Como o premiê da Índia tenta conquistar o mundo como o líder certo para o ‘século da Índia’


Primeiro-ministro indiano tenta fundir sua imagem ao poder econômico e político dos indianos no exterior, que, em contrapartida, expressam orgulho e preocupação

Por Damien Cave

THE NEW YORK TIMES — Na última noite de sua visita a Washington, no final de junho, após 15 ovações de pé no Congresso e um opulento jantar na Casa Branca sob medida para seus gostos vegetarianos, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, reservou um tempo para cortejar e ser aplaudido por outro importante eleitorado: a diáspora indiana.

Nos bastidores do Kennedy Center, enquanto homens de negócios em ternos sob medida e finos sáris de seda entravam em um teatro de 1.200 lugares, Modi se reunia com um punhado de empresários. A maioria era jovem, educada na Índia, enriquecida nos EUA e ansiosa para se conectar com o líder que se apresenta como um guru para o mundo, pregando que este é “o século da Índia”.

“Obrigado por elevar a imagem e o ânimo dos indo-americanos”, disse Umesh Sachdev, de 37 anos, explicando ao primeiro-ministro que ele é o fundador da Uniphore, uma empresa de inteligência artificial avaliada em US$ 2,5 bilhões, com escritórios na Índia e na Califórnia.

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O primeiro-ministro indiano Narendra Modi gesticula enquanto faz seu discurso durante um evento da comunidade indiana na Qudos Bank Arena em Sydney, Austrália, terça-feira, 23 de maio de 2023.  Foto: Mark Baker / AP

Modi então deu um tapinha no ombro de Sachdev e exclamou “waah”, ou “uau” em hindi.

Com ênfase no orgulho nacional, o premier e seu partido conservador hindu Bharatiya Janata (BJP) cultivaram uma relação surpreendentemente forte com a diáspora bem-sucedida da Índia. O vínculo foi fortalecido por uma máquina política global, inflada sob Modi com escritórios partidários em dezenas de países e milhares de voluntários. E permitiu a ele fundir sua própria imagem — e sua rubrica de exaltar a Índia — com executivos famosos e poderosos, muitas vezes mais liberais, nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e muitos outros países.

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Nenhum outro líder mundial parece atrair um fluxo tão constante de festas de boas-vindas da diáspora, mais recentemente em Paris, Nova York e Cairo, ou audiências gigantes, incluindo 20 mil fãs em um comício na Austrália em maio. Modi esteve na França na sexta-feira como convidado de honra no desfile anual do Dia da Bastilha, e com as eleições do ano que vem na Índia, o padrão de propaganda no exterior foi repetido.

“A liderança do BJP quer mostrar sua força no exterior, para criar força em casa”, explica Sameer Lalwani, especialista sênior em Sul da Ásia no Instituto de Paz dos EUA.

Ativistas do Partido Bharatiya Janata (BJP) marcham durante um protesto contra o governo de Bengala em Calcutá, Índia, em 19 de julho de 2023. Foto: PIYAL ADHIKARY / EFE
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Orgulho e preocupação

Mas em alguns cantos da diáspora, tensões estão surgindo. Muitos profissionais indianos que comemoram quando Modi se gaba de que a Índia se tornou a quinta maior economia do mundo — e se entusiasmam com a nova infraestrutura e cidades mais modernas — também temem que as políticas de supremacia hindu de seu governo e a crescente intolerância ao escrutínio impeçam a Índia de realmente se posicionar como uma superpotência e uma alternativa democrática à China.

Vinod Khosla, um proeminente investidor do Vale do Silício, que sempre pressionou por relações mais estreitas entre Washington e Nova Délhi, disse em uma entrevista que o maior risco para a Índia seria uma interrupção do crescimento econômico devido à instabilidade e à desigualdade inflamadas pelo nacionalismo hindu. Outros temem que Modi — cercado por uma bolha de celebridade política e intolerância religiosa — esteja ignorando a fragilidade do bom momento em uma nação complexa, diversa e volátil de 1,4 bilhão de pessoas.

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“A demografia só funciona para a Índia se houver progressismo e inclusão”, declarou Arun Subramony, um banqueiro de capitais privados em Washington com investimentos digitais, de saúde e outros na Índia. “O partido precisa fazer um esforço extra para deixar claro que a Índia é para todos.”

Sonhos tecnoutópicos

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O vínculo entre a diáspora e o BJP começou com pragmatismo — e com o primeiro primeiro-ministro do partido, Atal Bihari Vajpayee, que promoveu a tecnologia da informação como a solução para os problemas de desenvolvimento da Índia no final dos anos 1990.

Kanwal Rekhi, o primeiro indiano-americano a abrir o capital de uma empresa na Nasdaq, ouviu os discursos de Vajpayee e pensou: esse cara entende do que está falando. Rekhi então pediu uma reunião com Vajpayee e chegou a Nova Délhi em abril de 2000, liderando um grupo chamado The IndUS Entrepreneurs, ou TiE.

Na residência do primeiro-ministro, havia paraquedistas no telhado e tanques nas proximidades, vestígios de um recente conflito com o Paquistão. Rekhi estava lá prometendo que o empreendedorismo poderia superar as divisões entre indianos e paquistaneses, muçulmanos e hindus. Vajpayee acolheu seu tecnoutopismo.

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“Ele perguntou: ‘Qual é a sua opinião sobre a Índia e os indianos?’. Então ele disse: ‘Nosso futuro é muito brilhante e você precisa nos mostrar o caminho’”, relembrou Rekhi em uma entrevista.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fala durante um comício em Sydney, Austrália, em 23 de maio de 2023. Modi tentou fundir sua imagem com o poder econômico e político dos indianos no exterior. Foto: Matthew Abbott / NYT

Assim começou uma relação com a diáspora que reverteu décadas de rancor, quando aqueles que saíam do país com diplomas universitários eram vistos como traidores das necessidades da Índia. Depois que Vajpayee deixou claro que via os indianos no exterior como guias e consultores, foi isso que eles se tornaram.

