Opinião|Como ser pró-palestinos, pró-israelenses e pró-iranianos nos dias de hoje


A solução começa com o reconhecimento de que há provavelmente zero esperança de qualquer resolução para o conflito israelo-palestino ou o conflito Israel-Irã sem mudanças de liderança em Teerã, Jerusalém e Ramallah

Por Thomas Friedman

O ataque com mísseis e drones contra Israel no fim de semana representou uma escalada divisora de águas que exige uma reformulação igualmente drástica da parte de Israel e seu aliado mais importante, os Estados Unidos. Eu a chamo de “solução de três Estados”.

Ela começa com o reconhecimento de que há provavelmente zero esperança de qualquer resolução para o conflito israelo-palestino ou o conflito Israel-Irã sem mudanças de liderança em Teerã, Jerusalém e Ramallah.

Começando por Teerã: não sou favorável a nenhuma tentativa do Ocidente de derrubar a República Islâmica do Irã de fora para dentro, mas rezo para que um dia o povo iraniano o faça desde dentro.

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“Essa região não verá nenhuma paz significativa ou estabilidade enquanto o atual governo ocupar o poder em Teerã”, explicou o especialista em Irã Karim Sadjadpour, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Porque os vastos recursos e treinamentos iranianos financiam os 5% de fanáticos que estão transformando num inferno as vidas de 95% dos palestinos, libaneses, sírios, iemenitas e iraquianos que só querem viver em paz. Parafraseando Shimon Peres a respeito das perspectivas para mudanças no Irã, a boa notícia é que existe luz no fim desse túnel. A má notícia é que hoje esse túnel não existe.”

Iranianos passam por cartaz contra Israel em Teerã, Israel  Foto: Abedin Taherkenareh/EFE

Dada a quantidade de vezes que os iranianos desafiaram seu regime teocrático e foram esmagados por seu punho de ferro, é evidente que uma vontade existe. Só temos de esperar que eles encontrem logo o caminho.

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Porque Irã e Israel foram no passado aliados naturais: as duas principais potências não árabes no Oriente Médio. Isso mudou com a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime em Teerã que priorizou a disseminação da ideologia islâmica — e do desejo de destruição do Estado judaico de Israel — em detrimento do bem-estar dos iranianos. Se o Irã fosse apenas um Estado normal priorizando o avanço de seu próprio povo em vez da destruição de um outro, isso abriria uma porta enorme para a região.

Foi bom perceber que o regime de Teerã não ganhou tanta popularidade na região por disparar mais de 300 drones e mísseis contra Israel no sábado — quase todos interceptados ou caindo sem causar nenhum dano. Na verdade, perfis em redes sociais no mundo árabe inundaram-se de piadas caçoando do regime iraniano pelo resultado 300-a-zero e sugerindo que os únicos mortos morreram de rir.

O aitatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, participa de coletiva de imprensa em Teerã  Foto: Arash Khamooshi/NYT
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Quando afirmo que precisamos de uma mudança de regime em Ramallah, me refiro à corrupta e inepta Autoridade Palestina liderada por Mahmoud Abbas, de 88 anos. Por que a Autoridade Palestina é tão importante? Porque ainda aceita viver em paz com Israel e o ordenamento de Oslo destinado ao caminho da solução de dois Estados para dois povos originários. É isso que torna uma Autoridade Palestina forte a pedra angular de qualquer paz entre israelenses e palestinos, assim como de uma aliança árabe-israelense-ocidental sustentável para dissuadir ou confrontar o Irã.

Então, se você quiser ser pró-palestinos hoje — assim como pró-Israel, pró-acordo EUA-Arábia Saudita-Israel, pró-Acordos de Abraão ou contra o regime iraniano — a coisa mais importante pela qual você tem de pressionar, protestar, se voluntariar e colaborar é a transformação da Autoridade Palestina em uma instituição governamental liderada profissionalmente, não corrupta, transparente para os doadores e eficaz.

Uma Autoridade Palestina nesses moldes pode ser parceira em uma solução de dois Estados com Israel, substituir as forças israelenses, com a ajuda de Exércitos árabes, e governar Gaza no lugar do pró-iraniano Hamas cheio de ódio contra Israel — isso se for possível desmantelar o grupo.

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Eu costumo dar notas altas à equipe de Biden em geral por sua atuação em resposta à enormemente tensa e complexa guerra em Gaza — e, no fim de semana, ajudando Israel a lidar com o ataque a mísseis iraniano. Mas um erro crítico que a Casa Branca cometeu foi ter permanecido passiva conforme o presidente Abbas nomeou um “novo” governo, liderado por um aliado como primeiro-ministro, o empresário Muhammad Mustafa, em março. Não foi o governo de mudança que muitos palestinos esperavam, árabes moderados exigiam e o povo palestino tanto precisa.

