Opinião|Como piorar muito o terror da ameaça dos drones sobre Nova Jersey


A fraca e ineficaz resposta das autoridades governamentais deve servir de lição sobre como não lidar com incidentes desse tipo na era digital

Por Zeynep Tufekci

Em 1954, alguns indivíduos na cidade de Bellingham, no Estado de Washington, relataram ter percebido buracos e amassados em seus para-brisas — talvez obra de vândalos. Bloqueios foram rapidamente montados nas estradas. Os relatos viraram notícia de primeira página na vizinha Seattle, fazendo com que moradores se apressassem para verificar a condição de seus próprios para-brisas. E logo milhares de pessoas começaram a relatar que também tinham percebido avarias misteriosas, em uma área que se ampliou de Seattle até Vancouver, na Colúmbia Britânica.

O pânico se espalhou rapidamente. Especulava-se que a causa poderia ser raios cósmicos, um transmissor de rádio em uma base naval próxima, um vazamento radioativo de testes com bomba-H ou ovos de pulgas-da-areia eclodindo nos para-brisas. O prefeito de Seattle implorou ajuda do governador e da Casa Branca. Motoristas começaram a parar carros de polícia para adicionar seus nomes à lista de prejudicados. Cientistas foram chamados, contadores Geiger, acionados.

Os misteriosos buracos nos para-brisas não tinham sido provocados por vândalos, nem alienígenas, nem radioatividade, nem pulgas-da-areia; pertenciam, em vez disso, à psique das massas. Exames revelaram que as imperfeições eram comuns, presentes havia muito e fruto do desgaste cotidiano. Só que ninguém se incomodou em notá-las antes, porque quem analisa nossos para-brisas com tanto detalhe?

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Drone é visto por moradores em Bernardsville, Nova Jersey  Foto: Brian Glenn / AP

Uma dinâmica semelhante ocorre neste momento sob o céu de Nova Jersey. Dezenas, talvez centenas, de avistamentos de drones deixaram moradores dessa região e de lugares bem distantes em alerta máximo.

A fraca e ineficaz resposta das autoridades governamentais deve servir de lição sobre como não lidar com incidentes desse tipo na era digital.

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Frustrados pela falta de informações claras, cidadãos investigadores têm apontado lasers para objetos não identificados no céu, algo que o FBI começou a insistir para que as pessoas não façam. Joe Rogan amplificou uma teoria de que isso tudo tem algo a ver com um vazamento radioativo. O senador Charles Schumer disse que uma nova tecnologia é necessária para ajudar a polícia local a descobrir “o que diabos está acontecendo”.

O ex-governador de Maryland Larry Hogan compartilhou um vídeo sobre o que ele disse se parecer com “dezenas de grandes drones no céu, acima da minha residência” e denunciou a “falta de transparência e a atitude desdenhosa do governo federal”. Donald Trump, cancelando uma viagem para seu campo de golfe em Nova Jersey, disse que o “governo sabe o que está acontecendo”. Soou ameaçador.

Todas essas especulações e insinuações são particularmente irritantes porque muitos dos fatos desse mistério não são nada misteriosos.

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Ainda não sabemos o que motivou os relatos iniciais de avistamentos de drones. Muitos teriam sido vistos nas proximidades de uma base militar, levantando a possibilidade de que os objetos não identificados poderiam pertencer ao governo dos Estados Unidos — ou a outro ente, até mesmo uma nação hostil tentando bisbilhotar sem autorização. Essa distinção é sem dúvida muito importante. Mas os supostamente inumeráveis enxames de drones avistados desde então em toda parte que as pessoas direcionem o olhar são uma história diferente.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento na Casa Branca, em Washington  Foto: Andrew Caballero-reynolds/AFP

Teorias

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Especialistas têm arrancado os cabelos tentando explicar que esses avistamentos não são motivo de alarme, e sim resultado disso. Porque esses objetos não identificados são aviões. Aviões. Decolando e aterrissando em Newark, um dos aeroportos mais movimentados do país. Ou são drones de hobistas, que outros investigadores amadores lançam para tentar registrar o fenômeno. Ou são corpos celestes. Cientistas atmosféricos analisaram as luzes que Hogan tinha avistado e rapidamente as identificaram como estrelas da constelação de Órion.