Amigos do BJP no Exterior

No Vale do Silício e em outros lugares, o Amigos do BJP no Exterior, o braço internacional do partido, tornou-se uma presença estabelecida. Ajudando com questões de imigração e outros desafios, seus membros complementam e competem com o corpo de cerca de 950 funcionários do serviço estrangeiro da Índia — uma fração dos cerca de 16 mil que trabalham para os Estados Unidos.

No ano passado — embora a votação nas eleições da Índia deva ser feita pessoalmente — o BJP patrocinou eventos com funcionários do partido no Texas, Nova Jersey, Washington e Carolina do Norte, bem como vários eventos no Centro Comunitário da Índia, na Califórnia, de acordo com seus registros obrigatórios como agente estrangeiro.

Funcionários visitantes também reúnem grupos menores para jantares e discussões. Sachdev, o CEO da Uniphore, disse que tinha ido a vários desses encontros, acrescentando que as conversas se concentravam mais nos negócios do que na política.

Ele e outros participantes disseram que nunca foram convidados a contribuir com as campanhas do BJP. Mas cientistas políticos acreditam que o Bharatiya Janata e as organizações hindus recebem um fluxo significativo de dinheiro da diáspora. Em 2018, o governo de Modi apressou no Parlamento uma lei que permitia que indianos que vivem no exterior e empresas estrangeiras com subsidiárias na Índia fizessem doações políticas não reveladas. Os gastos com a campanha para as eleições gerais de 2019, quando Modi se reelegeu, chegaram a US$ 8 bilhões, tornando-a a eleição mais cara do mundo.

“Há uma falta de transparência, e é intencional”, comentou Gilles Verniers, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa de Políticas em Nova Délhi.

Pressionando por mudança

Membros de diferentes organizações não governamentais protestam contra a violência contínua no estado de Manipur, em Bangalore, Índia, em 21 de julho de 2023.  Foto: JAGADEESH NV / EFE

Muitos indianos no exterior se preocupam com o derramamento de sangue na Índia, onde minorias religiosas representam 20% da população e multidões hindus são regularmente acusadas de lincharem pessoas, principalmente muçulmanos, por causa de sua comida, estilo de vestir ou casamentos interreligiosos. Mas as famílias de emigrantes da Índia também se preocupam com a violência se infiltrando nos países para onde se mudaram.

Em 2021, homens armados com bastões e martelos atacaram quatro estudantes sikhs em um carro em Sydney, na Austrália. Depois que um dos homens cumpriu uma sentença de seis meses, ele voltou para a Índia, onde foi recebido como um herói. As tensões entre imigrantes indianos no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos também aumentaram nos últimos anos, juntamente com vandalismo e ameaças.

“Existem divisões na Índia e elas estão fadadas a se expressar porque a política não se limita às fronteiras nacionais”, disse C. Raja Mohan, membro sênior do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática em Nova Délhi.

Em Washington, onde 7 mil indianos americanos se juntaram a ele em uma comemoração exuberante no gramado da Casa Branca, Modi disse em uma entrevista coletiva que a discriminação contra minorias não existia em seu governo. Poucas horas depois, ativistas de direitos humanos se reuniram do lado de fora do portão, incluindo muçulmanos que haviam fugido para os Estados Unidos depois de sofrerem perseguição na Índia. As equipes de TV já tinham ido embora.

Nos bastidores, as autoridades americanas dizem que Modi tem sido mais pressionado. Ro Khanna, copresidente do grupo de trabalho do Congresso sobre a Índia e os indo-americanos, que representa o distrito que inclui o Centro Comunitário da Índia, disse que conversou com Modi sobre a importância do pluralismo.

“Quero que nos concentremos muito no fortalecimento do relacionamento entre os EUA e a Índia sob o princípio da fundação da Índia e da nossa fundação, e não na celebração de qualquer indivíduo em particular”, declarou Khanna.

THE NEW YORK TIMES — Na última noite de sua visita a Washington, no final de junho, após 15 ovações de pé no Congresso e um opulento jantar na Casa Branca sob medida para seus gostos vegetarianos, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, reservou um tempo para cortejar e ser aplaudido por outro importante eleitorado: a diáspora indiana.

Nos bastidores do Kennedy Center, enquanto homens de negócios em ternos sob medida e finos sáris de seda entravam em um teatro de 1.200 lugares, Modi se reunia com um punhado de empresários. A maioria era jovem, educada na Índia, enriquecida nos EUA e ansiosa para se conectar com o líder que se apresenta como um guru para o mundo, pregando que este é “o século da Índia”.

“Obrigado por elevar a imagem e o ânimo dos indo-americanos”, disse Umesh Sachdev, de 37 anos, explicando ao primeiro-ministro que ele é o fundador da Uniphore, uma empresa de inteligência artificial avaliada em US$ 2,5 bilhões, com escritórios na Índia e na Califórnia.

O primeiro-ministro indiano Narendra Modi gesticula enquanto faz seu discurso durante um evento da comunidade indiana na Qudos Bank Arena em Sydney, Austrália, terça-feira, 23 de maio de 2023.  Foto: Mark Baker / AP

Modi então deu um tapinha no ombro de Sachdev e exclamou “waah”, ou “uau” em hindi.

Com ênfase no orgulho nacional, o premier e seu partido conservador hindu Bharatiya Janata (BJP) cultivaram uma relação surpreendentemente forte com a diáspora bem-sucedida da Índia. O vínculo foi fortalecido por uma máquina política global, inflada sob Modi com escritórios partidários em dezenas de países e milhares de voluntários. E permitiu a ele fundir sua própria imagem — e sua rubrica de exaltar a Índia — com executivos famosos e poderosos, muitas vezes mais liberais, nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e muitos outros países.

Nenhum outro líder mundial parece atrair um fluxo tão constante de festas de boas-vindas da diáspora, mais recentemente em Paris, Nova York e Cairo, ou audiências gigantes, incluindo 20 mil fãs em um comício na Austrália em maio. Modi esteve na França na sexta-feira como convidado de honra no desfile anual do Dia da Bastilha, e com as eleições do ano que vem na Índia, o padrão de propaganda no exterior foi repetido.

