Como o narcotráfico aterroriza cidade de Messi com duelos entre gangues, ataques a tiros e extorsões


Ataques como o que ocorreu no supermercado dos sogros do jogador viraram ‘rotina’ no município e escalada de violência já chega em escolas da periferia

Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A ROSÁRIO, ARGENTINA - A audácia de narcotraficantes na cidade de Rosário não respeitou nem a família de Lionel Messi, o maior ídolo atual da Argentina. Menos de três meses depois de liderar o tricampeonato mundial argentino no Catar, a fachada do supermercado dos sogros do atacante amanheceu cravada de 14 balas no começo de março.

O ataque, executado na mesma semana em que rumores de um possível retorno do craque ao Newell’s Old Boys para encerrar a carreira, veio acompanhado de um recado: “Messi, estamos te esperando. O prefeito também é do tráfico, ele não vai te proteger.”

A prática de gangues rivais de lançar ataques a tiros mercados, restaurantes, escolas e hospitais para ‘marcar território’ ganhou força em Rosário nos últimos meses. Em paralelo, cresceram os homicídios, a violência na periferia da cidade e denúncias de extorsões de comerciantes.

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Fachada do supermercado Único, que pertence aos sogros de Lionel Messi, alvo de um ataque a tiros em março Foto: Carolina Marins/Estadão

Santa Fé, província com maior taxa de homicídios do país, se tornou espelho da violência urbana que tira o sono de muitos argentinos. O tema deve ser central das eleições de outubro e preocupa os rosarinos há mais de dez anos. “O caso do Messi é só mais um”, desabafam vizinhos.

A província onde se localiza Rosário, tem uma taxa de homicídios de 10,1 para cada 100 mil habitantes, contra 4,6 da média nacional. É a mais alta do país, embora ainda esteja distante da realidade de outros países latino-americanos como Honduras (acima de 60) e Brasil (acima de 20). A maioria dessas mortes, segundo relatórios do ministério de segurança regional, é resultado de disputas de grupos narcotraficantes.

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O problema agora, segundo os moradores, é que essas disputas saíram dos pontos de comércio de drogas e tomaram as ruas. Segundo levantamento do La Nación, até meados de abril houve 16 assassinatos na cidade. Desde o início do ano, já são quase 100. Entre as mortes recentes mais lembradas pelos moradores estão Máximo Jerez de 12 anos em 5 de março e o cantor de rua Lorenzo “Jimi” Altamirano em 1º de fevereiro. Os temas policiais dominam o noticiário na cidade.

Os ataques a escolas e hospitais se tornaram alvos de ataques a tiros, como o que ocorreu no mercado Único da família Roccuzzo, os sogros de Messi, são os que mais assustam os moradores. O objetivo, segundo pesquisadores e autoridades locais, é justamente causar comoção e deixar recados para grupos rivais.

Um temor insustentável

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“Antes, eles se matavam entre eles. Agora estão atingindo crianças. Isso é insustentável”, desabafa Nancy Nuñes, professora na escola José Mármol, alvo de tiros em 8 de abril.

O ataque contra a escola, localizada no bairro de Empalme Graneros, ocorreu em um sábado à noite. Não houve feridos. Homens armados dispararam mais de 15 tiros contra o edifício e deixaram um bilhete. Horas depois, a polícia recebeu um chamado do complexo escolar Rosa Ziperovich, na mesma vizinhança, que também foi alvo de tiros e bilhetes.

A ação, explica Marco Iazzetta, professor de Ciência Política e pesquisador de violência na Universidade Nacional de Rosário, é o modus operandi dos grupos criminosos que dominam a cidade há pelo menos dez anos. Ao disparar contra escolas e instituições de saúde, a notícia ganha repercussão nacional junto com as mensagens deixadas nos bilhetes, conseguindo assim fazer com que o recado chegue aos outros grupos.

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“Agora a imprensa parou de publicar essas mensagens que eles deixavam, se limitando apenas a dizer que houve um ataque a tiros e deixando um recado, mas sem produzi-los”, observa.

Marcas de balas marcadas pela polícia na escola José Mármol, alvo de ataque de narcotraficantes em 8 de abril Foto: Cedida ao Estadão por Nancy Nuñez

Extorsão e medo

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Nas ruas o sentimento é uma mistura de medo, revolta e cansaço pela situação. Nos bairros periféricos, os moradores relatam medo de circular ou pegar transporte público e terminarem atingidos por balas perdidas. No centro, apesar do intenso movimento durante o dia, comerciantes têm medo da violência e operam a portas fechadas, e antes do entardecer grande parte dos comércios fecham. Muitos reclamam de extorsões por parte dos grupos criminosos.