O então primeiro-ministro de Israel, Itzhak Rabin, cumprimenta o líder palestino Yasser Arafat, ao lado do então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em Washington, Estados Unidos  Foto: Ron Edmonds / AP

Como qualquer jornalista que já trabalhou na Cisjordânia bem sabe, há muitas lideranças talentosas entre os palestinos de lá, assim como no exterior — homens e mulheres altamente escolarizados e capazes. Mas muito poucas dessas pessoas foram empregadas pela Autoridade Palestina, que precisa dos melhores e mais inteligentes palestinos neste momento crítico.

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Países como Emirados Árabes Unidos estão prontos para entrar e assessorar, treinar e financiar uma Autoridade Palestina transformadora e até garantir sua segurança em Gaza com suas Forças Armadas — mas isso não vai acontecer enquanto o presidente Abbas não se aposentar. A Autoridade Palestina precisa de um construtor de instituições comprovado e não corrupto nos moldes do ex-primeiro-ministro Salam Fayyad, o melhor exemplo de líder palestino em todos os tempos.

O que nos leva à razão de também precisarmos de uma mudança na liderança em Israel hoje. Ninguém trabalhou mais para frustrar e evitar o surgimento de uma Autoridade Palestina eficaz do que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que passou anos assegurando que o Hamas obtivesse recursos suficientes do Catar para permanecer no poder em Gaza e evitar a existência de um organismo palestino unificado de tomada de decisão — ao mesmo tempo que difamava a Autoridade Palestina por todas as suas falhas. Netanyahu nunca elogiou a Autoridade Palestina por permanecer não violenta (ao contrário do Hamas) e pela maneira que seus serviços de segurança ajudaram Israel a evitar que a Cisjordânia explodisse apesar da enorme expansão dos assentamentos coloniais israelenses. A estratégia de Netanyahu foi vergonhosa e, hoje nós percebemos, não atendeu ao interesse de Israel.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acena durante uma cerimonia com novos ministros em Ramallah  Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP
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Muitos palestinos — e seus apoiadores no exterior — dizem hoje, “Bem, se Israel afirma que não há diferença entre a Autoridade Palestina e o Hamas, talvez nós devêssemos simplesmente apoiar o Hamas”. De que forma isso atende ao interesse de Israel?

Além disso, Israel invadiu Gaza em outubro sob a liderança de Netanyahu sem nenhuma estratégia de saída, nenhum plano para o dia seguinte e nenhum parceiro palestino que possa governar Gaza, com o apoio de Exércitos árabes, se Israel for capaz de derrubar o governo do Hamas.

Netanyahu não se aliará à Autoridade Palestina porque é julgado por corrupção e precisa seguir na função para, caso for condenado, poder negociar um acordo para ficar fora da cadeia. A única maneira que ele pode fazer isso é por meio do apoio dos partidos de extrema direita de supremacistas judeus e colonos que compõem a sua coalizão, que se recusam a ver a Autoridade Palestina se tornar um organismo governamental eficaz porque isso significaria que a entidade viraria uma parceira legítima de uma solução de dois Estados — que forçaria Israel e abrir mão de parte da Cisjordânia ou de todo seu território.

Isso é incrivelmente perigoso para Israel tanto em relação ao futuro de Gaza — como podemos perceber claramente agora — quanto a respeito do confronto com o Irã, que está entrando em um nível totalmente novo.

Israel, conforme demonstrado no fim de semana, não conseguiria ter lidado eficazmente com o ataque com mísseis do Irã sem uma aliança regional — sem uma coordenação próxima com a Jordânia e os Estados árabes do Golfo, que forneceram detecção precoce; e com a Jordânia derrubando mísseis e drones iranianos a caminho de Israel. Os israelenses também contaram com ajuda das Forças Aéreas americanas, britânicas e francesas, assim como da Marinha americana.

Atenção, atenção atenção: é uma fantasia completa acreditar que EUA, Jordânia e os aliados de Israel na Otan serão capazes de manter um longo confronto com o Irã — defendendo abertamente os israelenses — se Israel tiver um governo determinado em anexar a Cisjordânia e povoar todos os setores do território com assentamentos coloniais e permanecer em Gaza sem nenhum parceiro palestino legítimo.

A popularidade de Israel tem se erodido no mundo ocidental desde 7 de outubro — quem dirá no mundo árabe-muçulmano. O apoio que os israelenses obtiveram no fim de semana contra o Irã não é sustentável a não ser que Israel revele uma atitude transformada em relação à Autoridade Palestina e planos para sair de Gaza.

