O sóbrio edifício de seis andares em uma rua movimentada da Chinatown de Nova York lista várias empresas comuns no diretório de sua recepção, incluindo uma firma de engenharia, um acupunturista e um escritório de contabilidade. Mas um empreendimento mais notável, no terceiro andar, não está na lista: um posto avançado do governo chinês suspeito de realizar operações policiais sem jurisdição nem aprovação diplomática — um dos mais de 100 escritórios desse tipo instalados em todo o mundo, que têm inquietado diplomatas e operadores de inteligência.
Agentes de contrainteligência do FBI (polícia federal) vasculharam o edifício no outono passado como parte de uma investigação criminal conduzida pelo escritório do Departamento de Justiça dos EUA no Brooklyn, de acordo com fontes cientes a respeito da investigação. A operação de busca e apreensão representa uma escalada em uma disputa global em relação a esforços da China de policiar os membros de sua diáspora muito além das fronteiras do país. Autoridades irlandesas, canadenses e holandesas pediram para a China encerrar as atividades policiais em seus países. A batida do FBI é o primeiro exemplo conhecido de autoridades apreendendo materiais de algum desses postos avançados.
As fontes que relataram a operação do FBI o fizeram sob condição de anonimato porque não estão autorizadas a fornecer informações sobre o assunto. A Embaixada Chinesa em Washington minimizou, na quarta-feira, o papel desses postos avançados, afirmando que os funcionários dos escritórios são voluntários que auxiliam chineses na realização de tarefas rotineiras, como renovar suas carteiras de motoristas na China.
Mas reportagens da mídia estatal chinesa analisadas pelo New York Times citam autoridades policiais e locais chinesas pelo nome, descrevendo suas atividades de maneira bem diferente. Elas divulgam a eficácia desses escritórios, que com frequência são chamados de centros de serviços policiais no exterior. Algumas reportagens afirmam que os postos avançados chineses “coletam informações de inteligência” e resolvem crimes no exterior sem colaboração das autoridades locais. As declarações públicas omitem exatamente quem comanda os escritórios. Certas vezes, esses indivíduos são chamados de voluntários, outras, de funcionários e, em pelo menos um caso, de diretor.
Algumas dessas reportagens publicadas online foram deletadas recentemente, à medida que autoridades ocidentais e grupos de defesa de direitos humanos chamaram atenção para os postos policiais.
Autoridades ocidentais veem esses escritórios como parte de uma inciativa maior de Pequim de manter sob vigilância cidadãos chineses que vivem no exterior, incluindo dissidentes. O mais notório desses esforços é conhecido como Operação Caça à Raposa, na qual autoridades chinesas perseguem fugitivos no exterior e os pressionam a voltar para o país.
Pelo menos quatro localidades chinesas — Fuzhou, Qingtian, Nantong e Wenzhou — estabeleceram dezenas de postos policiais avançados, de acordo com relatos da mídia estatal e declarações públicas que circularam na China. Escritórios são identificados no Japão, na Itália, na França, no Reino Unido, na Alemanha, na Hungria, na República Checa e em outros países.
“Isso é extremamente preocupante da perspectiva dos direitos humanos. Estamos essencialmente permitindo que a diáspora chinesa seja controlada pela RPC sem se sujeitar às nossas leis nacionais”, afirmou Igor Merheim-Eyre, conselheiro de uma eurodeputada eslovaca, usando o acrônimo para República Popular da China. “Isso obviamente tem num impacto enorme — não apenas para nossas relações com a diáspora chinesa em toda a Europa, mas também com grandes implicações para a soberania nacional.”
O posto avançado em Nova York, que foi estabelecido pela cidade de Fuzhou, tem como base as instalações de uma organização comunitária chinesa, a America Changle Association NY, de acordo com o jornal estatal China Youth Daily, que no ano passado publicou um documento listando vários postos avançados da polícia. Changle é um distrito da cidade de Fuzhou. O artigo foi deletado posteriormente. Outros endereços de postos avançados da polícia correspondem a localizações de empresas, incluindo restaurantes chineses e associações comerciais. A Embaixada Chinesa em Washington afirmou que os espaços são “providos por comunidades chinesas no exterior que gostariam de ser úteis”.
A America Changle é dirigida por Lu Jianshun, conhecido como Jimmy Lu, que fez doação para a campanha do prefeito de Nova York, Eric Adams. Não está claro se ele é foco da investigação do FBI. Um porta-voz de Adams afirmou que o prefeito não o conhece.
