Como o Catar se tornou o principal negociador diplomático do Oriente Médio


País consegue manter relações sólidas com os Estados Unidos e outros países do Ocidente, mas também abriga o escritório político do grupo terrorista Hamas, além de ter ligações com o Taleban e o Irã

Por Daniel Gateno
Atualização:

Desde o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, o Catar agiu para viabilizar a trégua no conflito, que permitiu a libertação de mais de 100 reféns israelenses e de 240 prisioneiros palestinos em dezembro e, nesta semana, destravou um acordo para permitir a entrada de remédios em Gaza. As negociações colocaram os esforços de mediação do Catar nos holofotes por ressaltar a habilidade do pequeno país do Golfo Pérsico de se colocar como intermediário em conflitos com poucas possibilidades de diálogo.

O Catar consegue manter relações sólidas com os Estados Unidos e outros países do Ocidente, mas também abriga o escritório político do grupo terrorista Hamas, além de ter ligações com o Taleban e também com o Irã.

Segundo analistas entrevistados pelo Estadão, Doha utiliza a mediação como instrumento diplomático para ser relevante no cenário geopolítico, principalmente aos olhos de Washington. Outro motivo para tentar se cacifar como mediador é proteger o próprio país por meio do status de prestígio diplomático, já que o emirado tem poucos recursos militares.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o Emir do Catar, Tamin bin Hamad Al Thani, durante uma reunião bilateral no Salão Oval, em Washington, Estados Unidos  Foto: Tom Brenner/ NYT

“É uma estratégia geopolítica”, aponta David Roberts, professor de relações internacionais da King ‘s College em Londres e autor do livro Catar: Garantindo as Ambições Globais de uma Cidade-Estado.

“O Catar está localizado em uma região de muitos conflitos, é um país muito rico e muito pequeno e precisa conseguir assegurar maneiras de garantir sua segurança. Eles não tem um Exército grande, então o país tem muitas ideias para ressaltar a sua utilidade”, afirma o analista.

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Em 2017, o país chegou a ser alvo de um bloqueio da Arábia Saudita e de outros países do Golfo por sua proximidade com o Irã. A situação se resolveu por meio de negociações, mas foi um indicativo da fragilidade estratégica do emirado na região.

Hamas e Israel

O país tem sido um importante negociador entre o grupo terrorista Hamas e Israel desde 2012, quando passou a abrigar o escritório político do grupo terrorista em Doha. Com isso, Doha permite que o líder do Hamas Ismail Haniyeh e o ex-líder do grupo Khaled Mashaal, além de outros burocratas do grupo terrorista, vivam no país.

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O Catar alega que permitiu que o Hamas tivesse um escritório político no país por conta de um pedido dos Estados Unidos, que queria ter uma forma de se comunicar de forma não oficial com o grupo terrorista. Doha também oferece ajuda financeira a famílias pobres da Faixa de Gaza, paga os salários dos funcionários públicos no enclave palestino e envia ajuda humanitária para os palestinos.

Apesar de não ter relações diplomáticas com Israel, o Catar também possui contatos com Tel-Aviv, que elogiou os recentes esforços de Doha para a libertação de reféns após o ataque terrorista do Hamas, que deixou mais de 1.200 pessoas mortas no sul de Israel.

Segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, tinha como estratégia política o incentivo de pagamentos do Catar ao Hamas para manter a paz em Gaza, antes dos ataques do dia 7 de outubro. Durante anos, oficiais da inteligência israelense chegaram a escoltar um funcionário do Catar até Gaza, onde ele distribuía dinheiro em malas com milhões de dólares como parte de um cessar-fogo com o Hamas.

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O professor de relações internacionais da King ‘s College ressalta que as relações próximas entre Catar e Hamas não são um segredo para nenhum dos principais atores no tabuleiro do Oriente Médio. “O governo israelense e o americano basicamente pediram para que o Catar tivesse esse papel, não tem nenhum segredo nisso. Teria sido literalmente impossível para Doha ter essa relação com o Hamas sem que tenha sido pedido pelos EUA”.

