THE WASHINGTON POST, de ROMAZZINO, Itália — Mesmo entre os bilionários que peregrinam para este enclave de férias, os oligarcas russos se sobressaem.
Eles compraram as mansões mais exclusivas da costa, construindo impérios de facto protegidos por escarpas recortadas e câmeras de segurança. Ficaram conhecidos entre os corretores imobiliários por sempre requerer guardas armados. Um magnata da mineração, Alisher Usmanov, anunciava sua presença todos os verões com a chegada a este trecho de litoral de um dos maiores iates do mundo, que ele deixava ancorado na baía turquesa — enquanto alternava entre a embarcação e suas mansões, trazendo convidados de helicóptero.
“Era como ter um Estado oligarca instalado bem aqui na Sardenha”, afirmou o jornalista Mauro Pili, que já foi governador da ilha. Esse Estado foi agora desmantelado.
Ao longo dos dois últimos meses, as sanções europeias que miraram elites abastadas com conexões no Kremlin deram um golpe arrasador e direto nesta suntuosa fatia da Sardenha, conhecida como Costa Esmeralda. Pelo menos oito propriedades luxuosas que se espalham ao longo de 16 quilômetros foram confiscadas pelo governo italiano, extirpando os oligarcas alvo das sanções — três bilionários russos — de suas enseadas desertas e praias em forma de lua crescente.
Mas a manobra para privar os russos de propriedades e privilégios na Europa traz consigo numerosos dilemas. Centenas de trabalhadores — que recebem gorjetas de dezenas ou até centenas de milhares de euros — ficaram sem emprego. Restou aos sardenhos a dúvida se erraram na escolha de atender aos ricaços de Moscou; algumas construtoras mantinham até websites em língua russa. E depois vem a maior dor de cabeça de todas: descobrir como administrar as propriedades confiscadas — mais de US$ 250 milhões em imóveis estão agora nas mãos do Estado italiano, e ninguém sabe quanto tempo eles podem ficar vazios.
“Serão como mansões mal-assombradas”, afirmou Tamara Grilloti, corretora de imóveis de luxo na Sardenha. Uma mansão ligada ao oligarca russo Alisher Usmanov desponta entre as árvores. A propriedade estava sendo reformada quando foi confiscada pelo governo italiano, e ladrilhos de terracota ficaram empilhados na laje.
Câmeras de segurança são onipresentes em uma rua que abriga várias mansões, os ricaços russos da área também eram conhecidos por solicitar a presença de guardas armados. Mal se consegue avistar as mansões por trás de seus portões. As propriedades têm como vista o mar emoldurado por formações rochosas sob o céu azul. A Costa Esmeralda é menos desenvolvida do que Mykonos ou Ibiza. E fervilha apenas poucas semanas por ano, entre julho e agosto, com a chegada dos ricaços em centenas de aviões particulares.
Visitantes da região incluíram George Clooney, Bill Gates, administradores de fundos de hedge e supermodelos. Em ao menos duas ocasiões, em 2003 e 2008, o presidente russo, Vladimir Putin, foi recebido como convidado no majestoso complexo do então primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Entre os russos, essas viagens ajudaram a impulsionar a popularidade da Sardenha, que fica a 160 quilômetros de Roma através do Mar Tirreno — e a mais de 3,2 mil quilômetros de Moscou.
Sanções aos russos
De acordo com o governo italiano, os russos sancionados que possuem propriedades por aqui incluem Alexei Mordaschov, magnata do ferro conhecido como o homem mais rico da Rússia, e Dmitri Mazepin, que até março era diretor-executivo e acionista majoritário da fabricante de fertilizantes Uralchem e que dividia a propriedade do imóvel na Sardenha com seu filho.
Entre os habitantes locais, contudo, o mais bem conhecido oligarca sancionado é Usmanov, que, ao contrário de outros bilionários, passava meses, não apenas semanas, na Sardenha todos os anos e se tornou conhecido da comunidade que passa o ano inteiro na ilha, que costuma se instalar mais para o interior.