“A liderança do BJP quer mostrar sua força no exterior, para criar força em casa”, explica Sameer Lalwani, especialista sênior em Sul da Ásia no Instituto de Paz dos EUA.

Ativistas do Partido Bharatiya Janata (BJP) marcham durante um protesto contra o governo de Bengala em Calcutá, Índia, em 19 de julho de 2023. Foto: PIYAL ADHIKARY / EFE

Orgulho e preocupação

Mas em alguns cantos da diáspora, tensões estão surgindo. Muitos profissionais indianos que comemoram quando Modi se gaba de que a Índia se tornou a quinta maior economia do mundo — e se entusiasmam com a nova infraestrutura e cidades mais modernas — também temem que as políticas de supremacia hindu de seu governo e a crescente intolerância ao escrutínio impeçam a Índia de realmente se posicionar como uma superpotência e uma alternativa democrática à China.

Vinod Khosla, um proeminente investidor do Vale do Silício, que sempre pressionou por relações mais estreitas entre Washington e Nova Délhi, disse em uma entrevista que o maior risco para a Índia seria uma interrupção do crescimento econômico devido à instabilidade e à desigualdade inflamadas pelo nacionalismo hindu. Outros temem que Modi — cercado por uma bolha de celebridade política e intolerância religiosa — esteja ignorando a fragilidade do bom momento em uma nação complexa, diversa e volátil de 1,4 bilhão de pessoas.

“A demografia só funciona para a Índia se houver progressismo e inclusão”, declarou Arun Subramony, um banqueiro de capitais privados em Washington com investimentos digitais, de saúde e outros na Índia. “O partido precisa fazer um esforço extra para deixar claro que a Índia é para todos.”

Sonhos tecnoutópicos

O vínculo entre a diáspora e o BJP começou com pragmatismo — e com o primeiro primeiro-ministro do partido, Atal Bihari Vajpayee, que promoveu a tecnologia da informação como a solução para os problemas de desenvolvimento da Índia no final dos anos 1990.

Kanwal Rekhi, o primeiro indiano-americano a abrir o capital de uma empresa na Nasdaq, ouviu os discursos de Vajpayee e pensou: esse cara entende do que está falando. Rekhi então pediu uma reunião com Vajpayee e chegou a Nova Délhi em abril de 2000, liderando um grupo chamado The IndUS Entrepreneurs, ou TiE.

Na residência do primeiro-ministro, havia paraquedistas no telhado e tanques nas proximidades, vestígios de um recente conflito com o Paquistão. Rekhi estava lá prometendo que o empreendedorismo poderia superar as divisões entre indianos e paquistaneses, muçulmanos e hindus. Vajpayee acolheu seu tecnoutopismo.

“Ele perguntou: ‘Qual é a sua opinião sobre a Índia e os indianos?’. Então ele disse: ‘Nosso futuro é muito brilhante e você precisa nos mostrar o caminho’”, relembrou Rekhi em uma entrevista.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fala durante um comício em Sydney, Austrália, em 23 de maio de 2023. Modi tentou fundir sua imagem com o poder econômico e político dos indianos no exterior. Foto: Matthew Abbott / NYT

Assim começou uma relação com a diáspora que reverteu décadas de rancor, quando aqueles que saíam do país com diplomas universitários eram vistos como traidores das necessidades da Índia. Depois que Vajpayee deixou claro que via os indianos no exterior como guias e consultores, foi isso que eles se tornaram.

Amigos do BJP no Exterior

No Vale do Silício e em outros lugares, o Amigos do BJP no Exterior, o braço internacional do partido, tornou-se uma presença estabelecida. Ajudando com questões de imigração e outros desafios, seus membros complementam e competem com o corpo de cerca de 950 funcionários do serviço estrangeiro da Índia — uma fração dos cerca de 16 mil que trabalham para os Estados Unidos.

No ano passado — embora a votação nas eleições da Índia deva ser feita pessoalmente — o BJP patrocinou eventos com funcionários do partido no Texas, Nova Jersey, Washington e Carolina do Norte, bem como vários eventos no Centro Comunitário da Índia, na Califórnia, de acordo com seus registros obrigatórios como agente estrangeiro.

Funcionários visitantes também reúnem grupos menores para jantares e discussões. Sachdev, o CEO da Uniphore, disse que tinha ido a vários desses encontros, acrescentando que as conversas se concentravam mais nos negócios do que na política.

Ele e outros participantes disseram que nunca foram convidados a contribuir com as campanhas do BJP. Mas cientistas políticos acreditam que o Bharatiya Janata e as organizações hindus recebem um fluxo significativo de dinheiro da diáspora. Em 2018, o governo de Modi apressou no Parlamento uma lei que permitia que indianos que vivem no exterior e empresas estrangeiras com subsidiárias na Índia fizessem doações políticas não reveladas. Os gastos com a campanha para as eleições gerais de 2019, quando Modi se reelegeu, chegaram a US$ 8 bilhões, tornando-a a eleição mais cara do mundo.

“Há uma falta de transparência, e é intencional”, comentou Gilles Verniers, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa de Políticas em Nova Délhi.

Pressionando por mudança

Membros de diferentes organizações não governamentais protestam contra a violência contínua no estado de Manipur, em Bangalore, Índia, em 21 de julho de 2023.  Foto: JAGADEESH NV / EFE

Muitos indianos no exterior se preocupam com o derramamento de sangue na Índia, onde minorias religiosas representam 20% da população e multidões hindus são regularmente acusadas de lincharem pessoas, principalmente muçulmanos, por causa de sua comida, estilo de vestir ou casamentos interreligiosos. Mas as famílias de emigrantes da Índia também se preocupam com a violência se infiltrando nos países para onde se mudaram.

Em 2021, homens armados com bastões e martelos atacaram quatro estudantes sikhs em um carro em Sydney, na Austrália. Depois que um dos homens cumpriu uma sentença de seis meses, ele voltou para a Índia, onde foi recebido como um herói. As tensões entre imigrantes indianos no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos também aumentaram nos últimos anos, juntamente com vandalismo e ameaças.