María (nome fictício) tem uma farmácia na Avenida Pellegrini, de frente para a churrascaria El Establo, que em 2021 foi alvo de um ataque a tiros. Em janeiro, o restaurante recebeu um recado pedindo 400.000 pesos (Cerca de R$ 4 mil na cotação paralela atual) ou seriam novamente alvejados. Por medo, María trabalha com a porta trancada e só abre depois de olhar o cliente através da grade.

“Sou farmacêutica em uma cidade tão linda e vibrante como Rosário, ou como era, e agora sentimos medo nas ruas, absolutamente inseguros e desprotegidos, apesar de haver policiamento”, relata. “Mas os atos criminosos continuam e com cada vez mais violência”.

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Em resposta aos ataques a escolas, a Associação de Magistrados de Santa Fé (Amsafé), um grupo sindical de professores, convocou manifestações inéditas na cidade por maior proteção às escolas e ameaçou suspender as aulas caso o problema não seja resolvido.

A churrascaria El Establo foi alvo de ataque a tiros em 2021 e esse ano recebeu um recado com ameaças Foto: Carolina Marins/Estadão

“Estamos em uma situação de escalada da violência que chegou às escolas de uma maneira muito surpreendente porque estão utilizando as escolas como pombo correio”, afirma Gabriela Meglio, secretária adjunta do Amsafé Rosário. “Eles deixam as mensagens dirigidas a vários grupos criminosos e chefes do narco. Vemos claramente que não são mensagens direcionadas às escolas, porém quem recebe as balas são as escolas”.

Revolta social

Autoridades de Rosário observam agora não só o aumento da violência, mas também o sentimento de insatisfação social que os episódios estão gerando. Em 6 de março, após o velório do menino Máximo Jerez, familiares e vizinhos se revoltaram e destruíram um ponto de venda de drogas local - chamados de bunkers.

Após o episódio no mercado da família Roccuzzo, o governo de Alberto Fernández enviou as Forças Armadas para “urbanizar” a cidade, já que por lei o Exército não pode fazer o trabalho de polícia. Desde então, dois policiais fazem a proteção do supermercado Único todos os dias, apesar de o bairro não ser um dos mais violentos da região.

“Nessa vizinhança foi a primeira vez que vimos um ataque a tiros assim”, relatou Luis, dono de uma mercearia em frente ao supermercado. Ele pediu para ter o sobrenome preservado por segurança. “Mas o pior acontece nas escolas, aquilo é uma barbaridade”.

Desde o ataque ao supermercado Único, da família Roccuzzo, dois policiais fazem a segurança do estabelecimento Foto: Carolina Marins/Estadão

O crime ‘desorganizado’ em Rosário

Rosário é uma cidade de 1 milhão de habitantes que abriga um dos maiores portos da Argentina, com saída para o Rio Paraná. Por lá, acredita-se que escoam toneladas de cocaína com rumo ao Brasil, Paraguai e países europeus. Porém, somente o porto não explica a escalada recente de violência na cidade, defende Iazzetta, mas sim uma ausência de organização dos grupos criminosos.

“O fenômeno aqui em Rosário é o da fragmentação criminosa, ou seja, são grupos criminosos, alguns mais complexos que outros, mas nenhum com hegemonia sobre os demais e que podem impor condições ou regular normativas”, explica.

O pesquisador faz um paralelo com grupos brasileiros, como o PCC, que são conhecidos pela organização, hierarquia e disciplina do crime. Em Rosário, ainda que exista uma prevalência do grupo narcotraficante Los Monos, não há organização dos grupos criminosos que acabam resultando em conflitos constantes e em áreas povoadas. “Os próprios Los Monos são muito fragmentados e aqui os grupos criminosos são formados fundamentalmente por clãs familiares”.

Apesar de ser historicamente conhecida por reunir os maiores números de violência da Argentina, a situação na cidade piorou de 2013 para cá, quando um criminoso conhecido como Pájaro Cantero, líder dos Los Monos, foi assassinado, e em resposta o líder de um grupo rival, Luis Medina, também foi morto. A partir deste momento se instalou uma disputa violenta pelo domínio de Rosário, que visa o comércio de drogas.

Mas para além da disputa por venda de drogas, o crime em Rosário é particularmente mais brutal que em outras cidades argentinas igualmente envolvidas no narcotráfico, observa o pesquisador. “Há dois níveis de narcotráfico em Rosário: o macrotráfico que visa escoar essa droga a outros países e é menos violento porque funciona como uma lógica empresarial, e há o microtráfico que é o comércio interno, é nesse que a violência é generalizada. Por isso só o porto não é explicação”. A isso, acrescenta Iazzetta, se soma uma polícia subordinada aos grupos.