Usmanov, de 68 anos, começou a frequentar a Sardenha logo após o colapso da União Soviética e adquiriu uma constelação de propriedades, desenvolvendo reputação de generosidade em relação à sua riqueza.
Ele comprou várias ambulâncias para a municipalidade. Patrocinou o time de futebol local. Financiou atividades culturais. E passou na Sardenha grande parte do lockdown italiano em razão do coronavírus — provendo um estímulo econômico quando o turismo diminuiu.
Em 2018, quando a municipalidade o nomeou cidadão-honorário, Usmanov discursou na prefeitura sobre a maneira como a geografia da Sardenha o recordava da região do Uzbequistão onde ele cresceu. “(Há) uma certa química entre minha alma e esta terra”, afirmou Usmanov.
Os sardenhos estão agora tentando se reconciliar com o que ouviram dos governos ocidentais a respeito do papel dele na guerra.
Os Estados Unidos afirmam que Usmanov é um dos oligarcas cuja fortuna — acumulada em mineração, empresas de tecnologia e telecomunicações — permite a Putin seguir com seu ataque contra a Ucrânia. A União Europeia afirma que Usmanov é qualificado como “um dos oligarcas favoritos” de Putin, que emprestou dinheiro ao líder russo e “resolveu seus problemas financeiros”.
Usmanov controla um jornal diário, o Kommersant, cuja editoria inteira de política se demitiu em 2019, quando ele limitou liberdades editoriais e instituiu uma linha pró-Kremlin.
Usmanov também usou as mansões na Sardenha para adular as elites russas. Um ex-funcionário, falando sob condição de anonimato porque assinou um contrato de sigilo, recordou um episódio em que, mais de uma década atrás, foi apresentado por Usmanov a um dos convidados a bordo do iate. “Este homem será presidente algum dia”, disse Usmanov, segundo se lembrou o ex-funcionário. Tratava-se de Dmitri Medvedev, que foi presidente e primeiro-ministro da Rússia de 2008 a 2020.
Entre as sanções que lhe foram impostas, Usmanov perdeu acesso a bens que, segundo governos europeus, eram controlados por ele. A França confiscou dois helicópteros, e autoridades alemãs de Hamburgo confiscaram um iate de US$ 600 milhões, equipado com dois helipontos e uma piscina de 24 metros.
Oligarcas ajudam a economia
Muitos sardenhos ainda esperam que Usmanov possa por fim retornar à ilha. Eles tendem a considerar a guerra culpa somente de Putin e não veem Usmanov, nem outros oligarcas sem funções militares ou de segurança como cúmplices da invasão. A municipalidade de Arzachena, por exemplo, não revogou as honras de cidadania de Usmanov.
“Muitos desses oligarcas ainda são percebidos por aqui como magnatas, como benfeitores”, disse o líder sindical Mirko Idili, que afirmou estar intermediar um acordo entre o governo italiano e Usmanov para dar proteção aos trabalhadores; muitos dos quais perderam o emprego, e outros tiveram os empregos suspensos sem remuneração.
Oligarcas russos
Mas Pili, o ex-governador, afirmou que a Sardenha tem agora uma chance de desmamar de sua dependência das fortunas dos russos. Ele comparou essa oportunidade à decisão dos países europeus a respeito de continuar ou não a comprar petróleo e gás da Rússia.
“Acabamos dependendo fundamentalmente de um só mundo”, afirmou ele. “E quando a torneira é fechada, há prejuízo.”
Quatro mansões ligadas a Usmanov estão encravadas em uma pequena península, onde as propriedades se derramam em direção à praia, aninhadas entre jardins de cactus e flores. Essas propriedades estão entre as mais exclusivas da Sardenha. E a incumbência de cuidar delas recai agora sobre o governo italiano, que por lei é obrigado a manter o valor de qualquer ativo que confisque.