Mohammed al-Emadi, um diplomata do Catar, visita a Faixa de Gaza ao lado do Chefe de Segurança do hamas, Tawfiq Abu Naim, em 2019  Foto: Mohammed Abed/AFP

Estados Unidos e Irã

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A posição única do Catar faz com que o país se torne um aliado indispensável para os Estados Unidos. Doha conta com uma grande reserva de gás natural, além de petróleo, e fornece energia para os países ocidentais. O país também é um importante comprador de armas de Washington e abriga a maior base militar dos Estados Unidos no Oriente Médio, chamada de Al-Udeid, que conta com cerca de 11 mil militares americanos.

Por esses motivos, o país do Golfo foi declarado como um importante aliado fora da Otan pelo governo do presidente dos EUA, Joe Biden. Washington também se aproveitou da habilidade diplomática do Catar ao longo dos anos. Em setembro, o país anunciou um acordo mediado por Doha com o Irã, para uma troca de prisioneiros que fez com que Teerã liberasse cinco americanos que estavam na prisão no país persa. Por conta deste acordo, 6 milhões de dólares em fundos iranianos que estavam congelados na Coreia do Sul foram transferidos para o Catar, mas só poderão ser usados para causas humanitárias.

O Emir do Catar, Tamim bin Hamad Al-Thani, conversa com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian em Doha, Catar  Foto: QNA/ AFP
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Em 2021, o Catar facilitou a saída de cidadãos americanos do Afeganistão após o retorno do Taleban ao poder no país. Doha mantém relações com o grupo terrorista que governa o Afeganistão e permitiu que o grupo tivesse um escritório político em Doha em 2013, nos mesmos moldes da relação com o Hamas. A abertura do escritório no Catar foi apoiada por Barack Obama, presidente americano na época.

Para Douglas Silliman, presidente do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, com sede em Washington, e ex-embaixador dos Estados Unidos no Iraque e no Kuwait, o Catar enxergou um posto vago no Oriente Médio para o papel de mediador e tenta demonstrar a sua utilidade para os Estados Unidos.

“O país conseguiu cumprir um papel de juntar dois lados com visões totalmente opostas para a mesa de negociação. Doha trabalhou com o governo Trump e com o governo Biden sobre como lidar com o Taleban e estabelecer contatos”, aponta Silliman.

Futuro pós-guerra em Gaza

O papel do Catar na Faixa de Gaza após o fim da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas é uma incógnita. Tel-Aviv alega que o objetivo final da guerra é destruir o Hamas e não vai aceitar a realidade anterior ao dia 7 de outubro, com o grupo terrorista governando o enclave palestino. Os EUA e outros países do Ocidente sinalizaram que querem que a Autoridade Palestina governe Gaza, mas que a entidade criada após os Acordos de Oslo em 1993, precisa ser “revitalizada” para que isso ocorresse.

Segundo o jornal americano Washington Post, Estados Unidos e Catar concordaram em reavaliar as relações entre o país do Golfo e o grupo terrorista Hamas após o final da guerra. Mesmo com o agradecimento americano pela ajuda do Catar na libertação de reféns israelenses e na entrada de ajuda humanitária para o enclave palestino, muitos congressistas em Washington questionam as próximas relações entre Doha e o grupo terrorista e desejam a expulsão de líderes do Hamas do país.

“A mediação do Catar foi crucial para a libertação de reféns e para a trégua temporária entre Israel e Hamas, eles são vistos de forma positiva por israelenses, americanos e também pelo Hamas, então a questão principal é se eles vão continuar nesse papel”, destaca o ex-embaixador dos EUA no Iraque e Kuwait.

Silliman avalia que o Catar pode parar de abrigar o escritório político do grupo terrorista Hamas após o conflito, principalmente se o grupo terrorista continuar com a retórica preconceituosa e agressiva contra Israel. “Se o Hamas continuar insistindo que Israel precisa ser destruído e que todos os judeus precisam ser expulsos da região, então vai ser muito difícil que o Catar continue permitindo que o Hamas tenha um escritório político em Doha”.

