneiros que também permita ao país parar para refletir a respeito do que pretende exatamente com esta afoita operação militar em Gaza — e sobre o preço que ela poderia cobrar no futuro.

Por isso eu levantei o exemplo da Índia. Porque o uso direcionado de força com objetivos limitados e alcançáveis poderá colaborar para a segurança e a prosperidade de Israel a longo prazo mais que uma guerra sem desfecho definido para erradicar o Hamas. Espero que Israel esteja avaliando bem os custos e benefícios de ambas as estratégias.

Foto de longa exposição mostra edifícios destruídos com fogo e fumaça após ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Abed Khaled / AP

Uma pausa também poderia permitir aos habitantes de Gaza perceber o que o ataque do Hamas contra Israel — e a resposta totalmente previsível de Israel — fez com suas vidas, famílias, residências e empresas. O que exatamente o Hamas pensou que conquistaria com esta guerra para os habitantes de Gaza, milhares dos quais atravessavam a fronteira todos os dias para trabalhar em Israel ou exportar produtos agrícolas e de outras naturezas até poucas semanas atrás? O Hamas tem recebido compreensão demais e questionamento de menos em relação a temas difíceis.

Eu quero ver os líderes do Hamas saírem de seus túneis sob os hospitais, olhar nos olhos seu povo e os meios de imprensa internacionais e explicar para o mundo por que eles acharam uma ideia tão boa mutilar e sequestrar crianças e avós israelenses e provocar esta terrível reação sobre as crianças e avós de seus conterrâneos em Gaza — sem mencionar às suas próprias crianças e avós.

Eu sempre acreditei que nós podemos reduzir o conflito israelo-palestino desde 1900 em uma linha: conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito e trégua. A diferença mais importante entre as partes é o que cada uma fez durante as tréguas.

Israel construiu uma sociedade e uma economia impressionantes, ainda que imperfeitas, e o Hamas usou quase todos os seus recursos para construir túneis de ataque.

Por favor, Israel, não se perca nesses túneis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES — Estou assistindo à guerra Israel-Hamas em Gaza hoje e pensando a respeito de um dos líderes mundiais que mais admiro: Manmohan Singh. Ele era primeiro-ministro da Índia no fim de novembro de 2008, quando10 militantes jihadistas paquistaneses do grupo Lashkar-e-Taiba, que, acredita-se amplamente, era ligado ao serviço de inteligência militar do Paquistão, infiltraram-se na Índia e mataram mais de 160 pessoas em Mumbai,

Incluindo 61 em dois hotéis de luxo. Qual foi a resposta militar de Singh após o 11 de Setembro indiano?

Ele não fez nada.

O sistema de defesa aérea israelense Iron Dome dispara para interceptar um foguete disparado da Faixa de Gaza, no centro de Israel, na segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Oded Balilty / AP

Singh nunca retaliou militarmente contra a nação paquistanesa ou os campos do Lashkar no Paquistão. Foi um ato notável de comedimento. Qual foi a lógica? Em seu livro “Choices: Inside the Making of India’s Foreign Policy” (Escolhas: por dentro da formulação da política externa indiana), o então secretário de Relações Exteriores da Índia, Shivshankar Menon, explicou essa atitude sustentando os seguintes argumentos:

“Eu próprio pressionei na época por uma retaliação visível imediata” contra as bases dos jihadistas ou a inteligência militar paquistanesa, “que claramente foi cúmplice”, escreveu Menon. “Fazer isso seria reconfortante emocionalmente e colaboraria para apagar a vergonha da incompetência demonstrada pela polícia e as agências de segurança indianas.”

Ele continuou, “Mas após uma reflexão ajuizada e em retrospectiva, agora eu creio que não retaliar militarmente e concentrar-se em meios diplomáticos, métodos furtivos e outros esforços foi a decisão correta para aquele tempo e espaço”.

Uma das principais razões, afirmou Menon, foi qualquer resposta militar poder obscurecer rapidamente o grau de ultraje e horror do ataque contra civis indianos e turistas; “o fato de um ataque terrorista do Paquistão contra a Índia com envolvimento oficial do lado paquistanês” teria se perdido. Uma vez que a Índia retaliasse, o mundo teria tido imediatamente o que Menon chamou de “reação ah tá” — tudo não passa de mais acerto de contas entre paquistaneses e indianos, nada de incomum aqui.

O então primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em Nova Délhi, em 24 de abril de 2008.  Foto: B MATHUR / REUTERS

Ainda mais, escreveu Menon, “um ataque indiano contra o Paquistão teria unido os paquistaneses atrás do Exército do país, que estava em crescente descrédito domesticamente” e “também teria enfraquecido o governo civil paquistanês, que acabava de ser eleito e buscava uma relação muito melhor com a Índia do que o Exército paquistanês estava disposto a considerar”. Ele continuou, “Uma ameaça de guerra — e talvez até a própria guerra — era exatamente o que o Exército paquistanês queria para sustentar sua posição interna”.

Além disso, escreveu Menon, “uma guerra, mesmo que bem-sucedida, teria imposto custos e feito recuar o progresso da economia indiana justamente em novembro de 2008, quando a economia mundial enfrentava uma crise financeira sem precedentes”.

Em última instância, afirmou Menon, “ao não atacar o Paquistão a Índia ficou livre para perseguir todos os meios legais e secretos para alcançar seus objetivos de trazer os perpetradores à Justiça, unindo a comunidade internacional para impor consequências sobre o Paquistão por seu comportamento e fortalecer a probabilidade de que um ataque como esse jamais ocorra novamente”.

Eu compreendo que Israel não é a Índia — um país de 1,4 bilhão de habitantes que abrange um território massivo. As mortes de mais de 160 pessoas em Mumbai, algumas delas turistas, não foi sentida em todos os lares e cidades da mesma forma que o assassinato de aproximadamente 1,4 mil israelenses perpetrado pelo Hamas, a mutilação de incontáveis vítimas e o sequestro de mais de 200 pessoas. E o Paquistão também tem armas nucleares para dissuadir retaliação.

Estudantes de seminário islâmico se juntam a outros grupos de manifestantes muçulmanos reunidos no Victoria Terminus, ao fundo, enquanto marcham para o Oberoi Hotel no sul de Mumbai, Índia, no domingo, 7 de dezembro de 2008. Foto: Ruth Fremson / NYT

Não obstante, é educativo refletir a respeito do contraste entre a resposta da Índia ao ataque terrorista em Mumbai e a resposta de Israel à matança do Hamas.