Mas fantasiemos em outra direção por um momento. Imaginem se Israel anunciar amanhã um congelamento em novos assentamentos, uma disposição para transferir mais responsabilidades de governo e segurança para a Autoridade Palestina na Cisjordânia e em Gaza — assim que construa essa capacidade — e uma disposição para convidar EUA, EAU e Arábia Saudita para ajudar a elevar a Autoridade Palestina a esse nível e financiar suas instituições. O que aconteceria imediatamente?

O Irã e o Hamas seriam esvaziados — em maior medida do que qualquer ataque a míssil israelense conseguiria.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

“Ai, meu Deus”, diriam a Guarda Revolucionária Iraniana e o Hamas, “isso é um desastre. Significa que nós não conseguiremos seguir deslegitimando Israel com facilidade no Ocidente. Significa que as condições para um tratado de segurança entre americanos, israelenses, palestinos e sauditas foram criadas. E significa que os governos árabes serão capazes de colaborar muito mais confortavelmente e abertamente com Israel contra o Irã e seus apoiadores. Um desastre”.

O que também significaria que o Irã não seria mais capaz de posar como o grande defensor da causa palestina — uma posição que simplesmente disfarça seu desejo peçonhento de destruir o Estado judaico e desvia a atenção do fato de o regime iraniano estar esmagando seu próprio povo, principalmente mulheres e meninas, e suas aspirações democráticas.

Israelenses bloqueiam uma avenida em Tel-Aviv em um protesto por conta da lentidão do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em negociar um acordo para a saída dos reféns israelenses que estão na Faixa de Gaza  Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Ao mesmo tempo, nos EUA e em outros países ocidentais colaborar com Israel não seria mais tão politicamente tóxico. E em relação a Moscou e Pequim, sua colaboração com o Irã pareceria tão cínica quanto realmente é — pró-Hamas, não pró-palestinos.

Sim, eu posso lhes assegurar: nada poderia beneficiar mais Israel estrategicamente.

Mas isso não poderá acontecer e não acontecerá enquanto Netanyahu seguir no poder.

Nós atravessamos um momento caótico no Oriente Médio neste momento. E minha única certeza é que uma Autoridade Palestina eficaz, crível e legítima é a pedra angular de qualquer desfecho decente: uma solução de dois Estados sustentável, uma aliança árabe-israelense sustentável contra o Irã, uma política sustentável dos EUA e da Otan no Oriente Médio para proteger a democracia de Israel contra o teocrático Irã e uma retirada sustentável da “carta palestina” das mãos de Teerã.

Mas para isso acontecer mudanças de liderança em Teerã, Ramallah e Jerusalém (e não em Washington) são imprescindíveis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ataque com mísseis e drones contra Israel no fim de semana representou uma escalada divisora de águas que exige uma reformulação igualmente drástica da parte de Israel e seu aliado mais importante, os Estados Unidos. Eu a chamo de “solução de três Estados”.

Ela começa com o reconhecimento de que há provavelmente zero esperança de qualquer resolução para o conflito israelo-palestino ou o conflito Israel-Irã sem mudanças de liderança em Teerã, Jerusalém e Ramallah.

Começando por Teerã: não sou favorável a nenhuma tentativa do Ocidente de derrubar a República Islâmica do Irã de fora para dentro, mas rezo para que um dia o povo iraniano o faça desde dentro.

“Essa região não verá nenhuma paz significativa ou estabilidade enquanto o atual governo ocupar o poder em Teerã”, explicou o especialista em Irã Karim Sadjadpour, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Porque os vastos recursos e treinamentos iranianos financiam os 5% de fanáticos que estão transformando num inferno as vidas de 95% dos palestinos, libaneses, sírios, iemenitas e iraquianos que só querem viver em paz. Parafraseando Shimon Peres a respeito das perspectivas para mudanças no Irã, a boa notícia é que existe luz no fim desse túnel. A má notícia é que hoje esse túnel não existe.”

Iranianos passam por cartaz contra Israel em Teerã, Israel  Foto: Abedin Taherkenareh/EFE

Dada a quantidade de vezes que os iranianos desafiaram seu regime teocrático e foram esmagados por seu punho de ferro, é evidente que uma vontade existe. Só temos de esperar que eles encontrem logo o caminho.

Porque Irã e Israel foram no passado aliados naturais: as duas principais potências não árabes no Oriente Médio. Isso mudou com a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime em Teerã que priorizou a disseminação da ideologia islâmica — e do desejo de destruição do Estado judaico de Israel — em detrimento do bem-estar dos iranianos. Se o Irã fosse apenas um Estado normal priorizando o avanço de seu próprio povo em vez da destruição de um outro, isso abriria uma porta enorme para a região.

Foi bom perceber que o regime de Teerã não ganhou tanta popularidade na região por disparar mais de 300 drones e mísseis contra Israel no sábado — quase todos interceptados ou caindo sem causar nenhum dano. Na verdade, perfis em redes sociais no mundo árabe inundaram-se de piadas caçoando do regime iraniano pelo resultado 300-a-zero e sugerindo que os únicos mortos morreram de rir.

O aitatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, participa de coletiva de imprensa em Teerã  Foto: Arash Khamooshi/NYT

Quando afirmo que precisamos de uma mudança de regime em Ramallah, me refiro à corrupta e inepta Autoridade Palestina liderada por Mahmoud Abbas, de 88 anos. Por que a Autoridade Palestina é tão importante? Porque ainda aceita viver em paz com Israel e o ordenamento de Oslo destinado ao caminho da solução de dois Estados para dois povos originários. É isso que torna uma Autoridade Palestina forte a pedra angular de qualquer paz entre israelenses e palestinos, assim como de uma aliança árabe-israelense-ocidental sustentável para dissuadir ou confrontar o Irã.

Então, se você quiser ser pró-palestinos hoje — assim como pró-Israel, pró-acordo EUA-Arábia Saudita-Israel, pró-Acordos de Abraão ou contra o regime iraniano — a coisa mais importante pela qual você tem de pressionar, protestar, se voluntariar e colaborar é a transformação da Autoridade Palestina em uma instituição governamental liderada profissionalmente, não corrupta, transparente para os doadores e eficaz.

Uma Autoridade Palestina nesses moldes pode ser parceira em uma solução de dois Estados com Israel, substituir as forças israelenses, com a ajuda de Exércitos árabes, e governar Gaza no lugar do pró-iraniano Hamas cheio de ódio contra Israel — isso se for possível desmantelar o grupo.

Eu costumo dar notas altas à equipe de Biden em geral por sua atuação em resposta à enormemente tensa e complexa guerra em Gaza — e, no fim de semana, ajudando Israel a lidar com o ataque a mísseis iraniano. Mas um erro crítico que a Casa Branca cometeu foi ter permanecido passiva conforme o presidente Abbas nomeou um “novo” governo, liderado por um aliado como primeiro-ministro, o empresário Muhammad Mustafa, em março. Não foi o governo de mudança que muitos palestinos esperavam, árabes moderados exigiam e o povo palestino tanto precisa.

O então primeiro-ministro de Israel, Itzhak Rabin, cumprimenta o líder palestino Yasser Arafat, ao lado do então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em Washington, Estados Unidos  Foto: Ron Edmonds / AP

Como qualquer jornalista que já trabalhou na Cisjordânia bem sabe, há muitas lideranças talentosas entre os palestinos de lá, assim como no exterior — homens e mulheres altamente escolarizados e capazes. Mas muito poucas dessas pessoas foram empregadas pela Autoridade Palestina, que precisa dos melhores e mais inteligentes palestinos neste momento crítico.

Países como Emirados Árabes Unidos estão prontos para entrar e assessorar, treinar e financiar uma Autoridade Palestina transformadora e até garantir sua segurança em Gaza com suas Forças Armadas — mas isso não vai acontecer enquanto o presidente Abbas não se aposentar. A Autoridade Palestina precisa de um construtor de instituições comprovado e não corrupto nos moldes do ex-primeiro-ministro Salam Fayyad, o melhor exemplo de líder palestino em todos os tempos.

O que nos leva à razão de também precisarmos de uma mudança na liderança em Israel hoje. Ninguém trabalhou mais para frustrar e evitar o surgimento de uma Autoridade Palestina eficaz do que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que passou anos assegurando que o Hamas obtivesse recursos suficientes do Catar para permanecer no poder em Gaza e evitar a existência de um organismo palestino unificado de tomada de decisão — ao mesmo tempo que difamava a Autoridade Palestina por todas as suas falhas. Netanyahu nunca elogiou a Autoridade Palestina por permanecer não violenta (ao contrário do Hamas) e pela maneira que seus serviços de segurança ajudaram Israel a evitar que a Cisjordânia explodisse apesar da enorme expansão dos assentamentos coloniais israelenses. A estratégia de Netanyahu foi vergonhosa e, hoje nós percebemos, não atendeu ao interesse de Israel.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acena durante uma cerimonia com novos ministros em Ramallah  Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP

Muitos palestinos — e seus apoiadores no exterior — dizem hoje, “Bem, se Israel afirma que não há diferença entre a Autoridade Palestina e o Hamas, talvez nós devêssemos simplesmente apoiar o Hamas”. De que forma isso atende ao interesse de Israel?

Além disso, Israel invadiu Gaza em outubro sob a liderança de Netanyahu sem nenhuma estratégia de saída, nenhum plano para o dia seguinte e nenhum parceiro palestino que possa governar Gaza, com o apoio de Exércitos árabes, se Israel for capaz de derrubar o governo do Hamas.