As pessoas acham essa explicação simples difícil de acreditar pelo mesmo motivo que os moradores de Seattle em 1954: porque nunca tinham se incomodado em dar tanta atenção para isso.

Às vezes é divertido deixar-se assustar ou fazer parte de um esforço massivo de solução de um quebra-cabeças com múltiplos jogadores que evolui em tempo real. Mas as coisas ficam sem graça muito rapidamente nesse campo. Usar lasers de forma imprudente pode muito bem causar uma tragédia real, incluindo potencialmente derrubar um avião com centenas de pessoas a bordo. Mas por que deixar isso ao acaso? Alguns políticos já estão pressionando pelo direito de disparar preventivamente contra esses objetos no céu. Quanto tempo levará até civis decidirem atirar contra algumas luzes que identifiquem erroneamente como um drone?

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Terror público em massa exige uma resposta rápida e robusta das autoridades. Qualquer resposta vaga ou falaciosa só joga gasolina na fogueira e enfraquece a já tênue confiança das pessoas no governo. Quanto mais os nossos líderes entram em pânico, mais os cidadãos os ignoram e se tornam cínicos, e mais difícil fica chamar a atenção do público sobre coisas realmente alarmantes. Basta olhar o que aconteceu com a covid.

O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, discursa em Swannanoa, Carolina do Norte  Foto: Evan Vucci/AP

E embora sempre tenha sido assim, isso é especialmente verdadeiro na era digital. No terror sobre os para-brisas de Seattle, os principais meios de imprensa amplificaram o pânico do público. Na era da internet, pessoas comuns são capazes de realizar esse serviço, seja por acreditar que tenham alguma informação crucial para compartilhar ou simplesmente por querer atenção ou engajamento.

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Então o que as autoridades deveriam ter feito? Entusiastas da aviação e cientistas atmosféricos já associaram relatos de avistamentos a aviões ou constelações. As autoridades poderiam compilar um banco de dados de acesso rápido, com dezenas — talvez até centenas — desses incidentes listados, e disponibilizá-lo ao público juntamente com as refutações que o governo já aferiu. Seria um ótimo começo.

Autoridades federais — o Departamento de Segurança Interna, o FBI, a Casa Branca e as agências de inteligência — deveriam ter respondido rapidamente com clareza, sua primeira atitude deveria ter sido entrar em contato com políticos em pânico. Finalmente, na terça-feira, membros do Comitê de Inteligência da Câmara receberam um dossiê confidencial sobre o assunto. Nesse ponto, o público também deve ser informado pelo menos de alguns detalhes. Além de tudo isso, drones não autorizados são um problema real, e é necessário haver regulamentação e tecnologias melhores para lidar com eles. Queiramos saber disso, então, em vez de nos render a esse terror perigoso e irracional.

Políticos de ambos os partidos — da Comissão de Inteligência da Câmara, olhando-nos nos olhos — deveriam conceder uma entrevista coletiva e discutir de forma transparente os detalhes do que é conhecido. E admitir qualquer problema real que possa existir — hoje, de preferência — antes que uma tragédia real aconteça.