Para David Roberts, da King´s College, o Catar deve continuar se esforçando para conseguir a libertação de todos os reféns israelenses na Faixa de Gaza, assim como um aumento da ajuda humanitária para o enclave palestino, mas depois da guerra deve pedir para que o gabinete político do Hamas deixe o país. “É muito difícil ver o Hamas participando de negociações sobre o futuro de Gaza, acredito que eles serão expulsos de Gaza, como o Catar já fez com outras pessoas por conta de pressões internacionais”, aponta o especialista. “Ao mesmo tempo, não vejo um futuro em que o Hamas não exista”, pondera Roberts.

Caso Doha expulse a liderança do Hamas do Catar, o gabinete político do grupo terrorista poderia se mudar para um país com menor probabilidade de agir como intermediário, como Síria ou Irã. “Avalio que eles devem ir para o Irã para não serem assassinados pelos israelenses”, conclui o professor da King´s College, em Londres.

Caminhão com ajuda humanitária egípcia para a Faixa de Gaza espera para ser inspecionado pelas forças israelenses no posto de fronteira entre Israel e o enclave palestino  Foto: Maya Alleruzzo/AP

Estilo Noruega

O trabalho de mediação do Catar também contribuiu com múltiplos conflitos sem relação direta com os Estados Unidos, como na libertação de prisioneiros do Djibouti que estavam na Eritreia. O Catar também mediou um acordo entre Rússia e Ucrânia para a reunificação de crianças ucranianas que estavam sob posse da Rússia com seus país no território ucraniano em dezembro.

Os esforços diplomáticos do Catar são frequentemente comparados com a atuação da Noruega, país escandinavo que também se destaca pela mediação de conflitos, principalmente nos Acordos de Oslo em 1993, entre israelenses e palestinos, mas também em conflitos na América Central e na África.

Para David Roberts, a neutralidade do Catar em relação a conflitos como a guerra da Ucrânia faz com que o país seja um bom mediador. “Catar não é pró-Rússia ou pró-Ucrânia, não tem interesse em nada relacionado a esta guerra, então o país usa essa neutralidade a seu favor nestas ocasiões”. O especialista aponta que a comparação entre Noruega e Catar é natural e que os dois países conseguem indicar uma posição de “quase” total neutralidade.

De acordo com o presidente do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, Oslo e Doha têm objetivos similares, pois tentam usar as suas conexões e os recursos econômicos à disposição com o intuito de tentar encontrar soluções para conflitos ao redor do globo. “Acredito que o Catar gostaria de conseguir realizar algo tão grande como os Acordos de Oslo que foram costurados pela Noruega, essa é uma das metas de Doha”.

Desde o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, o Catar agiu para viabilizar a trégua no conflito, que permitiu a libertação de mais de 100 reféns israelenses e de 240 prisioneiros palestinos em dezembro e, nesta semana, destravou um acordo para permitir a entrada de remédios em Gaza. As negociações colocaram os esforços de mediação do Catar nos holofotes por ressaltar a habilidade do pequeno país do Golfo Pérsico de se colocar como intermediário em conflitos com poucas possibilidades de diálogo.

O Catar consegue manter relações sólidas com os Estados Unidos e outros países do Ocidente, mas também abriga o escritório político do grupo terrorista Hamas, além de ter ligações com o Taleban e também com o Irã.

Segundo analistas entrevistados pelo Estadão, Doha utiliza a mediação como instrumento diplomático para ser relevante no cenário geopolítico, principalmente aos olhos de Washington. Outro motivo para tentar se cacifar como mediador é proteger o próprio país por meio do status de prestígio diplomático, já que o emirado tem poucos recursos militares.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o Emir do Catar, Tamin bin Hamad Al Thani, durante uma reunião bilateral no Salão Oval, em Washington, Estados Unidos  Foto: Tom Brenner/ NYT

“É uma estratégia geopolítica”, aponta David Roberts, professor de relações internacionais da King ‘s College em Londres e autor do livro Catar: Garantindo as Ambições Globais de uma Cidade-Estado.