Após o horror inicial à selvageria absoluta do assassinato de crianças israelenses e de jovens em uma festa, o que aconteceu? A narrativa rapidamente mudou para a brutalidade do contra-ataque israelense contra os civis de Gaza, entre os quais o Hamas se esconde. O massivo contra-ataque israelense se sobrepôs ao terrorismo do Hamas o transformou de grupo terrorista em uma organização de alguma maneira heróica. E também forçou os novos aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão a se distanciar do Estado judaico.

Enquanto isso, com cerca de 360 mil reservistas convocados, a economia de Israel quase certamente sofrerá se a derrubada do Hamas levar meses, conforme previsto. A economia israelense já tem previsão de 10% de contração anual em relação aos três últimos meses do ano. Isso depois de ser avaliada no ranking da revista Economist como a quarta melhor economia em termos de desempenho entre os países da OCDE em 2022.

Em um nível pessoal, estou perplexo com a reação desses estudantes e progressistas que se posicionam do lado do Hamas contra Israel — em alguns casos antes até de Israel retaliar — como se o Estado judaico não tivesse direito nem à autodeterminação nem à autodefesa em nenhuma parte de sua terra ancestral. Essa reação também deixa de levar em conta que Israel, apesar de todos os defeitos, é uma sociedade multicultural, onde quase 50% dos doutores formados hoje são árabes ou drusos; e que o Hamas é uma organização islamista militante que não tolera dissenso nem indivíduos LGBT+ e que se dedica a erradicar o Estado judaico da face da Terra.

Portanto eu compreendo as escolhas terríveis que o governo de Israel enfrentou depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto. Mas foi precisamente por que acompanhei de perto a reação singular de Singh ao ataque terrorista em Mumbai que eu defendi imediatamente uma resposta muito mais direcionada, completamente pensada e repensada, de Israel. O país deveria tê-la batizado de Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses e colocado foco em capturar e matar os sequestradores de crianças e avós. Qualquer pai ou mãe entenderia.

Em vez disso, o governo de Benjamin Netanyahu avançou imediatamente com um plano para, conforme colocou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, “varrer” o Hamas “da face da Terra”. E em três dias Israel infligiu facilmente mais que o triplo de baixas civis e causou muitos mais destruição em Gaza do que Israel sofreu, ao mesmo tempo que se comprometeu em assumir controle militar de Gaza — uma operação, numa escala relativa entre populações aproximadamente similar aos EUA decidirem quase da noite para o dia ocupar metade do México. O plano israelense, de acordo com Netanyahu, será uma batalha “longa e difícil” para “destruir as capacidades militar e governamental do Hamas e trazer os reféns de volta para casa”.

Numerosos tanques israelenses são vistos reunidos no sul de Israel, enquanto Israel diz que está ampliando suas operações militares em Gaza. 30 de outubro de 2023.  Foto: Evelyn Hockstein / REUTERS

Como eu disse, Israel não é a Índia, e de nenhuma maneira poderia se esperar que os israelenses oferecessem a outra face — não nessa vizinhança. Mas qual é o plano de Netanyahu? As autoridades israelenses com que converso dizem-me que têm certeza de duas coisas: o Hamas nunca mais governará Gaza; e Israel não governará Gaza pós-Hamas. Elas sugerem que estabelecerão um acordo visto em partes da Cisjordânia hoje, com os palestinos de Gaza administrando a vida civil cotidiana e militares israelenses e equipes de segurança do Shin Bet fortalecendo o policiamento nos bastidores.

O plano ainda não está amadurecido. Quem são esses palestinos a serem arregimentados para governar Gaza em nome de Israel? O que acontecerá na manhã que um palestino a serviço de Israel for encontrado morto em um beco com um bilhete pregado ao tórax: “Traidor”; assinado, “Hamas clandestino”.

Aliás, quem pagará para Israel controlar a saúde e a educação dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza? Levante a mão por favor quem pensa que a União Europeia, os Estados árabes do Golfo ou a substancial bancada progressista do Partido Democrata na Câmara dos Deputados financiarão indefinidamente o controle israelense sobre Gaza — enquanto Netanyahu e seu bando de supremacistas judeus estão empenhados em anexar a Cisjordânia sem garantir direitos iguais aos palestinos de lá. O custo de ocupar Gaza poderá sobrecarregar as Forças Armadas e a economia de Israel por anos.

Além disso tudo, como Israel conseguirá administrar uma operação tão complexa quando há — por bom motivo — tão pouca confiança em Netanyahu? No sábado, ele responsabilizou os diretores da inteligência militar de Israel e do Shin Bet por não ter detectado o ataque surpresa do Hamas, ao mesmo tempo que se eximiu de qualquer culpa. Um dia depois, a indignação do público israelense forçou o primeiro-ministro a se retratar de suas recriminações contra seus colegas em tempo de guerra. Mas o estrago estava feito.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fala durante uma coletiva de imprensa com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ministro do Gabinete, Benny Gantz, na base militar de Kirya, em Tel Aviv, Israel, sábado, 28 de outubro de 2023.  Foto: Abir Sultan / AP

Netanyahu não tem uma equipe de rivais que o apoiam. Ele tem uma equipe de indivíduos dos quais são requeridas decisões excruciantes a longo prazo sabendo que seu primeiro-ministro é uma pessoa de caráter tão baixo que os culpará de tudo que saia de errado e monopolizará todo o crédito por qualquer sucesso.

Em suma, caros leitores, eu entendo por que Israel crê que precisa destruir o Hamas e com isso dissuadir outros vizinhos de algum dia contemplarem atacar o país. Mas a visão de Washington é de que a liderança de Israel não tem um plano viável para vencer nem um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise. Israel precisa saber que a tolerância de seu aliado americano em relação a baixas massivas em Gaza em uma operação militar sem desfecho claro não é ilimitada. Na realidade, nós podemos já estar nos aproximando desse limite.

Israel deveria manter aberta a porta para um cessar-fogo humanitário e uma troca de prisioneiros que também permita ao país parar para refletir a respeito do que pretende exatamente com esta afoita operação militar em Gaza — e sobre o preço que ela poderia cobrar no futuro.

Por isso eu levantei o exemplo da Índia. Porque o uso direcionado de força com objetivos limitados e alcançáveis poderá colaborar para a segurança e a prosperidade de Israel a longo prazo mais que uma guerra sem desfecho definido para erradicar o Hamas. Espero que Israel esteja avaliando bem os custos e benefícios de ambas as estratégias.