Amigos e familiares de Máximo Jerez, 12 anos, morto em um tiroteio em Rosário, Argentina Foto: Agustin Marcarian/Reuters

ENVIADA ESPECIAL A ROSÁRIO, ARGENTINA - A audácia de narcotraficantes na cidade de Rosário não respeitou nem a família de Lionel Messi, o maior ídolo atual da Argentina. Menos de três meses depois de liderar o tricampeonato mundial argentino no Catar, a fachada do supermercado dos sogros do atacante amanheceu cravada de 14 balas no começo de março.

O ataque, executado na mesma semana em que rumores de um possível retorno do craque ao Newell’s Old Boys para encerrar a carreira, veio acompanhado de um recado: “Messi, estamos te esperando. O prefeito também é do tráfico, ele não vai te proteger.”

A prática de gangues rivais de lançar ataques a tiros mercados, restaurantes, escolas e hospitais para ‘marcar território’ ganhou força em Rosário nos últimos meses. Em paralelo, cresceram os homicídios, a violência na periferia da cidade e denúncias de extorsões de comerciantes.

Fachada do supermercado Único, que pertence aos sogros de Lionel Messi, alvo de um ataque a tiros em março Foto: Carolina Marins/Estadão

Santa Fé, província com maior taxa de homicídios do país, se tornou espelho da violência urbana que tira o sono de muitos argentinos. O tema deve ser central das eleições de outubro e preocupa os rosarinos há mais de dez anos. “O caso do Messi é só mais um”, desabafam vizinhos.

A província onde se localiza Rosário, tem uma taxa de homicídios de 10,1 para cada 100 mil habitantes, contra 4,6 da média nacional. É a mais alta do país, embora ainda esteja distante da realidade de outros países latino-americanos como Honduras (acima de 60) e Brasil (acima de 20). A maioria dessas mortes, segundo relatórios do ministério de segurança regional, é resultado de disputas de grupos narcotraficantes.

O problema agora, segundo os moradores, é que essas disputas saíram dos pontos de comércio de drogas e tomaram as ruas. Segundo levantamento do La Nación, até meados de abril houve 16 assassinatos na cidade. Desde o início do ano, já são quase 100. Entre as mortes recentes mais lembradas pelos moradores estão Máximo Jerez de 12 anos em 5 de março e o cantor de rua Lorenzo “Jimi” Altamirano em 1º de fevereiro. Os temas policiais dominam o noticiário na cidade.

Os ataques a escolas e hospitais se tornaram alvos de ataques a tiros, como o que ocorreu no mercado Único da família Roccuzzo, os sogros de Messi, são os que mais assustam os moradores. O objetivo, segundo pesquisadores e autoridades locais, é justamente causar comoção e deixar recados para grupos rivais.

Um temor insustentável

“Antes, eles se matavam entre eles. Agora estão atingindo crianças. Isso é insustentável”, desabafa Nancy Nuñes, professora na escola José Mármol, alvo de tiros em 8 de abril.

O ataque contra a escola, localizada no bairro de Empalme Graneros, ocorreu em um sábado à noite. Não houve feridos. Homens armados dispararam mais de 15 tiros contra o edifício e deixaram um bilhete. Horas depois, a polícia recebeu um chamado do complexo escolar Rosa Ziperovich, na mesma vizinhança, que também foi alvo de tiros e bilhetes.

A ação, explica Marco Iazzetta, professor de Ciência Política e pesquisador de violência na Universidade Nacional de Rosário, é o modus operandi dos grupos criminosos que dominam a cidade há pelo menos dez anos. Ao disparar contra escolas e instituições de saúde, a notícia ganha repercussão nacional junto com as mensagens deixadas nos bilhetes, conseguindo assim fazer com que o recado chegue aos outros grupos.

“Agora a imprensa parou de publicar essas mensagens que eles deixavam, se limitando apenas a dizer que houve um ataque a tiros e deixando um recado, mas sem produzi-los”, observa.

Marcas de balas marcadas pela polícia na escola José Mármol, alvo de ataque de narcotraficantes em 8 de abril Foto: Cedida ao Estadão por Nancy Nuñez

Extorsão e medo

Nas ruas o sentimento é uma mistura de medo, revolta e cansaço pela situação. Nos bairros periféricos, os moradores relatam medo de circular ou pegar transporte público e terminarem atingidos por balas perdidas. No centro, apesar do intenso movimento durante o dia, comerciantes têm medo da violência e operam a portas fechadas, e antes do entardecer grande parte dos comércios fecham. Muitos reclamam de extorsões por parte dos grupos criminosos.