Netanyahu não se aliará à Autoridade Palestina porque é julgado por corrupção e precisa seguir na função para, caso for condenado, poder negociar um acordo para ficar fora da cadeia. A única maneira que ele pode fazer isso é por meio do apoio dos partidos de extrema direita de supremacistas judeus e colonos que compõem a sua coalizão, que se recusam a ver a Autoridade Palestina se tornar um organismo governamental eficaz porque isso significaria que a entidade viraria uma parceira legítima de uma solução de dois Estados — que forçaria Israel e abrir mão de parte da Cisjordânia ou de todo seu território.

Isso é incrivelmente perigoso para Israel tanto em relação ao futuro de Gaza — como podemos perceber claramente agora — quanto a respeito do confronto com o Irã, que está entrando em um nível totalmente novo.

Israel, conforme demonstrado no fim de semana, não conseguiria ter lidado eficazmente com o ataque com mísseis do Irã sem uma aliança regional — sem uma coordenação próxima com a Jordânia e os Estados árabes do Golfo, que forneceram detecção precoce; e com a Jordânia derrubando mísseis e drones iranianos a caminho de Israel. Os israelenses também contaram com ajuda das Forças Aéreas americanas, britânicas e francesas, assim como da Marinha americana.

Atenção, atenção atenção: é uma fantasia completa acreditar que EUA, Jordânia e os aliados de Israel na Otan serão capazes de manter um longo confronto com o Irã — defendendo abertamente os israelenses — se Israel tiver um governo determinado em anexar a Cisjordânia e povoar todos os setores do território com assentamentos coloniais e permanecer em Gaza sem nenhum parceiro palestino legítimo.

A popularidade de Israel tem se erodido no mundo ocidental desde 7 de outubro — quem dirá no mundo árabe-muçulmano. O apoio que os israelenses obtiveram no fim de semana contra o Irã não é sustentável a não ser que Israel revele uma atitude transformada em relação à Autoridade Palestina e planos para sair de Gaza.

Mas fantasiemos em outra direção por um momento. Imaginem se Israel anunciar amanhã um congelamento em novos assentamentos, uma disposição para transferir mais responsabilidades de governo e segurança para a Autoridade Palestina na Cisjordânia e em Gaza — assim que construa essa capacidade — e uma disposição para convidar EUA, EAU e Arábia Saudita para ajudar a elevar a Autoridade Palestina a esse nível e financiar suas instituições. O que aconteceria imediatamente?

O Irã e o Hamas seriam esvaziados — em maior medida do que qualquer ataque a míssil israelense conseguiria.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

“Ai, meu Deus”, diriam a Guarda Revolucionária Iraniana e o Hamas, “isso é um desastre. Significa que nós não conseguiremos seguir deslegitimando Israel com facilidade no Ocidente. Significa que as condições para um tratado de segurança entre americanos, israelenses, palestinos e sauditas foram criadas. E significa que os governos árabes serão capazes de colaborar muito mais confortavelmente e abertamente com Israel contra o Irã e seus apoiadores. Um desastre”.

O que também significaria que o Irã não seria mais capaz de posar como o grande defensor da causa palestina — uma posição que simplesmente disfarça seu desejo peçonhento de destruir o Estado judaico e desvia a atenção do fato de o regime iraniano estar esmagando seu próprio povo, principalmente mulheres e meninas, e suas aspirações democráticas.

Israelenses bloqueiam uma avenida em Tel-Aviv em um protesto por conta da lentidão do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em negociar um acordo para a saída dos reféns israelenses que estão na Faixa de Gaza  Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Ao mesmo tempo, nos EUA e em outros países ocidentais colaborar com Israel não seria mais tão politicamente tóxico. E em relação a Moscou e Pequim, sua colaboração com o Irã pareceria tão cínica quanto realmente é — pró-Hamas, não pró-palestinos.

Sim, eu posso lhes assegurar: nada poderia beneficiar mais Israel estrategicamente.

Mas isso não poderá acontecer e não acontecerá enquanto Netanyahu seguir no poder.

Nós atravessamos um momento caótico no Oriente Médio neste momento. E minha única certeza é que uma Autoridade Palestina eficaz, crível e legítima é a pedra angular de qualquer desfecho decente: uma solução de dois Estados sustentável, uma aliança árabe-israelense sustentável contra o Irã, uma política sustentável dos EUA e da Otan no Oriente Médio para proteger a democracia de Israel contra o teocrático Irã e uma retirada sustentável da “carta palestina” das mãos de Teerã.

Mas para isso acontecer mudanças de liderança em Teerã, Ramallah e Jerusalém (e não em Washington) são imprescindíveis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ataque com mísseis e drones contra Israel no fim de semana representou uma escalada divisora de águas que exige uma reformulação igualmente drástica da parte de Israel e seu aliado mais importante, os Estados Unidos. Eu a chamo de “solução de três Estados”.

Ela começa com o reconhecimento de que há provavelmente zero esperança de qualquer resolução para o conflito israelo-palestino ou o conflito Israel-Irã sem mudanças de liderança em Teerã, Jerusalém e Ramallah.

Começando por Teerã: não sou favorável a nenhuma tentativa do Ocidente de derrubar a República Islâmica do Irã de fora para dentro, mas rezo para que um dia o povo iraniano o faça desde dentro.

“Essa região não verá nenhuma paz significativa ou estabilidade enquanto o atual governo ocupar o poder em Teerã”, explicou o especialista em Irã Karim Sadjadpour, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Porque os vastos recursos e treinamentos iranianos financiam os 5% de fanáticos que estão transformando num inferno as vidas de 95% dos palestinos, libaneses, sírios, iemenitas e iraquianos que só querem viver em paz. Parafraseando Shimon Peres a respeito das perspectivas para mudanças no Irã, a boa notícia é que existe luz no fim desse túnel. A má notícia é que hoje esse túnel não existe.”

Iranianos passam por cartaz contra Israel em Teerã, Israel  Foto: Abedin Taherkenareh/EFE

Dada a quantidade de vezes que os iranianos desafiaram seu regime teocrático e foram esmagados por seu punho de ferro, é evidente que uma vontade existe. Só temos de esperar que eles encontrem logo o caminho.

Porque Irã e Israel foram no passado aliados naturais: as duas principais potências não árabes no Oriente Médio. Isso mudou com a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime em Teerã que priorizou a disseminação da ideologia islâmica — e do desejo de destruição do Estado judaico de Israel — em detrimento do bem-estar dos iranianos. Se o Irã fosse apenas um Estado normal priorizando o avanço de seu próprio povo em vez da destruição de um outro, isso abriria uma porta enorme para a região.

Foi bom perceber que o regime de Teerã não ganhou tanta popularidade na região por disparar mais de 300 drones e mísseis contra Israel no sábado — quase todos interceptados ou caindo sem causar nenhum dano. Na verdade, perfis em redes sociais no mundo árabe inundaram-se de piadas caçoando do regime iraniano pelo resultado 300-a-zero e sugerindo que os únicos mortos morreram de rir.

O aitatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, participa de coletiva de imprensa em Teerã  Foto: Arash Khamooshi/NYT

Quando afirmo que precisamos de uma mudança de regime em Ramallah, me refiro à corrupta e inepta Autoridade Palestina liderada por Mahmoud Abbas, de 88 anos. Por que a Autoridade Palestina é tão importante? Porque ainda aceita viver em paz com Israel e o ordenamento de Oslo destinado ao caminho da solução de dois Estados para dois povos originários. É isso que torna uma Autoridade Palestina forte a pedra angular de qualquer paz entre israelenses e palestinos, assim como de uma aliança árabe-israelense-ocidental sustentável para dissuadir ou confrontar o Irã.

Então, se você quiser ser pró-palestinos hoje — assim como pró-Israel, pró-acordo EUA-Arábia Saudita-Israel, pró-Acordos de Abraão ou contra o regime iraniano — a coisa mais importante pela qual você tem de pressionar, protestar, se voluntariar e colaborar é a transformação da Autoridade Palestina em uma instituição governamental liderada profissionalmente, não corrupta, transparente para os doadores e eficaz.

Uma Autoridade Palestina nesses moldes pode ser parceira em uma solução de dois Estados com Israel, substituir as forças israelenses, com a ajuda de Exércitos árabes, e governar Gaza no lugar do pró-iraniano Hamas cheio de ódio contra Israel — isso se for possível desmantelar o grupo.

Eu costumo dar notas altas à equipe de Biden em geral por sua atuação em resposta à enormemente tensa e complexa guerra em Gaza — e, no fim de semana, ajudando Israel a lidar com o ataque a mísseis iraniano. Mas um erro crítico que a Casa Branca cometeu foi ter permanecido passiva conforme o presidente Abbas nomeou um “novo” governo, liderado por um aliado como primeiro-ministro, o empresário Muhammad Mustafa, em março. Não foi o governo de mudança que muitos palestinos esperavam, árabes moderados exigiam e o povo palestino tanto precisa.

O então primeiro-ministro de Israel, Itzhak Rabin, cumprimenta o líder palestino Yasser Arafat, ao lado do então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em Washington, Estados Unidos  Foto: Ron Edmonds / AP

Como qualquer jornalista que já trabalhou na Cisjordânia bem sabe, há muitas lideranças talentosas entre os palestinos de lá, assim como no exterior — homens e mulheres altamente escolarizados e capazes. Mas muito poucas dessas pessoas foram empregadas pela Autoridade Palestina, que precisa dos melhores e mais inteligentes palestinos neste momento crítico.