“Existem divisões na Índia e elas estão fadadas a se expressar porque a política não se limita às fronteiras nacionais”, disse C. Raja Mohan, membro sênior do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática em Nova Délhi.

Em Washington, onde 7 mil indianos americanos se juntaram a ele em uma comemoração exuberante no gramado da Casa Branca, Modi disse em uma entrevista coletiva que a discriminação contra minorias não existia em seu governo. Poucas horas depois, ativistas de direitos humanos se reuniram do lado de fora do portão, incluindo muçulmanos que haviam fugido para os Estados Unidos depois de sofrerem perseguição na Índia. As equipes de TV já tinham ido embora.

Nos bastidores, as autoridades americanas dizem que Modi tem sido mais pressionado. Ro Khanna, copresidente do grupo de trabalho do Congresso sobre a Índia e os indo-americanos, que representa o distrito que inclui o Centro Comunitário da Índia, disse que conversou com Modi sobre a importância do pluralismo.

“Quero que nos concentremos muito no fortalecimento do relacionamento entre os EUA e a Índia sob o princípio da fundação da Índia e da nossa fundação, e não na celebração de qualquer indivíduo em particular”, declarou Khanna.

THE NEW YORK TIMES — Na última noite de sua visita a Washington, no final de junho, após 15 ovações de pé no Congresso e um opulento jantar na Casa Branca sob medida para seus gostos vegetarianos, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, reservou um tempo para cortejar e ser aplaudido por outro importante eleitorado: a diáspora indiana.

Nos bastidores do Kennedy Center, enquanto homens de negócios em ternos sob medida e finos sáris de seda entravam em um teatro de 1.200 lugares, Modi se reunia com um punhado de empresários. A maioria era jovem, educada na Índia, enriquecida nos EUA e ansiosa para se conectar com o líder que se apresenta como um guru para o mundo, pregando que este é “o século da Índia”.

“Obrigado por elevar a imagem e o ânimo dos indo-americanos”, disse Umesh Sachdev, de 37 anos, explicando ao primeiro-ministro que ele é o fundador da Uniphore, uma empresa de inteligência artificial avaliada em US$ 2,5 bilhões, com escritórios na Índia e na Califórnia.

O primeiro-ministro indiano Narendra Modi gesticula enquanto faz seu discurso durante um evento da comunidade indiana na Qudos Bank Arena em Sydney, Austrália, terça-feira, 23 de maio de 2023.  Foto: Mark Baker / AP

Modi então deu um tapinha no ombro de Sachdev e exclamou “waah”, ou “uau” em hindi.

Com ênfase no orgulho nacional, o premier e seu partido conservador hindu Bharatiya Janata (BJP) cultivaram uma relação surpreendentemente forte com a diáspora bem-sucedida da Índia. O vínculo foi fortalecido por uma máquina política global, inflada sob Modi com escritórios partidários em dezenas de países e milhares de voluntários. E permitiu a ele fundir sua própria imagem — e sua rubrica de exaltar a Índia — com executivos famosos e poderosos, muitas vezes mais liberais, nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e muitos outros países.

Nenhum outro líder mundial parece atrair um fluxo tão constante de festas de boas-vindas da diáspora, mais recentemente em Paris, Nova York e Cairo, ou audiências gigantes, incluindo 20 mil fãs em um comício na Austrália em maio. Modi esteve na França na sexta-feira como convidado de honra no desfile anual do Dia da Bastilha, e com as eleições do ano que vem na Índia, o padrão de propaganda no exterior foi repetido.

“A liderança do BJP quer mostrar sua força no exterior, para criar força em casa”, explica Sameer Lalwani, especialista sênior em Sul da Ásia no Instituto de Paz dos EUA.

Ativistas do Partido Bharatiya Janata (BJP) marcham durante um protesto contra o governo de Bengala em Calcutá, Índia, em 19 de julho de 2023. Foto: PIYAL ADHIKARY / EFE

Orgulho e preocupação

Mas em alguns cantos da diáspora, tensões estão surgindo. Muitos profissionais indianos que comemoram quando Modi se gaba de que a Índia se tornou a quinta maior economia do mundo — e se entusiasmam com a nova infraestrutura e cidades mais modernas — também temem que as políticas de supremacia hindu de seu governo e a crescente intolerância ao escrutínio impeçam a Índia de realmente se posicionar como uma superpotência e uma alternativa democrática à China.

Vinod Khosla, um proeminente investidor do Vale do Silício, que sempre pressionou por relações mais estreitas entre Washington e Nova Délhi, disse em uma entrevista que o maior risco para a Índia seria uma interrupção do crescimento econômico devido à instabilidade e à desigualdade inflamadas pelo nacionalismo hindu. Outros temem que Modi — cercado por uma bolha de celebridade política e intolerância religiosa — esteja ignorando a fragilidade do bom momento em uma nação complexa, diversa e volátil de 1,4 bilhão de pessoas.

“A demografia só funciona para a Índia se houver progressismo e inclusão”, declarou Arun Subramony, um banqueiro de capitais privados em Washington com investimentos digitais, de saúde e outros na Índia. “O partido precisa fazer um esforço extra para deixar claro que a Índia é para todos.”

Sonhos tecnoutópicos

O vínculo entre a diáspora e o BJP começou com pragmatismo — e com o primeiro primeiro-ministro do partido, Atal Bihari Vajpayee, que promoveu a tecnologia da informação como a solução para os problemas de desenvolvimento da Índia no final dos anos 1990.

Kanwal Rekhi, o primeiro indiano-americano a abrir o capital de uma empresa na Nasdaq, ouviu os discursos de Vajpayee e pensou: esse cara entende do que está falando. Rekhi então pediu uma reunião com Vajpayee e chegou a Nova Délhi em abril de 2000, liderando um grupo chamado The IndUS Entrepreneurs, ou TiE.