Corretores imobiliários e proprietários afirmam que, até mesmo fora do contexto das sanções, propriedades como essas podem ser irritantes tanto quanto deslumbrantes. Elas custam vários milhares de dólares anualmente para funcionar — e isso é só o começo. É difícil obter mão de obra, já que os trabalhadores têm de se deslocar por até uma hora para chegar aos locais, especialmente para empregadores indispostos a remunerá-los tão bem quanto os russos. Ao longo da Costa Esmeralda, este mês, muitas mansões — a semanas do início do movimento de verão — pareciam-se mais a canteiros de obras.
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O ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta terça-feira que 265 soldados ucranianos, incluindo vários feridos, se renderam siderúrgica cercada de Azovstal
“Quando você chega no começo do verão, é sempre um desastre”, afirmou Flavio Briatore, empreendedor italiano que tem uma casa na ilha e é proprietário de um restaurante e discoteca chamado Billionaire. “Alguma bomba com defeito, coisas do tipo. E então, quando tudo finalmente fica pronto, é hora de voltar (para casa)”, afirmou ele.
“Cedo ou tarde vou querer vender minha casa”, afirmou ele.
Como exemplo do que é preciso para administrar uma propriedade de altíssimo luxo, numa típica manhã deste mês, 20 trabalhadores espalhavam-se pelo terreno de uma mansão que pertence a Ezio Simonelli, um contador fiscal italiano. Um homem retocava o fundo de uma piscina — uma das três da propriedade que já foi alugada para George Clooney e para o então presidente do Cazaquistão. Seis trabalhadores estavam substituindo madeira podre de uma banheira. Outros atendiam variadas necessidades da propriedade, que incluem cuidar da horta, da quadra de tênis, do um campo de golfe de dois buracos, da adega e da cozinha industrial capaz de alimentar festas com até 350 convidados.
A Itália não tem de manter as mansões confiscadas prontas para receber visitantes, mas o país é por lei obrigado a evitar que as propriedades se deteriorem. Pessoas familiarizadas com esse trabalho, que pediram anonimato para falar de um tema sensível, afirmam que a tarefa do governo é monumental.
A Itália tem nas mãos não apenas as mansões da Costa Esmeralda, mas também uma outra propriedade na Sardenha, a 40 minutos de carro, ligada a Petr Aven, que até recentemente dirigia o maior banco comercial da Rússia. E também uma mansão na Toscana e várias outras propriedades nas proximidades do Lago de Como. Além de dois dos mais caros iates do mundo, cuja manutenção chega a custar milhões anualmente.
E provavelmente esta lista de bens na Itália controlados por russos sancionados não está completa. Vários corretores de imóveis ligam outra propriedade na Costa Esmeralda ao industrial sancionado Oleg Deripaska. Nenhum bem pertencente a Deripaska está na lista de ativos confiscados pela Itália, e o ministério das Finanças se recusou a comentar casos específicos.
Em tese, a Itália pode usar fundos mantidos nas contas bancárias congeladas de oligarcas para ajudar a pagar pela manutenção das mansões e dos iates confiscados. Mas uma fonte familiarizada com os casos russos afirmou que esses custos excederão muito as quantias mantidas nessas contas.
Clara Portela, especialista em sanções internacionais da Universidade de Valência, afirmou que os países da UE têm pouca experiência em lidar com bens de altíssimo valor; a maioria das pessoas sancionadas anteriormente pela UE — como os membros da junta militar de Mianmar — não mantinham ativos significativos na Europa. “Eram indivíduos que não tinham um estilo de vida tão glamuroso”, afirmou Portela.
Na rua das mansões ligadas a Usmanov, não há sinal de que a Itália sequer tenha iniciado seu trabalho, e a agência responsável pelos bens confiscados ainda está finalizando o planejamento de sua manutenção.
“O Estado italiano tem de tomar uma decisão”, afirmou Grilloti, corretora que anteriormente alugava propriedades para russos. “Se dependesse de mim, eu colocaria as mansões para alugar e daria o dinheiro para a Ucrânia.”
A Itália afirma que tem a opção de vender os ativos se ficar muito caro mantê-los. Mas essa manobra poderia atrair contestações judiciais.
Usmanov já prometeu utilizar “todos os meios jurídicos” para proteger sua reputação. E houve contestações bem-sucedidas a sanções europeias ao longo da década recente, incluindo com base em violações ao devido processo.
Em um comunicado, o porta-voz de Usmanov informou que ele não comentará possíveis providências jurídicas. Mas afirmou que Usmanov considera as sanções “injustas e com base em alegações falsas e difamatórias”. O comunicado afirmou que a maioria das propriedades na Europa conectadas a ele foram na verdade “transferidas para fundos familiares irrevogáveis” há muito tempo.
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A declaração ocorre no dia em que o Parlamento sueco começou a debater a candidatura à Aliança Militar Atlântica.
A Sardenha representa a vida antes da guerra
Ainda que os russos colecionem várias das mais sofisticadas propriedades da Costa Esmeralda — “como diamantes”, afirmou o diretor da associação de proprietários de imóveis — eles conformam apenas uma minoria no jet-set da Sardenha. Durante o verão, as mansões também hospedam alemães, suíços, italianos e ricaços de muitos outros lugares, como o Golfo Pérsico. Há até ucranianos — apesar deles também estarem sendo extirpados, mas pela guerra, não pelas sanções.
“Os russos não acabaram apenas com meus planos de férias”, afirmou Aleksandr Nastenko, de 50 anos, proprietário de uma mineradora. “Eles destruíram a minha vida.”
Na maioria dos verões, Nastenko alugava uma casa na Sardenha — bem menor que as mansões dos russos. Mas no início deste mês, em vez de cuidar disso ele perambulava por Kharkiv, com o celular na mão, em meio à cidade destruída no leste ucraniano. Nastenko não se barbeava há dias. Sua mulher fugiu com os quatro filhos do casal para a Alemanha, no início da guerra. Um ataque de míssil danificou sua casa e deixou seu cachorro ferido. Algumas noites, ele dormia na casa de amigos. Nastenko parou de cuidar da sua empresa e em vez disso se voluntariou para ajudar no esforço de guerra, enfurecido com o que a Rússia estava fazendo com sua cidade e seu país.
“O que aconteceu com esses oligarcas — muito bem, achei que foi merecido”, afirmou Nastenko. “Eles roubaram o país deles, e (suas fortunas) são o pagamento por seu silêncio. Eles ficaram em silêncio enquanto tudo isso acontecia. Eles permitiram que isso acontecesse.”
A Sardenha, afirmou Nastenko, é um lugar que simboliza a maneira como ele vivia a vida. Era um lugar para onde ele ia com a família quando todos ainda estavam juntos — a uma casa alugada à beira mar, com uma varanda coberta e uma churrasqueira na qual ele podia grelhar ostras. A família colhia figos do pomar e percorria de barco as águas sob os penhascos esbranquiçados. “Era nossa vida passada”, afirmou ele.
Enquanto conversava com a reportagem, Nastenko fazia pausas para escutar o ruído das bombas que explodiam a quilômetros dali. “Ouça”, dizia ele, repetidamente.
Nastenko afirmou que, durante a guerra, muitas de suas prioridades mudaram, e bens materiais lhe parecem ter menos importância que antes. Mas voltar para a Sardenha, afirmou Nastenko, é algo que ele ainda anseia. Ele afirmou que, depois da guerra, vai comprar uma casa por lá.
Mas não uma mansão de algum oligarca. “De jeito nenhum”, disse Nastenko, “Eles são tóxicos.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL