Como Putin virou alvo de sua própria máquina de mentiras dentro da Rússia


Falta de informações confiáveis dificulta saber o que de fato aconteceu e confunde russos e autoridades; desinformação é estratégia crucial da Rússia na Ucrânia

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

A breve rebelião de Ievgeni Prigozhin na Rússia começou e terminou com mensagens dele no aplicativo Telegram. Enquanto repórteres e analistas espalhados pelo mundo tentavam entender o que acontecia no país, o líder mercenário foi a fonte da pouca informação. Ninguém sabe ainda o que de fato aconteceu, mas durante algumas horas Prigozhin utilizou contra Putin uma das principais armas na Ucrânia: a guerra de informação.

Entre as mensagens postadas durante a rebelião no seu próprio canal, de 1,3 milhão de seguidores, Prigozhin acusou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, de ordenar ataques aéreos contra tropas do Wagner e as autoridades russas de mentir ao invadir a Ucrânia. As mensagens eram acompanhadas de vídeos, com a finalidade de corroborar com as alegações (segundo analistas do Meduza, um jornal independente russo, alguns vídeos foram encenados). Mas a revolta se arrefeceu rapidamente após um rápido acordo, e o líder mercenário recuou na sua marcha a Moscou.

Para uma rebelião que significou o maior desafio ao poder soberano de Vladimir Putin na Rússia desde que este chegou à presidência, em 2000, as informações confiáveis sobre o episódio permanecem poucas. Por um lado, isso se deve ao controle rígido do Kremlin sobre a imprensa, com veículos independentes forçados a fechar ou a ter seus jornalistas retirados do país. Por outro, se deve ao fato do próprio Prigozhin fazer parte da máquina de desinformação construída por Putin há anos e saber como utilizá-la.

continua após a publicidade

“Esse é um episódio confuso. Nós não podemos confiar em Putin, nós não podemos confiar em Prigozhin. Não sabemos a verdade, e isso acontece pela máquina de desinformação criada pela Rússia com o apoio de Prigozhin”, resume o analista Jakub Kalenský, do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês). “Na Ucrânia e em vários países do mundo, essa estratégia que agora atingiu o poder de Putin foi utilizada com a mesma finalidade, de confundir”.

Desinformação na guerra contra a Ucrânia

Na Ucrânia, as campanhas de desinformação da Rússia começaram muito antes da atual guerra e se tornaram cruciais durante o conflito. Através de redes sociais, a propaganda russa se espalhou para justificar a invasão, minar a confiança dos ucranianos no governo e fazer revisionismos históricos, como insistir que a Crimeia sempre fez parte da Rússia.

continua após a publicidade

As campanhas são feitas através de perfis falsos em redes sociais, sites anônimos, que emulam jornais confiáveis, e da mídia estatal. Uma das principais estruturas utilizadas pela Rússia é a Internet Research Agency, a notória organização de “trolls” (perfis caracterizados por inflar discussões na internet) que é acusada de tentar manipular as eleições americanas de 2016 a favor de Donald Trump. Por trás da organização, está Ievgeni Prighozin.

Segundo Jakub Kalenský, essas campanhas são adaptadas de diferentes formas dentro da Ucrânia e em outros países do mundo para mais de uma finalidade. “Na Ucrânia ela é utilizada para diminuir a resistência ucraniana e aumentar o apoio à Rússia. Em outros países, principalmente no Sul Global, isso é diferente, e a Rússia busca construir a imagem de que a guerra na Ucrânia é uma luta contra o imperialismo”, declarou.

No Reino Unido, por exemplo, influenciadores do TikTok estavam recebendo pagamentos russos para ampliar as narrativas do Kremlin, de acordo com uma investigação do governo publicada pelo jornal The Guardian no ano passado. Os trolls, por sua vez, ficavam responsáveis por engajar perfis genuínos que têm opinião favorável à Rússia. A investigação sugere que uma das principais tarefas destes é brigar para direcionar a atenção dos comentários a favor dos russos.

continua após a publicidade

A desinformação também é feita de maneira oficial. No início do conflito, as embaixadas russas espalhadas pelo mundo, incluindo a do Brasil, publicaram mensagens justificando a guerra como um conflito contra o imperialismo ocidental. A mídia estatal fez paralelos entre a invasão e supostos crimes de guerra cometidos por outros países, numa estratégia chamada por analistas de “whataboutisms” (responder um problema original comparando-o a um problema diferente que não se relaciona com o original).

Segundo um relatório da NewsGuard, uma organização americana criada com o intuito de combate à desinformação, entre as campanhas mais disseminadas pela Rússia estão:

  • Construir o massacre de civis em Bucha, em março de 2022, como uma encenação promovida pela Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA estavam desenvolvendo armas biológicas com o objetivo de atingir russófonos no leste da Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA e o Reino Unido enviaram armas desatualizadas e obsoletas para a Ucrânia;
  • Desmentir que a Rússia realiza ataques aéreos em infraestruturas civis da Ucrânia, acusando o próprio governo ucraniano de realizar os ataques em bandeiras falsas;
  • Afirmar que a Ucrânia treina crianças para o seu Exército.
continua após a publicidade

A veracidade dos fatos que a Rússia tenta desmentir ou falsear foram verificadas por diversas organizações midiáticas do mundo.

Como grande parte das campanhas de desinformação, os russos utilizam aspectos verdadeiros para construir falsas narrativas. Segundo reportagem da Associated Press, os laboratórios biológicos americanos na Ucrânia, por exemplo, existem desde os anos 90 como parte da iniciativa Programa de Redução de Armas Biológicas. O programa tem um site oficial no qual o governo americano afirma ter parceria com o governo da Ucrânia desde 2005.