Foto de longa exposição mostra edifícios destruídos com fogo e fumaça após ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Abed Khaled / AP

Uma pausa também poderia permitir aos habitantes de Gaza perceber o que o ataque do Hamas contra Israel — e a resposta totalmente previsível de Israel — fez com suas vidas, famílias, residências e empresas. O que exatamente o Hamas pensou que conquistaria com esta guerra para os habitantes de Gaza, milhares dos quais atravessavam a fronteira todos os dias para trabalhar em Israel ou exportar produtos agrícolas e de outras naturezas até poucas semanas atrás? O Hamas tem recebido compreensão demais e questionamento de menos em relação a temas difíceis.

Eu quero ver os líderes do Hamas saírem de seus túneis sob os hospitais, olhar nos olhos seu povo e os meios de imprensa internacionais e explicar para o mundo por que eles acharam uma ideia tão boa mutilar e sequestrar crianças e avós israelenses e provocar esta terrível reação sobre as crianças e avós de seus conterrâneos em Gaza — sem mencionar às suas próprias crianças e avós.

Eu sempre acreditei que nós podemos reduzir o conflito israelo-palestino desde 1900 em uma linha: conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito e trégua. A diferença mais importante entre as partes é o que cada uma fez durante as tréguas.

Israel construiu uma sociedade e uma economia impressionantes, ainda que imperfeitas, e o Hamas usou quase todos os seus recursos para construir túneis de ataque.

Por favor, Israel, não se perca nesses túneis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES — Estou assistindo à guerra Israel-Hamas em Gaza hoje e pensando a respeito de um dos líderes mundiais que mais admiro: Manmohan Singh. Ele era primeiro-ministro da Índia no fim de novembro de 2008, quando10 militantes jihadistas paquistaneses do grupo Lashkar-e-Taiba, que, acredita-se amplamente, era ligado ao serviço de inteligência militar do Paquistão, infiltraram-se na Índia e mataram mais de 160 pessoas em Mumbai,

Incluindo 61 em dois hotéis de luxo. Qual foi a resposta militar de Singh após o 11 de Setembro indiano?

Ele não fez nada.

O sistema de defesa aérea israelense Iron Dome dispara para interceptar um foguete disparado da Faixa de Gaza, no centro de Israel, na segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Oded Balilty / AP

Singh nunca retaliou militarmente contra a nação paquistanesa ou os campos do Lashkar no Paquistão. Foi um ato notável de comedimento. Qual foi a lógica? Em seu livro “Choices: Inside the Making of India’s Foreign Policy” (Escolhas: por dentro da formulação da política externa indiana), o então secretário de Relações Exteriores da Índia, Shivshankar Menon, explicou essa atitude sustentando os seguintes argumentos:

“Eu próprio pressionei na época por uma retaliação visível imediata” contra as bases dos jihadistas ou a inteligência militar paquistanesa, “que claramente foi cúmplice”, escreveu Menon. “Fazer isso seria reconfortante emocionalmente e colaboraria para apagar a vergonha da incompetência demonstrada pela polícia e as agências de segurança indianas.”

Ele continuou, “Mas após uma reflexão ajuizada e em retrospectiva, agora eu creio que não retaliar militarmente e concentrar-se em meios diplomáticos, métodos furtivos e outros esforços foi a decisão correta para aquele tempo e espaço”.

Uma das principais razões, afirmou Menon, foi qualquer resposta militar poder obscurecer rapidamente o grau de ultraje e horror do ataque contra civis indianos e turistas; “o fato de um ataque terrorista do Paquistão contra a Índia com envolvimento oficial do lado paquistanês” teria se perdido. Uma vez que a Índia retaliasse, o mundo teria tido imediatamente o que Menon chamou de “reação ah tá” — tudo não passa de mais acerto de contas entre paquistaneses e indianos, nada de incomum aqui.

O então primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em Nova Délhi, em 24 de abril de 2008.  Foto: B MATHUR / REUTERS

Ainda mais, escreveu Menon, “um ataque indiano contra o Paquistão teria unido os paquistaneses atrás do Exército do país, que estava em crescente descrédito domesticamente” e “também teria enfraquecido o governo civil paquistanês, que acabava de ser eleito e buscava uma relação muito melhor com a Índia do que o Exército paquistanês estava disposto a considerar”. Ele continuou, “Uma ameaça de guerra — e talvez até a própria guerra — era exatamente o que o Exército paquistanês queria para sustentar sua posição interna”.

Além disso, escreveu Menon, “uma guerra, mesmo que bem-sucedida, teria imposto custos e feito recuar o progresso da economia indiana justamente em novembro de 2008, quando a economia mundial enfrentava uma crise financeira sem precedentes”.

Em última instância, afirmou Menon, “ao não atacar o Paquistão a Índia ficou livre para perseguir todos os meios legais e secretos para alcançar seus objetivos de trazer os perpetradores à Justiça, unindo a comunidade internacional para impor consequências sobre o Paquistão por seu comportamento e fortalecer a probabilidade de que um ataque como esse jamais ocorra novamente”.

Eu compreendo que Israel não é a Índia — um país de 1,4 bilhão de habitantes que abrange um território massivo. As mortes de mais de 160 pessoas em Mumbai, algumas delas turistas, não foi sentida em todos os lares e cidades da mesma forma que o assassinato de aproximadamente 1,4 mil israelenses perpetrado pelo Hamas, a mutilação de incontáveis vítimas e o sequestro de mais de 200 pessoas. E o Paquistão também tem armas nucleares para dissuadir retaliação.

Estudantes de seminário islâmico se juntam a outros grupos de manifestantes muçulmanos reunidos no Victoria Terminus, ao fundo, enquanto marcham para o Oberoi Hotel no sul de Mumbai, Índia, no domingo, 7 de dezembro de 2008. Foto: Ruth Fremson / NYT

Não obstante, é educativo refletir a respeito do contraste entre a resposta da Índia ao ataque terrorista em Mumbai e a resposta de Israel à matança do Hamas.

Após o horror inicial à selvageria absoluta do assassinato de crianças israelenses e de jovens em uma festa, o que aconteceu? A narrativa rapidamente mudou para a brutalidade do contra-ataque israelense contra os civis de Gaza, entre os quais o Hamas se esconde. O massivo contra-ataque israelense se sobrepôs ao terrorismo do Hamas o transformou de grupo terrorista em uma organização de alguma maneira heróica. E também forçou os novos aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão a se distanciar do Estado judaico.

