Como os progressistas mataram um Estado palestino; leia a análise


Quando propaga a política de soma-zero da resistência palestina, a esquerda apenas encoraja a política de soma-zero dos colonos israelenses linha-dura e seus apoiadores

Por Bret Stephens*

THE NEW YORK TIMES - Será que as pessoas que entoam “Palestina livre” e “Do rio até mar, a Palestina será livre” têm alguma ideia do dano irreparável que estão causando a qualquer esperança de soberania palestina?

Por décadas, a questão em torno de um Estado palestino se resume a duas datas: 1948 e 1967. A maioria dos apoiadores ocidentais de um estatuto de Estado para os palestinos argumenta que a efeméride crítica é a Guerra dos Seis Dias, de junho de 1967, quando Israel, diante de ameaças abertas de aniquilação, tomou posse das Colinas do Golan, da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e da Península do Sinai.

De acordo com essa linha de pensamento, o caminho para a paz dependia do reconhecimento diplomático árabe de Israel em troca do retorno desses ditos territórios ocupados. Foi isso o que aconteceu entre Egito e Israel em Camp David em 1978 e o que teria acontecido em Camp David em 2000 se Yasser Arafat tivesse aceitado a oferta de estatuto pleno de Estado que lhe foi feita pelo então primeiro-ministro israelense, Ehud Barak.

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Manifestantes pró-Palestina se reúnem em Nova York em 29 de novembro Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

Mas sempre houve uma segunda narrativa, que situa “a ocupação” não em 1967, mas em 1948, quando Israel tornou-se um Estado soberano. Segundo esse argumento, os territórios ocupados por Israel não são apenas Jerusalém Oriental, Cisjordânia e as Colinas do Golan: são também Haifa, Tel-Aviv, Eilat e Jerusalém Ocidental. Para a Palestina ser “libertada”, todo o Estado de Israel tem de acabar.

Iniciada nos anos 70, a facção que defende o marco de 1948 é conhecida como frente da rejeição. Mais recentemente, seus integrantes se transformaram no eixo de resistência. Os sócios do clube incluem o Hamas, o Hezbollah, os houthis, a Jihad Islâmica Palestina, o regime Assad na Síria e a Guarda Revolucionária do Irã — uma miscelânea entre grupos terroristas e os Estados que os financiam.

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Em 7 de outubro, o eixo de resistência tornou-se a face do movimento palestino. Em 8 de outubro, manifestantes por todo o mundo escolheram apoiar esse eixo. Às vezes o fizeram inadvertidamente, acreditando que não haveria contradição em ser pró-palestinos e apoiar o direito de Israel a existir ou sem entender as implicações dos slogans que entoam.

Mas com a mesma frequência houve os que se manifestaram conscientemente. Quando o prefeito do distrito de Prospect Park, Nova Jersey, Mohamed Khairullah, afirmou que “75 anos de ocupação é tempo demais”, durante um comício em outubro, ele estava propagando a narrativa sobre o marco de 1948.

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Quando a congressista Rashida Tlaib, representante de Michigan, postou que “75 depois, a Nakba continua até hoje” e recusou-se a aceitar Israel como um Estado judaico, ela a estava propagando. Quando a professora de Berkeley Judith Butler afirmou numa entrevista que “as raízes do problema estão na formação de um Estado que dependeu de expulsões e roubo de territórios para estabelecer sua própria ‘legitimidade’” e apoiou um Estado binacional, ela a estava propagando.

Quando o comitê em Los Angeles do movimento Black Lives Matter respondeu aos massacres com um post no Facebook afirmando, “Quando um povo é submetido a décadas de apartheid e violência inimaginável, sua resistência não deve ser condenada, mas entendida como um ato desesperado de autodefesa”, ele a estava propagando. Quando o serviço em língua árabe da BBC descreveu israelenses comuns repetidamente como “colonos”, ele a estava propagando.

Essas expressões de apoio têm consequências. A primeira é colocar uma crescente fatia da esquerda progressista objetivamente do lado de alguns dos piores indivíduos no planeta — e em contradição radical com os valores que eles professam.