O vácuo de informações confiáveis

continua após a publicidade

Segundo Jakub Kalenský, o sucesso das campanhas de desinformação dependem em grande medida da resiliência das sociedades atingidas, baseada no grau de uma imprensa independente, nível educacional e confiança da população no governo. “Essas características inexistiam na Ucrânia quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014″, declarou Kalenský. “Desde então, o país investiu em informações confiáveis, baniu canais russos que propagavam desinformação e se tornou mais resiliente, mas ainda é vulnerável”, acrescentou.

De acordo com o relatório anual do instituto Open Society, a Ucrânia ainda permanece com um dos níveis mais baixos da Europa de educação midiática – um outro termo utilizado para designar a capacidade de um país de se proteger da desinformação. Hoje, no entanto, o país demonstra mais capacidade de se proteger no campo midiático especialmente por causa da ajuda de aliados. Antes da guerra, por exemplo, o país se antecipou ao revelar publicamente as informações das tropas russas na fronteira.

Mas, antes da guerra, o país demonstrou com o auxílio de aliados, especialmente os Estados Unidos, que havia aprendido a se proteger no campo midiático ao antecipar movimentos das tropas russas na fronteira e divulgá-los.

continua após a publicidade

O que de fato aconteceu em diversos acontecimentos na guerra é desconhecido e cria um vácuo de fontes de informação confiáveis facilmente preenchido por uma onda de desinformação. É o caso da barragem de Kakhovka, rompida no mês passado e no qual Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente. Ou a sabotagem ao gasoduto de Nord Stream no ano passado, no qual os russos foram acusados inicialmente, mas que os EUA acreditam que a Ucrânia foi responsável.

Para Kalenský, os ucranianos também aproveitam para usar os vácuos a seu favor, mas não faz de maneira sistemática como a Rússia por sequer possuir infraestrutura capaz. “Quando falamos sobre desinformação, estamos falando de algo sistemático, que se utiliza de muitos canais, de diversos atores. A Ucrânia não tem estrutura para fazer isso. E, se tivesse, rapidamente perderia o apoio que conquistou na guerra”, concluiu.

Alvo da própria armadilha

A ausência de informações confiáveis também promove desinformação dentro da própria Rússia. Desde que a guerra começou, o Kremlin tem aumentado a repressão contra a imprensa independente. Os canais estatais se espalharam e muitos russos recorrem aos canais de Telegram, um aplicativo russo, para ter acesso a outras fontes de informação. Foi lá que Ievgeni Prigozhin conseguiu disseminar sua mensagem para milhares de seguidores.

À medida que as tropas mercenárias do Wagner se envolveram fortemente nos combates da Ucrânia, especialmente em Bakhmut, Prigozhin se tornou um dos rostos mais proeminentes, com mensagens frequentes e muitas vezes cruéis do front. Aos poucos, o mercenário começou a se irritar com autoridades do Ministério da Defesa da Rússia e direcionar mensagens contra estes com diversas acusações. O Kremlin se viu na própria armadilha.

O rápido levante de Prigozhin terminou com um acordo mediado pelo ditador de Belarus e grande aliado de Putin, Alexsander Lukashenko. O mercenário ficou em silêncio por dois dias, e seu paradeiro era desconhecido. No terceiro dia após o acordo, dia 26 de junho, ele reapareceu afirmando que as tropas do Wagner teriam recebido apoio em diversas cidades. Fotos de moradores tirando selfie com ele na saída de Rostov-on-Don reforçam a tese. Mas o jornal independente Moscow Times, que está bloqueado na Rússia desde 2022 pelo órgão censor Roskomnadzor, contesta que esse apoio tenha acontecido como Prigozhin afirma. Dentro da Rússia, no entanto, é impossível saber qual a ideia tem circulado mais fortemente.

A breve rebelião de Ievgeni Prigozhin na Rússia começou e terminou com mensagens dele no aplicativo Telegram. Enquanto repórteres e analistas espalhados pelo mundo tentavam entender o que acontecia no país, o líder mercenário foi a fonte da pouca informação. Ninguém sabe ainda o que de fato aconteceu, mas durante algumas horas Prigozhin utilizou contra Putin uma das principais armas na Ucrânia: a guerra de informação.

Entre as mensagens postadas durante a rebelião no seu próprio canal, de 1,3 milhão de seguidores, Prigozhin acusou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, de ordenar ataques aéreos contra tropas do Wagner e as autoridades russas de mentir ao invadir a Ucrânia. As mensagens eram acompanhadas de vídeos, com a finalidade de corroborar com as alegações (segundo analistas do Meduza, um jornal independente russo, alguns vídeos foram encenados). Mas a revolta se arrefeceu rapidamente após um rápido acordo, e o líder mercenário recuou na sua marcha a Moscou.

Para uma rebelião que significou o maior desafio ao poder soberano de Vladimir Putin na Rússia desde que este chegou à presidência, em 2000, as informações confiáveis sobre o episódio permanecem poucas. Por um lado, isso se deve ao controle rígido do Kremlin sobre a imprensa, com veículos independentes forçados a fechar ou a ter seus jornalistas retirados do país. Por outro, se deve ao fato do próprio Prigozhin fazer parte da máquina de desinformação construída por Putin há anos e saber como utilizá-la.

“Esse é um episódio confuso. Nós não podemos confiar em Putin, nós não podemos confiar em Prigozhin. Não sabemos a verdade, e isso acontece pela máquina de desinformação criada pela Rússia com o apoio de Prigozhin”, resume o analista Jakub Kalenský, do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês). “Na Ucrânia e em vários países do mundo, essa estratégia que agora atingiu o poder de Putin foi utilizada com a mesma finalidade, de confundir”.