Enquanto isso não ocorre, vemos pessoas como o senador estadual Doug Mastriano, da Pensilvânia, afirmando que “é inconcebível o governo federal não ter respostas e não ter tomado nenhuma atitude para desvendar o caso dos drones não identificados”. Acompanhando essa declaração, ele postou uma foto de um “drone acidentado” sendo transportado em um caminhão para “um local não revelado, para investigação”. O item em questão era uma espaçonave TIE, do filme “Star Wars”, claramente reconhecível. Posteriormente, ele disse que era piada. Sendo honesta, não é meu filme favorito, mas vou lhes dizer uma coisa: se Darth Vader aparecer em Nova Jersey em uma nave da frota imperial, eu finalmente entrarei em pânico com vocês. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Em 1954, alguns indivíduos na cidade de Bellingham, no Estado de Washington, relataram ter percebido buracos e amassados em seus para-brisas — talvez obra de vândalos. Bloqueios foram rapidamente montados nas estradas. Os relatos viraram notícia de primeira página na vizinha Seattle, fazendo com que moradores se apressassem para verificar a condição de seus próprios para-brisas. E logo milhares de pessoas começaram a relatar que também tinham percebido avarias misteriosas, em uma área que se ampliou de Seattle até Vancouver, na Colúmbia Britânica.

O pânico se espalhou rapidamente. Especulava-se que a causa poderia ser raios cósmicos, um transmissor de rádio em uma base naval próxima, um vazamento radioativo de testes com bomba-H ou ovos de pulgas-da-areia eclodindo nos para-brisas. O prefeito de Seattle implorou ajuda do governador e da Casa Branca. Motoristas começaram a parar carros de polícia para adicionar seus nomes à lista de prejudicados. Cientistas foram chamados, contadores Geiger, acionados.

Os misteriosos buracos nos para-brisas não tinham sido provocados por vândalos, nem alienígenas, nem radioatividade, nem pulgas-da-areia; pertenciam, em vez disso, à psique das massas. Exames revelaram que as imperfeições eram comuns, presentes havia muito e fruto do desgaste cotidiano. Só que ninguém se incomodou em notá-las antes, porque quem analisa nossos para-brisas com tanto detalhe?

Drone é visto por moradores em Bernardsville, Nova Jersey  Foto: Brian Glenn / AP

Uma dinâmica semelhante ocorre neste momento sob o céu de Nova Jersey. Dezenas, talvez centenas, de avistamentos de drones deixaram moradores dessa região e de lugares bem distantes em alerta máximo.

A fraca e ineficaz resposta das autoridades governamentais deve servir de lição sobre como não lidar com incidentes desse tipo na era digital.

Frustrados pela falta de informações claras, cidadãos investigadores têm apontado lasers para objetos não identificados no céu, algo que o FBI começou a insistir para que as pessoas não façam. Joe Rogan amplificou uma teoria de que isso tudo tem algo a ver com um vazamento radioativo. O senador Charles Schumer disse que uma nova tecnologia é necessária para ajudar a polícia local a descobrir “o que diabos está acontecendo”.

O ex-governador de Maryland Larry Hogan compartilhou um vídeo sobre o que ele disse se parecer com “dezenas de grandes drones no céu, acima da minha residência” e denunciou a “falta de transparência e a atitude desdenhosa do governo federal”. Donald Trump, cancelando uma viagem para seu campo de golfe em Nova Jersey, disse que o “governo sabe o que está acontecendo”. Soou ameaçador.

Todas essas especulações e insinuações são particularmente irritantes porque muitos dos fatos desse mistério não são nada misteriosos.

Ainda não sabemos o que motivou os relatos iniciais de avistamentos de drones. Muitos teriam sido vistos nas proximidades de uma base militar, levantando a possibilidade de que os objetos não identificados poderiam pertencer ao governo dos Estados Unidos — ou a outro ente, até mesmo uma nação hostil tentando bisbilhotar sem autorização. Essa distinção é sem dúvida muito importante. Mas os supostamente inumeráveis enxames de drones avistados desde então em toda parte que as pessoas direcionem o olhar são uma história diferente.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento na Casa Branca, em Washington  Foto: Andrew Caballero-reynolds/AFP

Teorias

Especialistas têm arrancado os cabelos tentando explicar que esses avistamentos não são motivo de alarme, e sim resultado disso. Porque esses objetos não identificados são aviões. Aviões. Decolando e aterrissando em Newark, um dos aeroportos mais movimentados do país. Ou são drones de hobistas, que outros investigadores amadores lançam para tentar registrar o fenômeno. Ou são corpos celestes. Cientistas atmosféricos analisaram as luzes que Hogan tinha avistado e rapidamente as identificaram como estrelas da constelação de Órion.