Enquanto isso, com cerca de 360 mil reservistas convocados, a economia de Israel quase certamente sofrerá se a derrubada do Hamas levar meses, conforme previsto. A economia israelense já tem previsão de 10% de contração anual em relação aos três últimos meses do ano. Isso depois de ser avaliada no ranking da revista Economist como a quarta melhor economia em termos de desempenho entre os países da OCDE em 2022.

Em um nível pessoal, estou perplexo com a reação desses estudantes e progressistas que se posicionam do lado do Hamas contra Israel — em alguns casos antes até de Israel retaliar — como se o Estado judaico não tivesse direito nem à autodeterminação nem à autodefesa em nenhuma parte de sua terra ancestral. Essa reação também deixa de levar em conta que Israel, apesar de todos os defeitos, é uma sociedade multicultural, onde quase 50% dos doutores formados hoje são árabes ou drusos; e que o Hamas é uma organização islamista militante que não tolera dissenso nem indivíduos LGBT+ e que se dedica a erradicar o Estado judaico da face da Terra.

Portanto eu compreendo as escolhas terríveis que o governo de Israel enfrentou depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto. Mas foi precisamente por que acompanhei de perto a reação singular de Singh ao ataque terrorista em Mumbai que eu defendi imediatamente uma resposta muito mais direcionada, completamente pensada e repensada, de Israel. O país deveria tê-la batizado de Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses e colocado foco em capturar e matar os sequestradores de crianças e avós. Qualquer pai ou mãe entenderia.

Em vez disso, o governo de Benjamin Netanyahu avançou imediatamente com um plano para, conforme colocou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, “varrer” o Hamas “da face da Terra”. E em três dias Israel infligiu facilmente mais que o triplo de baixas civis e causou muitos mais destruição em Gaza do que Israel sofreu, ao mesmo tempo que se comprometeu em assumir controle militar de Gaza — uma operação, numa escala relativa entre populações aproximadamente similar aos EUA decidirem quase da noite para o dia ocupar metade do México. O plano israelense, de acordo com Netanyahu, será uma batalha “longa e difícil” para “destruir as capacidades militar e governamental do Hamas e trazer os reféns de volta para casa”.

Numerosos tanques israelenses são vistos reunidos no sul de Israel, enquanto Israel diz que está ampliando suas operações militares em Gaza. 30 de outubro de 2023.  Foto: Evelyn Hockstein / REUTERS

Como eu disse, Israel não é a Índia, e de nenhuma maneira poderia se esperar que os israelenses oferecessem a outra face — não nessa vizinhança. Mas qual é o plano de Netanyahu? As autoridades israelenses com que converso dizem-me que têm certeza de duas coisas: o Hamas nunca mais governará Gaza; e Israel não governará Gaza pós-Hamas. Elas sugerem que estabelecerão um acordo visto em partes da Cisjordânia hoje, com os palestinos de Gaza administrando a vida civil cotidiana e militares israelenses e equipes de segurança do Shin Bet fortalecendo o policiamento nos bastidores.

O plano ainda não está amadurecido. Quem são esses palestinos a serem arregimentados para governar Gaza em nome de Israel? O que acontecerá na manhã que um palestino a serviço de Israel for encontrado morto em um beco com um bilhete pregado ao tórax: “Traidor”; assinado, “Hamas clandestino”.

Aliás, quem pagará para Israel controlar a saúde e a educação dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza? Levante a mão por favor quem pensa que a União Europeia, os Estados árabes do Golfo ou a substancial bancada progressista do Partido Democrata na Câmara dos Deputados financiarão indefinidamente o controle israelense sobre Gaza — enquanto Netanyahu e seu bando de supremacistas judeus estão empenhados em anexar a Cisjordânia sem garantir direitos iguais aos palestinos de lá. O custo de ocupar Gaza poderá sobrecarregar as Forças Armadas e a economia de Israel por anos.

Além disso tudo, como Israel conseguirá administrar uma operação tão complexa quando há — por bom motivo — tão pouca confiança em Netanyahu? No sábado, ele responsabilizou os diretores da inteligência militar de Israel e do Shin Bet por não ter detectado o ataque surpresa do Hamas, ao mesmo tempo que se eximiu de qualquer culpa. Um dia depois, a indignação do público israelense forçou o primeiro-ministro a se retratar de suas recriminações contra seus colegas em tempo de guerra. Mas o estrago estava feito.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fala durante uma coletiva de imprensa com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ministro do Gabinete, Benny Gantz, na base militar de Kirya, em Tel Aviv, Israel, sábado, 28 de outubro de 2023.  Foto: Abir Sultan / AP

Netanyahu não tem uma equipe de rivais que o apoiam. Ele tem uma equipe de indivíduos dos quais são requeridas decisões excruciantes a longo prazo sabendo que seu primeiro-ministro é uma pessoa de caráter tão baixo que os culpará de tudo que saia de errado e monopolizará todo o crédito por qualquer sucesso.

Em suma, caros leitores, eu entendo por que Israel crê que precisa destruir o Hamas e com isso dissuadir outros vizinhos de algum dia contemplarem atacar o país. Mas a visão de Washington é de que a liderança de Israel não tem um plano viável para vencer nem um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise. Israel precisa saber que a tolerância de seu aliado americano em relação a baixas massivas em Gaza em uma operação militar sem desfecho claro não é ilimitada. Na realidade, nós podemos já estar nos aproximando desse limite.

Israel deveria manter aberta a porta para um cessar-fogo humanitário e uma troca de prisioneiros que também permita ao país parar para refletir a respeito do que pretende exatamente com esta afoita operação militar em Gaza — e sobre o preço que ela poderia cobrar no futuro.

Por isso eu levantei o exemplo da Índia. Porque o uso direcionado de força com objetivos limitados e alcançáveis poderá colaborar para a segurança e a prosperidade de Israel a longo prazo mais que uma guerra sem desfecho definido para erradicar o Hamas. Espero que Israel esteja avaliando bem os custos e benefícios de ambas as estratégias.

Foto de longa exposição mostra edifícios destruídos com fogo e fumaça após ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Abed Khaled / AP

Uma pausa também poderia permitir aos habitantes de Gaza perceber o que o ataque do Hamas contra Israel — e a resposta totalmente previsível de Israel — fez com suas vidas, famílias, residências e empresas. O que exatamente o Hamas pensou que conquistaria com esta guerra para os habitantes de Gaza, milhares dos quais atravessavam a fronteira todos os dias para trabalhar em Israel ou exportar produtos agrícolas e de outras naturezas até poucas semanas atrás? O Hamas tem recebido compreensão demais e questionamento de menos em relação a temas difíceis.