“O Catar está localizado em uma região de muitos conflitos, é um país muito rico e muito pequeno e precisa conseguir assegurar maneiras de garantir sua segurança. Eles não tem um Exército grande, então o país tem muitas ideias para ressaltar a sua utilidade”, afirma o analista.

Em 2017, o país chegou a ser alvo de um bloqueio da Arábia Saudita e de outros países do Golfo por sua proximidade com o Irã. A situação se resolveu por meio de negociações, mas foi um indicativo da fragilidade estratégica do emirado na região.

Hamas e Israel

O país tem sido um importante negociador entre o grupo terrorista Hamas e Israel desde 2012, quando passou a abrigar o escritório político do grupo terrorista em Doha. Com isso, Doha permite que o líder do Hamas Ismail Haniyeh e o ex-líder do grupo Khaled Mashaal, além de outros burocratas do grupo terrorista, vivam no país.

O Catar alega que permitiu que o Hamas tivesse um escritório político no país por conta de um pedido dos Estados Unidos, que queria ter uma forma de se comunicar de forma não oficial com o grupo terrorista. Doha também oferece ajuda financeira a famílias pobres da Faixa de Gaza, paga os salários dos funcionários públicos no enclave palestino e envia ajuda humanitária para os palestinos.

Apesar de não ter relações diplomáticas com Israel, o Catar também possui contatos com Tel-Aviv, que elogiou os recentes esforços de Doha para a libertação de reféns após o ataque terrorista do Hamas, que deixou mais de 1.200 pessoas mortas no sul de Israel.

Segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, tinha como estratégia política o incentivo de pagamentos do Catar ao Hamas para manter a paz em Gaza, antes dos ataques do dia 7 de outubro. Durante anos, oficiais da inteligência israelense chegaram a escoltar um funcionário do Catar até Gaza, onde ele distribuía dinheiro em malas com milhões de dólares como parte de um cessar-fogo com o Hamas.

O professor de relações internacionais da King ‘s College ressalta que as relações próximas entre Catar e Hamas não são um segredo para nenhum dos principais atores no tabuleiro do Oriente Médio. “O governo israelense e o americano basicamente pediram para que o Catar tivesse esse papel, não tem nenhum segredo nisso. Teria sido literalmente impossível para Doha ter essa relação com o Hamas sem que tenha sido pedido pelos EUA”.

Mohammed al-Emadi, um diplomata do Catar, visita a Faixa de Gaza ao lado do Chefe de Segurança do hamas, Tawfiq Abu Naim, em 2019  Foto: Mohammed Abed/AFP

Estados Unidos e Irã

A posição única do Catar faz com que o país se torne um aliado indispensável para os Estados Unidos. Doha conta com uma grande reserva de gás natural, além de petróleo, e fornece energia para os países ocidentais. O país também é um importante comprador de armas de Washington e abriga a maior base militar dos Estados Unidos no Oriente Médio, chamada de Al-Udeid, que conta com cerca de 11 mil militares americanos.

Por esses motivos, o país do Golfo foi declarado como um importante aliado fora da Otan pelo governo do presidente dos EUA, Joe Biden. Washington também se aproveitou da habilidade diplomática do Catar ao longo dos anos. Em setembro, o país anunciou um acordo mediado por Doha com o Irã, para uma troca de prisioneiros que fez com que Teerã liberasse cinco americanos que estavam na prisão no país persa. Por conta deste acordo, 6 milhões de dólares em fundos iranianos que estavam congelados na Coreia do Sul foram transferidos para o Catar, mas só poderão ser usados para causas humanitárias.