As pessoas acham essa explicação simples difícil de acreditar pelo mesmo motivo que os moradores de Seattle em 1954: porque nunca tinham se incomodado em dar tanta atenção para isso.

Às vezes é divertido deixar-se assustar ou fazer parte de um esforço massivo de solução de um quebra-cabeças com múltiplos jogadores que evolui em tempo real. Mas as coisas ficam sem graça muito rapidamente nesse campo. Usar lasers de forma imprudente pode muito bem causar uma tragédia real, incluindo potencialmente derrubar um avião com centenas de pessoas a bordo. Mas por que deixar isso ao acaso? Alguns políticos já estão pressionando pelo direito de disparar preventivamente contra esses objetos no céu. Quanto tempo levará até civis decidirem atirar contra algumas luzes que identifiquem erroneamente como um drone?

Terror público em massa exige uma resposta rápida e robusta das autoridades. Qualquer resposta vaga ou falaciosa só joga gasolina na fogueira e enfraquece a já tênue confiança das pessoas no governo. Quanto mais os nossos líderes entram em pânico, mais os cidadãos os ignoram e se tornam cínicos, e mais difícil fica chamar a atenção do público sobre coisas realmente alarmantes. Basta olhar o que aconteceu com a covid.

O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, discursa em Swannanoa, Carolina do Norte  Foto: Evan Vucci/AP

E embora sempre tenha sido assim, isso é especialmente verdadeiro na era digital. No terror sobre os para-brisas de Seattle, os principais meios de imprensa amplificaram o pânico do público. Na era da internet, pessoas comuns são capazes de realizar esse serviço, seja por acreditar que tenham alguma informação crucial para compartilhar ou simplesmente por querer atenção ou engajamento.

Então o que as autoridades deveriam ter feito? Entusiastas da aviação e cientistas atmosféricos já associaram relatos de avistamentos a aviões ou constelações. As autoridades poderiam compilar um banco de dados de acesso rápido, com dezenas — talvez até centenas — desses incidentes listados, e disponibilizá-lo ao público juntamente com as refutações que o governo já aferiu. Seria um ótimo começo.

Autoridades federais — o Departamento de Segurança Interna, o FBI, a Casa Branca e as agências de inteligência — deveriam ter respondido rapidamente com clareza, sua primeira atitude deveria ter sido entrar em contato com políticos em pânico. Finalmente, na terça-feira, membros do Comitê de Inteligência da Câmara receberam um dossiê confidencial sobre o assunto. Nesse ponto, o público também deve ser informado pelo menos de alguns detalhes. Além de tudo isso, drones não autorizados são um problema real, e é necessário haver regulamentação e tecnologias melhores para lidar com eles. Queiramos saber disso, então, em vez de nos render a esse terror perigoso e irracional.

Políticos de ambos os partidos — da Comissão de Inteligência da Câmara, olhando-nos nos olhos — deveriam conceder uma entrevista coletiva e discutir de forma transparente os detalhes do que é conhecido. E admitir qualquer problema real que possa existir — hoje, de preferência — antes que uma tragédia real aconteça.

Enquanto isso não ocorre, vemos pessoas como o senador estadual Doug Mastriano, da Pensilvânia, afirmando que “é inconcebível o governo federal não ter respostas e não ter tomado nenhuma atitude para desvendar o caso dos drones não identificados”. Acompanhando essa declaração, ele postou uma foto de um “drone acidentado” sendo transportado em um caminhão para “um local não revelado, para investigação”. O item em questão era uma espaçonave TIE, do filme “Star Wars”, claramente reconhecível. Posteriormente, ele disse que era piada. Sendo honesta, não é meu filme favorito, mas vou lhes dizer uma coisa: se Darth Vader aparecer em Nova Jersey em uma nave da frota imperial, eu finalmente entrarei em pânico com vocês. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Em 1954, alguns indivíduos na cidade de Bellingham, no Estado de Washington, relataram ter percebido buracos e amassados em seus para-brisas — talvez obra de vândalos. Bloqueios foram rapidamente montados nas estradas. Os relatos viraram notícia de primeira página na vizinha Seattle, fazendo com que moradores se apressassem para verificar a condição de seus próprios para-brisas. E logo milhares de pessoas começaram a relatar que também tinham percebido avarias misteriosas, em uma área que se ampliou de Seattle até Vancouver, na Colúmbia Britânica.