Desinformação na guerra contra a Ucrânia

Na Ucrânia, as campanhas de desinformação da Rússia começaram muito antes da atual guerra e se tornaram cruciais durante o conflito. Através de redes sociais, a propaganda russa se espalhou para justificar a invasão, minar a confiança dos ucranianos no governo e fazer revisionismos históricos, como insistir que a Crimeia sempre fez parte da Rússia.

As campanhas são feitas através de perfis falsos em redes sociais, sites anônimos, que emulam jornais confiáveis, e da mídia estatal. Uma das principais estruturas utilizadas pela Rússia é a Internet Research Agency, a notória organização de “trolls” (perfis caracterizados por inflar discussões na internet) que é acusada de tentar manipular as eleições americanas de 2016 a favor de Donald Trump. Por trás da organização, está Ievgeni Prighozin.

Segundo Jakub Kalenský, essas campanhas são adaptadas de diferentes formas dentro da Ucrânia e em outros países do mundo para mais de uma finalidade. “Na Ucrânia ela é utilizada para diminuir a resistência ucraniana e aumentar o apoio à Rússia. Em outros países, principalmente no Sul Global, isso é diferente, e a Rússia busca construir a imagem de que a guerra na Ucrânia é uma luta contra o imperialismo”, declarou.

No Reino Unido, por exemplo, influenciadores do TikTok estavam recebendo pagamentos russos para ampliar as narrativas do Kremlin, de acordo com uma investigação do governo publicada pelo jornal The Guardian no ano passado. Os trolls, por sua vez, ficavam responsáveis por engajar perfis genuínos que têm opinião favorável à Rússia. A investigação sugere que uma das principais tarefas destes é brigar para direcionar a atenção dos comentários a favor dos russos.

A desinformação também é feita de maneira oficial. No início do conflito, as embaixadas russas espalhadas pelo mundo, incluindo a do Brasil, publicaram mensagens justificando a guerra como um conflito contra o imperialismo ocidental. A mídia estatal fez paralelos entre a invasão e supostos crimes de guerra cometidos por outros países, numa estratégia chamada por analistas de “whataboutisms” (responder um problema original comparando-o a um problema diferente que não se relaciona com o original).

Segundo um relatório da NewsGuard, uma organização americana criada com o intuito de combate à desinformação, entre as campanhas mais disseminadas pela Rússia estão:

  • Construir o massacre de civis em Bucha, em março de 2022, como uma encenação promovida pela Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA estavam desenvolvendo armas biológicas com o objetivo de atingir russófonos no leste da Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA e o Reino Unido enviaram armas desatualizadas e obsoletas para a Ucrânia;
  • Desmentir que a Rússia realiza ataques aéreos em infraestruturas civis da Ucrânia, acusando o próprio governo ucraniano de realizar os ataques em bandeiras falsas;
  • Afirmar que a Ucrânia treina crianças para o seu Exército.

A veracidade dos fatos que a Rússia tenta desmentir ou falsear foram verificadas por diversas organizações midiáticas do mundo.

Como grande parte das campanhas de desinformação, os russos utilizam aspectos verdadeiros para construir falsas narrativas. Segundo reportagem da Associated Press, os laboratórios biológicos americanos na Ucrânia, por exemplo, existem desde os anos 90 como parte da iniciativa Programa de Redução de Armas Biológicas. O programa tem um site oficial no qual o governo americano afirma ter parceria com o governo da Ucrânia desde 2005.

O vácuo de informações confiáveis

Segundo Jakub Kalenský, o sucesso das campanhas de desinformação dependem em grande medida da resiliência das sociedades atingidas, baseada no grau de uma imprensa independente, nível educacional e confiança da população no governo. “Essas características inexistiam na Ucrânia quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014″, declarou Kalenský. “Desde então, o país investiu em informações confiáveis, baniu canais russos que propagavam desinformação e se tornou mais resiliente, mas ainda é vulnerável”, acrescentou.

De acordo com o relatório anual do instituto Open Society, a Ucrânia ainda permanece com um dos níveis mais baixos da Europa de educação midiática – um outro termo utilizado para designar a capacidade de um país de se proteger da desinformação. Hoje, no entanto, o país demonstra mais capacidade de se proteger no campo midiático especialmente por causa da ajuda de aliados. Antes da guerra, por exemplo, o país se antecipou ao revelar publicamente as informações das tropas russas na fronteira.

Mas, antes da guerra, o país demonstrou com o auxílio de aliados, especialmente os Estados Unidos, que havia aprendido a se proteger no campo midiático ao antecipar movimentos das tropas russas na fronteira e divulgá-los.

O que de fato aconteceu em diversos acontecimentos na guerra é desconhecido e cria um vácuo de fontes de informação confiáveis facilmente preenchido por uma onda de desinformação. É o caso da barragem de Kakhovka, rompida no mês passado e no qual Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente. Ou a sabotagem ao gasoduto de Nord Stream no ano passado, no qual os russos foram acusados inicialmente, mas que os EUA acreditam que a Ucrânia foi responsável.

Para Kalenský, os ucranianos também aproveitam para usar os vácuos a seu favor, mas não faz de maneira sistemática como a Rússia por sequer possuir infraestrutura capaz. “Quando falamos sobre desinformação, estamos falando de algo sistemático, que se utiliza de muitos canais, de diversos atores. A Ucrânia não tem estrutura para fazer isso. E, se tivesse, rapidamente perderia o apoio que conquistou na guerra”, concluiu.

Alvo da própria armadilha

A ausência de informações confiáveis também promove desinformação dentro da própria Rússia. Desde que a guerra começou, o Kremlin tem aumentado a repressão contra a imprensa independente. Os canais estatais se espalharam e muitos russos recorrem aos canais de Telegram, um aplicativo russo, para ter acesso a outras fontes de informação. Foi lá que Ievgeni Prigozhin conseguiu disseminar sua mensagem para milhares de seguidores.