O Emir do Catar, Tamim bin Hamad Al-Thani, conversa com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian em Doha, Catar  Foto: QNA/ AFP

Em 2021, o Catar facilitou a saída de cidadãos americanos do Afeganistão após o retorno do Taleban ao poder no país. Doha mantém relações com o grupo terrorista que governa o Afeganistão e permitiu que o grupo tivesse um escritório político em Doha em 2013, nos mesmos moldes da relação com o Hamas. A abertura do escritório no Catar foi apoiada por Barack Obama, presidente americano na época.

Para Douglas Silliman, presidente do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, com sede em Washington, e ex-embaixador dos Estados Unidos no Iraque e no Kuwait, o Catar enxergou um posto vago no Oriente Médio para o papel de mediador e tenta demonstrar a sua utilidade para os Estados Unidos.

“O país conseguiu cumprir um papel de juntar dois lados com visões totalmente opostas para a mesa de negociação. Doha trabalhou com o governo Trump e com o governo Biden sobre como lidar com o Taleban e estabelecer contatos”, aponta Silliman.

Futuro pós-guerra em Gaza

O papel do Catar na Faixa de Gaza após o fim da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas é uma incógnita. Tel-Aviv alega que o objetivo final da guerra é destruir o Hamas e não vai aceitar a realidade anterior ao dia 7 de outubro, com o grupo terrorista governando o enclave palestino. Os EUA e outros países do Ocidente sinalizaram que querem que a Autoridade Palestina governe Gaza, mas que a entidade criada após os Acordos de Oslo em 1993, precisa ser “revitalizada” para que isso ocorresse.

Segundo o jornal americano Washington Post, Estados Unidos e Catar concordaram em reavaliar as relações entre o país do Golfo e o grupo terrorista Hamas após o final da guerra. Mesmo com o agradecimento americano pela ajuda do Catar na libertação de reféns israelenses e na entrada de ajuda humanitária para o enclave palestino, muitos congressistas em Washington questionam as próximas relações entre Doha e o grupo terrorista e desejam a expulsão de líderes do Hamas do país.

“A mediação do Catar foi crucial para a libertação de reféns e para a trégua temporária entre Israel e Hamas, eles são vistos de forma positiva por israelenses, americanos e também pelo Hamas, então a questão principal é se eles vão continuar nesse papel”, destaca o ex-embaixador dos EUA no Iraque e Kuwait.

Silliman avalia que o Catar pode parar de abrigar o escritório político do grupo terrorista Hamas após o conflito, principalmente se o grupo terrorista continuar com a retórica preconceituosa e agressiva contra Israel. “Se o Hamas continuar insistindo que Israel precisa ser destruído e que todos os judeus precisam ser expulsos da região, então vai ser muito difícil que o Catar continue permitindo que o Hamas tenha um escritório político em Doha”.

Para David Roberts, da King´s College, o Catar deve continuar se esforçando para conseguir a libertação de todos os reféns israelenses na Faixa de Gaza, assim como um aumento da ajuda humanitária para o enclave palestino, mas depois da guerra deve pedir para que o gabinete político do Hamas deixe o país. “É muito difícil ver o Hamas participando de negociações sobre o futuro de Gaza, acredito que eles serão expulsos de Gaza, como o Catar já fez com outras pessoas por conta de pressões internacionais”, aponta o especialista. “Ao mesmo tempo, não vejo um futuro em que o Hamas não exista”, pondera Roberts.

Caso Doha expulse a liderança do Hamas do Catar, o gabinete político do grupo terrorista poderia se mudar para um país com menor probabilidade de agir como intermediário, como Síria ou Irã. “Avalio que eles devem ir para o Irã para não serem assassinados pelos israelenses”, conclui o professor da King´s College, em Londres.