María (nome fictício) tem uma farmácia na Avenida Pellegrini, de frente para a churrascaria El Establo, que em 2021 foi alvo de um ataque a tiros. Em janeiro, o restaurante recebeu um recado pedindo 400.000 pesos (Cerca de R$ 4 mil na cotação paralela atual) ou seriam novamente alvejados. Por medo, María trabalha com a porta trancada e só abre depois de olhar o cliente através da grade.

“Sou farmacêutica em uma cidade tão linda e vibrante como Rosário, ou como era, e agora sentimos medo nas ruas, absolutamente inseguros e desprotegidos, apesar de haver policiamento”, relata. “Mas os atos criminosos continuam e com cada vez mais violência”.

Em resposta aos ataques a escolas, a Associação de Magistrados de Santa Fé (Amsafé), um grupo sindical de professores, convocou manifestações inéditas na cidade por maior proteção às escolas e ameaçou suspender as aulas caso o problema não seja resolvido.

A churrascaria El Establo foi alvo de ataque a tiros em 2021 e esse ano recebeu um recado com ameaças Foto: Carolina Marins/Estadão

“Estamos em uma situação de escalada da violência que chegou às escolas de uma maneira muito surpreendente porque estão utilizando as escolas como pombo correio”, afirma Gabriela Meglio, secretária adjunta do Amsafé Rosário. “Eles deixam as mensagens dirigidas a vários grupos criminosos e chefes do narco. Vemos claramente que não são mensagens direcionadas às escolas, porém quem recebe as balas são as escolas”.

Revolta social

Autoridades de Rosário observam agora não só o aumento da violência, mas também o sentimento de insatisfação social que os episódios estão gerando. Em 6 de março, após o velório do menino Máximo Jerez, familiares e vizinhos se revoltaram e destruíram um ponto de venda de drogas local - chamados de bunkers.

Após o episódio no mercado da família Roccuzzo, o governo de Alberto Fernández enviou as Forças Armadas para “urbanizar” a cidade, já que por lei o Exército não pode fazer o trabalho de polícia. Desde então, dois policiais fazem a proteção do supermercado Único todos os dias, apesar de o bairro não ser um dos mais violentos da região.

“Nessa vizinhança foi a primeira vez que vimos um ataque a tiros assim”, relatou Luis, dono de uma mercearia em frente ao supermercado. Ele pediu para ter o sobrenome preservado por segurança. “Mas o pior acontece nas escolas, aquilo é uma barbaridade”.

Desde o ataque ao supermercado Único, da família Roccuzzo, dois policiais fazem a segurança do estabelecimento Foto: Carolina Marins/Estadão

O crime ‘desorganizado’ em Rosário

Rosário é uma cidade de 1 milhão de habitantes que abriga um dos maiores portos da Argentina, com saída para o Rio Paraná. Por lá, acredita-se que escoam toneladas de cocaína com rumo ao Brasil, Paraguai e países europeus. Porém, somente o porto não explica a escalada recente de violência na cidade, defende Iazzetta, mas sim uma ausência de organização dos grupos criminosos.

“O fenômeno aqui em Rosário é o da fragmentação criminosa, ou seja, são grupos criminosos, alguns mais complexos que outros, mas nenhum com hegemonia sobre os demais e que podem impor condições ou regular normativas”, explica.

O pesquisador faz um paralelo com grupos brasileiros, como o PCC, que são conhecidos pela organização, hierarquia e disciplina do crime. Em Rosário, ainda que exista uma prevalência do grupo narcotraficante Los Monos, não há organização dos grupos criminosos que acabam resultando em conflitos constantes e em áreas povoadas. “Os próprios Los Monos são muito fragmentados e aqui os grupos criminosos são formados fundamentalmente por clãs familiares”.

Apesar de ser historicamente conhecida por reunir os maiores números de violência da Argentina, a situação na cidade piorou de 2013 para cá, quando um criminoso conhecido como Pájaro Cantero, líder dos Los Monos, foi assassinado, e em resposta o líder de um grupo rival, Luis Medina, também foi morto. A partir deste momento se instalou uma disputa violenta pelo domínio de Rosário, que visa o comércio de drogas.

Mas para além da disputa por venda de drogas, o crime em Rosário é particularmente mais brutal que em outras cidades argentinas igualmente envolvidas no narcotráfico, observa o pesquisador. “Há dois níveis de narcotráfico em Rosário: o macrotráfico que visa escoar essa droga a outros países e é menos violento porque funciona como uma lógica empresarial, e há o microtráfico que é o comércio interno, é nesse que a violência é generalizada. Por isso só o porto não é explicação”. A isso, acrescenta Iazzetta, se soma uma polícia subordinada aos grupos.