O pânico se espalhou rapidamente. Especulava-se que a causa poderia ser raios cósmicos, um transmissor de rádio em uma base naval próxima, um vazamento radioativo de testes com bomba-H ou ovos de pulgas-da-areia eclodindo nos para-brisas. O prefeito de Seattle implorou ajuda do governador e da Casa Branca. Motoristas começaram a parar carros de polícia para adicionar seus nomes à lista de prejudicados. Cientistas foram chamados, contadores Geiger, acionados.

Os misteriosos buracos nos para-brisas não tinham sido provocados por vândalos, nem alienígenas, nem radioatividade, nem pulgas-da-areia; pertenciam, em vez disso, à psique das massas. Exames revelaram que as imperfeições eram comuns, presentes havia muito e fruto do desgaste cotidiano. Só que ninguém se incomodou em notá-las antes, porque quem analisa nossos para-brisas com tanto detalhe?

Drone é visto por moradores em Bernardsville, Nova Jersey  Foto: Brian Glenn / AP

Uma dinâmica semelhante ocorre neste momento sob o céu de Nova Jersey. Dezenas, talvez centenas, de avistamentos de drones deixaram moradores dessa região e de lugares bem distantes em alerta máximo.

A fraca e ineficaz resposta das autoridades governamentais deve servir de lição sobre como não lidar com incidentes desse tipo na era digital.

Frustrados pela falta de informações claras, cidadãos investigadores têm apontado lasers para objetos não identificados no céu, algo que o FBI começou a insistir para que as pessoas não façam. Joe Rogan amplificou uma teoria de que isso tudo tem algo a ver com um vazamento radioativo. O senador Charles Schumer disse que uma nova tecnologia é necessária para ajudar a polícia local a descobrir “o que diabos está acontecendo”.

O ex-governador de Maryland Larry Hogan compartilhou um vídeo sobre o que ele disse se parecer com “dezenas de grandes drones no céu, acima da minha residência” e denunciou a “falta de transparência e a atitude desdenhosa do governo federal”. Donald Trump, cancelando uma viagem para seu campo de golfe em Nova Jersey, disse que o “governo sabe o que está acontecendo”. Soou ameaçador.

Todas essas especulações e insinuações são particularmente irritantes porque muitos dos fatos desse mistério não são nada misteriosos.

Ainda não sabemos o que motivou os relatos iniciais de avistamentos de drones. Muitos teriam sido vistos nas proximidades de uma base militar, levantando a possibilidade de que os objetos não identificados poderiam pertencer ao governo dos Estados Unidos — ou a outro ente, até mesmo uma nação hostil tentando bisbilhotar sem autorização. Essa distinção é sem dúvida muito importante. Mas os supostamente inumeráveis enxames de drones avistados desde então em toda parte que as pessoas direcionem o olhar são uma história diferente.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento na Casa Branca, em Washington  Foto: Andrew Caballero-reynolds/AFP

Teorias

Especialistas têm arrancado os cabelos tentando explicar que esses avistamentos não são motivo de alarme, e sim resultado disso. Porque esses objetos não identificados são aviões. Aviões. Decolando e aterrissando em Newark, um dos aeroportos mais movimentados do país. Ou são drones de hobistas, que outros investigadores amadores lançam para tentar registrar o fenômeno. Ou são corpos celestes. Cientistas atmosféricos analisaram as luzes que Hogan tinha avistado e rapidamente as identificaram como estrelas da constelação de Órion.