À medida que as tropas mercenárias do Wagner se envolveram fortemente nos combates da Ucrânia, especialmente em Bakhmut, Prigozhin se tornou um dos rostos mais proeminentes, com mensagens frequentes e muitas vezes cruéis do front. Aos poucos, o mercenário começou a se irritar com autoridades do Ministério da Defesa da Rússia e direcionar mensagens contra estes com diversas acusações. O Kremlin se viu na própria armadilha.

O rápido levante de Prigozhin terminou com um acordo mediado pelo ditador de Belarus e grande aliado de Putin, Alexsander Lukashenko. O mercenário ficou em silêncio por dois dias, e seu paradeiro era desconhecido. No terceiro dia após o acordo, dia 26 de junho, ele reapareceu afirmando que as tropas do Wagner teriam recebido apoio em diversas cidades. Fotos de moradores tirando selfie com ele na saída de Rostov-on-Don reforçam a tese. Mas o jornal independente Moscow Times, que está bloqueado na Rússia desde 2022 pelo órgão censor Roskomnadzor, contesta que esse apoio tenha acontecido como Prigozhin afirma. Dentro da Rússia, no entanto, é impossível saber qual a ideia tem circulado mais fortemente.

A breve rebelião de Ievgeni Prigozhin na Rússia começou e terminou com mensagens dele no aplicativo Telegram. Enquanto repórteres e analistas espalhados pelo mundo tentavam entender o que acontecia no país, o líder mercenário foi a fonte da pouca informação. Ninguém sabe ainda o que de fato aconteceu, mas durante algumas horas Prigozhin utilizou contra Putin uma das principais armas na Ucrânia: a guerra de informação.

Entre as mensagens postadas durante a rebelião no seu próprio canal, de 1,3 milhão de seguidores, Prigozhin acusou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, de ordenar ataques aéreos contra tropas do Wagner e as autoridades russas de mentir ao invadir a Ucrânia. As mensagens eram acompanhadas de vídeos, com a finalidade de corroborar com as alegações (segundo analistas do Meduza, um jornal independente russo, alguns vídeos foram encenados). Mas a revolta se arrefeceu rapidamente após um rápido acordo, e o líder mercenário recuou na sua marcha a Moscou.

Para uma rebelião que significou o maior desafio ao poder soberano de Vladimir Putin na Rússia desde que este chegou à presidência, em 2000, as informações confiáveis sobre o episódio permanecem poucas. Por um lado, isso se deve ao controle rígido do Kremlin sobre a imprensa, com veículos independentes forçados a fechar ou a ter seus jornalistas retirados do país. Por outro, se deve ao fato do próprio Prigozhin fazer parte da máquina de desinformação construída por Putin há anos e saber como utilizá-la.

“Esse é um episódio confuso. Nós não podemos confiar em Putin, nós não podemos confiar em Prigozhin. Não sabemos a verdade, e isso acontece pela máquina de desinformação criada pela Rússia com o apoio de Prigozhin”, resume o analista Jakub Kalenský, do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês). “Na Ucrânia e em vários países do mundo, essa estratégia que agora atingiu o poder de Putin foi utilizada com a mesma finalidade, de confundir”.

Desinformação na guerra contra a Ucrânia

Na Ucrânia, as campanhas de desinformação da Rússia começaram muito antes da atual guerra e se tornaram cruciais durante o conflito. Através de redes sociais, a propaganda russa se espalhou para justificar a invasão, minar a confiança dos ucranianos no governo e fazer revisionismos históricos, como insistir que a Crimeia sempre fez parte da Rússia.

As campanhas são feitas através de perfis falsos em redes sociais, sites anônimos, que emulam jornais confiáveis, e da mídia estatal. Uma das principais estruturas utilizadas pela Rússia é a Internet Research Agency, a notória organização de “trolls” (perfis caracterizados por inflar discussões na internet) que é acusada de tentar manipular as eleições americanas de 2016 a favor de Donald Trump. Por trás da organização, está Ievgeni Prighozin.

Segundo Jakub Kalenský, essas campanhas são adaptadas de diferentes formas dentro da Ucrânia e em outros países do mundo para mais de uma finalidade. “Na Ucrânia ela é utilizada para diminuir a resistência ucraniana e aumentar o apoio à Rússia. Em outros países, principalmente no Sul Global, isso é diferente, e a Rússia busca construir a imagem de que a guerra na Ucrânia é uma luta contra o imperialismo”, declarou.

No Reino Unido, por exemplo, influenciadores do TikTok estavam recebendo pagamentos russos para ampliar as narrativas do Kremlin, de acordo com uma investigação do governo publicada pelo jornal The Guardian no ano passado. Os trolls, por sua vez, ficavam responsáveis por engajar perfis genuínos que têm opinião favorável à Rússia. A investigação sugere que uma das principais tarefas destes é brigar para direcionar a atenção dos comentários a favor dos russos.

A desinformação também é feita de maneira oficial. No início do conflito, as embaixadas russas espalhadas pelo mundo, incluindo a do Brasil, publicaram mensagens justificando a guerra como um conflito contra o imperialismo ocidental. A mídia estatal fez paralelos entre a invasão e supostos crimes de guerra cometidos por outros países, numa estratégia chamada por analistas de “whataboutisms” (responder um problema original comparando-o a um problema diferente que não se relaciona com o original).

Segundo um relatório da NewsGuard, uma organização americana criada com o intuito de combate à desinformação, entre as campanhas mais disseminadas pela Rússia estão:

  • Construir o massacre de civis em Bucha, em março de 2022, como uma encenação promovida pela Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA estavam desenvolvendo armas biológicas com o objetivo de atingir russófonos no leste da Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA e o Reino Unido enviaram armas desatualizadas e obsoletas para a Ucrânia;
  • Desmentir que a Rússia realiza ataques aéreos em infraestruturas civis da Ucrânia, acusando o próprio governo ucraniano de realizar os ataques em bandeiras falsas;
  • Afirmar que a Ucrânia treina crianças para o seu Exército.

A veracidade dos fatos que a Rússia tenta desmentir ou falsear foram verificadas por diversas organizações midiáticas do mundo.

Como grande parte das campanhas de desinformação, os russos utilizam aspectos verdadeiros para construir falsas narrativas. Segundo reportagem da Associated Press, os laboratórios biológicos americanos na Ucrânia, por exemplo, existem desde os anos 90 como parte da iniciativa Programa de Redução de Armas Biológicas. O programa tem um site oficial no qual o governo americano afirma ter parceria com o governo da Ucrânia desde 2005.

O vácuo de informações confiáveis

Segundo Jakub Kalenský, o sucesso das campanhas de desinformação dependem em grande medida da resiliência das sociedades atingidas, baseada no grau de uma imprensa independente, nível educacional e confiança da população no governo. “Essas características inexistiam na Ucrânia quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014″, declarou Kalenský. “Desde então, o país investiu em informações confiáveis, baniu canais russos que propagavam desinformação e se tornou mais resiliente, mas ainda é vulnerável”, acrescentou.

De acordo com o relatório anual do instituto Open Society, a Ucrânia ainda permanece com um dos níveis mais baixos da Europa de educação midiática – um outro termo utilizado para designar a capacidade de um país de se proteger da desinformação. Hoje, no entanto, o país demonstra mais capacidade de se proteger no campo midiático especialmente por causa da ajuda de aliados. Antes da guerra, por exemplo, o país se antecipou ao revelar publicamente as informações das tropas russas na fronteira.

Mas, antes da guerra, o país demonstrou com o auxílio de aliados, especialmente os Estados Unidos, que havia aprendido a se proteger no campo midiático ao antecipar movimentos das tropas russas na fronteira e divulgá-los.

O que de fato aconteceu em diversos acontecimentos na guerra é desconhecido e cria um vácuo de fontes de informação confiáveis facilmente preenchido por uma onda de desinformação. É o caso da barragem de Kakhovka, rompida no mês passado e no qual Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente. Ou a sabotagem ao gasoduto de Nord Stream no ano passado, no qual os russos foram acusados inicialmente, mas que os EUA acreditam que a Ucrânia foi responsável.

Para Kalenský, os ucranianos também aproveitam para usar os vácuos a seu favor, mas não faz de maneira sistemática como a Rússia por sequer possuir infraestrutura capaz. “Quando falamos sobre desinformação, estamos falando de algo sistemático, que se utiliza de muitos canais, de diversos atores. A Ucrânia não tem estrutura para fazer isso. E, se tivesse, rapidamente perderia o apoio que conquistou na guerra”, concluiu.

Alvo da própria armadilha

A ausência de informações confiáveis também promove desinformação dentro da própria Rússia. Desde que a guerra começou, o Kremlin tem aumentado a repressão contra a imprensa independente. Os canais estatais se espalharam e muitos russos recorrem aos canais de Telegram, um aplicativo russo, para ter acesso a outras fontes de informação. Foi lá que Ievgeni Prigozhin conseguiu disseminar sua mensagem para milhares de seguidores.

À medida que as tropas mercenárias do Wagner se envolveram fortemente nos combates da Ucrânia, especialmente em Bakhmut, Prigozhin se tornou um dos rostos mais proeminentes, com mensagens frequentes e muitas vezes cruéis do front. Aos poucos, o mercenário começou a se irritar com autoridades do Ministério da Defesa da Rússia e direcionar mensagens contra estes com diversas acusações. O Kremlin se viu na própria armadilha.

O rápido levante de Prigozhin terminou com um acordo mediado pelo ditador de Belarus e grande aliado de Putin, Alexsander Lukashenko. O mercenário ficou em silêncio por dois dias, e seu paradeiro era desconhecido. No terceiro dia após o acordo, dia 26 de junho, ele reapareceu afirmando que as tropas do Wagner teriam recebido apoio em diversas cidades. Fotos de moradores tirando selfie com ele na saída de Rostov-on-Don reforçam a tese. Mas o jornal independente Moscow Times, que está bloqueado na Rússia desde 2022 pelo órgão censor Roskomnadzor, contesta que esse apoio tenha acontecido como Prigozhin afirma. Dentro da Rússia, no entanto, é impossível saber qual a ideia tem circulado mais fortemente.

A breve rebelião de Ievgeni Prigozhin na Rússia começou e terminou com mensagens dele no aplicativo Telegram. Enquanto repórteres e analistas espalhados pelo mundo tentavam entender o que acontecia no país, o líder mercenário foi a fonte da pouca informação. Ninguém sabe ainda o que de fato aconteceu, mas durante algumas horas Prigozhin utilizou contra Putin uma das principais armas na Ucrânia: a guerra de informação.

Entre as mensagens postadas durante a rebelião no seu próprio canal, de 1,3 milhão de seguidores, Prigozhin acusou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, de ordenar ataques aéreos contra tropas do Wagner e as autoridades russas de mentir ao invadir a Ucrânia. As mensagens eram acompanhadas de vídeos, com a finalidade de corroborar com as alegações (segundo analistas do Meduza, um jornal independente russo, alguns vídeos foram encenados). Mas a revolta se arrefeceu rapidamente após um rápido acordo, e o líder mercenário recuou na sua marcha a Moscou.

Para uma rebelião que significou o maior desafio ao poder soberano de Vladimir Putin na Rússia desde que este chegou à presidência, em 2000, as informações confiáveis sobre o episódio permanecem poucas. Por um lado, isso se deve ao controle rígido do Kremlin sobre a imprensa, com veículos independentes forçados a fechar ou a ter seus jornalistas retirados do país. Por outro, se deve ao fato do próprio Prigozhin fazer parte da máquina de desinformação construída por Putin há anos e saber como utilizá-la.

“Esse é um episódio confuso. Nós não podemos confiar em Putin, nós não podemos confiar em Prigozhin. Não sabemos a verdade, e isso acontece pela máquina de desinformação criada pela Rússia com o apoio de Prigozhin”, resume o analista Jakub Kalenský, do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês). “Na Ucrânia e em vários países do mundo, essa estratégia que agora atingiu o poder de Putin foi utilizada com a mesma finalidade, de confundir”.

Desinformação na guerra contra a Ucrânia

Na Ucrânia, as campanhas de desinformação da Rússia começaram muito antes da atual guerra e se tornaram cruciais durante o conflito. Através de redes sociais, a propaganda russa se espalhou para justificar a invasão, minar a confiança dos ucranianos no governo e fazer revisionismos históricos, como insistir que a Crimeia sempre fez parte da Rússia.

As campanhas são feitas através de perfis falsos em redes sociais, sites anônimos, que emulam jornais confiáveis, e da mídia estatal. Uma das principais estruturas utilizadas pela Rússia é a Internet Research Agency, a notória organização de “trolls” (perfis caracterizados por inflar discussões na internet) que é acusada de tentar manipular as eleições americanas de 2016 a favor de Donald Trump. Por trás da organização, está Ievgeni Prighozin.

Segundo Jakub Kalenský, essas campanhas são adaptadas de diferentes formas dentro da Ucrânia e em outros países do mundo para mais de uma finalidade. “Na Ucrânia ela é utilizada para diminuir a resistência ucraniana e aumentar o apoio à Rússia. Em outros países, principalmente no Sul Global, isso é diferente, e a Rússia busca construir a imagem de que a guerra na Ucrânia é uma luta contra o imperialismo”, declarou.

No Reino Unido, por exemplo, influenciadores do TikTok estavam recebendo pagamentos russos para ampliar as narrativas do Kremlin, de acordo com uma investigação do governo publicada pelo jornal The Guardian no ano passado. Os trolls, por sua vez, ficavam responsáveis por engajar perfis genuínos que têm opinião favorável à Rússia. A investigação sugere que uma das principais tarefas destes é brigar para direcionar a atenção dos comentários a favor dos russos.

A desinformação também é feita de maneira oficial. No início do conflito, as embaixadas russas espalhadas pelo mundo, incluindo a do Brasil, publicaram mensagens justificando a guerra como um conflito contra o imperialismo ocidental. A mídia estatal fez paralelos entre a invasão e supostos crimes de guerra cometidos por outros países, numa estratégia chamada por analistas de “whataboutisms” (responder um problema original comparando-o a um problema diferente que não se relaciona com o original).

Segundo um relatório da NewsGuard, uma organização americana criada com o intuito de combate à desinformação, entre as campanhas mais disseminadas pela Rússia estão:

  • Construir o massacre de civis em Bucha, em março de 2022, como uma encenação promovida pela Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA estavam desenvolvendo armas biológicas com o objetivo de atingir russófonos no leste da Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA e o Reino Unido enviaram armas desatualizadas e obsoletas para a Ucrânia;
  • Desmentir que a Rússia realiza ataques aéreos em infraestruturas civis da Ucrânia, acusando o próprio governo ucraniano de realizar os ataques em bandeiras falsas;
  • Afirmar que a Ucrânia treina crianças para o seu Exército.

A veracidade dos fatos que a Rússia tenta desmentir ou falsear foram verificadas por diversas organizações midiáticas do mundo.

Como grande parte das campanhas de desinformação, os russos utilizam aspectos verdadeiros para construir falsas narrativas. Segundo reportagem da Associated Press, os laboratórios biológicos americanos na Ucrânia, por exemplo, existem desde os anos 90 como parte da iniciativa Programa de Redução de Armas Biológicas. O programa tem um site oficial no qual o governo americano afirma ter parceria com o governo da Ucrânia desde 2005.

O vácuo de informações confiáveis

Segundo Jakub Kalenský, o sucesso das campanhas de desinformação dependem em grande medida da resiliência das sociedades atingidas, baseada no grau de uma imprensa independente, nível educacional e confiança da população no governo. “Essas características inexistiam na Ucrânia quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014″, declarou Kalenský. “Desde então, o país investiu em informações confiáveis, baniu canais russos que propagavam desinformação e se tornou mais resiliente, mas ainda é vulnerável”, acrescentou.

De acordo com o relatório anual do instituto Open Society, a Ucrânia ainda permanece com um dos níveis mais baixos da Europa de educação midiática – um outro termo utilizado para designar a capacidade de um país de se proteger da desinformação. Hoje, no entanto, o país demonstra mais capacidade de se proteger no campo midiático especialmente por causa da ajuda de aliados. Antes da guerra, por exemplo, o país se antecipou ao revelar publicamente as informações das tropas russas na fronteira.

Mas, antes da guerra, o país demonstrou com o auxílio de aliados, especialmente os Estados Unidos, que havia aprendido a se proteger no campo midiático ao antecipar movimentos das tropas russas na fronteira e divulgá-los.

O que de fato aconteceu em diversos acontecimentos na guerra é desconhecido e cria um vácuo de fontes de informação confiáveis facilmente preenchido por uma onda de desinformação. É o caso da barragem de Kakhovka, rompida no mês passado e no qual Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente. Ou a sabotagem ao gasoduto de Nord Stream no ano passado, no qual os russos foram acusados inicialmente, mas que os EUA acreditam que a Ucrânia foi responsável.

Para Kalenský, os ucranianos também aproveitam para usar os vácuos a seu favor, mas não faz de maneira sistemática como a Rússia por sequer possuir infraestrutura capaz. “Quando falamos sobre desinformação, estamos falando de algo sistemático, que se utiliza de muitos canais, de diversos atores. A Ucrânia não tem estrutura para fazer isso. E, se tivesse, rapidamente perderia o apoio que conquistou na guerra”, concluiu.

Alvo da própria armadilha

A ausência de informações confiáveis também promove desinformação dentro da própria Rússia. Desde que a guerra começou, o Kremlin tem aumentado a repressão contra a imprensa independente. Os canais estatais se espalharam e muitos russos recorrem aos canais de Telegram, um aplicativo russo, para ter acesso a outras fontes de informação. Foi lá que Ievgeni Prigozhin conseguiu disseminar sua mensagem para milhares de seguidores.

À medida que as tropas mercenárias do Wagner se envolveram fortemente nos combates da Ucrânia, especialmente em Bakhmut, Prigozhin se tornou um dos rostos mais proeminentes, com mensagens frequentes e muitas vezes cruéis do front. Aos poucos, o mercenário começou a se irritar com autoridades do Ministério da Defesa da Rússia e direcionar mensagens contra estes com diversas acusações. O Kremlin se viu na própria armadilha.

O rápido levante de Prigozhin terminou com um acordo mediado pelo ditador de Belarus e grande aliado de Putin, Alexsander Lukashenko. O mercenário ficou em silêncio por dois dias, e seu paradeiro era desconhecido. No terceiro dia após o acordo, dia 26 de junho, ele reapareceu afirmando que as tropas do Wagner teriam recebido apoio em diversas cidades. Fotos de moradores tirando selfie com ele na saída de Rostov-on-Don reforçam a tese. Mas o jornal independente Moscow Times, que está bloqueado na Rússia desde 2022 pelo órgão censor Roskomnadzor, contesta que esse apoio tenha acontecido como Prigozhin afirma. Dentro da Rússia, no entanto, é impossível saber qual a ideia tem circulado mais fortemente.

A breve rebelião de Ievgeni Prigozhin na Rússia começou e terminou com mensagens dele no aplicativo Telegram. Enquanto repórteres e analistas espalhados pelo mundo tentavam entender o que acontecia no país, o líder mercenário foi a fonte da pouca informação. Ninguém sabe ainda o que de fato aconteceu, mas durante algumas horas Prigozhin utilizou contra Putin uma das principais armas na Ucrânia: a guerra de informação.

Entre as mensagens postadas durante a rebelião no seu próprio canal, de 1,3 milhão de seguidores, Prigozhin acusou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, de ordenar ataques aéreos contra tropas do Wagner e as autoridades russas de mentir ao invadir a Ucrânia. As mensagens eram acompanhadas de vídeos, com a finalidade de corroborar com as alegações (segundo analistas do Meduza, um jornal independente russo, alguns vídeos foram encenados). Mas a revolta se arrefeceu rapidamente após um rápido acordo, e o líder mercenário recuou na sua marcha a Moscou.

Para uma rebelião que significou o maior desafio ao poder soberano de Vladimir Putin na Rússia desde que este chegou à presidência, em 2000, as informações confiáveis sobre o episódio permanecem poucas. Por um lado, isso se deve ao controle rígido do Kremlin sobre a imprensa, com veículos independentes forçados a fechar ou a ter seus jornalistas retirados do país. Por outro, se deve ao fato do próprio Prigozhin fazer parte da máquina de desinformação construída por Putin há anos e saber como utilizá-la.

“Esse é um episódio confuso. Nós não podemos confiar em Putin, nós não podemos confiar em Prigozhin. Não sabemos a verdade, e isso acontece pela máquina de desinformação criada pela Rússia com o apoio de Prigozhin”, resume o analista Jakub Kalenský, do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês). “Na Ucrânia e em vários países do mundo, essa estratégia que agora atingiu o poder de Putin foi utilizada com a mesma finalidade, de confundir”.

Desinformação na guerra contra a Ucrânia

Na Ucrânia, as campanhas de desinformação da Rússia começaram muito antes da atual guerra e se tornaram cruciais durante o conflito. Através de redes sociais, a propaganda russa se espalhou para justificar a invasão, minar a confiança dos ucranianos no governo e fazer revisionismos históricos, como insistir que a Crimeia sempre fez parte da Rússia.

As campanhas são feitas através de perfis falsos em redes sociais, sites anônimos, que emulam jornais confiáveis, e da mídia estatal. Uma das principais estruturas utilizadas pela Rússia é a Internet Research Agency, a notória organização de “trolls” (perfis caracterizados por inflar discussões na internet) que é acusada de tentar manipular as eleições americanas de 2016 a favor de Donald Trump. Por trás da organização, está Ievgeni Prighozin.

Segundo Jakub Kalenský, essas campanhas são adaptadas de diferentes formas dentro da Ucrânia e em outros países do mundo para mais de uma finalidade. “Na Ucrânia ela é utilizada para diminuir a resistência ucraniana e aumentar o apoio à Rússia. Em outros países, principalmente no Sul Global, isso é diferente, e a Rússia busca construir a imagem de que a guerra na Ucrânia é uma luta contra o imperialismo”, declarou.