Caminhão com ajuda humanitária egípcia para a Faixa de Gaza espera para ser inspecionado pelas forças israelenses no posto de fronteira entre Israel e o enclave palestino  Foto: Maya Alleruzzo/AP

Estilo Noruega

O trabalho de mediação do Catar também contribuiu com múltiplos conflitos sem relação direta com os Estados Unidos, como na libertação de prisioneiros do Djibouti que estavam na Eritreia. O Catar também mediou um acordo entre Rússia e Ucrânia para a reunificação de crianças ucranianas que estavam sob posse da Rússia com seus país no território ucraniano em dezembro.

Os esforços diplomáticos do Catar são frequentemente comparados com a atuação da Noruega, país escandinavo que também se destaca pela mediação de conflitos, principalmente nos Acordos de Oslo em 1993, entre israelenses e palestinos, mas também em conflitos na América Central e na África.

Para David Roberts, a neutralidade do Catar em relação a conflitos como a guerra da Ucrânia faz com que o país seja um bom mediador. “Catar não é pró-Rússia ou pró-Ucrânia, não tem interesse em nada relacionado a esta guerra, então o país usa essa neutralidade a seu favor nestas ocasiões”. O especialista aponta que a comparação entre Noruega e Catar é natural e que os dois países conseguem indicar uma posição de “quase” total neutralidade.

De acordo com o presidente do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, Oslo e Doha têm objetivos similares, pois tentam usar as suas conexões e os recursos econômicos à disposição com o intuito de tentar encontrar soluções para conflitos ao redor do globo. “Acredito que o Catar gostaria de conseguir realizar algo tão grande como os Acordos de Oslo que foram costurados pela Noruega, essa é uma das metas de Doha”.

Desde o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, o Catar agiu para viabilizar a trégua no conflito, que permitiu a libertação de mais de 100 reféns israelenses e de 240 prisioneiros palestinos em dezembro e, nesta semana, destravou um acordo para permitir a entrada de remédios em Gaza. As negociações colocaram os esforços de mediação do Catar nos holofotes por ressaltar a habilidade do pequeno país do Golfo Pérsico de se colocar como intermediário em conflitos com poucas possibilidades de diálogo.

O Catar consegue manter relações sólidas com os Estados Unidos e outros países do Ocidente, mas também abriga o escritório político do grupo terrorista Hamas, além de ter ligações com o Taleban e também com o Irã.

Segundo analistas entrevistados pelo Estadão, Doha utiliza a mediação como instrumento diplomático para ser relevante no cenário geopolítico, principalmente aos olhos de Washington. Outro motivo para tentar se cacifar como mediador é proteger o próprio país por meio do status de prestígio diplomático, já que o emirado tem poucos recursos militares.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o Emir do Catar, Tamin bin Hamad Al Thani, durante uma reunião bilateral no Salão Oval, em Washington, Estados Unidos  Foto: Tom Brenner/ NYT

“É uma estratégia geopolítica”, aponta David Roberts, professor de relações internacionais da King ‘s College em Londres e autor do livro Catar: Garantindo as Ambições Globais de uma Cidade-Estado.

“O Catar está localizado em uma região de muitos conflitos, é um país muito rico e muito pequeno e precisa conseguir assegurar maneiras de garantir sua segurança. Eles não tem um Exército grande, então o país tem muitas ideias para ressaltar a sua utilidade”, afirma o analista.

Em 2017, o país chegou a ser alvo de um bloqueio da Arábia Saudita e de outros países do Golfo por sua proximidade com o Irã. A situação se resolveu por meio de negociações, mas foi um indicativo da fragilidade estratégica do emirado na região.

Hamas e Israel

O país tem sido um importante negociador entre o grupo terrorista Hamas e Israel desde 2012, quando passou a abrigar o escritório político do grupo terrorista em Doha. Com isso, Doha permite que o líder do Hamas Ismail Haniyeh e o ex-líder do grupo Khaled Mashaal, além de outros burocratas do grupo terrorista, vivam no país.

O Catar alega que permitiu que o Hamas tivesse um escritório político no país por conta de um pedido dos Estados Unidos, que queria ter uma forma de se comunicar de forma não oficial com o grupo terrorista. Doha também oferece ajuda financeira a famílias pobres da Faixa de Gaza, paga os salários dos funcionários públicos no enclave palestino e envia ajuda humanitária para os palestinos.