Amigos e familiares de Máximo Jerez, 12 anos, morto em um tiroteio em Rosário, Argentina Foto: Agustin Marcarian/Reuters

ENVIADA ESPECIAL A ROSÁRIO, ARGENTINA - A audácia de narcotraficantes na cidade de Rosário não respeitou nem a família de Lionel Messi, o maior ídolo atual da Argentina. Menos de três meses depois de liderar o tricampeonato mundial argentino no Catar, a fachada do supermercado dos sogros do atacante amanheceu cravada de 14 balas no começo de março.

O ataque, executado na mesma semana em que rumores de um possível retorno do craque ao Newell’s Old Boys para encerrar a carreira, veio acompanhado de um recado: “Messi, estamos te esperando. O prefeito também é do tráfico, ele não vai te proteger.”

A prática de gangues rivais de lançar ataques a tiros mercados, restaurantes, escolas e hospitais para ‘marcar território’ ganhou força em Rosário nos últimos meses. Em paralelo, cresceram os homicídios, a violência na periferia da cidade e denúncias de extorsões de comerciantes.

Fachada do supermercado Único, que pertence aos sogros de Lionel Messi, alvo de um ataque a tiros em março Foto: Carolina Marins/Estadão

Santa Fé, província com maior taxa de homicídios do país, se tornou espelho da violência urbana que tira o sono de muitos argentinos. O tema deve ser central das eleições de outubro e preocupa os rosarinos há mais de dez anos. “O caso do Messi é só mais um”, desabafam vizinhos.

A província onde se localiza Rosário, tem uma taxa de homicídios de 10,1 para cada 100 mil habitantes, contra 4,6 da média nacional. É a mais alta do país, embora ainda esteja distante da realidade de outros países latino-americanos como Honduras (acima de 60) e Brasil (acima de 20). A maioria dessas mortes, segundo relatórios do ministério de segurança regional, é resultado de disputas de grupos narcotraficantes.

O problema agora, segundo os moradores, é que essas disputas saíram dos pontos de comércio de drogas e tomaram as ruas. Segundo levantamento do La Nación, até meados de abril houve 16 assassinatos na cidade. Desde o início do ano, já são quase 100. Entre as mortes recentes mais lembradas pelos moradores estão Máximo Jerez de 12 anos em 5 de março e o cantor de rua Lorenzo “Jimi” Altamirano em 1º de fevereiro. Os temas policiais dominam o noticiário na cidade.

Os ataques a escolas e hospitais se tornaram alvos de ataques a tiros, como o que ocorreu no mercado Único da família Roccuzzo, os sogros de Messi, são os que mais assustam os moradores. O objetivo, segundo pesquisadores e autoridades locais, é justamente causar comoção e deixar recados para grupos rivais.

Um temor insustentável

“Antes, eles se matavam entre eles. Agora estão atingindo crianças. Isso é insustentável”, desabafa Nancy Nuñes, professora na escola José Mármol, alvo de tiros em 8 de abril.

O ataque contra a escola, localizada no bairro de Empalme Graneros, ocorreu em um sábado à noite. Não houve feridos. Homens armados dispararam mais de 15 tiros contra o edifício e deixaram um bilhete. Horas depois, a polícia recebeu um chamado do complexo escolar Rosa Ziperovich, na mesma vizinhança, que também foi alvo de tiros e bilhetes.

A ação, explica Marco Iazzetta, professor de Ciência Política e pesquisador de violência na Universidade Nacional de Rosário, é o modus operandi dos grupos criminosos que dominam a cidade há pelo menos dez anos. Ao disparar contra escolas e instituições de saúde, a notícia ganha repercussão nacional junto com as mensagens deixadas nos bilhetes, conseguindo assim fazer com que o recado chegue aos outros grupos.

“Agora a imprensa parou de publicar essas mensagens que eles deixavam, se limitando apenas a dizer que houve um ataque a tiros e deixando um recado, mas sem produzi-los”, observa.

Marcas de balas marcadas pela polícia na escola José Mármol, alvo de ataque de narcotraficantes em 8 de abril Foto: Cedida ao Estadão por Nancy Nuñez

Extorsão e medo

Nas ruas o sentimento é uma mistura de medo, revolta e cansaço pela situação. Nos bairros periféricos, os moradores relatam medo de circular ou pegar transporte público e terminarem atingidos por balas perdidas. No centro, apesar do intenso movimento durante o dia, comerciantes têm medo da violência e operam a portas fechadas, e antes do entardecer grande parte dos comércios fecham. Muitos reclamam de extorsões por parte dos grupos criminosos.