Eu quero ver os líderes do Hamas saírem de seus túneis sob os hospitais, olhar nos olhos seu povo e os meios de imprensa internacionais e explicar para o mundo por que eles acharam uma ideia tão boa mutilar e sequestrar crianças e avós israelenses e provocar esta terrível reação sobre as crianças e avós de seus conterrâneos em Gaza — sem mencionar às suas próprias crianças e avós.

Eu sempre acreditei que nós podemos reduzir o conflito israelo-palestino desde 1900 em uma linha: conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito e trégua. A diferença mais importante entre as partes é o que cada uma fez durante as tréguas.

Israel construiu uma sociedade e uma economia impressionantes, ainda que imperfeitas, e o Hamas usou quase todos os seus recursos para construir túneis de ataque.

Por favor, Israel, não se perca nesses túneis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES — Estou assistindo à guerra Israel-Hamas em Gaza hoje e pensando a respeito de um dos líderes mundiais que mais admiro: Manmohan Singh. Ele era primeiro-ministro da Índia no fim de novembro de 2008, quando10 militantes jihadistas paquistaneses do grupo Lashkar-e-Taiba, que, acredita-se amplamente, era ligado ao serviço de inteligência militar do Paquistão, infiltraram-se na Índia e mataram mais de 160 pessoas em Mumbai,

Incluindo 61 em dois hotéis de luxo. Qual foi a resposta militar de Singh após o 11 de Setembro indiano?

Ele não fez nada.

O sistema de defesa aérea israelense Iron Dome dispara para interceptar um foguete disparado da Faixa de Gaza, no centro de Israel, na segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Oded Balilty / AP

Singh nunca retaliou militarmente contra a nação paquistanesa ou os campos do Lashkar no Paquistão. Foi um ato notável de comedimento. Qual foi a lógica? Em seu livro “Choices: Inside the Making of India’s Foreign Policy” (Escolhas: por dentro da formulação da política externa indiana), o então secretário de Relações Exteriores da Índia, Shivshankar Menon, explicou essa atitude sustentando os seguintes argumentos:

“Eu próprio pressionei na época por uma retaliação visível imediata” contra as bases dos jihadistas ou a inteligência militar paquistanesa, “que claramente foi cúmplice”, escreveu Menon. “Fazer isso seria reconfortante emocionalmente e colaboraria para apagar a vergonha da incompetência demonstrada pela polícia e as agências de segurança indianas.”

Ele continuou, “Mas após uma reflexão ajuizada e em retrospectiva, agora eu creio que não retaliar militarmente e concentrar-se em meios diplomáticos, métodos furtivos e outros esforços foi a decisão correta para aquele tempo e espaço”.

Uma das principais razões, afirmou Menon, foi qualquer resposta militar poder obscurecer rapidamente o grau de ultraje e horror do ataque contra civis indianos e turistas; “o fato de um ataque terrorista do Paquistão contra a Índia com envolvimento oficial do lado paquistanês” teria se perdido. Uma vez que a Índia retaliasse, o mundo teria tido imediatamente o que Menon chamou de “reação ah tá” — tudo não passa de mais acerto de contas entre paquistaneses e indianos, nada de incomum aqui.

O então primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em Nova Délhi, em 24 de abril de 2008.  Foto: B MATHUR / REUTERS

Ainda mais, escreveu Menon, “um ataque indiano contra o Paquistão teria unido os paquistaneses atrás do Exército do país, que estava em crescente descrédito domesticamente” e “também teria enfraquecido o governo civil paquistanês, que acabava de ser eleito e buscava uma relação muito melhor com a Índia do que o Exército paquistanês estava disposto a considerar”. Ele continuou, “Uma ameaça de guerra — e talvez até a própria guerra — era exatamente o que o Exército paquistanês queria para sustentar sua posição interna”.

Além disso, escreveu Menon, “uma guerra, mesmo que bem-sucedida, teria imposto custos e feito recuar o progresso da economia indiana justamente em novembro de 2008, quando a economia mundial enfrentava uma crise financeira sem precedentes”.

Em última instância, afirmou Menon, “ao não atacar o Paquistão a Índia ficou livre para perseguir todos os meios legais e secretos para alcançar seus objetivos de trazer os perpetradores à Justiça, unindo a comunidade internacional para impor consequências sobre o Paquistão por seu comportamento e fortalecer a probabilidade de que um ataque como esse jamais ocorra novamente”.

Eu compreendo que Israel não é a Índia — um país de 1,4 bilhão de habitantes que abrange um território massivo. As mortes de mais de 160 pessoas em Mumbai, algumas delas turistas, não foi sentida em todos os lares e cidades da mesma forma que o assassinato de aproximadamente 1,4 mil israelenses perpetrado pelo Hamas, a mutilação de incontáveis vítimas e o sequestro de mais de 200 pessoas. E o Paquistão também tem armas nucleares para dissuadir retaliação.

Estudantes de seminário islâmico se juntam a outros grupos de manifestantes muçulmanos reunidos no Victoria Terminus, ao fundo, enquanto marcham para o Oberoi Hotel no sul de Mumbai, Índia, no domingo, 7 de dezembro de 2008. Foto: Ruth Fremson / NYT

Não obstante, é educativo refletir a respeito do contraste entre a resposta da Índia ao ataque terrorista em Mumbai e a resposta de Israel à matança do Hamas.

Após o horror inicial à selvageria absoluta do assassinato de crianças israelenses e de jovens em uma festa, o que aconteceu? A narrativa rapidamente mudou para a brutalidade do contra-ataque israelense contra os civis de Gaza, entre os quais o Hamas se esconde. O massivo contra-ataque israelense se sobrepôs ao terrorismo do Hamas o transformou de grupo terrorista em uma organização de alguma maneira heróica. E também forçou os novos aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão a se distanciar do Estado judaico.

Enquanto isso, com cerca de 360 mil reservistas convocados, a economia de Israel quase certamente sofrerá se a derrubada do Hamas levar meses, conforme previsto. A economia israelense já tem previsão de 10% de contração anual em relação aos três últimos meses do ano. Isso depois de ser avaliada no ranking da revista Economist como a quarta melhor economia em termos de desempenho entre os países da OCDE em 2022.