Apesar de não ter relações diplomáticas com Israel, o Catar também possui contatos com Tel-Aviv, que elogiou os recentes esforços de Doha para a libertação de reféns após o ataque terrorista do Hamas, que deixou mais de 1.200 pessoas mortas no sul de Israel.

Segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, tinha como estratégia política o incentivo de pagamentos do Catar ao Hamas para manter a paz em Gaza, antes dos ataques do dia 7 de outubro. Durante anos, oficiais da inteligência israelense chegaram a escoltar um funcionário do Catar até Gaza, onde ele distribuía dinheiro em malas com milhões de dólares como parte de um cessar-fogo com o Hamas.

O professor de relações internacionais da King ‘s College ressalta que as relações próximas entre Catar e Hamas não são um segredo para nenhum dos principais atores no tabuleiro do Oriente Médio. “O governo israelense e o americano basicamente pediram para que o Catar tivesse esse papel, não tem nenhum segredo nisso. Teria sido literalmente impossível para Doha ter essa relação com o Hamas sem que tenha sido pedido pelos EUA”.

Mohammed al-Emadi, um diplomata do Catar, visita a Faixa de Gaza ao lado do Chefe de Segurança do hamas, Tawfiq Abu Naim, em 2019  Foto: Mohammed Abed/AFP

Estados Unidos e Irã

A posição única do Catar faz com que o país se torne um aliado indispensável para os Estados Unidos. Doha conta com uma grande reserva de gás natural, além de petróleo, e fornece energia para os países ocidentais. O país também é um importante comprador de armas de Washington e abriga a maior base militar dos Estados Unidos no Oriente Médio, chamada de Al-Udeid, que conta com cerca de 11 mil militares americanos.

Por esses motivos, o país do Golfo foi declarado como um importante aliado fora da Otan pelo governo do presidente dos EUA, Joe Biden. Washington também se aproveitou da habilidade diplomática do Catar ao longo dos anos. Em setembro, o país anunciou um acordo mediado por Doha com o Irã, para uma troca de prisioneiros que fez com que Teerã liberasse cinco americanos que estavam na prisão no país persa. Por conta deste acordo, 6 milhões de dólares em fundos iranianos que estavam congelados na Coreia do Sul foram transferidos para o Catar, mas só poderão ser usados para causas humanitárias.

O Emir do Catar, Tamim bin Hamad Al-Thani, conversa com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian em Doha, Catar  Foto: QNA/ AFP

Em 2021, o Catar facilitou a saída de cidadãos americanos do Afeganistão após o retorno do Taleban ao poder no país. Doha mantém relações com o grupo terrorista que governa o Afeganistão e permitiu que o grupo tivesse um escritório político em Doha em 2013, nos mesmos moldes da relação com o Hamas. A abertura do escritório no Catar foi apoiada por Barack Obama, presidente americano na época.

Para Douglas Silliman, presidente do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, com sede em Washington, e ex-embaixador dos Estados Unidos no Iraque e no Kuwait, o Catar enxergou um posto vago no Oriente Médio para o papel de mediador e tenta demonstrar a sua utilidade para os Estados Unidos.

“O país conseguiu cumprir um papel de juntar dois lados com visões totalmente opostas para a mesa de negociação. Doha trabalhou com o governo Trump e com o governo Biden sobre como lidar com o Taleban e estabelecer contatos”, aponta Silliman.

Futuro pós-guerra em Gaza

O papel do Catar na Faixa de Gaza após o fim da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas é uma incógnita. Tel-Aviv alega que o objetivo final da guerra é destruir o Hamas e não vai aceitar a realidade anterior ao dia 7 de outubro, com o grupo terrorista governando o enclave palestino. Os EUA e outros países do Ocidente sinalizaram que querem que a Autoridade Palestina governe Gaza, mas que a entidade criada após os Acordos de Oslo em 1993, precisa ser “revitalizada” para que isso ocorresse.