María (nome fictício) tem uma farmácia na Avenida Pellegrini, de frente para a churrascaria El Establo, que em 2021 foi alvo de um ataque a tiros. Em janeiro, o restaurante recebeu um recado pedindo 400.000 pesos (Cerca de R$ 4 mil na cotação paralela atual) ou seriam novamente alvejados. Por medo, María trabalha com a porta trancada e só abre depois de olhar o cliente através da grade.

“Sou farmacêutica em uma cidade tão linda e vibrante como Rosário, ou como era, e agora sentimos medo nas ruas, absolutamente inseguros e desprotegidos, apesar de haver policiamento”, relata. “Mas os atos criminosos continuam e com cada vez mais violência”.

Em resposta aos ataques a escolas, a Associação de Magistrados de Santa Fé (Amsafé), um grupo sindical de professores, convocou manifestações inéditas na cidade por maior proteção às escolas e ameaçou suspender as aulas caso o problema não seja resolvido.

A churrascaria El Establo foi alvo de ataque a tiros em 2021 e esse ano recebeu um recado com ameaças Foto: Carolina Marins/Estadão

“Estamos em uma situação de escalada da violência que chegou às escolas de uma maneira muito surpreendente porque estão utilizando as escolas como pombo correio”, afirma Gabriela Meglio, secretária adjunta do Amsafé Rosário. “Eles deixam as mensagens dirigidas a vários grupos criminosos e chefes do narco. Vemos claramente que não são mensagens direcionadas às escolas, porém quem recebe as balas são as escolas”.

Revolta social

Autoridades de Rosário observam agora não só o aumento da violência, mas também o sentimento de insatisfação social que os episódios estão gerando. Em 6 de março, após o velório do menino Máximo Jerez, familiares e vizinhos se revoltaram e destruíram um ponto de venda de drogas local - chamados de bunkers.

Após o episódio no mercado da família Roccuzzo, o governo de Alberto Fernández enviou as Forças Armadas para “urbanizar” a cidade, já que por lei o Exército não pode fazer o trabalho de polícia. Desde então, dois policiais fazem a proteção do supermercado Único todos os dias, apesar de o bairro não ser um dos mais violentos da região.

“Nessa vizinhança foi a primeira vez que vimos um ataque a tiros assim”, relatou Luis, dono de uma mercearia em frente ao supermercado. Ele pediu para ter o sobrenome preservado por segurança. “Mas o pior acontece nas escolas, aquilo é uma barbaridade”.

Desde o ataque ao supermercado Único, da família Roccuzzo, dois policiais fazem a segurança do estabelecimento Foto: Carolina Marins/Estadão

O crime ‘desorganizado’ em Rosário

Rosário é uma cidade de 1 milhão de habitantes que abriga um dos maiores portos da Argentina, com saída para o Rio Paraná. Por lá, acredita-se que escoam toneladas de cocaína com rumo ao Brasil, Paraguai e países europeus. Porém, somente o porto não explica a escalada recente de violência na cidade, defende Iazzetta, mas sim uma ausência de organização dos grupos criminosos.

“O fenômeno aqui em Rosário é o da fragmentação criminosa, ou seja, são grupos criminosos, alguns mais complexos que outros, mas nenhum com hegemonia sobre os demais e que podem impor condições ou regular normativas”, explica.

O pesquisador faz um paralelo com grupos brasileiros, como o PCC, que são conhecidos pela organização, hierarquia e disciplina do crime. Em Rosário, ainda que exista uma prevalência do grupo narcotraficante Los Monos, não há organização dos grupos criminosos que acabam resultando em conflitos constantes e em áreas povoadas. “Os próprios Los Monos são muito fragmentados e aqui os grupos criminosos são formados fundamentalmente por clãs familiares”.

Apesar de ser historicamente conhecida por reunir os maiores números de violência da Argentina, a situação na cidade piorou de 2013 para cá, quando um criminoso conhecido como Pájaro Cantero, líder dos Los Monos, foi assassinado, e em resposta o líder de um grupo rival, Luis Medina, também foi morto. A partir deste momento se instalou uma disputa violenta pelo domínio de Rosário, que visa o comércio de drogas.

Mas para além da disputa por venda de drogas, o crime em Rosário é particularmente mais brutal que em outras cidades argentinas igualmente envolvidas no narcotráfico, observa o pesquisador. “Há dois níveis de narcotráfico em Rosário: o macrotráfico que visa escoar essa droga a outros países e é menos violento porque funciona como uma lógica empresarial, e há o microtráfico que é o comércio interno, é nesse que a violência é generalizada. Por isso só o porto não é explicação”. A isso, acrescenta Iazzetta, se soma uma polícia subordinada aos grupos.