As pessoas acham essa explicação simples difícil de acreditar pelo mesmo motivo que os moradores de Seattle em 1954: porque nunca tinham se incomodado em dar tanta atenção para isso.

Às vezes é divertido deixar-se assustar ou fazer parte de um esforço massivo de solução de um quebra-cabeças com múltiplos jogadores que evolui em tempo real. Mas as coisas ficam sem graça muito rapidamente nesse campo. Usar lasers de forma imprudente pode muito bem causar uma tragédia real, incluindo potencialmente derrubar um avião com centenas de pessoas a bordo. Mas por que deixar isso ao acaso? Alguns políticos já estão pressionando pelo direito de disparar preventivamente contra esses objetos no céu. Quanto tempo levará até civis decidirem atirar contra algumas luzes que identifiquem erroneamente como um drone?

Terror público em massa exige uma resposta rápida e robusta das autoridades. Qualquer resposta vaga ou falaciosa só joga gasolina na fogueira e enfraquece a já tênue confiança das pessoas no governo. Quanto mais os nossos líderes entram em pânico, mais os cidadãos os ignoram e se tornam cínicos, e mais difícil fica chamar a atenção do público sobre coisas realmente alarmantes. Basta olhar o que aconteceu com a covid.

O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, discursa em Swannanoa, Carolina do Norte  Foto: Evan Vucci/AP

E embora sempre tenha sido assim, isso é especialmente verdadeiro na era digital. No terror sobre os para-brisas de Seattle, os principais meios de imprensa amplificaram o pânico do público. Na era da internet, pessoas comuns são capazes de realizar esse serviço, seja por acreditar que tenham alguma informação crucial para compartilhar ou simplesmente por querer atenção ou engajamento.

Então o que as autoridades deveriam ter feito? Entusiastas da aviação e cientistas atmosféricos já associaram relatos de avistamentos a aviões ou constelações. As autoridades poderiam compilar um banco de dados de acesso rápido, com dezenas — talvez até centenas — desses incidentes listados, e disponibilizá-lo ao público juntamente com as refutações que o governo já aferiu. Seria um ótimo começo.

Autoridades federais — o Departamento de Segurança Interna, o FBI, a Casa Branca e as agências de inteligência — deveriam ter respondido rapidamente com clareza, sua primeira atitude deveria ter sido entrar em contato com políticos em pânico. Finalmente, na terça-feira, membros do Comitê de Inteligência da Câmara receberam um dossiê confidencial sobre o assunto. Nesse ponto, o público também deve ser informado pelo menos de alguns detalhes. Além de tudo isso, drones não autorizados são um problema real, e é necessário haver regulamentação e tecnologias melhores para lidar com eles. Queiramos saber disso, então, em vez de nos render a esse terror perigoso e irracional.

Políticos de ambos os partidos — da Comissão de Inteligência da Câmara, olhando-nos nos olhos — deveriam conceder uma entrevista coletiva e discutir de forma transparente os detalhes do que é conhecido. E admitir qualquer problema real que possa existir — hoje, de preferência — antes que uma tragédia real aconteça.

Enquanto isso não ocorre, vemos pessoas como o senador estadual Doug Mastriano, da Pensilvânia, afirmando que “é inconcebível o governo federal não ter respostas e não ter tomado nenhuma atitude para desvendar o caso dos drones não identificados”. Acompanhando essa declaração, ele postou uma foto de um “drone acidentado” sendo transportado em um caminhão para “um local não revelado, para investigação”. O item em questão era uma espaçonave TIE, do filme “Star Wars”, claramente reconhecível. Posteriormente, ele disse que era piada. Sendo honesta, não é meu filme favorito, mas vou lhes dizer uma coisa: se Darth Vader aparecer em Nova Jersey em uma nave da frota imperial, eu finalmente entrarei em pânico com vocês. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Zeynep Tufekci

Zeynep Tufekci é professora de sociologia e assuntos públicos na Universidade de Princeton. Sua pesquisa gira em torno de política, civismo, movimentos, privacidade e vigilância, bem como dados e algoritmos

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