Segundo o jornal americano Washington Post, Estados Unidos e Catar concordaram em reavaliar as relações entre o país do Golfo e o grupo terrorista Hamas após o final da guerra. Mesmo com o agradecimento americano pela ajuda do Catar na libertação de reféns israelenses e na entrada de ajuda humanitária para o enclave palestino, muitos congressistas em Washington questionam as próximas relações entre Doha e o grupo terrorista e desejam a expulsão de líderes do Hamas do país.

“A mediação do Catar foi crucial para a libertação de reféns e para a trégua temporária entre Israel e Hamas, eles são vistos de forma positiva por israelenses, americanos e também pelo Hamas, então a questão principal é se eles vão continuar nesse papel”, destaca o ex-embaixador dos EUA no Iraque e Kuwait.

Silliman avalia que o Catar pode parar de abrigar o escritório político do grupo terrorista Hamas após o conflito, principalmente se o grupo terrorista continuar com a retórica preconceituosa e agressiva contra Israel. “Se o Hamas continuar insistindo que Israel precisa ser destruído e que todos os judeus precisam ser expulsos da região, então vai ser muito difícil que o Catar continue permitindo que o Hamas tenha um escritório político em Doha”.

Para David Roberts, da King´s College, o Catar deve continuar se esforçando para conseguir a libertação de todos os reféns israelenses na Faixa de Gaza, assim como um aumento da ajuda humanitária para o enclave palestino, mas depois da guerra deve pedir para que o gabinete político do Hamas deixe o país. “É muito difícil ver o Hamas participando de negociações sobre o futuro de Gaza, acredito que eles serão expulsos de Gaza, como o Catar já fez com outras pessoas por conta de pressões internacionais”, aponta o especialista. “Ao mesmo tempo, não vejo um futuro em que o Hamas não exista”, pondera Roberts.

Caso Doha expulse a liderança do Hamas do Catar, o gabinete político do grupo terrorista poderia se mudar para um país com menor probabilidade de agir como intermediário, como Síria ou Irã. “Avalio que eles devem ir para o Irã para não serem assassinados pelos israelenses”, conclui o professor da King´s College, em Londres.

Caminhão com ajuda humanitária egípcia para a Faixa de Gaza espera para ser inspecionado pelas forças israelenses no posto de fronteira entre Israel e o enclave palestino  Foto: Maya Alleruzzo/AP

Estilo Noruega

O trabalho de mediação do Catar também contribuiu com múltiplos conflitos sem relação direta com os Estados Unidos, como na libertação de prisioneiros do Djibouti que estavam na Eritreia. O Catar também mediou um acordo entre Rússia e Ucrânia para a reunificação de crianças ucranianas que estavam sob posse da Rússia com seus país no território ucraniano em dezembro.

Os esforços diplomáticos do Catar são frequentemente comparados com a atuação da Noruega, país escandinavo que também se destaca pela mediação de conflitos, principalmente nos Acordos de Oslo em 1993, entre israelenses e palestinos, mas também em conflitos na América Central e na África.

Para David Roberts, a neutralidade do Catar em relação a conflitos como a guerra da Ucrânia faz com que o país seja um bom mediador. “Catar não é pró-Rússia ou pró-Ucrânia, não tem interesse em nada relacionado a esta guerra, então o país usa essa neutralidade a seu favor nestas ocasiões”. O especialista aponta que a comparação entre Noruega e Catar é natural e que os dois países conseguem indicar uma posição de “quase” total neutralidade.

De acordo com o presidente do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, Oslo e Doha têm objetivos similares, pois tentam usar as suas conexões e os recursos econômicos à disposição com o intuito de tentar encontrar soluções para conflitos ao redor do globo. “Acredito que o Catar gostaria de conseguir realizar algo tão grande como os Acordos de Oslo que foram costurados pela Noruega, essa é uma das metas de Doha”.

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