No Reino Unido, por exemplo, influenciadores do TikTok estavam recebendo pagamentos russos para ampliar as narrativas do Kremlin, de acordo com uma investigação do governo publicada pelo jornal The Guardian no ano passado. Os trolls, por sua vez, ficavam responsáveis por engajar perfis genuínos que têm opinião favorável à Rússia. A investigação sugere que uma das principais tarefas destes é brigar para direcionar a atenção dos comentários a favor dos russos.

A desinformação também é feita de maneira oficial. No início do conflito, as embaixadas russas espalhadas pelo mundo, incluindo a do Brasil, publicaram mensagens justificando a guerra como um conflito contra o imperialismo ocidental. A mídia estatal fez paralelos entre a invasão e supostos crimes de guerra cometidos por outros países, numa estratégia chamada por analistas de “whataboutisms” (responder um problema original comparando-o a um problema diferente que não se relaciona com o original).

Segundo um relatório da NewsGuard, uma organização americana criada com o intuito de combate à desinformação, entre as campanhas mais disseminadas pela Rússia estão:

  • Construir o massacre de civis em Bucha, em março de 2022, como uma encenação promovida pela Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA estavam desenvolvendo armas biológicas com o objetivo de atingir russófonos no leste da Ucrânia;
  • Afirmar que os EUA e o Reino Unido enviaram armas desatualizadas e obsoletas para a Ucrânia;
  • Desmentir que a Rússia realiza ataques aéreos em infraestruturas civis da Ucrânia, acusando o próprio governo ucraniano de realizar os ataques em bandeiras falsas;
  • Afirmar que a Ucrânia treina crianças para o seu Exército.

A veracidade dos fatos que a Rússia tenta desmentir ou falsear foram verificadas por diversas organizações midiáticas do mundo.

Como grande parte das campanhas de desinformação, os russos utilizam aspectos verdadeiros para construir falsas narrativas. Segundo reportagem da Associated Press, os laboratórios biológicos americanos na Ucrânia, por exemplo, existem desde os anos 90 como parte da iniciativa Programa de Redução de Armas Biológicas. O programa tem um site oficial no qual o governo americano afirma ter parceria com o governo da Ucrânia desde 2005.

O vácuo de informações confiáveis

Segundo Jakub Kalenský, o sucesso das campanhas de desinformação dependem em grande medida da resiliência das sociedades atingidas, baseada no grau de uma imprensa independente, nível educacional e confiança da população no governo. “Essas características inexistiam na Ucrânia quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014″, declarou Kalenský. “Desde então, o país investiu em informações confiáveis, baniu canais russos que propagavam desinformação e se tornou mais resiliente, mas ainda é vulnerável”, acrescentou.

De acordo com o relatório anual do instituto Open Society, a Ucrânia ainda permanece com um dos níveis mais baixos da Europa de educação midiática – um outro termo utilizado para designar a capacidade de um país de se proteger da desinformação. Hoje, no entanto, o país demonstra mais capacidade de se proteger no campo midiático especialmente por causa da ajuda de aliados. Antes da guerra, por exemplo, o país se antecipou ao revelar publicamente as informações das tropas russas na fronteira.

Mas, antes da guerra, o país demonstrou com o auxílio de aliados, especialmente os Estados Unidos, que havia aprendido a se proteger no campo midiático ao antecipar movimentos das tropas russas na fronteira e divulgá-los.

O que de fato aconteceu em diversos acontecimentos na guerra é desconhecido e cria um vácuo de fontes de informação confiáveis facilmente preenchido por uma onda de desinformação. É o caso da barragem de Kakhovka, rompida no mês passado e no qual Rússia e Ucrânia se acusam mutuamente. Ou a sabotagem ao gasoduto de Nord Stream no ano passado, no qual os russos foram acusados inicialmente, mas que os EUA acreditam que a Ucrânia foi responsável.

Para Kalenský, os ucranianos também aproveitam para usar os vácuos a seu favor, mas não faz de maneira sistemática como a Rússia por sequer possuir infraestrutura capaz. “Quando falamos sobre desinformação, estamos falando de algo sistemático, que se utiliza de muitos canais, de diversos atores. A Ucrânia não tem estrutura para fazer isso. E, se tivesse, rapidamente perderia o apoio que conquistou na guerra”, concluiu.

Alvo da própria armadilha

A ausência de informações confiáveis também promove desinformação dentro da própria Rússia. Desde que a guerra começou, o Kremlin tem aumentado a repressão contra a imprensa independente. Os canais estatais se espalharam e muitos russos recorrem aos canais de Telegram, um aplicativo russo, para ter acesso a outras fontes de informação. Foi lá que Ievgeni Prigozhin conseguiu disseminar sua mensagem para milhares de seguidores.

À medida que as tropas mercenárias do Wagner se envolveram fortemente nos combates da Ucrânia, especialmente em Bakhmut, Prigozhin se tornou um dos rostos mais proeminentes, com mensagens frequentes e muitas vezes cruéis do front. Aos poucos, o mercenário começou a se irritar com autoridades do Ministério da Defesa da Rússia e direcionar mensagens contra estes com diversas acusações. O Kremlin se viu na própria armadilha.

O rápido levante de Prigozhin terminou com um acordo mediado pelo ditador de Belarus e grande aliado de Putin, Alexsander Lukashenko. O mercenário ficou em silêncio por dois dias, e seu paradeiro era desconhecido. No terceiro dia após o acordo, dia 26 de junho, ele reapareceu afirmando que as tropas do Wagner teriam recebido apoio em diversas cidades. Fotos de moradores tirando selfie com ele na saída de Rostov-on-Don reforçam a tese. Mas o jornal independente Moscow Times, que está bloqueado na Rússia desde 2022 pelo órgão censor Roskomnadzor, contesta que esse apoio tenha acontecido como Prigozhin afirma. Dentro da Rússia, no entanto, é impossível saber qual a ideia tem circulado mais fortemente.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.