Em um nível pessoal, estou perplexo com a reação desses estudantes e progressistas que se posicionam do lado do Hamas contra Israel — em alguns casos antes até de Israel retaliar — como se o Estado judaico não tivesse direito nem à autodeterminação nem à autodefesa em nenhuma parte de sua terra ancestral. Essa reação também deixa de levar em conta que Israel, apesar de todos os defeitos, é uma sociedade multicultural, onde quase 50% dos doutores formados hoje são árabes ou drusos; e que o Hamas é uma organização islamista militante que não tolera dissenso nem indivíduos LGBT+ e que se dedica a erradicar o Estado judaico da face da Terra.

Portanto eu compreendo as escolhas terríveis que o governo de Israel enfrentou depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto. Mas foi precisamente por que acompanhei de perto a reação singular de Singh ao ataque terrorista em Mumbai que eu defendi imediatamente uma resposta muito mais direcionada, completamente pensada e repensada, de Israel. O país deveria tê-la batizado de Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses e colocado foco em capturar e matar os sequestradores de crianças e avós. Qualquer pai ou mãe entenderia.

Em vez disso, o governo de Benjamin Netanyahu avançou imediatamente com um plano para, conforme colocou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, “varrer” o Hamas “da face da Terra”. E em três dias Israel infligiu facilmente mais que o triplo de baixas civis e causou muitos mais destruição em Gaza do que Israel sofreu, ao mesmo tempo que se comprometeu em assumir controle militar de Gaza — uma operação, numa escala relativa entre populações aproximadamente similar aos EUA decidirem quase da noite para o dia ocupar metade do México. O plano israelense, de acordo com Netanyahu, será uma batalha “longa e difícil” para “destruir as capacidades militar e governamental do Hamas e trazer os reféns de volta para casa”.

Numerosos tanques israelenses são vistos reunidos no sul de Israel, enquanto Israel diz que está ampliando suas operações militares em Gaza. 30 de outubro de 2023.  Foto: Evelyn Hockstein / REUTERS

Como eu disse, Israel não é a Índia, e de nenhuma maneira poderia se esperar que os israelenses oferecessem a outra face — não nessa vizinhança. Mas qual é o plano de Netanyahu? As autoridades israelenses com que converso dizem-me que têm certeza de duas coisas: o Hamas nunca mais governará Gaza; e Israel não governará Gaza pós-Hamas. Elas sugerem que estabelecerão um acordo visto em partes da Cisjordânia hoje, com os palestinos de Gaza administrando a vida civil cotidiana e militares israelenses e equipes de segurança do Shin Bet fortalecendo o policiamento nos bastidores.

O plano ainda não está amadurecido. Quem são esses palestinos a serem arregimentados para governar Gaza em nome de Israel? O que acontecerá na manhã que um palestino a serviço de Israel for encontrado morto em um beco com um bilhete pregado ao tórax: “Traidor”; assinado, “Hamas clandestino”.

Aliás, quem pagará para Israel controlar a saúde e a educação dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza? Levante a mão por favor quem pensa que a União Europeia, os Estados árabes do Golfo ou a substancial bancada progressista do Partido Democrata na Câmara dos Deputados financiarão indefinidamente o controle israelense sobre Gaza — enquanto Netanyahu e seu bando de supremacistas judeus estão empenhados em anexar a Cisjordânia sem garantir direitos iguais aos palestinos de lá. O custo de ocupar Gaza poderá sobrecarregar as Forças Armadas e a economia de Israel por anos.

Além disso tudo, como Israel conseguirá administrar uma operação tão complexa quando há — por bom motivo — tão pouca confiança em Netanyahu? No sábado, ele responsabilizou os diretores da inteligência militar de Israel e do Shin Bet por não ter detectado o ataque surpresa do Hamas, ao mesmo tempo que se eximiu de qualquer culpa. Um dia depois, a indignação do público israelense forçou o primeiro-ministro a se retratar de suas recriminações contra seus colegas em tempo de guerra. Mas o estrago estava feito.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fala durante uma coletiva de imprensa com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ministro do Gabinete, Benny Gantz, na base militar de Kirya, em Tel Aviv, Israel, sábado, 28 de outubro de 2023.  Foto: Abir Sultan / AP

Netanyahu não tem uma equipe de rivais que o apoiam. Ele tem uma equipe de indivíduos dos quais são requeridas decisões excruciantes a longo prazo sabendo que seu primeiro-ministro é uma pessoa de caráter tão baixo que os culpará de tudo que saia de errado e monopolizará todo o crédito por qualquer sucesso.

Em suma, caros leitores, eu entendo por que Israel crê que precisa destruir o Hamas e com isso dissuadir outros vizinhos de algum dia contemplarem atacar o país. Mas a visão de Washington é de que a liderança de Israel não tem um plano viável para vencer nem um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise. Israel precisa saber que a tolerância de seu aliado americano em relação a baixas massivas em Gaza em uma operação militar sem desfecho claro não é ilimitada. Na realidade, nós podemos já estar nos aproximando desse limite.

Israel deveria manter aberta a porta para um cessar-fogo humanitário e uma troca de prisioneiros que também permita ao país parar para refletir a respeito do que pretende exatamente com esta afoita operação militar em Gaza — e sobre o preço que ela poderia cobrar no futuro.

Por isso eu levantei o exemplo da Índia. Porque o uso direcionado de força com objetivos limitados e alcançáveis poderá colaborar para a segurança e a prosperidade de Israel a longo prazo mais que uma guerra sem desfecho definido para erradicar o Hamas. Espero que Israel esteja avaliando bem os custos e benefícios de ambas as estratégias.

Foto de longa exposição mostra edifícios destruídos com fogo e fumaça após ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Abed Khaled / AP

Uma pausa também poderia permitir aos habitantes de Gaza perceber o que o ataque do Hamas contra Israel — e a resposta totalmente previsível de Israel — fez com suas vidas, famílias, residências e empresas. O que exatamente o Hamas pensou que conquistaria com esta guerra para os habitantes de Gaza, milhares dos quais atravessavam a fronteira todos os dias para trabalhar em Israel ou exportar produtos agrícolas e de outras naturezas até poucas semanas atrás? O Hamas tem recebido compreensão demais e questionamento de menos em relação a temas difíceis.

Eu quero ver os líderes do Hamas saírem de seus túneis sob os hospitais, olhar nos olhos seu povo e os meios de imprensa internacionais e explicar para o mundo por que eles acharam uma ideia tão boa mutilar e sequestrar crianças e avós israelenses e provocar esta terrível reação sobre as crianças e avós de seus conterrâneos em Gaza — sem mencionar às suas próprias crianças e avós.

Eu sempre acreditei que nós podemos reduzir o conflito israelo-palestino desde 1900 em uma linha: conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito e trégua. A diferença mais importante entre as partes é o que cada uma fez durante as tréguas.