Lu, questionado durante uma breve conversa telefônica a respeito da operação de busca e apreensão do FBI, disse que retornaria o telefonema posteriormente, mas não o fez. E não atendeu mais telefonemas nem respondeu mensagens de texto buscando seus comentários. Porta-vozes do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA no Brooklyn recusaram-se a comentar o assunto, mas o diretor do FBI, Christopher Wray, disse a legisladores em novembro que ele tinha consciência dos postos avançados e se preocupava com o tema, qualificando os locais como delegacias de polícia.
A Embaixada Chinesa em Washington afirmou que os lugares não são delegacias de polícia. “Não são equipamento policial da China”, afirmou o porta-voz da representação, Liu Pengyu. “Não há necessidade de deixar as pessoas nervosas a respeito disso.”
Trabalhar no exterior não é automaticamente inapropriado para policiais. O FBI, por exemplo, estaciona agentes em outros países. Mas eles normalmente se apresentam para os governos estrangeiros e trabalham fora das embaixadas americanas. E se realizam tarefas policiais, isso ocorre com permissão das autoridades locais. A China fez arranjos similares para patrulhas conjuntas em lugares como a Itália, que é um destino popular para os turistas chineses.
Isso torna as operações clandestinas ainda mais curiosas.
O Ministério das Relações Exteriores da China disse pouco em resposta às críticas, mas dentro do país departamentos de polícia anunciaram seu alcance e poder de levantamento de informações tanto em declarações oficiais quanto nos meios de comunicação estatais.
O China News Service, uma agência de notícias estatal, afirmou que os centros da polícia de Qingtian no exterior levantaram informações sobre a opinião pública e o sentimento de chineses que vivem fora de seu país.
E um artigo postado por um organismo do Partido Comunista na Província de Jiangsu afirmou que os Centros de Serviços de Ligação Policial da Cidade de Nantong no Exterior ajudaram a capturar e persuadir mais de 80 suspeitos de crimes a retornar para a China desde fevereiro de 2016. O grupo de promoção de direitos humanos Safeguard Defenders afirmou em um relatório publicado no fim do ano passado que esses postos policiais realizam operações similares na Sérvia, na Espanha e na França.
Não está claro o que o FBI estava investigando durante sua operação de busca e apreensão, mas ela ocorreu em meio a um esforço mais amplo do Departamento de Justiça de coibir a Caça à Raposa. Em outubro, procuradores lotados no Brooklyn — o mesmo escritório que vasculhou o endereço em Chinatown — acusaram sete cidadãos chineses de assediar um morador dos EUA e seu filho, pressionando o homem a retornar para a China e responder a acusações criminais.
“É ultrajante que a China pense que pode entrar no nosso país, conduzir operações ilegais e sujeitar à sua vontade pessoas dentro dos EUA”, afirmou Wray em 2020, depois de autoridades acusarem oito indivíduos de participação na Caça à Raposa.
O governo chinês também vigiou e pressionou integrantes de minorias étnicas no exterior, incluindo uigures e tibetanos, assim como seus parentes. Grupos de defesa de direitos humanos e autoridades do governo desconfiam que os postos avançados podem ser as bases desse tipo de operação.
Autoridades e ex-autoridades policiais em Nova York afirmam que o escritório em Chinatown — como outros nos EUA — está em atividade desde a metade da década passada. Autoridades policiais em pelo menos uma província chinesa tentaram na época estabelecer um acordo para que seus policiais treinassem com o Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) e outras corporações de segurança pública em cidades que abrigam grandes comunidades de chineses, afirmaram autoridades policiais.
As autoridades chinesas queriam que o NYPD assinasse um memorando de entendimento para definir o programa de treinamento e torná-lo oficial. Mas comandantes graduados e autoridades do FBI em Nova York tinham sérias preocupações — temendo que o programa de treinamento pudesse legitimar a presença de policiais chineses e potencialmente tornar o NYPD um parceiro involuntário em uma campanha de vigilância e assédio, afirmaram autoridades.
“O governo chinês quer ter mais influência e estender seu policiamento transnacional”, afirmou Chen Yen-ting, pesquisador com base em Taiwan que trabalhou no relatório da Safeguard Defenders. “É um poder de jurisdição de braço longo para mostrar aos cidadãos chineses dentro da China que seu governo é forte. Temos poder de alcançá-los globalmente, e mesmo se vocês saírem, ainda permanecerão sob nosso controle.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO