Como o motim do grupo Wagner deu uma lição de humildade a Vladimir Putin


O motim Wagner expõe a crescente fragilidade do tirano russo, mas não pensem que ele está fora do jogo

Por The Economist

A pretensão final de Vladimir Putin, conforme ele imagina, de ser um dos governantes históricos de sua nação lhe foi furtada em 24 de junho. Um bando de mercenários armados varreu seu país quase sem resistência, avançando cerca de 750 quilômetros em um único dia, tomando controle de duas grandes cidades e chegando a 200 quilômetros de Moscou — até se retirar incólume.

Putin fracassou há muito como reformador, regendo um Estado cada vez mais corrupto e estagnado economicamente, incapaz de tornar a Rússia mais que mera fornecedora de hidrocarbonetos exatamente no momento em que a era do petróleo e do gás natural se encerra.

Putin fracassa ainda mais obviamente enquanto grande comandante em tempo de guerra 16 meses depois de iniciar uma invasão à Ucrânia que ele esperava encerrar em questão de dias, mas que se transformou em um atoleiro. E agora ele mostrou que não consegue exercer nem sequer a primeira e maior responsabilidade de um líder: garantir a segurança do Estado.

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O presidente russo Vladimir Putin antes de discursar para as unidades do Ministério da Defesa da Rússia, em 27 de junho de 2023. Foto: Sergei Guneyev / AP

Seja sua queda próxima, em meses ou anos, Putin revelou-se inepto. Putin não é nenhum czar. Putin não passa do chefão da quadrilha carcomida à que ele próprio reduziu a Mãe Rússia. Além do mais, em um mundo em que tudo é poder, agora Putin parece um delinquente enfraquecido.

Ievgeni Prigozhin, líder do Grupo Wagner, encerra tudo o que é desprezível a respeito de Putin. Ex-presidiário que se tornou restaurateur e posteriormente mercenário assassino na África, na Síria e na Ucrânia, Prigozhin ascendeu somente em razão da paranoia e brutalidade de Putin. Putin desconfia de seu próprio Exército, portanto precisava de um bando de criminosos.

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Putin queria argumento para negar responsabilidade sobre algumas de suas ações mais sangrentas no exterior, para que “operadores militares privados”, como o Grupo Wagner, cometessem crimes de guerra em três continentes, não ele. E Putin usou Prigozhin para interferir (outra vez negavelmente) em eleições no exterior, incluindo a que levou Donald Trump ao poder em 2016.

Motim na Rússia revela incompetência do exército

O motim Wagner também exprime a podridão do Estado que Putin criou. Em meio a uma contenda com seus rivais no Exército regular, Putin decretou que as forças Wagner fossem trazidas para o controle direto do Ministério da Defesa. Isso ameaçou destruir a base de poder de Prigozhin, portanto ele se amotinou, protestando contra a guerra mal planejada de Putin, a incompetência do Exército russo e as baixas que estava sofrendo na Ucrânia. Apesar de toda a brutalidade de Prigozhin, foi uma verdade que trespassou a propaganda vazia do Kremlin.

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Ainda mais chocante, Prigozhin revelou que Putin está isolado. O motim parece ter pegado o Kremlin de surpresa — portanto as agências de inteligência sob a presidência de um ex-espião estão corroídas. Na manhã de 24 de junho, um Putin visivelmente abalado denunciou sua criatura como traidor e prometeu punição, mas horas depois concordou em permitir que Prigozhin partisse impune para Belarus, levando com ele suas tropas Wagner.

Criador de um governo autocrático, Putin pareceu incapaz de invocar lealdade. Apesar do apoio não ter pendido para Prigozhin, também não pendeu para Putin — nem nas ruas nem entre as elites políticas e militares. Durante 24 horas inquietantes, a Rússia permaneceu silenciosa e impassível, esperando para ver a direção que os ventos tomariam.

Otimistas assumirão a fraqueza de Putin como prova de que seu regime está condenado. Bom seria se estivesse. Mas a verdade é que os déspotas, mesmo os fracos, são capazes de sobreviver por longos períodos se nenhuma alternativa óbvia estiver disponível e se ainda tiverem armas suficientes ao seu lado e a desumanidade de usá-las. Vejam Alexander Lukashenko, na vizinha Belarus, ou Bashar Assad, na Síria.

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Contudo, outros dois fatores trabalham contra Putin. O primeiro é a própria guerra. A contraofensiva ucraniana continua fazendo avanços constantes. Apesar de seu ritmo ser mais lento do que o esperado, as forças de Kiev estão tomando de volta gradualmente territórios que a Rússia vinha ocupando desde fevereiro de 2022 e, em alguns pontos, recuperando áreas que Moscou tinha tomado em sua primeira incursão, em 2014.

Teoria do Putin sobre a guerra fica menos plausível

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A teoria de Putin é que a Rússia é capaz de aguentar até o Ocidente se cansar. Se a Ucrânia não conseguir alcançar os avanços que precisa — cortar a ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia é um dos mais importantes — o apoio do Ocidente poderá começar a se fraturar.

Mas a teoria de Putin parece cada vez menos plausível. Sim, a Rússia foi bem-sucedida em lesionar a Ucrânia; mas longe de ser conquistada, a Ucrânia tem se forjado enquanto nação e está a caminho da adesão à União Europeia e talvez também à Otan. E contrariando a visão e Putin de um Ocidente confuso, a Otan se expandiu com a adesão da Finlândia e proximamente da Suécia; o gasto europeu em defesa aumentou; e a dependência em relação à energia russa foi eliminada.

Em contraste, as baixas russas — mais de 100 mil mortos ou feridos — dificultam o trabalho até dos melhores propagandistas do Kremlin de vender a guerra como um sucesso. A narrativa, em vez disso, é pela necessidade de ainda mais sacrifício. Cada má notícia para a Rússia no front adiciona pressão sobre Putin. É por este motivo que a contraofensiva é tão crucial e a evidência de divisão nas fileiras russas é tão bem-vinda.

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O segundo problema de Putin é a economia. No ano passado, ela foi bastante bem graças à elevação no preços do petróleo e do gás natural ocorrida conforme a guerra se abateu. As exportações de petróleo da Rússia continuam, e o Estado russo ainda tem bastante dinheiro. Apesar do crescimento ter diminuído, uma crise econômica absoluta parece improvável, pelo menos este ano.

Mas Putin não possui os recursos para outra grande ofensiva. Os lucros com o gás da Rússia despencaram (afinal, Moscou cortou seu melhor cliente) e o preço do petróleo está baixando globalmente. A diferença entre o gasto do governo (incluindo os custos imensos da guerra) e as receitas está aumentando, o que força a Rússia a apelar para seu fundo soberano. O rublo perdeu quase 40% de seu valor no ano recente. A China comprou petróleo da Rússia — com desconto — mas ainda não lhe forneceu grandes quantidades de armas.

Putin parece agora dedicado a restabelecer sua autoridade determinando repressões e expurgos selvagens. Mas cedo ou tarde sua capacidade de superar problemas o abandonará. O mundo precisará estar pronto para esse momento. Dentre os muitos desfechos possíveis, o colapso da ordem num país que possui mais de 4 mil ogivas nucleares seria assustador.

Mas Putin mostrou que um regime corrupto e autocrático não é de maneira nenhuma o jeito de governar uma superpotência. O caminho de volta da Rússia à ordem e à sanidade será arriscado, mas enquanto Putin usar a coroa e seus soldados sonharem com o controle imperial sobre a Ucrânia, essa jornada não poderá se iniciar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A pretensão final de Vladimir Putin, conforme ele imagina, de ser um dos governantes históricos de sua nação lhe foi furtada em 24 de junho. Um bando de mercenários armados varreu seu país quase sem resistência, avançando cerca de 750 quilômetros em um único dia, tomando controle de duas grandes cidades e chegando a 200 quilômetros de Moscou — até se retirar incólume.

Putin fracassou há muito como reformador, regendo um Estado cada vez mais corrupto e estagnado economicamente, incapaz de tornar a Rússia mais que mera fornecedora de hidrocarbonetos exatamente no momento em que a era do petróleo e do gás natural se encerra.

Putin fracassa ainda mais obviamente enquanto grande comandante em tempo de guerra 16 meses depois de iniciar uma invasão à Ucrânia que ele esperava encerrar em questão de dias, mas que se transformou em um atoleiro. E agora ele mostrou que não consegue exercer nem sequer a primeira e maior responsabilidade de um líder: garantir a segurança do Estado.

O presidente russo Vladimir Putin antes de discursar para as unidades do Ministério da Defesa da Rússia, em 27 de junho de 2023. Foto: Sergei Guneyev / AP

Seja sua queda próxima, em meses ou anos, Putin revelou-se inepto. Putin não é nenhum czar. Putin não passa do chefão da quadrilha carcomida à que ele próprio reduziu a Mãe Rússia. Além do mais, em um mundo em que tudo é poder, agora Putin parece um delinquente enfraquecido.

Ievgeni Prigozhin, líder do Grupo Wagner, encerra tudo o que é desprezível a respeito de Putin. Ex-presidiário que se tornou restaurateur e posteriormente mercenário assassino na África, na Síria e na Ucrânia, Prigozhin ascendeu somente em razão da paranoia e brutalidade de Putin. Putin desconfia de seu próprio Exército, portanto precisava de um bando de criminosos.

Putin queria argumento para negar responsabilidade sobre algumas de suas ações mais sangrentas no exterior, para que “operadores militares privados”, como o Grupo Wagner, cometessem crimes de guerra em três continentes, não ele. E Putin usou Prigozhin para interferir (outra vez negavelmente) em eleições no exterior, incluindo a que levou Donald Trump ao poder em 2016.

Motim na Rússia revela incompetência do exército

O motim Wagner também exprime a podridão do Estado que Putin criou. Em meio a uma contenda com seus rivais no Exército regular, Putin decretou que as forças Wagner fossem trazidas para o controle direto do Ministério da Defesa. Isso ameaçou destruir a base de poder de Prigozhin, portanto ele se amotinou, protestando contra a guerra mal planejada de Putin, a incompetência do Exército russo e as baixas que estava sofrendo na Ucrânia. Apesar de toda a brutalidade de Prigozhin, foi uma verdade que trespassou a propaganda vazia do Kremlin.

Ainda mais chocante, Prigozhin revelou que Putin está isolado. O motim parece ter pegado o Kremlin de surpresa — portanto as agências de inteligência sob a presidência de um ex-espião estão corroídas. Na manhã de 24 de junho, um Putin visivelmente abalado denunciou sua criatura como traidor e prometeu punição, mas horas depois concordou em permitir que Prigozhin partisse impune para Belarus, levando com ele suas tropas Wagner.

Criador de um governo autocrático, Putin pareceu incapaz de invocar lealdade. Apesar do apoio não ter pendido para Prigozhin, também não pendeu para Putin — nem nas ruas nem entre as elites políticas e militares. Durante 24 horas inquietantes, a Rússia permaneceu silenciosa e impassível, esperando para ver a direção que os ventos tomariam.

Otimistas assumirão a fraqueza de Putin como prova de que seu regime está condenado. Bom seria se estivesse. Mas a verdade é que os déspotas, mesmo os fracos, são capazes de sobreviver por longos períodos se nenhuma alternativa óbvia estiver disponível e se ainda tiverem armas suficientes ao seu lado e a desumanidade de usá-las. Vejam Alexander Lukashenko, na vizinha Belarus, ou Bashar Assad, na Síria.

Contudo, outros dois fatores trabalham contra Putin. O primeiro é a própria guerra. A contraofensiva ucraniana continua fazendo avanços constantes. Apesar de seu ritmo ser mais lento do que o esperado, as forças de Kiev estão tomando de volta gradualmente territórios que a Rússia vinha ocupando desde fevereiro de 2022 e, em alguns pontos, recuperando áreas que Moscou tinha tomado em sua primeira incursão, em 2014.

Teoria do Putin sobre a guerra fica menos plausível

A teoria de Putin é que a Rússia é capaz de aguentar até o Ocidente se cansar. Se a Ucrânia não conseguir alcançar os avanços que precisa — cortar a ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia é um dos mais importantes — o apoio do Ocidente poderá começar a se fraturar.

Mas a teoria de Putin parece cada vez menos plausível. Sim, a Rússia foi bem-sucedida em lesionar a Ucrânia; mas longe de ser conquistada, a Ucrânia tem se forjado enquanto nação e está a caminho da adesão à União Europeia e talvez também à Otan. E contrariando a visão e Putin de um Ocidente confuso, a Otan se expandiu com a adesão da Finlândia e proximamente da Suécia; o gasto europeu em defesa aumentou; e a dependência em relação à energia russa foi eliminada.

Em contraste, as baixas russas — mais de 100 mil mortos ou feridos — dificultam o trabalho até dos melhores propagandistas do Kremlin de vender a guerra como um sucesso. A narrativa, em vez disso, é pela necessidade de ainda mais sacrifício. Cada má notícia para a Rússia no front adiciona pressão sobre Putin. É por este motivo que a contraofensiva é tão crucial e a evidência de divisão nas fileiras russas é tão bem-vinda.

O segundo problema de Putin é a economia. No ano passado, ela foi bastante bem graças à elevação no preços do petróleo e do gás natural ocorrida conforme a guerra se abateu. As exportações de petróleo da Rússia continuam, e o Estado russo ainda tem bastante dinheiro. Apesar do crescimento ter diminuído, uma crise econômica absoluta parece improvável, pelo menos este ano.

Mas Putin não possui os recursos para outra grande ofensiva. Os lucros com o gás da Rússia despencaram (afinal, Moscou cortou seu melhor cliente) e o preço do petróleo está baixando globalmente. A diferença entre o gasto do governo (incluindo os custos imensos da guerra) e as receitas está aumentando, o que força a Rússia a apelar para seu fundo soberano. O rublo perdeu quase 40% de seu valor no ano recente. A China comprou petróleo da Rússia — com desconto — mas ainda não lhe forneceu grandes quantidades de armas.

Putin parece agora dedicado a restabelecer sua autoridade determinando repressões e expurgos selvagens. Mas cedo ou tarde sua capacidade de superar problemas o abandonará. O mundo precisará estar pronto para esse momento. Dentre os muitos desfechos possíveis, o colapso da ordem num país que possui mais de 4 mil ogivas nucleares seria assustador.

Mas Putin mostrou que um regime corrupto e autocrático não é de maneira nenhuma o jeito de governar uma superpotência. O caminho de volta da Rússia à ordem e à sanidade será arriscado, mas enquanto Putin usar a coroa e seus soldados sonharem com o controle imperial sobre a Ucrânia, essa jornada não poderá se iniciar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A pretensão final de Vladimir Putin, conforme ele imagina, de ser um dos governantes históricos de sua nação lhe foi furtada em 24 de junho. Um bando de mercenários armados varreu seu país quase sem resistência, avançando cerca de 750 quilômetros em um único dia, tomando controle de duas grandes cidades e chegando a 200 quilômetros de Moscou — até se retirar incólume.

Putin fracassou há muito como reformador, regendo um Estado cada vez mais corrupto e estagnado economicamente, incapaz de tornar a Rússia mais que mera fornecedora de hidrocarbonetos exatamente no momento em que a era do petróleo e do gás natural se encerra.

Putin fracassa ainda mais obviamente enquanto grande comandante em tempo de guerra 16 meses depois de iniciar uma invasão à Ucrânia que ele esperava encerrar em questão de dias, mas que se transformou em um atoleiro. E agora ele mostrou que não consegue exercer nem sequer a primeira e maior responsabilidade de um líder: garantir a segurança do Estado.

O presidente russo Vladimir Putin antes de discursar para as unidades do Ministério da Defesa da Rússia, em 27 de junho de 2023. Foto: Sergei Guneyev / AP

Seja sua queda próxima, em meses ou anos, Putin revelou-se inepto. Putin não é nenhum czar. Putin não passa do chefão da quadrilha carcomida à que ele próprio reduziu a Mãe Rússia. Além do mais, em um mundo em que tudo é poder, agora Putin parece um delinquente enfraquecido.

Ievgeni Prigozhin, líder do Grupo Wagner, encerra tudo o que é desprezível a respeito de Putin. Ex-presidiário que se tornou restaurateur e posteriormente mercenário assassino na África, na Síria e na Ucrânia, Prigozhin ascendeu somente em razão da paranoia e brutalidade de Putin. Putin desconfia de seu próprio Exército, portanto precisava de um bando de criminosos.

Putin queria argumento para negar responsabilidade sobre algumas de suas ações mais sangrentas no exterior, para que “operadores militares privados”, como o Grupo Wagner, cometessem crimes de guerra em três continentes, não ele. E Putin usou Prigozhin para interferir (outra vez negavelmente) em eleições no exterior, incluindo a que levou Donald Trump ao poder em 2016.

Motim na Rússia revela incompetência do exército

O motim Wagner também exprime a podridão do Estado que Putin criou. Em meio a uma contenda com seus rivais no Exército regular, Putin decretou que as forças Wagner fossem trazidas para o controle direto do Ministério da Defesa. Isso ameaçou destruir a base de poder de Prigozhin, portanto ele se amotinou, protestando contra a guerra mal planejada de Putin, a incompetência do Exército russo e as baixas que estava sofrendo na Ucrânia. Apesar de toda a brutalidade de Prigozhin, foi uma verdade que trespassou a propaganda vazia do Kremlin.

Ainda mais chocante, Prigozhin revelou que Putin está isolado. O motim parece ter pegado o Kremlin de surpresa — portanto as agências de inteligência sob a presidência de um ex-espião estão corroídas. Na manhã de 24 de junho, um Putin visivelmente abalado denunciou sua criatura como traidor e prometeu punição, mas horas depois concordou em permitir que Prigozhin partisse impune para Belarus, levando com ele suas tropas Wagner.

Criador de um governo autocrático, Putin pareceu incapaz de invocar lealdade. Apesar do apoio não ter pendido para Prigozhin, também não pendeu para Putin — nem nas ruas nem entre as elites políticas e militares. Durante 24 horas inquietantes, a Rússia permaneceu silenciosa e impassível, esperando para ver a direção que os ventos tomariam.

Otimistas assumirão a fraqueza de Putin como prova de que seu regime está condenado. Bom seria se estivesse. Mas a verdade é que os déspotas, mesmo os fracos, são capazes de sobreviver por longos períodos se nenhuma alternativa óbvia estiver disponível e se ainda tiverem armas suficientes ao seu lado e a desumanidade de usá-las. Vejam Alexander Lukashenko, na vizinha Belarus, ou Bashar Assad, na Síria.

Contudo, outros dois fatores trabalham contra Putin. O primeiro é a própria guerra. A contraofensiva ucraniana continua fazendo avanços constantes. Apesar de seu ritmo ser mais lento do que o esperado, as forças de Kiev estão tomando de volta gradualmente territórios que a Rússia vinha ocupando desde fevereiro de 2022 e, em alguns pontos, recuperando áreas que Moscou tinha tomado em sua primeira incursão, em 2014.

Teoria do Putin sobre a guerra fica menos plausível

A teoria de Putin é que a Rússia é capaz de aguentar até o Ocidente se cansar. Se a Ucrânia não conseguir alcançar os avanços que precisa — cortar a ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia é um dos mais importantes — o apoio do Ocidente poderá começar a se fraturar.

Mas a teoria de Putin parece cada vez menos plausível. Sim, a Rússia foi bem-sucedida em lesionar a Ucrânia; mas longe de ser conquistada, a Ucrânia tem se forjado enquanto nação e está a caminho da adesão à União Europeia e talvez também à Otan. E contrariando a visão e Putin de um Ocidente confuso, a Otan se expandiu com a adesão da Finlândia e proximamente da Suécia; o gasto europeu em defesa aumentou; e a dependência em relação à energia russa foi eliminada.

Em contraste, as baixas russas — mais de 100 mil mortos ou feridos — dificultam o trabalho até dos melhores propagandistas do Kremlin de vender a guerra como um sucesso. A narrativa, em vez disso, é pela necessidade de ainda mais sacrifício. Cada má notícia para a Rússia no front adiciona pressão sobre Putin. É por este motivo que a contraofensiva é tão crucial e a evidência de divisão nas fileiras russas é tão bem-vinda.

O segundo problema de Putin é a economia. No ano passado, ela foi bastante bem graças à elevação no preços do petróleo e do gás natural ocorrida conforme a guerra se abateu. As exportações de petróleo da Rússia continuam, e o Estado russo ainda tem bastante dinheiro. Apesar do crescimento ter diminuído, uma crise econômica absoluta parece improvável, pelo menos este ano.

Mas Putin não possui os recursos para outra grande ofensiva. Os lucros com o gás da Rússia despencaram (afinal, Moscou cortou seu melhor cliente) e o preço do petróleo está baixando globalmente. A diferença entre o gasto do governo (incluindo os custos imensos da guerra) e as receitas está aumentando, o que força a Rússia a apelar para seu fundo soberano. O rublo perdeu quase 40% de seu valor no ano recente. A China comprou petróleo da Rússia — com desconto — mas ainda não lhe forneceu grandes quantidades de armas.

Putin parece agora dedicado a restabelecer sua autoridade determinando repressões e expurgos selvagens. Mas cedo ou tarde sua capacidade de superar problemas o abandonará. O mundo precisará estar pronto para esse momento. Dentre os muitos desfechos possíveis, o colapso da ordem num país que possui mais de 4 mil ogivas nucleares seria assustador.

Mas Putin mostrou que um regime corrupto e autocrático não é de maneira nenhuma o jeito de governar uma superpotência. O caminho de volta da Rússia à ordem e à sanidade será arriscado, mas enquanto Putin usar a coroa e seus soldados sonharem com o controle imperial sobre a Ucrânia, essa jornada não poderá se iniciar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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