Como quatro líderes estão virando o mundo de cabeça para baixo; leia a coluna de Thomas Friedman


Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu, cada um à sua maneira, criaram perturbações dentro e fora de seus países

Por Thomas Friedman

THE NEW YORK TIMES — Desde o dia em que aprendi que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo “Guerra Fria” para definir o conflito que emergia entre a União Soviética e os Estados Unidos, eu achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem que ganhar um nome. Então aqui vai: é a era do “Isso não estava nos planos”.

Eu sei, eu sei, não é uma expressão fácil de articular — e não espero que cole. Mas gente, ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Eu estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário “e funerais”. Depois de digitar a citação na minha coluna, eu acrescentei meu próprio comentário: “Isso não estava nos planos”. Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Europeia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. E então, como um meteoro, esta invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.

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Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente — e muitos planos de muitos países — saíram completamente dos trilhos nos últimos tempos. Nós entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria que abrangeu os 30 anos que se passaram desde a queda do Muro de Berlim.

Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: todos acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.

Presidente da Rússia Vladimir Putin fala em videoconferência, 04 de outubro de 2023.  Foto: MIKHAIL METZEL / AFP
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Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro indivíduos — cada um à sua maneira — criaram perturbações massivas dentro e fora de seus países com base puramente em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram enormemente a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejar sabiamente para o futuro.

Vejam Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Iéltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação.

Mas então a renda com o petróleo começou a fraquejar e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War”, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos anti-Putin de seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar. A solução de Putin: “Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado”, disse-me Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan.

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No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.

Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada ultimamente. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos — respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao — e fez-se presidente indefinidamente. Xi aparentemente acreditou que o Partido Comunista Chinês estava perdendo o controle — ocasionando disseminação da corrupção — e portanto reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo que eliminou qualquer rival.

Presidente chinês Xi Jinping propõe brinde no aniversário de 74 anos de fundação da República Popular da China, Congresso do Povo, Pequim, 28 de setembro de 2023.  Foto: AP Photo/Andy Wong, Pool
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Isso tornou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao — com desaparecimentos súbitos de ministros da Defesa e de Relações Exteriores para completar — e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que poderia equivaler a um terremoto na economia global.

Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno — um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.

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O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada, que “Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim” e que houve “dano às unidades na reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional”.

E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas. Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares. Israel é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região.

Mas se nós tivermos mais três anos deste governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade na região, não de estabilidade, e um aliado muito mais incerto — mais como a Turquia e menos como Israel de antes.

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Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, fala sobre inclusão de Israel em programa de visto dos EUS, Jerusalém, 28 de setembro de 2023. Foto: CHAIM GOLDBERG / AFP

E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze’ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: “Ele começou com uma visão de mundo que dizia, ‘Eu sou o melhor líder para Israel neste momento’; que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz, ‘A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa’”.

Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Donald Trump para reverter nossa eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e ver esse mesmo homem se tornar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos — para que não seja a última. Isso não estava nos planos.

O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais — a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano — não foram capazes de refreá-los inteiramente.

Mas também existem diferenças importantes entre os quatro. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos — e nenhum deles começou uma guerra. Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo cada vez mais linha-dura poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.

Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica que colocou o primeiro satélite em órbita em 1957 em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de discar 0800-COREIADONORTE para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.

Donald Trump fala com apoiadores em comício em Iwoa, 20 de setembro de 2023. Foto: Washington Post /Jabin Botsford

Trump, em última instância, é o mais perigoso do quarteto — e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante do mundo depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas.

Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar criadores de problemas, incluindo Putin. É isso que torna a perspectiva de outra presidência de Trump tão assustadora, insensata e inconcebível.

Porque os EUA ainda são o pilar que sustenta o mundo. Nós nem sempre fazemos isso sabiamente, mas se nós pararmos completamente de fazer isso, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se nós vacilarmos, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano.

Haverá um nome fácil para esse período: Era da Desordem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES — Desde o dia em que aprendi que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo “Guerra Fria” para definir o conflito que emergia entre a União Soviética e os Estados Unidos, eu achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem que ganhar um nome. Então aqui vai: é a era do “Isso não estava nos planos”.

Eu sei, eu sei, não é uma expressão fácil de articular — e não espero que cole. Mas gente, ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Eu estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário “e funerais”. Depois de digitar a citação na minha coluna, eu acrescentei meu próprio comentário: “Isso não estava nos planos”. Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Europeia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. E então, como um meteoro, esta invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.

Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente — e muitos planos de muitos países — saíram completamente dos trilhos nos últimos tempos. Nós entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria que abrangeu os 30 anos que se passaram desde a queda do Muro de Berlim.

Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: todos acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.

Presidente da Rússia Vladimir Putin fala em videoconferência, 04 de outubro de 2023.  Foto: MIKHAIL METZEL / AFP

Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro indivíduos — cada um à sua maneira — criaram perturbações massivas dentro e fora de seus países com base puramente em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram enormemente a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejar sabiamente para o futuro.

Vejam Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Iéltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação.

Mas então a renda com o petróleo começou a fraquejar e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War”, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos anti-Putin de seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar. A solução de Putin: “Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado”, disse-me Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan.

No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.

Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada ultimamente. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos — respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao — e fez-se presidente indefinidamente. Xi aparentemente acreditou que o Partido Comunista Chinês estava perdendo o controle — ocasionando disseminação da corrupção — e portanto reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo que eliminou qualquer rival.

Presidente chinês Xi Jinping propõe brinde no aniversário de 74 anos de fundação da República Popular da China, Congresso do Povo, Pequim, 28 de setembro de 2023.  Foto: AP Photo/Andy Wong, Pool

Isso tornou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao — com desaparecimentos súbitos de ministros da Defesa e de Relações Exteriores para completar — e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que poderia equivaler a um terremoto na economia global.

Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno — um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.

O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada, que “Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim” e que houve “dano às unidades na reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional”.

E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas. Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares. Israel é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região.

Mas se nós tivermos mais três anos deste governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade na região, não de estabilidade, e um aliado muito mais incerto — mais como a Turquia e menos como Israel de antes.

Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, fala sobre inclusão de Israel em programa de visto dos EUS, Jerusalém, 28 de setembro de 2023. Foto: CHAIM GOLDBERG / AFP

E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze’ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: “Ele começou com uma visão de mundo que dizia, ‘Eu sou o melhor líder para Israel neste momento’; que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz, ‘A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa’”.

Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Donald Trump para reverter nossa eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e ver esse mesmo homem se tornar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos — para que não seja a última. Isso não estava nos planos.

O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais — a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano — não foram capazes de refreá-los inteiramente.

Mas também existem diferenças importantes entre os quatro. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos — e nenhum deles começou uma guerra. Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo cada vez mais linha-dura poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.

Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica que colocou o primeiro satélite em órbita em 1957 em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de discar 0800-COREIADONORTE para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.

Donald Trump fala com apoiadores em comício em Iwoa, 20 de setembro de 2023. Foto: Washington Post /Jabin Botsford

Trump, em última instância, é o mais perigoso do quarteto — e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante do mundo depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas.

Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar criadores de problemas, incluindo Putin. É isso que torna a perspectiva de outra presidência de Trump tão assustadora, insensata e inconcebível.

Porque os EUA ainda são o pilar que sustenta o mundo. Nós nem sempre fazemos isso sabiamente, mas se nós pararmos completamente de fazer isso, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se nós vacilarmos, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano.

Haverá um nome fácil para esse período: Era da Desordem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES — Desde o dia em que aprendi que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo “Guerra Fria” para definir o conflito que emergia entre a União Soviética e os Estados Unidos, eu achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem que ganhar um nome. Então aqui vai: é a era do “Isso não estava nos planos”.

Eu sei, eu sei, não é uma expressão fácil de articular — e não espero que cole. Mas gente, ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Eu estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário “e funerais”. Depois de digitar a citação na minha coluna, eu acrescentei meu próprio comentário: “Isso não estava nos planos”. Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Europeia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. E então, como um meteoro, esta invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.

Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente — e muitos planos de muitos países — saíram completamente dos trilhos nos últimos tempos. Nós entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria que abrangeu os 30 anos que se passaram desde a queda do Muro de Berlim.

Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: todos acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.

Presidente da Rússia Vladimir Putin fala em videoconferência, 04 de outubro de 2023.  Foto: MIKHAIL METZEL / AFP

Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro indivíduos — cada um à sua maneira — criaram perturbações massivas dentro e fora de seus países com base puramente em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram enormemente a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejar sabiamente para o futuro.

Vejam Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Iéltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação.

Mas então a renda com o petróleo começou a fraquejar e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War”, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos anti-Putin de seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar. A solução de Putin: “Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado”, disse-me Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan.

No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.

Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada ultimamente. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos — respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao — e fez-se presidente indefinidamente. Xi aparentemente acreditou que o Partido Comunista Chinês estava perdendo o controle — ocasionando disseminação da corrupção — e portanto reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo que eliminou qualquer rival.