Na residência do primeiro-ministro, havia paraquedistas no telhado e tanques nas proximidades, vestígios de um recente conflito com o Paquistão. Rekhi estava lá prometendo que o empreendedorismo poderia superar as divisões entre indianos e paquistaneses, muçulmanos e hindus. Vajpayee acolheu seu tecnoutopismo.

“Ele perguntou: ‘Qual é a sua opinião sobre a Índia e os indianos?’. Então ele disse: ‘Nosso futuro é muito brilhante e você precisa nos mostrar o caminho’”, relembrou Rekhi em uma entrevista.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fala durante um comício em Sydney, Austrália, em 23 de maio de 2023. Modi tentou fundir sua imagem com o poder econômico e político dos indianos no exterior. Foto: Matthew Abbott / NYT

Assim começou uma relação com a diáspora que reverteu décadas de rancor, quando aqueles que saíam do país com diplomas universitários eram vistos como traidores das necessidades da Índia. Depois que Vajpayee deixou claro que via os indianos no exterior como guias e consultores, foi isso que eles se tornaram.

Amigos do BJP no Exterior

No Vale do Silício e em outros lugares, o Amigos do BJP no Exterior, o braço internacional do partido, tornou-se uma presença estabelecida. Ajudando com questões de imigração e outros desafios, seus membros complementam e competem com o corpo de cerca de 950 funcionários do serviço estrangeiro da Índia — uma fração dos cerca de 16 mil que trabalham para os Estados Unidos.

No ano passado — embora a votação nas eleições da Índia deva ser feita pessoalmente — o BJP patrocinou eventos com funcionários do partido no Texas, Nova Jersey, Washington e Carolina do Norte, bem como vários eventos no Centro Comunitário da Índia, na Califórnia, de acordo com seus registros obrigatórios como agente estrangeiro.

Funcionários visitantes também reúnem grupos menores para jantares e discussões. Sachdev, o CEO da Uniphore, disse que tinha ido a vários desses encontros, acrescentando que as conversas se concentravam mais nos negócios do que na política.

Ele e outros participantes disseram que nunca foram convidados a contribuir com as campanhas do BJP. Mas cientistas políticos acreditam que o Bharatiya Janata e as organizações hindus recebem um fluxo significativo de dinheiro da diáspora. Em 2018, o governo de Modi apressou no Parlamento uma lei que permitia que indianos que vivem no exterior e empresas estrangeiras com subsidiárias na Índia fizessem doações políticas não reveladas. Os gastos com a campanha para as eleições gerais de 2019, quando Modi se reelegeu, chegaram a US$ 8 bilhões, tornando-a a eleição mais cara do mundo.

“Há uma falta de transparência, e é intencional”, comentou Gilles Verniers, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa de Políticas em Nova Délhi.

Pressionando por mudança

Membros de diferentes organizações não governamentais protestam contra a violência contínua no estado de Manipur, em Bangalore, Índia, em 21 de julho de 2023.  Foto: JAGADEESH NV / EFE

Muitos indianos no exterior se preocupam com o derramamento de sangue na Índia, onde minorias religiosas representam 20% da população e multidões hindus são regularmente acusadas de lincharem pessoas, principalmente muçulmanos, por causa de sua comida, estilo de vestir ou casamentos interreligiosos. Mas as famílias de emigrantes da Índia também se preocupam com a violência se infiltrando nos países para onde se mudaram.

Em 2021, homens armados com bastões e martelos atacaram quatro estudantes sikhs em um carro em Sydney, na Austrália. Depois que um dos homens cumpriu uma sentença de seis meses, ele voltou para a Índia, onde foi recebido como um herói. As tensões entre imigrantes indianos no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos também aumentaram nos últimos anos, juntamente com vandalismo e ameaças.

“Existem divisões na Índia e elas estão fadadas a se expressar porque a política não se limita às fronteiras nacionais”, disse C. Raja Mohan, membro sênior do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática em Nova Délhi.

Em Washington, onde 7 mil indianos americanos se juntaram a ele em uma comemoração exuberante no gramado da Casa Branca, Modi disse em uma entrevista coletiva que a discriminação contra minorias não existia em seu governo. Poucas horas depois, ativistas de direitos humanos se reuniram do lado de fora do portão, incluindo muçulmanos que haviam fugido para os Estados Unidos depois de sofrerem perseguição na Índia. As equipes de TV já tinham ido embora.

Nos bastidores, as autoridades americanas dizem que Modi tem sido mais pressionado. Ro Khanna, copresidente do grupo de trabalho do Congresso sobre a Índia e os indo-americanos, que representa o distrito que inclui o Centro Comunitário da Índia, disse que conversou com Modi sobre a importância do pluralismo.

“Quero que nos concentremos muito no fortalecimento do relacionamento entre os EUA e a Índia sob o princípio da fundação da Índia e da nossa fundação, e não na celebração de qualquer indivíduo em particular”, declarou Khanna.

THE NEW YORK TIMES — Na última noite de sua visita a Washington, no final de junho, após 15 ovações de pé no Congresso e um opulento jantar na Casa Branca sob medida para seus gostos vegetarianos, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, reservou um tempo para cortejar e ser aplaudido por outro importante eleitorado: a diáspora indiana.

Nos bastidores do Kennedy Center, enquanto homens de negócios em ternos sob medida e finos sáris de seda entravam em um teatro de 1.200 lugares, Modi se reunia com um punhado de empresários. A maioria era jovem, educada na Índia, enriquecida nos EUA e ansiosa para se conectar com o líder que se apresenta como um guru para o mundo, pregando que este é “o século da Índia”.

“Obrigado por elevar a imagem e o ânimo dos indo-americanos”, disse Umesh Sachdev, de 37 anos, explicando ao primeiro-ministro que ele é o fundador da Uniphore, uma empresa de inteligência artificial avaliada em US$ 2,5 bilhões, com escritórios na Índia e na Califórnia.

O primeiro-ministro indiano Narendra Modi gesticula enquanto faz seu discurso durante um evento da comunidade indiana na Qudos Bank Arena em Sydney, Austrália, terça-feira, 23 de maio de 2023.  Foto: Mark Baker / AP

Modi então deu um tapinha no ombro de Sachdev e exclamou “waah”, ou “uau” em hindi.

Com ênfase no orgulho nacional, o premier e seu partido conservador hindu Bharatiya Janata (BJP) cultivaram uma relação surpreendentemente forte com a diáspora bem-sucedida da Índia. O vínculo foi fortalecido por uma máquina política global, inflada sob Modi com escritórios partidários em dezenas de países e milhares de voluntários. E permitiu a ele fundir sua própria imagem — e sua rubrica de exaltar a Índia — com executivos famosos e poderosos, muitas vezes mais liberais, nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e muitos outros países.

Nenhum outro líder mundial parece atrair um fluxo tão constante de festas de boas-vindas da diáspora, mais recentemente em Paris, Nova York e Cairo, ou audiências gigantes, incluindo 20 mil fãs em um comício na Austrália em maio. Modi esteve na França na sexta-feira como convidado de honra no desfile anual do Dia da Bastilha, e com as eleições do ano que vem na Índia, o padrão de propaganda no exterior foi repetido.

“A liderança do BJP quer mostrar sua força no exterior, para criar força em casa”, explica Sameer Lalwani, especialista sênior em Sul da Ásia no Instituto de Paz dos EUA.

Ativistas do Partido Bharatiya Janata (BJP) marcham durante um protesto contra o governo de Bengala em Calcutá, Índia, em 19 de julho de 2023. Foto: PIYAL ADHIKARY / EFE

Orgulho e preocupação

Mas em alguns cantos da diáspora, tensões estão surgindo. Muitos profissionais indianos que comemoram quando Modi se gaba de que a Índia se tornou a quinta maior economia do mundo — e se entusiasmam com a nova infraestrutura e cidades mais modernas — também temem que as políticas de supremacia hindu de seu governo e a crescente intolerância ao escrutínio impeçam a Índia de realmente se posicionar como uma superpotência e uma alternativa democrática à China.

Vinod Khosla, um proeminente investidor do Vale do Silício, que sempre pressionou por relações mais estreitas entre Washington e Nova Délhi, disse em uma entrevista que o maior risco para a Índia seria uma interrupção do crescimento econômico devido à instabilidade e à desigualdade inflamadas pelo nacionalismo hindu. Outros temem que Modi — cercado por uma bolha de celebridade política e intolerância religiosa — esteja ignorando a fragilidade do bom momento em uma nação complexa, diversa e volátil de 1,4 bilhão de pessoas.

“A demografia só funciona para a Índia se houver progressismo e inclusão”, declarou Arun Subramony, um banqueiro de capitais privados em Washington com investimentos digitais, de saúde e outros na Índia. “O partido precisa fazer um esforço extra para deixar claro que a Índia é para todos.”

Sonhos tecnoutópicos

O vínculo entre a diáspora e o BJP começou com pragmatismo — e com o primeiro primeiro-ministro do partido, Atal Bihari Vajpayee, que promoveu a tecnologia da informação como a solução para os problemas de desenvolvimento da Índia no final dos anos 1990.

Kanwal Rekhi, o primeiro indiano-americano a abrir o capital de uma empresa na Nasdaq, ouviu os discursos de Vajpayee e pensou: esse cara entende do que está falando. Rekhi então pediu uma reunião com Vajpayee e chegou a Nova Délhi em abril de 2000, liderando um grupo chamado The IndUS Entrepreneurs, ou TiE.

Na residência do primeiro-ministro, havia paraquedistas no telhado e tanques nas proximidades, vestígios de um recente conflito com o Paquistão. Rekhi estava lá prometendo que o empreendedorismo poderia superar as divisões entre indianos e paquistaneses, muçulmanos e hindus. Vajpayee acolheu seu tecnoutopismo.

“Ele perguntou: ‘Qual é a sua opinião sobre a Índia e os indianos?’. Então ele disse: ‘Nosso futuro é muito brilhante e você precisa nos mostrar o caminho’”, relembrou Rekhi em uma entrevista.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fala durante um comício em Sydney, Austrália, em 23 de maio de 2023. Modi tentou fundir sua imagem com o poder econômico e político dos indianos no exterior. Foto: Matthew Abbott / NYT

Assim começou uma relação com a diáspora que reverteu décadas de rancor, quando aqueles que saíam do país com diplomas universitários eram vistos como traidores das necessidades da Índia. Depois que Vajpayee deixou claro que via os indianos no exterior como guias e consultores, foi isso que eles se tornaram.

Amigos do BJP no Exterior

No Vale do Silício e em outros lugares, o Amigos do BJP no Exterior, o braço internacional do partido, tornou-se uma presença estabelecida. Ajudando com questões de imigração e outros desafios, seus membros complementam e competem com o corpo de cerca de 950 funcionários do serviço estrangeiro da Índia — uma fração dos cerca de 16 mil que trabalham para os Estados Unidos.

No ano passado — embora a votação nas eleições da Índia deva ser feita pessoalmente — o BJP patrocinou eventos com funcionários do partido no Texas, Nova Jersey, Washington e Carolina do Norte, bem como vários eventos no Centro Comunitário da Índia, na Califórnia, de acordo com seus registros obrigatórios como agente estrangeiro.

Funcionários visitantes também reúnem grupos menores para jantares e discussões. Sachdev, o CEO da Uniphore, disse que tinha ido a vários desses encontros, acrescentando que as conversas se concentravam mais nos negócios do que na política.

Ele e outros participantes disseram que nunca foram convidados a contribuir com as campanhas do BJP. Mas cientistas políticos acreditam que o Bharatiya Janata e as organizações hindus recebem um fluxo significativo de dinheiro da diáspora. Em 2018, o governo de Modi apressou no Parlamento uma lei que permitia que indianos que vivem no exterior e empresas estrangeiras com subsidiárias na Índia fizessem doações políticas não reveladas. Os gastos com a campanha para as eleições gerais de 2019, quando Modi se reelegeu, chegaram a US$ 8 bilhões, tornando-a a eleição mais cara do mundo.

“Há uma falta de transparência, e é intencional”, comentou Gilles Verniers, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa de Políticas em Nova Délhi.

Pressionando por mudança

Membros de diferentes organizações não governamentais protestam contra a violência contínua no estado de Manipur, em Bangalore, Índia, em 21 de julho de 2023.  Foto: JAGADEESH NV / EFE

Muitos indianos no exterior se preocupam com o derramamento de sangue na Índia, onde minorias religiosas representam 20% da população e multidões hindus são regularmente acusadas de lincharem pessoas, principalmente muçulmanos, por causa de sua comida, estilo de vestir ou casamentos interreligiosos. Mas as famílias de emigrantes da Índia também se preocupam com a violência se infiltrando nos países para onde se mudaram.

Em 2021, homens armados com bastões e martelos atacaram quatro estudantes sikhs em um carro em Sydney, na Austrália. Depois que um dos homens cumpriu uma sentença de seis meses, ele voltou para a Índia, onde foi recebido como um herói. As tensões entre imigrantes indianos no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos também aumentaram nos últimos anos, juntamente com vandalismo e ameaças.

“Existem divisões na Índia e elas estão fadadas a se expressar porque a política não se limita às fronteiras nacionais”, disse C. Raja Mohan, membro sênior do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática em Nova Délhi.

Em Washington, onde 7 mil indianos americanos se juntaram a ele em uma comemoração exuberante no gramado da Casa Branca, Modi disse em uma entrevista coletiva que a discriminação contra minorias não existia em seu governo. Poucas horas depois, ativistas de direitos humanos se reuniram do lado de fora do portão, incluindo muçulmanos que haviam fugido para os Estados Unidos depois de sofrerem perseguição na Índia. As equipes de TV já tinham ido embora.

Nos bastidores, as autoridades americanas dizem que Modi tem sido mais pressionado. Ro Khanna, copresidente do grupo de trabalho do Congresso sobre a Índia e os indo-americanos, que representa o distrito que inclui o Centro Comunitário da Índia, disse que conversou com Modi sobre a importância do pluralismo.

“Quero que nos concentremos muito no fortalecimento do relacionamento entre os EUA e a Índia sob o princípio da fundação da Índia e da nossa fundação, e não na celebração de qualquer indivíduo em particular”, declarou Khanna.

THE NEW YORK TIMES — Na última noite de sua visita a Washington, no final de junho, após 15 ovações de pé no Congresso e um opulento jantar na Casa Branca sob medida para seus gostos vegetarianos, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, reservou um tempo para cortejar e ser aplaudido por outro importante eleitorado: a diáspora indiana.

Nos bastidores do Kennedy Center, enquanto homens de negócios em ternos sob medida e finos sáris de seda entravam em um teatro de 1.200 lugares, Modi se reunia com um punhado de empresários. A maioria era jovem, educada na Índia, enriquecida nos EUA e ansiosa para se conectar com o líder que se apresenta como um guru para o mundo, pregando que este é “o século da Índia”.

“Obrigado por elevar a imagem e o ânimo dos indo-americanos”, disse Umesh Sachdev, de 37 anos, explicando ao primeiro-ministro que ele é o fundador da Uniphore, uma empresa de inteligência artificial avaliada em US$ 2,5 bilhões, com escritórios na Índia e na Califórnia.

O primeiro-ministro indiano Narendra Modi gesticula enquanto faz seu discurso durante um evento da comunidade indiana na Qudos Bank Arena em Sydney, Austrália, terça-feira, 23 de maio de 2023.  Foto: Mark Baker / AP

Modi então deu um tapinha no ombro de Sachdev e exclamou “waah”, ou “uau” em hindi.

Com ênfase no orgulho nacional, o premier e seu partido conservador hindu Bharatiya Janata (BJP) cultivaram uma relação surpreendentemente forte com a diáspora bem-sucedida da Índia. O vínculo foi fortalecido por uma máquina política global, inflada sob Modi com escritórios partidários em dezenas de países e milhares de voluntários. E permitiu a ele fundir sua própria imagem — e sua rubrica de exaltar a Índia — com executivos famosos e poderosos, muitas vezes mais liberais, nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e muitos outros países.

Nenhum outro líder mundial parece atrair um fluxo tão constante de festas de boas-vindas da diáspora, mais recentemente em Paris, Nova York e Cairo, ou audiências gigantes, incluindo 20 mil fãs em um comício na Austrália em maio. Modi esteve na França na sexta-feira como convidado de honra no desfile anual do Dia da Bastilha, e com as eleições do ano que vem na Índia, o padrão de propaganda no exterior foi repetido.

“A liderança do BJP quer mostrar sua força no exterior, para criar força em casa”, explica Sameer Lalwani, especialista sênior em Sul da Ásia no Instituto de Paz dos EUA.

Ativistas do Partido Bharatiya Janata (BJP) marcham durante um protesto contra o governo de Bengala em Calcutá, Índia, em 19 de julho de 2023. Foto: PIYAL ADHIKARY / EFE

Orgulho e preocupação

Mas em alguns cantos da diáspora, tensões estão surgindo. Muitos profissionais indianos que comemoram quando Modi se gaba de que a Índia se tornou a quinta maior economia do mundo — e se entusiasmam com a nova infraestrutura e cidades mais modernas — também temem que as políticas de supremacia hindu de seu governo e a crescente intolerância ao escrutínio impeçam a Índia de realmente se posicionar como uma superpotência e uma alternativa democrática à China.

Vinod Khosla, um proeminente investidor do Vale do Silício, que sempre pressionou por relações mais estreitas entre Washington e Nova Délhi, disse em uma entrevista que o maior risco para a Índia seria uma interrupção do crescimento econômico devido à instabilidade e à desigualdade inflamadas pelo nacionalismo hindu. Outros temem que Modi — cercado por uma bolha de celebridade política e intolerância religiosa — esteja ignorando a fragilidade do bom momento em uma nação complexa, diversa e volátil de 1,4 bilhão de pessoas.

“A demografia só funciona para a Índia se houver progressismo e inclusão”, declarou Arun Subramony, um banqueiro de capitais privados em Washington com investimentos digitais, de saúde e outros na Índia. “O partido precisa fazer um esforço extra para deixar claro que a Índia é para todos.”

Sonhos tecnoutópicos

O vínculo entre a diáspora e o BJP começou com pragmatismo — e com o primeiro primeiro-ministro do partido, Atal Bihari Vajpayee, que promoveu a tecnologia da informação como a solução para os problemas de desenvolvimento da Índia no final dos anos 1990.

Kanwal Rekhi, o primeiro indiano-americano a abrir o capital de uma empresa na Nasdaq, ouviu os discursos de Vajpayee e pensou: esse cara entende do que está falando. Rekhi então pediu uma reunião com Vajpayee e chegou a Nova Délhi em abril de 2000, liderando um grupo chamado The IndUS Entrepreneurs, ou TiE.

Na residência do primeiro-ministro, havia paraquedistas no telhado e tanques nas proximidades, vestígios de um recente conflito com o Paquistão. Rekhi estava lá prometendo que o empreendedorismo poderia superar as divisões entre indianos e paquistaneses, muçulmanos e hindus. Vajpayee acolheu seu tecnoutopismo.

“Ele perguntou: ‘Qual é a sua opinião sobre a Índia e os indianos?’. Então ele disse: ‘Nosso futuro é muito brilhante e você precisa nos mostrar o caminho’”, relembrou Rekhi em uma entrevista.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fala durante um comício em Sydney, Austrália, em 23 de maio de 2023. Modi tentou fundir sua imagem com o poder econômico e político dos indianos no exterior. Foto: Matthew Abbott / NYT

Assim começou uma relação com a diáspora que reverteu décadas de rancor, quando aqueles que saíam do país com diplomas universitários eram vistos como traidores das necessidades da Índia. Depois que Vajpayee deixou claro que via os indianos no exterior como guias e consultores, foi isso que eles se tornaram.

Amigos do BJP no Exterior

No Vale do Silício e em outros lugares, o Amigos do BJP no Exterior, o braço internacional do partido, tornou-se uma presença estabelecida. Ajudando com questões de imigração e outros desafios, seus membros complementam e competem com o corpo de cerca de 950 funcionários do serviço estrangeiro da Índia — uma fração dos cerca de 16 mil que trabalham para os Estados Unidos.

No ano passado — embora a votação nas eleições da Índia deva ser feita pessoalmente — o BJP patrocinou eventos com funcionários do partido no Texas, Nova Jersey, Washington e Carolina do Norte, bem como vários eventos no Centro Comunitário da Índia, na Califórnia, de acordo com seus registros obrigatórios como agente estrangeiro.

Funcionários visitantes também reúnem grupos menores para jantares e discussões. Sachdev, o CEO da Uniphore, disse que tinha ido a vários desses encontros, acrescentando que as conversas se concentravam mais nos negócios do que na política.

Ele e outros participantes disseram que nunca foram convidados a contribuir com as campanhas do BJP. Mas cientistas políticos acreditam que o Bharatiya Janata e as organizações hindus recebem um fluxo significativo de dinheiro da diáspora. Em 2018, o governo de Modi apressou no Parlamento uma lei que permitia que indianos que vivem no exterior e empresas estrangeiras com subsidiárias na Índia fizessem doações políticas não reveladas. Os gastos com a campanha para as eleições gerais de 2019, quando Modi se reelegeu, chegaram a US$ 8 bilhões, tornando-a a eleição mais cara do mundo.

“Há uma falta de transparência, e é intencional”, comentou Gilles Verniers, pesquisador sênior do Centro de Pesquisa de Políticas em Nova Délhi.

Pressionando por mudança

Membros de diferentes organizações não governamentais protestam contra a violência contínua no estado de Manipur, em Bangalore, Índia, em 21 de julho de 2023.  Foto: JAGADEESH NV / EFE

Muitos indianos no exterior se preocupam com o derramamento de sangue na Índia, onde minorias religiosas representam 20% da população e multidões hindus são regularmente acusadas de lincharem pessoas, principalmente muçulmanos, por causa de sua comida, estilo de vestir ou casamentos interreligiosos. Mas as famílias de emigrantes da Índia também se preocupam com a violência se infiltrando nos países para onde se mudaram.

Em 2021, homens armados com bastões e martelos atacaram quatro estudantes sikhs em um carro em Sydney, na Austrália. Depois que um dos homens cumpriu uma sentença de seis meses, ele voltou para a Índia, onde foi recebido como um herói. As tensões entre imigrantes indianos no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos também aumentaram nos últimos anos, juntamente com vandalismo e ameaças.

“Existem divisões na Índia e elas estão fadadas a se expressar porque a política não se limita às fronteiras nacionais”, disse C. Raja Mohan, membro sênior do Instituto de Políticas da Sociedade Asiática em Nova Délhi.

Em Washington, onde 7 mil indianos americanos se juntaram a ele em uma comemoração exuberante no gramado da Casa Branca, Modi disse em uma entrevista coletiva que a discriminação contra minorias não existia em seu governo. Poucas horas depois, ativistas de direitos humanos se reuniram do lado de fora do portão, incluindo muçulmanos que haviam fugido para os Estados Unidos depois de sofrerem perseguição na Índia. As equipes de TV já tinham ido embora.

Nos bastidores, as autoridades americanas dizem que Modi tem sido mais pressionado. Ro Khanna, copresidente do grupo de trabalho do Congresso sobre a Índia e os indo-americanos, que representa o distrito que inclui o Centro Comunitário da Índia, disse que conversou com Modi sobre a importância do pluralismo.

“Quero que nos concentremos muito no fortalecimento do relacionamento entre os EUA e a Índia sob o princípio da fundação da Índia e da nossa fundação, e não na celebração de qualquer indivíduo em particular”, declarou Khanna.

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