Israel construiu uma sociedade e uma economia impressionantes, ainda que imperfeitas, e o Hamas usou quase todos os seus recursos para construir túneis de ataque.

Por favor, Israel, não se perca nesses túneis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES — Estou assistindo à guerra Israel-Hamas em Gaza hoje e pensando a respeito de um dos líderes mundiais que mais admiro: Manmohan Singh. Ele era primeiro-ministro da Índia no fim de novembro de 2008, quando10 militantes jihadistas paquistaneses do grupo Lashkar-e-Taiba, que, acredita-se amplamente, era ligado ao serviço de inteligência militar do Paquistão, infiltraram-se na Índia e mataram mais de 160 pessoas em Mumbai,

Incluindo 61 em dois hotéis de luxo. Qual foi a resposta militar de Singh após o 11 de Setembro indiano?

Ele não fez nada.

O sistema de defesa aérea israelense Iron Dome dispara para interceptar um foguete disparado da Faixa de Gaza, no centro de Israel, na segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Oded Balilty / AP

Singh nunca retaliou militarmente contra a nação paquistanesa ou os campos do Lashkar no Paquistão. Foi um ato notável de comedimento. Qual foi a lógica? Em seu livro “Choices: Inside the Making of India’s Foreign Policy” (Escolhas: por dentro da formulação da política externa indiana), o então secretário de Relações Exteriores da Índia, Shivshankar Menon, explicou essa atitude sustentando os seguintes argumentos:

“Eu próprio pressionei na época por uma retaliação visível imediata” contra as bases dos jihadistas ou a inteligência militar paquistanesa, “que claramente foi cúmplice”, escreveu Menon. “Fazer isso seria reconfortante emocionalmente e colaboraria para apagar a vergonha da incompetência demonstrada pela polícia e as agências de segurança indianas.”

Ele continuou, “Mas após uma reflexão ajuizada e em retrospectiva, agora eu creio que não retaliar militarmente e concentrar-se em meios diplomáticos, métodos furtivos e outros esforços foi a decisão correta para aquele tempo e espaço”.

Uma das principais razões, afirmou Menon, foi qualquer resposta militar poder obscurecer rapidamente o grau de ultraje e horror do ataque contra civis indianos e turistas; “o fato de um ataque terrorista do Paquistão contra a Índia com envolvimento oficial do lado paquistanês” teria se perdido. Uma vez que a Índia retaliasse, o mundo teria tido imediatamente o que Menon chamou de “reação ah tá” — tudo não passa de mais acerto de contas entre paquistaneses e indianos, nada de incomum aqui.

O então primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em Nova Délhi, em 24 de abril de 2008.  Foto: B MATHUR / REUTERS

Ainda mais, escreveu Menon, “um ataque indiano contra o Paquistão teria unido os paquistaneses atrás do Exército do país, que estava em crescente descrédito domesticamente” e “também teria enfraquecido o governo civil paquistanês, que acabava de ser eleito e buscava uma relação muito melhor com a Índia do que o Exército paquistanês estava disposto a considerar”. Ele continuou, “Uma ameaça de guerra — e talvez até a própria guerra — era exatamente o que o Exército paquistanês queria para sustentar sua posição interna”.

Além disso, escreveu Menon, “uma guerra, mesmo que bem-sucedida, teria imposto custos e feito recuar o progresso da economia indiana justamente em novembro de 2008, quando a economia mundial enfrentava uma crise financeira sem precedentes”.

Em última instância, afirmou Menon, “ao não atacar o Paquistão a Índia ficou livre para perseguir todos os meios legais e secretos para alcançar seus objetivos de trazer os perpetradores à Justiça, unindo a comunidade internacional para impor consequências sobre o Paquistão por seu comportamento e fortalecer a probabilidade de que um ataque como esse jamais ocorra novamente”.

Eu compreendo que Israel não é a Índia — um país de 1,4 bilhão de habitantes que abrange um território massivo. As mortes de mais de 160 pessoas em Mumbai, algumas delas turistas, não foi sentida em todos os lares e cidades da mesma forma que o assassinato de aproximadamente 1,4 mil israelenses perpetrado pelo Hamas, a mutilação de incontáveis vítimas e o sequestro de mais de 200 pessoas. E o Paquistão também tem armas nucleares para dissuadir retaliação.

Estudantes de seminário islâmico se juntam a outros grupos de manifestantes muçulmanos reunidos no Victoria Terminus, ao fundo, enquanto marcham para o Oberoi Hotel no sul de Mumbai, Índia, no domingo, 7 de dezembro de 2008. Foto: Ruth Fremson / NYT

Não obstante, é educativo refletir a respeito do contraste entre a resposta da Índia ao ataque terrorista em Mumbai e a resposta de Israel à matança do Hamas.

Após o horror inicial à selvageria absoluta do assassinato de crianças israelenses e de jovens em uma festa, o que aconteceu? A narrativa rapidamente mudou para a brutalidade do contra-ataque israelense contra os civis de Gaza, entre os quais o Hamas se esconde. O massivo contra-ataque israelense se sobrepôs ao terrorismo do Hamas o transformou de grupo terrorista em uma organização de alguma maneira heróica. E também forçou os novos aliados árabes de Israel nos Acordos de Abraão a se distanciar do Estado judaico.

Enquanto isso, com cerca de 360 mil reservistas convocados, a economia de Israel quase certamente sofrerá se a derrubada do Hamas levar meses, conforme previsto. A economia israelense já tem previsão de 10% de contração anual em relação aos três últimos meses do ano. Isso depois de ser avaliada no ranking da revista Economist como a quarta melhor economia em termos de desempenho entre os países da OCDE em 2022.

Em um nível pessoal, estou perplexo com a reação desses estudantes e progressistas que se posicionam do lado do Hamas contra Israel — em alguns casos antes até de Israel retaliar — como se o Estado judaico não tivesse direito nem à autodeterminação nem à autodefesa em nenhuma parte de sua terra ancestral. Essa reação também deixa de levar em conta que Israel, apesar de todos os defeitos, é uma sociedade multicultural, onde quase 50% dos doutores formados hoje são árabes ou drusos; e que o Hamas é uma organização islamista militante que não tolera dissenso nem indivíduos LGBT+ e que se dedica a erradicar o Estado judaico da face da Terra.

Portanto eu compreendo as escolhas terríveis que o governo de Israel enfrentou depois do pior massacre de judeus desde o Holocausto. Mas foi precisamente por que acompanhei de perto a reação singular de Singh ao ataque terrorista em Mumbai que eu defendi imediatamente uma resposta muito mais direcionada, completamente pensada e repensada, de Israel. O país deveria tê-la batizado de Operação de Salvamento dos Reféns Israelenses e colocado foco em capturar e matar os sequestradores de crianças e avós. Qualquer pai ou mãe entenderia.

Em vez disso, o governo de Benjamin Netanyahu avançou imediatamente com um plano para, conforme colocou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, “varrer” o Hamas “da face da Terra”. E em três dias Israel infligiu facilmente mais que o triplo de baixas civis e causou muitos mais destruição em Gaza do que Israel sofreu, ao mesmo tempo que se comprometeu em assumir controle militar de Gaza — uma operação, numa escala relativa entre populações aproximadamente similar aos EUA decidirem quase da noite para o dia ocupar metade do México. O plano israelense, de acordo com Netanyahu, será uma batalha “longa e difícil” para “destruir as capacidades militar e governamental do Hamas e trazer os reféns de volta para casa”.

Numerosos tanques israelenses são vistos reunidos no sul de Israel, enquanto Israel diz que está ampliando suas operações militares em Gaza. 30 de outubro de 2023.  Foto: Evelyn Hockstein / REUTERS

Como eu disse, Israel não é a Índia, e de nenhuma maneira poderia se esperar que os israelenses oferecessem a outra face — não nessa vizinhança. Mas qual é o plano de Netanyahu? As autoridades israelenses com que converso dizem-me que têm certeza de duas coisas: o Hamas nunca mais governará Gaza; e Israel não governará Gaza pós-Hamas. Elas sugerem que estabelecerão um acordo visto em partes da Cisjordânia hoje, com os palestinos de Gaza administrando a vida civil cotidiana e militares israelenses e equipes de segurança do Shin Bet fortalecendo o policiamento nos bastidores.

O plano ainda não está amadurecido. Quem são esses palestinos a serem arregimentados para governar Gaza em nome de Israel? O que acontecerá na manhã que um palestino a serviço de Israel for encontrado morto em um beco com um bilhete pregado ao tórax: “Traidor”; assinado, “Hamas clandestino”.

Aliás, quem pagará para Israel controlar a saúde e a educação dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza? Levante a mão por favor quem pensa que a União Europeia, os Estados árabes do Golfo ou a substancial bancada progressista do Partido Democrata na Câmara dos Deputados financiarão indefinidamente o controle israelense sobre Gaza — enquanto Netanyahu e seu bando de supremacistas judeus estão empenhados em anexar a Cisjordânia sem garantir direitos iguais aos palestinos de lá. O custo de ocupar Gaza poderá sobrecarregar as Forças Armadas e a economia de Israel por anos.

Além disso tudo, como Israel conseguirá administrar uma operação tão complexa quando há — por bom motivo — tão pouca confiança em Netanyahu? No sábado, ele responsabilizou os diretores da inteligência militar de Israel e do Shin Bet por não ter detectado o ataque surpresa do Hamas, ao mesmo tempo que se eximiu de qualquer culpa. Um dia depois, a indignação do público israelense forçou o primeiro-ministro a se retratar de suas recriminações contra seus colegas em tempo de guerra. Mas o estrago estava feito.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fala durante uma coletiva de imprensa com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o ministro do Gabinete, Benny Gantz, na base militar de Kirya, em Tel Aviv, Israel, sábado, 28 de outubro de 2023.  Foto: Abir Sultan / AP

Netanyahu não tem uma equipe de rivais que o apoiam. Ele tem uma equipe de indivíduos dos quais são requeridas decisões excruciantes a longo prazo sabendo que seu primeiro-ministro é uma pessoa de caráter tão baixo que os culpará de tudo que saia de errado e monopolizará todo o crédito por qualquer sucesso.

Em suma, caros leitores, eu entendo por que Israel crê que precisa destruir o Hamas e com isso dissuadir outros vizinhos de algum dia contemplarem atacar o país. Mas a visão de Washington é de que a liderança de Israel não tem um plano viável para vencer nem um líder capaz de navegar pelas pressões e complexidades desta crise. Israel precisa saber que a tolerância de seu aliado americano em relação a baixas massivas em Gaza em uma operação militar sem desfecho claro não é ilimitada. Na realidade, nós podemos já estar nos aproximando desse limite.

Israel deveria manter aberta a porta para um cessar-fogo humanitário e uma troca de prisioneiros que também permita ao país parar para refletir a respeito do que pretende exatamente com esta afoita operação militar em Gaza — e sobre o preço que ela poderia cobrar no futuro.

Por isso eu levantei o exemplo da Índia. Porque o uso direcionado de força com objetivos limitados e alcançáveis poderá colaborar para a segurança e a prosperidade de Israel a longo prazo mais que uma guerra sem desfecho definido para erradicar o Hamas. Espero que Israel esteja avaliando bem os custos e benefícios de ambas as estratégias.

Foto de longa exposição mostra edifícios destruídos com fogo e fumaça após ataques aéreos israelenses na Cidade de Gaza, segunda-feira, 30 de outubro de 2023.  Foto: Abed Khaled / AP

Uma pausa também poderia permitir aos habitantes de Gaza perceber o que o ataque do Hamas contra Israel — e a resposta totalmente previsível de Israel — fez com suas vidas, famílias, residências e empresas. O que exatamente o Hamas pensou que conquistaria com esta guerra para os habitantes de Gaza, milhares dos quais atravessavam a fronteira todos os dias para trabalhar em Israel ou exportar produtos agrícolas e de outras naturezas até poucas semanas atrás? O Hamas tem recebido compreensão demais e questionamento de menos em relação a temas difíceis.

Eu quero ver os líderes do Hamas saírem de seus túneis sob os hospitais, olhar nos olhos seu povo e os meios de imprensa internacionais e explicar para o mundo por que eles acharam uma ideia tão boa mutilar e sequestrar crianças e avós israelenses e provocar esta terrível reação sobre as crianças e avós de seus conterrâneos em Gaza — sem mencionar às suas próprias crianças e avós.

Eu sempre acreditei que nós podemos reduzir o conflito israelo-palestino desde 1900 em uma linha: conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito, trégua, conflito e trégua. A diferença mais importante entre as partes é o que cada uma fez durante as tréguas.

Israel construiu uma sociedade e uma economia impressionantes, ainda que imperfeitas, e o Hamas usou quase todos os seus recursos para construir túneis de ataque.

Por favor, Israel, não se perca nesses túneis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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