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Manifestação de apoio à Palestina em Nova York traz uma bandeira de Israel marcada com mãos de sangue Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

“Uma esquerda que, corretamente, exige condenação absoluta a supremacistas brancos-nacionalistas recusa-se a desassociar-se da supremacia islamista”, escreveu a professora de jornalismo Susie Linfield, da NYU, em um importante ensaio publicado recentemente na revista online Quillette. “Uma esquerda que enaltece a interseccionalidade não notou que o eixo de apoio ao Hamas consiste do Irã, um Estado-nação famoso mais recente por matar centenas de manifestantes que pediam liberdades para as mulheres.”

A segunda consequência é esse endosso reforçar as convicções centrais e os medos mais profundos da direita israelense: que os palestinos nunca aceitaram a existência de Israel em nenhum território, que toda concessão territorial ou diplomática de Israel é vista pelos palestinos como evidência de fraqueza, que um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia só serviria como plataforma de lançamento de ataques intensificados contra Israel, que todas as críticas às políticas israelenses nos territórios ocupados denotam um ódio arraigado profundamente contra o Estado judaico.

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Quando propaga a política de soma-zero da resistência palestina, a esquerda apenas encoraja a política de soma-zero dos colonos israelenses linha-dura e seus apoiadores.

Uma terceira consequência é esse endosso relegar o povo palestino aos seus piores líderes. Já é ruim o suficiente que o Ocidente aceite há tanto tempo — e financie — a repressiva cleptocracia de Mahmoud Abbas sediada em Ramallah. Mas o que o Hamas deu ao povo que governa é infinitamente pior: despotismo teocrático embebido no sangue dos “mártires” palestinos, a maioria dos quais nunca se alistou nem às suas famílias para servir de escudo humano em uma batalha infinita — e, no longo prazo, impossível de vencer — contra Israel.

Não é problema que os críticos mais duros de Israel façam perguntas difíceis aos líderes de Israel. Mas quando param de fazer perguntas igualmente difíceis a respeito de líderes palestinos, esses mesmos críticos não advogam por uma causa — eles meramente se submetem a um regime.

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O mundo, incluindo Israel, tem um interesse comum em um eventual Estado palestino que se importe mais em construir a si mesmo do que em aniquilar seus vizinhos; que invista sua energia em prosperidades futuras, não glórias passadas; que aceite concessões mútuas e rejeite fanatismos. Desde 7 de outubro, os mais ruidosos defensores da causa palestina têm advogado precisamente pelo oposto. O que pode ser a receita não apenas de uma autossatisfação presunçosa, mas da morte de um Estado palestino. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Colunista de opinião do The New York Times, escreve sobre política externa, política interna americana e questões culturais

THE NEW YORK TIMES - Será que as pessoas que entoam “Palestina livre” e “Do rio até mar, a Palestina será livre” têm alguma ideia do dano irreparável que estão causando a qualquer esperança de soberania palestina?

Por décadas, a questão em torno de um Estado palestino se resume a duas datas: 1948 e 1967. A maioria dos apoiadores ocidentais de um estatuto de Estado para os palestinos argumenta que a efeméride crítica é a Guerra dos Seis Dias, de junho de 1967, quando Israel, diante de ameaças abertas de aniquilação, tomou posse das Colinas do Golan, da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e da Península do Sinai.

De acordo com essa linha de pensamento, o caminho para a paz dependia do reconhecimento diplomático árabe de Israel em troca do retorno desses ditos territórios ocupados. Foi isso o que aconteceu entre Egito e Israel em Camp David em 1978 e o que teria acontecido em Camp David em 2000 se Yasser Arafat tivesse aceitado a oferta de estatuto pleno de Estado que lhe foi feita pelo então primeiro-ministro israelense, Ehud Barak.

Manifestantes pró-Palestina se reúnem em Nova York em 29 de novembro Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

Mas sempre houve uma segunda narrativa, que situa “a ocupação” não em 1967, mas em 1948, quando Israel tornou-se um Estado soberano. Segundo esse argumento, os territórios ocupados por Israel não são apenas Jerusalém Oriental, Cisjordânia e as Colinas do Golan: são também Haifa, Tel-Aviv, Eilat e Jerusalém Ocidental. Para a Palestina ser “libertada”, todo o Estado de Israel tem de acabar.

Iniciada nos anos 70, a facção que defende o marco de 1948 é conhecida como frente da rejeição. Mais recentemente, seus integrantes se transformaram no eixo de resistência. Os sócios do clube incluem o Hamas, o Hezbollah, os houthis, a Jihad Islâmica Palestina, o regime Assad na Síria e a Guarda Revolucionária do Irã — uma miscelânea entre grupos terroristas e os Estados que os financiam.