Amigos e familiares de Máximo Jerez, 12 anos, morto em um tiroteio em Rosário, Argentina Foto: Agustin Marcarian/Reuters

ENVIADA ESPECIAL A ROSÁRIO, ARGENTINA - A audácia de narcotraficantes na cidade de Rosário não respeitou nem a família de Lionel Messi, o maior ídolo atual da Argentina. Menos de três meses depois de liderar o tricampeonato mundial argentino no Catar, a fachada do supermercado dos sogros do atacante amanheceu cravada de 14 balas no começo de março.

O ataque, executado na mesma semana em que rumores de um possível retorno do craque ao Newell’s Old Boys para encerrar a carreira, veio acompanhado de um recado: “Messi, estamos te esperando. O prefeito também é do tráfico, ele não vai te proteger.”

A prática de gangues rivais de lançar ataques a tiros mercados, restaurantes, escolas e hospitais para ‘marcar território’ ganhou força em Rosário nos últimos meses. Em paralelo, cresceram os homicídios, a violência na periferia da cidade e denúncias de extorsões de comerciantes.

Fachada do supermercado Único, que pertence aos sogros de Lionel Messi, alvo de um ataque a tiros em março Foto: Carolina Marins/Estadão

Santa Fé, província com maior taxa de homicídios do país, se tornou espelho da violência urbana que tira o sono de muitos argentinos. O tema deve ser central das eleições de outubro e preocupa os rosarinos há mais de dez anos. “O caso do Messi é só mais um”, desabafam vizinhos.

A província onde se localiza Rosário, tem uma taxa de homicídios de 10,1 para cada 100 mil habitantes, contra 4,6 da média nacional. É a mais alta do país, embora ainda esteja distante da realidade de outros países latino-americanos como Honduras (acima de 60) e Brasil (acima de 20). A maioria dessas mortes, segundo relatórios do ministério de segurança regional, é resultado de disputas de grupos narcotraficantes.

O problema agora, segundo os moradores, é que essas disputas saíram dos pontos de comércio de drogas e tomaram as ruas. Segundo levantamento do La Nación, até meados de abril houve 16 assassinatos na cidade. Desde o início do ano, já são quase 100. Entre as mortes recentes mais lembradas pelos moradores estão Máximo Jerez de 12 anos em 5 de março e o cantor de rua Lorenzo “Jimi” Altamirano em 1º de fevereiro. Os temas policiais dominam o noticiário na cidade.

Os ataques a escolas e hospitais se tornaram alvos de ataques a tiros, como o que ocorreu no mercado Único da família Roccuzzo, os sogros de Messi, são os que mais assustam os moradores. O objetivo, segundo pesquisadores e autoridades locais, é justamente causar comoção e deixar recados para grupos rivais.

Um temor insustentável

“Antes, eles se matavam entre eles. Agora estão atingindo crianças. Isso é insustentável”, desabafa Nancy Nuñes, professora na escola José Mármol, alvo de tiros em 8 de abril.

O ataque contra a escola, localizada no bairro de Empalme Graneros, ocorreu em um sábado à noite. Não houve feridos. Homens armados dispararam mais de 15 tiros contra o edifício e deixaram um bilhete. Horas depois, a polícia recebeu um chamado do complexo escolar Rosa Ziperovich, na mesma vizinhança, que também foi alvo de tiros e bilhetes.

A ação, explica Marco Iazzetta, professor de Ciência Política e pesquisador de violência na Universidade Nacional de Rosário, é o modus operandi dos grupos criminosos que dominam a cidade há pelo menos dez anos. Ao disparar contra escolas e instituições de saúde, a notícia ganha repercussão nacional junto com as mensagens deixadas nos bilhetes, conseguindo assim fazer com que o recado chegue aos outros grupos.

“Agora a imprensa parou de publicar essas mensagens que eles deixavam, se limitando apenas a dizer que houve um ataque a tiros e deixando um recado, mas sem produzi-los”, observa.

Marcas de balas marcadas pela polícia na escola José Mármol, alvo de ataque de narcotraficantes em 8 de abril Foto: Cedida ao Estadão por Nancy Nuñez

Extorsão e medo

Nas ruas o sentimento é uma mistura de medo, revolta e cansaço pela situação. Nos bairros periféricos, os moradores relatam medo de circular ou pegar transporte público e terminarem atingidos por balas perdidas. No centro, apesar do intenso movimento durante o dia, comerciantes têm medo da violência e operam a portas fechadas, e antes do entardecer grande parte dos comércios fecham. Muitos reclamam de extorsões por parte dos grupos criminosos.

María (nome fictício) tem uma farmácia na Avenida Pellegrini, de frente para a churrascaria El Establo, que em 2021 foi alvo de um ataque a tiros. Em janeiro, o restaurante recebeu um recado pedindo 400.000 pesos (Cerca de R$ 4 mil na cotação paralela atual) ou seriam novamente alvejados. Por medo, María trabalha com a porta trancada e só abre depois de olhar o cliente através da grade.

“Sou farmacêutica em uma cidade tão linda e vibrante como Rosário, ou como era, e agora sentimos medo nas ruas, absolutamente inseguros e desprotegidos, apesar de haver policiamento”, relata. “Mas os atos criminosos continuam e com cada vez mais violência”.

Em resposta aos ataques a escolas, a Associação de Magistrados de Santa Fé (Amsafé), um grupo sindical de professores, convocou manifestações inéditas na cidade por maior proteção às escolas e ameaçou suspender as aulas caso o problema não seja resolvido.

A churrascaria El Establo foi alvo de ataque a tiros em 2021 e esse ano recebeu um recado com ameaças Foto: Carolina Marins/Estadão

“Estamos em uma situação de escalada da violência que chegou às escolas de uma maneira muito surpreendente porque estão utilizando as escolas como pombo correio”, afirma Gabriela Meglio, secretária adjunta do Amsafé Rosário. “Eles deixam as mensagens dirigidas a vários grupos criminosos e chefes do narco. Vemos claramente que não são mensagens direcionadas às escolas, porém quem recebe as balas são as escolas”.

Revolta social

Autoridades de Rosário observam agora não só o aumento da violência, mas também o sentimento de insatisfação social que os episódios estão gerando. Em 6 de março, após o velório do menino Máximo Jerez, familiares e vizinhos se revoltaram e destruíram um ponto de venda de drogas local - chamados de bunkers.

Após o episódio no mercado da família Roccuzzo, o governo de Alberto Fernández enviou as Forças Armadas para “urbanizar” a cidade, já que por lei o Exército não pode fazer o trabalho de polícia. Desde então, dois policiais fazem a proteção do supermercado Único todos os dias, apesar de o bairro não ser um dos mais violentos da região.

“Nessa vizinhança foi a primeira vez que vimos um ataque a tiros assim”, relatou Luis, dono de uma mercearia em frente ao supermercado. Ele pediu para ter o sobrenome preservado por segurança. “Mas o pior acontece nas escolas, aquilo é uma barbaridade”.

Desde o ataque ao supermercado Único, da família Roccuzzo, dois policiais fazem a segurança do estabelecimento Foto: Carolina Marins/Estadão

O crime ‘desorganizado’ em Rosário

Rosário é uma cidade de 1 milhão de habitantes que abriga um dos maiores portos da Argentina, com saída para o Rio Paraná. Por lá, acredita-se que escoam toneladas de cocaína com rumo ao Brasil, Paraguai e países europeus. Porém, somente o porto não explica a escalada recente de violência na cidade, defende Iazzetta, mas sim uma ausência de organização dos grupos criminosos.

“O fenômeno aqui em Rosário é o da fragmentação criminosa, ou seja, são grupos criminosos, alguns mais complexos que outros, mas nenhum com hegemonia sobre os demais e que podem impor condições ou regular normativas”, explica.

O pesquisador faz um paralelo com grupos brasileiros, como o PCC, que são conhecidos pela organização, hierarquia e disciplina do crime. Em Rosário, ainda que exista uma prevalência do grupo narcotraficante Los Monos, não há organização dos grupos criminosos que acabam resultando em conflitos constantes e em áreas povoadas. “Os próprios Los Monos são muito fragmentados e aqui os grupos criminosos são formados fundamentalmente por clãs familiares”.

Apesar de ser historicamente conhecida por reunir os maiores números de violência da Argentina, a situação na cidade piorou de 2013 para cá, quando um criminoso conhecido como Pájaro Cantero, líder dos Los Monos, foi assassinado, e em resposta o líder de um grupo rival, Luis Medina, também foi morto. A partir deste momento se instalou uma disputa violenta pelo domínio de Rosário, que visa o comércio de drogas.

Mas para além da disputa por venda de drogas, o crime em Rosário é particularmente mais brutal que em outras cidades argentinas igualmente envolvidas no narcotráfico, observa o pesquisador. “Há dois níveis de narcotráfico em Rosário: o macrotráfico que visa escoar essa droga a outros países e é menos violento porque funciona como uma lógica empresarial, e há o microtráfico que é o comércio interno, é nesse que a violência é generalizada. Por isso só o porto não é explicação”. A isso, acrescenta Iazzetta, se soma uma polícia subordinada aos grupos.

Amigos e familiares de Máximo Jerez, 12 anos, morto em um tiroteio em Rosário, Argentina Foto: Agustin Marcarian/Reuters

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