Presidente chinês Xi Jinping propõe brinde no aniversário de 74 anos de fundação da República Popular da China, Congresso do Povo, Pequim, 28 de setembro de 2023.  Foto: AP Photo/Andy Wong, Pool

Isso tornou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao — com desaparecimentos súbitos de ministros da Defesa e de Relações Exteriores para completar — e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que poderia equivaler a um terremoto na economia global.

Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno — um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.

O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada, que “Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim” e que houve “dano às unidades na reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional”.

E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas. Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares. Israel é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região.

Mas se nós tivermos mais três anos deste governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade na região, não de estabilidade, e um aliado muito mais incerto — mais como a Turquia e menos como Israel de antes.

Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, fala sobre inclusão de Israel em programa de visto dos EUS, Jerusalém, 28 de setembro de 2023. Foto: CHAIM GOLDBERG / AFP

E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze’ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: “Ele começou com uma visão de mundo que dizia, ‘Eu sou o melhor líder para Israel neste momento’; que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz, ‘A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa’”.

Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Donald Trump para reverter nossa eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e ver esse mesmo homem se tornar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos — para que não seja a última. Isso não estava nos planos.

O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais — a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano — não foram capazes de refreá-los inteiramente.

Mas também existem diferenças importantes entre os quatro. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos — e nenhum deles começou uma guerra. Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo cada vez mais linha-dura poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.

Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica que colocou o primeiro satélite em órbita em 1957 em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de discar 0800-COREIADONORTE para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.

Donald Trump fala com apoiadores em comício em Iwoa, 20 de setembro de 2023. Foto: Washington Post /Jabin Botsford

Trump, em última instância, é o mais perigoso do quarteto — e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante do mundo depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas.

Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar criadores de problemas, incluindo Putin. É isso que torna a perspectiva de outra presidência de Trump tão assustadora, insensata e inconcebível.

Porque os EUA ainda são o pilar que sustenta o mundo. Nós nem sempre fazemos isso sabiamente, mas se nós pararmos completamente de fazer isso, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se nós vacilarmos, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano.

Haverá um nome fácil para esse período: Era da Desordem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES — Desde o dia em que aprendi que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo “Guerra Fria” para definir o conflito que emergia entre a União Soviética e os Estados Unidos, eu achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem que ganhar um nome. Então aqui vai: é a era do “Isso não estava nos planos”.

Eu sei, eu sei, não é uma expressão fácil de articular — e não espero que cole. Mas gente, ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Eu estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário “e funerais”. Depois de digitar a citação na minha coluna, eu acrescentei meu próprio comentário: “Isso não estava nos planos”. Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Europeia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. E então, como um meteoro, esta invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.

Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente — e muitos planos de muitos países — saíram completamente dos trilhos nos últimos tempos. Nós entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria que abrangeu os 30 anos que se passaram desde a queda do Muro de Berlim.

Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: todos acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.

Presidente da Rússia Vladimir Putin fala em videoconferência, 04 de outubro de 2023.  Foto: MIKHAIL METZEL / AFP

Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro indivíduos — cada um à sua maneira — criaram perturbações massivas dentro e fora de seus países com base puramente em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram enormemente a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejar sabiamente para o futuro.

Vejam Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Iéltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação.

Mas então a renda com o petróleo começou a fraquejar e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War”, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos anti-Putin de seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar. A solução de Putin: “Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado”, disse-me Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan.

No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.

Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada ultimamente. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos — respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao — e fez-se presidente indefinidamente. Xi aparentemente acreditou que o Partido Comunista Chinês estava perdendo o controle — ocasionando disseminação da corrupção — e portanto reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo que eliminou qualquer rival.

Presidente chinês Xi Jinping propõe brinde no aniversário de 74 anos de fundação da República Popular da China, Congresso do Povo, Pequim, 28 de setembro de 2023.  Foto: AP Photo/Andy Wong, Pool

Isso tornou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao — com desaparecimentos súbitos de ministros da Defesa e de Relações Exteriores para completar — e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que poderia equivaler a um terremoto na economia global.

Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno — um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.

O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada, que “Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim” e que houve “dano às unidades na reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional”.

E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas. Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares. Israel é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região.

Mas se nós tivermos mais três anos deste governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade na região, não de estabilidade, e um aliado muito mais incerto — mais como a Turquia e menos como Israel de antes.

Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, fala sobre inclusão de Israel em programa de visto dos EUS, Jerusalém, 28 de setembro de 2023. Foto: CHAIM GOLDBERG / AFP

E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze’ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: “Ele começou com uma visão de mundo que dizia, ‘Eu sou o melhor líder para Israel neste momento’; que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz, ‘A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa’”.

Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Donald Trump para reverter nossa eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e ver esse mesmo homem se tornar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos — para que não seja a última. Isso não estava nos planos.

O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais — a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano — não foram capazes de refreá-los inteiramente.

Mas também existem diferenças importantes entre os quatro. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos — e nenhum deles começou uma guerra. Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo cada vez mais linha-dura poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.

Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica que colocou o primeiro satélite em órbita em 1957 em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de discar 0800-COREIADONORTE para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.

Donald Trump fala com apoiadores em comício em Iwoa, 20 de setembro de 2023. Foto: Washington Post /Jabin Botsford

Trump, em última instância, é o mais perigoso do quarteto — e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante do mundo depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas.

Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar criadores de problemas, incluindo Putin. É isso que torna a perspectiva de outra presidência de Trump tão assustadora, insensata e inconcebível.

Porque os EUA ainda são o pilar que sustenta o mundo. Nós nem sempre fazemos isso sabiamente, mas se nós pararmos completamente de fazer isso, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se nós vacilarmos, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano.

Haverá um nome fácil para esse período: Era da Desordem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES — Desde o dia em que aprendi que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo “Guerra Fria” para definir o conflito que emergia entre a União Soviética e os Estados Unidos, eu achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem que ganhar um nome. Então aqui vai: é a era do “Isso não estava nos planos”.

Eu sei, eu sei, não é uma expressão fácil de articular — e não espero que cole. Mas gente, ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Eu estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário “e funerais”. Depois de digitar a citação na minha coluna, eu acrescentei meu próprio comentário: “Isso não estava nos planos”. Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Europeia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. E então, como um meteoro, esta invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.

Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente — e muitos planos de muitos países — saíram completamente dos trilhos nos últimos tempos. Nós entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria que abrangeu os 30 anos que se passaram desde a queda do Muro de Berlim.

Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: todos acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.

Presidente da Rússia Vladimir Putin fala em videoconferência, 04 de outubro de 2023.  Foto: MIKHAIL METZEL / AFP

Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro indivíduos — cada um à sua maneira — criaram perturbações massivas dentro e fora de seus países com base puramente em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram enormemente a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejar sabiamente para o futuro.

Vejam Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Iéltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação.

Mas então a renda com o petróleo começou a fraquejar e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War”, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos anti-Putin de seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar. A solução de Putin: “Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado”, disse-me Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan.

No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.

Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada ultimamente. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos — respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao — e fez-se presidente indefinidamente. Xi aparentemente acreditou que o Partido Comunista Chinês estava perdendo o controle — ocasionando disseminação da corrupção — e portanto reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo que eliminou qualquer rival.

Presidente chinês Xi Jinping propõe brinde no aniversário de 74 anos de fundação da República Popular da China, Congresso do Povo, Pequim, 28 de setembro de 2023.  Foto: AP Photo/Andy Wong, Pool

Isso tornou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao — com desaparecimentos súbitos de ministros da Defesa e de Relações Exteriores para completar — e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que poderia equivaler a um terremoto na economia global.

Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno — um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.

O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada, que “Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim” e que houve “dano às unidades na reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional”.

E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas. Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares. Israel é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região.

Mas se nós tivermos mais três anos deste governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade na região, não de estabilidade, e um aliado muito mais incerto — mais como a Turquia e menos como Israel de antes.

Primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, fala sobre inclusão de Israel em programa de visto dos EUS, Jerusalém, 28 de setembro de 2023. Foto: CHAIM GOLDBERG / AFP

E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze’ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: “Ele começou com uma visão de mundo que dizia, ‘Eu sou o melhor líder para Israel neste momento’; que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz, ‘A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa’”.

Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Donald Trump para reverter nossa eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e ver esse mesmo homem se tornar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos — para que não seja a última. Isso não estava nos planos.

O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais — a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano — não foram capazes de refreá-los inteiramente.

Mas também existem diferenças importantes entre os quatro. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos — e nenhum deles começou uma guerra. Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo cada vez mais linha-dura poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.

Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica que colocou o primeiro satélite em órbita em 1957 em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de discar 0800-COREIADONORTE para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.

Donald Trump fala com apoiadores em comício em Iwoa, 20 de setembro de 2023. Foto: Washington Post /Jabin Botsford

Trump, em última instância, é o mais perigoso do quarteto — e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante do mundo depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas.

Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar criadores de problemas, incluindo Putin. É isso que torna a perspectiva de outra presidência de Trump tão assustadora, insensata e inconcebível.

Porque os EUA ainda são o pilar que sustenta o mundo. Nós nem sempre fazemos isso sabiamente, mas se nós pararmos completamente de fazer isso, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se nós vacilarmos, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano.

Haverá um nome fácil para esse período: Era da Desordem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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