Em 7 de outubro, o eixo de resistência tornou-se a face do movimento palestino. Em 8 de outubro, manifestantes por todo o mundo escolheram apoiar esse eixo. Às vezes o fizeram inadvertidamente, acreditando que não haveria contradição em ser pró-palestinos e apoiar o direito de Israel a existir ou sem entender as implicações dos slogans que entoam.

Mas com a mesma frequência houve os que se manifestaram conscientemente. Quando o prefeito do distrito de Prospect Park, Nova Jersey, Mohamed Khairullah, afirmou que “75 anos de ocupação é tempo demais”, durante um comício em outubro, ele estava propagando a narrativa sobre o marco de 1948.

Quando a congressista Rashida Tlaib, representante de Michigan, postou que “75 depois, a Nakba continua até hoje” e recusou-se a aceitar Israel como um Estado judaico, ela a estava propagando. Quando a professora de Berkeley Judith Butler afirmou numa entrevista que “as raízes do problema estão na formação de um Estado que dependeu de expulsões e roubo de territórios para estabelecer sua própria ‘legitimidade’” e apoiou um Estado binacional, ela a estava propagando.

Quando o comitê em Los Angeles do movimento Black Lives Matter respondeu aos massacres com um post no Facebook afirmando, “Quando um povo é submetido a décadas de apartheid e violência inimaginável, sua resistência não deve ser condenada, mas entendida como um ato desesperado de autodefesa”, ele a estava propagando. Quando o serviço em língua árabe da BBC descreveu israelenses comuns repetidamente como “colonos”, ele a estava propagando.

Essas expressões de apoio têm consequências. A primeira é colocar uma crescente fatia da esquerda progressista objetivamente do lado de alguns dos piores indivíduos no planeta — e em contradição radical com os valores que eles professam.

Manifestação de apoio à Palestina em Nova York traz uma bandeira de Israel marcada com mãos de sangue Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

“Uma esquerda que, corretamente, exige condenação absoluta a supremacistas brancos-nacionalistas recusa-se a desassociar-se da supremacia islamista”, escreveu a professora de jornalismo Susie Linfield, da NYU, em um importante ensaio publicado recentemente na revista online Quillette. “Uma esquerda que enaltece a interseccionalidade não notou que o eixo de apoio ao Hamas consiste do Irã, um Estado-nação famoso mais recente por matar centenas de manifestantes que pediam liberdades para as mulheres.”

A segunda consequência é esse endosso reforçar as convicções centrais e os medos mais profundos da direita israelense: que os palestinos nunca aceitaram a existência de Israel em nenhum território, que toda concessão territorial ou diplomática de Israel é vista pelos palestinos como evidência de fraqueza, que um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia só serviria como plataforma de lançamento de ataques intensificados contra Israel, que todas as críticas às políticas israelenses nos territórios ocupados denotam um ódio arraigado profundamente contra o Estado judaico.

Quando propaga a política de soma-zero da resistência palestina, a esquerda apenas encoraja a política de soma-zero dos colonos israelenses linha-dura e seus apoiadores.

Uma terceira consequência é esse endosso relegar o povo palestino aos seus piores líderes. Já é ruim o suficiente que o Ocidente aceite há tanto tempo — e financie — a repressiva cleptocracia de Mahmoud Abbas sediada em Ramallah. Mas o que o Hamas deu ao povo que governa é infinitamente pior: despotismo teocrático embebido no sangue dos “mártires” palestinos, a maioria dos quais nunca se alistou nem às suas famílias para servir de escudo humano em uma batalha infinita — e, no longo prazo, impossível de vencer — contra Israel.

Não é problema que os críticos mais duros de Israel façam perguntas difíceis aos líderes de Israel. Mas quando param de fazer perguntas igualmente difíceis a respeito de líderes palestinos, esses mesmos críticos não advogam por uma causa — eles meramente se submetem a um regime.

O mundo, incluindo Israel, tem um interesse comum em um eventual Estado palestino que se importe mais em construir a si mesmo do que em aniquilar seus vizinhos; que invista sua energia em prosperidades futuras, não glórias passadas; que aceite concessões mútuas e rejeite fanatismos. Desde 7 de outubro, os mais ruidosos defensores da causa palestina têm advogado precisamente pelo oposto. O que pode ser a receita não apenas de uma autossatisfação presunçosa, mas da morte de um Estado palestino. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Colunista de opinião do The New York Times, escreve sobre política externa, política interna americana e questões culturais

THE NEW YORK TIMES - Será que as pessoas que entoam “Palestina livre” e “Do rio até mar, a Palestina será livre” têm alguma ideia do dano irreparável que estão causando a qualquer esperança de soberania palestina?

Por décadas, a questão em torno de um Estado palestino se resume a duas datas: 1948 e 1967. A maioria dos apoiadores ocidentais de um estatuto de Estado para os palestinos argumenta que a efeméride crítica é a Guerra dos Seis Dias, de junho de 1967, quando Israel, diante de ameaças abertas de aniquilação, tomou posse das Colinas do Golan, da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e da Península do Sinai.

De acordo com essa linha de pensamento, o caminho para a paz dependia do reconhecimento diplomático árabe de Israel em troca do retorno desses ditos territórios ocupados. Foi isso o que aconteceu entre Egito e Israel em Camp David em 1978 e o que teria acontecido em Camp David em 2000 se Yasser Arafat tivesse aceitado a oferta de estatuto pleno de Estado que lhe foi feita pelo então primeiro-ministro israelense, Ehud Barak.

Manifestantes pró-Palestina se reúnem em Nova York em 29 de novembro Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

Mas sempre houve uma segunda narrativa, que situa “a ocupação” não em 1967, mas em 1948, quando Israel tornou-se um Estado soberano. Segundo esse argumento, os territórios ocupados por Israel não são apenas Jerusalém Oriental, Cisjordânia e as Colinas do Golan: são também Haifa, Tel-Aviv, Eilat e Jerusalém Ocidental. Para a Palestina ser “libertada”, todo o Estado de Israel tem de acabar.

Iniciada nos anos 70, a facção que defende o marco de 1948 é conhecida como frente da rejeição. Mais recentemente, seus integrantes se transformaram no eixo de resistência. Os sócios do clube incluem o Hamas, o Hezbollah, os houthis, a Jihad Islâmica Palestina, o regime Assad na Síria e a Guarda Revolucionária do Irã — uma miscelânea entre grupos terroristas e os Estados que os financiam.

Em 7 de outubro, o eixo de resistência tornou-se a face do movimento palestino. Em 8 de outubro, manifestantes por todo o mundo escolheram apoiar esse eixo. Às vezes o fizeram inadvertidamente, acreditando que não haveria contradição em ser pró-palestinos e apoiar o direito de Israel a existir ou sem entender as implicações dos slogans que entoam.

Mas com a mesma frequência houve os que se manifestaram conscientemente. Quando o prefeito do distrito de Prospect Park, Nova Jersey, Mohamed Khairullah, afirmou que “75 anos de ocupação é tempo demais”, durante um comício em outubro, ele estava propagando a narrativa sobre o marco de 1948.

Quando a congressista Rashida Tlaib, representante de Michigan, postou que “75 depois, a Nakba continua até hoje” e recusou-se a aceitar Israel como um Estado judaico, ela a estava propagando. Quando a professora de Berkeley Judith Butler afirmou numa entrevista que “as raízes do problema estão na formação de um Estado que dependeu de expulsões e roubo de territórios para estabelecer sua própria ‘legitimidade’” e apoiou um Estado binacional, ela a estava propagando.

Quando o comitê em Los Angeles do movimento Black Lives Matter respondeu aos massacres com um post no Facebook afirmando, “Quando um povo é submetido a décadas de apartheid e violência inimaginável, sua resistência não deve ser condenada, mas entendida como um ato desesperado de autodefesa”, ele a estava propagando. Quando o serviço em língua árabe da BBC descreveu israelenses comuns repetidamente como “colonos”, ele a estava propagando.

Essas expressões de apoio têm consequências. A primeira é colocar uma crescente fatia da esquerda progressista objetivamente do lado de alguns dos piores indivíduos no planeta — e em contradição radical com os valores que eles professam.

Manifestação de apoio à Palestina em Nova York traz uma bandeira de Israel marcada com mãos de sangue Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

“Uma esquerda que, corretamente, exige condenação absoluta a supremacistas brancos-nacionalistas recusa-se a desassociar-se da supremacia islamista”, escreveu a professora de jornalismo Susie Linfield, da NYU, em um importante ensaio publicado recentemente na revista online Quillette. “Uma esquerda que enaltece a interseccionalidade não notou que o eixo de apoio ao Hamas consiste do Irã, um Estado-nação famoso mais recente por matar centenas de manifestantes que pediam liberdades para as mulheres.”

A segunda consequência é esse endosso reforçar as convicções centrais e os medos mais profundos da direita israelense: que os palestinos nunca aceitaram a existência de Israel em nenhum território, que toda concessão territorial ou diplomática de Israel é vista pelos palestinos como evidência de fraqueza, que um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia só serviria como plataforma de lançamento de ataques intensificados contra Israel, que todas as críticas às políticas israelenses nos territórios ocupados denotam um ódio arraigado profundamente contra o Estado judaico.

Quando propaga a política de soma-zero da resistência palestina, a esquerda apenas encoraja a política de soma-zero dos colonos israelenses linha-dura e seus apoiadores.

Uma terceira consequência é esse endosso relegar o povo palestino aos seus piores líderes. Já é ruim o suficiente que o Ocidente aceite há tanto tempo — e financie — a repressiva cleptocracia de Mahmoud Abbas sediada em Ramallah. Mas o que o Hamas deu ao povo que governa é infinitamente pior: despotismo teocrático embebido no sangue dos “mártires” palestinos, a maioria dos quais nunca se alistou nem às suas famílias para servir de escudo humano em uma batalha infinita — e, no longo prazo, impossível de vencer — contra Israel.

Não é problema que os críticos mais duros de Israel façam perguntas difíceis aos líderes de Israel. Mas quando param de fazer perguntas igualmente difíceis a respeito de líderes palestinos, esses mesmos críticos não advogam por uma causa — eles meramente se submetem a um regime.

O mundo, incluindo Israel, tem um interesse comum em um eventual Estado palestino que se importe mais em construir a si mesmo do que em aniquilar seus vizinhos; que invista sua energia em prosperidades futuras, não glórias passadas; que aceite concessões mútuas e rejeite fanatismos. Desde 7 de outubro, os mais ruidosos defensores da causa palestina têm advogado precisamente pelo oposto. O que pode ser a receita não apenas de uma autossatisfação presunçosa, mas da morte de um Estado palestino. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Colunista de opinião do The New York Times, escreve sobre política externa, política interna americana e questões culturais

THE NEW YORK TIMES - Será que as pessoas que entoam “Palestina livre” e “Do rio até mar, a Palestina será livre” têm alguma ideia do dano irreparável que estão causando a qualquer esperança de soberania palestina?

Por décadas, a questão em torno de um Estado palestino se resume a duas datas: 1948 e 1967. A maioria dos apoiadores ocidentais de um estatuto de Estado para os palestinos argumenta que a efeméride crítica é a Guerra dos Seis Dias, de junho de 1967, quando Israel, diante de ameaças abertas de aniquilação, tomou posse das Colinas do Golan, da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e da Península do Sinai.

De acordo com essa linha de pensamento, o caminho para a paz dependia do reconhecimento diplomático árabe de Israel em troca do retorno desses ditos territórios ocupados. Foi isso o que aconteceu entre Egito e Israel em Camp David em 1978 e o que teria acontecido em Camp David em 2000 se Yasser Arafat tivesse aceitado a oferta de estatuto pleno de Estado que lhe foi feita pelo então primeiro-ministro israelense, Ehud Barak.

Manifestantes pró-Palestina se reúnem em Nova York em 29 de novembro Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

Mas sempre houve uma segunda narrativa, que situa “a ocupação” não em 1967, mas em 1948, quando Israel tornou-se um Estado soberano. Segundo esse argumento, os territórios ocupados por Israel não são apenas Jerusalém Oriental, Cisjordânia e as Colinas do Golan: são também Haifa, Tel-Aviv, Eilat e Jerusalém Ocidental. Para a Palestina ser “libertada”, todo o Estado de Israel tem de acabar.

Iniciada nos anos 70, a facção que defende o marco de 1948 é conhecida como frente da rejeição. Mais recentemente, seus integrantes se transformaram no eixo de resistência. Os sócios do clube incluem o Hamas, o Hezbollah, os houthis, a Jihad Islâmica Palestina, o regime Assad na Síria e a Guarda Revolucionária do Irã — uma miscelânea entre grupos terroristas e os Estados que os financiam.

Em 7 de outubro, o eixo de resistência tornou-se a face do movimento palestino. Em 8 de outubro, manifestantes por todo o mundo escolheram apoiar esse eixo. Às vezes o fizeram inadvertidamente, acreditando que não haveria contradição em ser pró-palestinos e apoiar o direito de Israel a existir ou sem entender as implicações dos slogans que entoam.

Mas com a mesma frequência houve os que se manifestaram conscientemente. Quando o prefeito do distrito de Prospect Park, Nova Jersey, Mohamed Khairullah, afirmou que “75 anos de ocupação é tempo demais”, durante um comício em outubro, ele estava propagando a narrativa sobre o marco de 1948.

Quando a congressista Rashida Tlaib, representante de Michigan, postou que “75 depois, a Nakba continua até hoje” e recusou-se a aceitar Israel como um Estado judaico, ela a estava propagando. Quando a professora de Berkeley Judith Butler afirmou numa entrevista que “as raízes do problema estão na formação de um Estado que dependeu de expulsões e roubo de territórios para estabelecer sua própria ‘legitimidade’” e apoiou um Estado binacional, ela a estava propagando.

Quando o comitê em Los Angeles do movimento Black Lives Matter respondeu aos massacres com um post no Facebook afirmando, “Quando um povo é submetido a décadas de apartheid e violência inimaginável, sua resistência não deve ser condenada, mas entendida como um ato desesperado de autodefesa”, ele a estava propagando. Quando o serviço em língua árabe da BBC descreveu israelenses comuns repetidamente como “colonos”, ele a estava propagando.

Essas expressões de apoio têm consequências. A primeira é colocar uma crescente fatia da esquerda progressista objetivamente do lado de alguns dos piores indivíduos no planeta — e em contradição radical com os valores que eles professam.

Manifestação de apoio à Palestina em Nova York traz uma bandeira de Israel marcada com mãos de sangue Foto: David Dee Delgado/Getty Images/AFP

“Uma esquerda que, corretamente, exige condenação absoluta a supremacistas brancos-nacionalistas recusa-se a desassociar-se da supremacia islamista”, escreveu a professora de jornalismo Susie Linfield, da NYU, em um importante ensaio publicado recentemente na revista online Quillette. “Uma esquerda que enaltece a interseccionalidade não notou que o eixo de apoio ao Hamas consiste do Irã, um Estado-nação famoso mais recente por matar centenas de manifestantes que pediam liberdades para as mulheres.”

A segunda consequência é esse endosso reforçar as convicções centrais e os medos mais profundos da direita israelense: que os palestinos nunca aceitaram a existência de Israel em nenhum território, que toda concessão territorial ou diplomática de Israel é vista pelos palestinos como evidência de fraqueza, que um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia só serviria como plataforma de lançamento de ataques intensificados contra Israel, que todas as críticas às políticas israelenses nos territórios ocupados denotam um ódio arraigado profundamente contra o Estado judaico.

Quando propaga a política de soma-zero da resistência palestina, a esquerda apenas encoraja a política de soma-zero dos colonos israelenses linha-dura e seus apoiadores.

Uma terceira consequência é esse endosso relegar o povo palestino aos seus piores líderes. Já é ruim o suficiente que o Ocidente aceite há tanto tempo — e financie — a repressiva cleptocracia de Mahmoud Abbas sediada em Ramallah. Mas o que o Hamas deu ao povo que governa é infinitamente pior: despotismo teocrático embebido no sangue dos “mártires” palestinos, a maioria dos quais nunca se alistou nem às suas famílias para servir de escudo humano em uma batalha infinita — e, no longo prazo, impossível de vencer — contra Israel.

Não é problema que os críticos mais duros de Israel façam perguntas difíceis aos líderes de Israel. Mas quando param de fazer perguntas igualmente difíceis a respeito de líderes palestinos, esses mesmos críticos não advogam por uma causa — eles meramente se submetem a um regime.

O mundo, incluindo Israel, tem um interesse comum em um eventual Estado palestino que se importe mais em construir a si mesmo do que em aniquilar seus vizinhos; que invista sua energia em prosperidades futuras, não glórias passadas; que aceite concessões mútuas e rejeite fanatismos. Desde 7 de outubro, os mais ruidosos defensores da causa palestina têm advogado precisamente pelo oposto. O que pode ser a receita não apenas de uma autossatisfação presunçosa, mas da morte de um Estado palestino. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Colunista de opinião do The New York Times, escreve sobre política externa, política interna americana e questões culturais

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