Países como Emirados Árabes Unidos estão prontos para entrar e assessorar, treinar e financiar uma Autoridade Palestina transformadora e até garantir sua segurança em Gaza com suas Forças Armadas — mas isso não vai acontecer enquanto o presidente Abbas não se aposentar. A Autoridade Palestina precisa de um construtor de instituições comprovado e não corrupto nos moldes do ex-primeiro-ministro Salam Fayyad, o melhor exemplo de líder palestino em todos os tempos.

O que nos leva à razão de também precisarmos de uma mudança na liderança em Israel hoje. Ninguém trabalhou mais para frustrar e evitar o surgimento de uma Autoridade Palestina eficaz do que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que passou anos assegurando que o Hamas obtivesse recursos suficientes do Catar para permanecer no poder em Gaza e evitar a existência de um organismo palestino unificado de tomada de decisão — ao mesmo tempo que difamava a Autoridade Palestina por todas as suas falhas. Netanyahu nunca elogiou a Autoridade Palestina por permanecer não violenta (ao contrário do Hamas) e pela maneira que seus serviços de segurança ajudaram Israel a evitar que a Cisjordânia explodisse apesar da enorme expansão dos assentamentos coloniais israelenses. A estratégia de Netanyahu foi vergonhosa e, hoje nós percebemos, não atendeu ao interesse de Israel.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acena durante uma cerimonia com novos ministros em Ramallah  Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP

Muitos palestinos — e seus apoiadores no exterior — dizem hoje, “Bem, se Israel afirma que não há diferença entre a Autoridade Palestina e o Hamas, talvez nós devêssemos simplesmente apoiar o Hamas”. De que forma isso atende ao interesse de Israel?

Além disso, Israel invadiu Gaza em outubro sob a liderança de Netanyahu sem nenhuma estratégia de saída, nenhum plano para o dia seguinte e nenhum parceiro palestino que possa governar Gaza, com o apoio de Exércitos árabes, se Israel for capaz de derrubar o governo do Hamas.

Netanyahu não se aliará à Autoridade Palestina porque é julgado por corrupção e precisa seguir na função para, caso for condenado, poder negociar um acordo para ficar fora da cadeia. A única maneira que ele pode fazer isso é por meio do apoio dos partidos de extrema direita de supremacistas judeus e colonos que compõem a sua coalizão, que se recusam a ver a Autoridade Palestina se tornar um organismo governamental eficaz porque isso significaria que a entidade viraria uma parceira legítima de uma solução de dois Estados — que forçaria Israel e abrir mão de parte da Cisjordânia ou de todo seu território.

Isso é incrivelmente perigoso para Israel tanto em relação ao futuro de Gaza — como podemos perceber claramente agora — quanto a respeito do confronto com o Irã, que está entrando em um nível totalmente novo.

Israel, conforme demonstrado no fim de semana, não conseguiria ter lidado eficazmente com o ataque com mísseis do Irã sem uma aliança regional — sem uma coordenação próxima com a Jordânia e os Estados árabes do Golfo, que forneceram detecção precoce; e com a Jordânia derrubando mísseis e drones iranianos a caminho de Israel. Os israelenses também contaram com ajuda das Forças Aéreas americanas, britânicas e francesas, assim como da Marinha americana.

Atenção, atenção atenção: é uma fantasia completa acreditar que EUA, Jordânia e os aliados de Israel na Otan serão capazes de manter um longo confronto com o Irã — defendendo abertamente os israelenses — se Israel tiver um governo determinado em anexar a Cisjordânia e povoar todos os setores do território com assentamentos coloniais e permanecer em Gaza sem nenhum parceiro palestino legítimo.

A popularidade de Israel tem se erodido no mundo ocidental desde 7 de outubro — quem dirá no mundo árabe-muçulmano. O apoio que os israelenses obtiveram no fim de semana contra o Irã não é sustentável a não ser que Israel revele uma atitude transformada em relação à Autoridade Palestina e planos para sair de Gaza.

Mas fantasiemos em outra direção por um momento. Imaginem se Israel anunciar amanhã um congelamento em novos assentamentos, uma disposição para transferir mais responsabilidades de governo e segurança para a Autoridade Palestina na Cisjordânia e em Gaza — assim que construa essa capacidade — e uma disposição para convidar EUA, EAU e Arábia Saudita para ajudar a elevar a Autoridade Palestina a esse nível e financiar suas instituições. O que aconteceria imediatamente?

O Irã e o Hamas seriam esvaziados — em maior medida do que qualquer ataque a míssil israelense conseguiria.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

“Ai, meu Deus”, diriam a Guarda Revolucionária Iraniana e o Hamas, “isso é um desastre. Significa que nós não conseguiremos seguir deslegitimando Israel com facilidade no Ocidente. Significa que as condições para um tratado de segurança entre americanos, israelenses, palestinos e sauditas foram criadas. E significa que os governos árabes serão capazes de colaborar muito mais confortavelmente e abertamente com Israel contra o Irã e seus apoiadores. Um desastre”.

O que também significaria que o Irã não seria mais capaz de posar como o grande defensor da causa palestina — uma posição que simplesmente disfarça seu desejo peçonhento de destruir o Estado judaico e desvia a atenção do fato de o regime iraniano estar esmagando seu próprio povo, principalmente mulheres e meninas, e suas aspirações democráticas.

Israelenses bloqueiam uma avenida em Tel-Aviv em um protesto por conta da lentidão do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em negociar um acordo para a saída dos reféns israelenses que estão na Faixa de Gaza  Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Ao mesmo tempo, nos EUA e em outros países ocidentais colaborar com Israel não seria mais tão politicamente tóxico. E em relação a Moscou e Pequim, sua colaboração com o Irã pareceria tão cínica quanto realmente é — pró-Hamas, não pró-palestinos.

Sim, eu posso lhes assegurar: nada poderia beneficiar mais Israel estrategicamente.

Mas isso não poderá acontecer e não acontecerá enquanto Netanyahu seguir no poder.

Nós atravessamos um momento caótico no Oriente Médio neste momento. E minha única certeza é que uma Autoridade Palestina eficaz, crível e legítima é a pedra angular de qualquer desfecho decente: uma solução de dois Estados sustentável, uma aliança árabe-israelense sustentável contra o Irã, uma política sustentável dos EUA e da Otan no Oriente Médio para proteger a democracia de Israel contra o teocrático Irã e uma retirada sustentável da “carta palestina” das mãos de Teerã.

Mas para isso acontecer mudanças de liderança em Teerã, Ramallah e Jerusalém (e não em Washington) são imprescindíveis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ataque com mísseis e drones contra Israel no fim de semana representou uma escalada divisora de águas que exige uma reformulação igualmente drástica da parte de Israel e seu aliado mais importante, os Estados Unidos. Eu a chamo de “solução de três Estados”.

Ela começa com o reconhecimento de que há provavelmente zero esperança de qualquer resolução para o conflito israelo-palestino ou o conflito Israel-Irã sem mudanças de liderança em Teerã, Jerusalém e Ramallah.

Começando por Teerã: não sou favorável a nenhuma tentativa do Ocidente de derrubar a República Islâmica do Irã de fora para dentro, mas rezo para que um dia o povo iraniano o faça desde dentro.

“Essa região não verá nenhuma paz significativa ou estabilidade enquanto o atual governo ocupar o poder em Teerã”, explicou o especialista em Irã Karim Sadjadpour, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Porque os vastos recursos e treinamentos iranianos financiam os 5% de fanáticos que estão transformando num inferno as vidas de 95% dos palestinos, libaneses, sírios, iemenitas e iraquianos que só querem viver em paz. Parafraseando Shimon Peres a respeito das perspectivas para mudanças no Irã, a boa notícia é que existe luz no fim desse túnel. A má notícia é que hoje esse túnel não existe.”

Iranianos passam por cartaz contra Israel em Teerã, Israel  Foto: Abedin Taherkenareh/EFE

Dada a quantidade de vezes que os iranianos desafiaram seu regime teocrático e foram esmagados por seu punho de ferro, é evidente que uma vontade existe. Só temos de esperar que eles encontrem logo o caminho.

Porque Irã e Israel foram no passado aliados naturais: as duas principais potências não árabes no Oriente Médio. Isso mudou com a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime em Teerã que priorizou a disseminação da ideologia islâmica — e do desejo de destruição do Estado judaico de Israel — em detrimento do bem-estar dos iranianos. Se o Irã fosse apenas um Estado normal priorizando o avanço de seu próprio povo em vez da destruição de um outro, isso abriria uma porta enorme para a região.

Foi bom perceber que o regime de Teerã não ganhou tanta popularidade na região por disparar mais de 300 drones e mísseis contra Israel no sábado — quase todos interceptados ou caindo sem causar nenhum dano. Na verdade, perfis em redes sociais no mundo árabe inundaram-se de piadas caçoando do regime iraniano pelo resultado 300-a-zero e sugerindo que os únicos mortos morreram de rir.

O aitatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, participa de coletiva de imprensa em Teerã  Foto: Arash Khamooshi/NYT

Quando afirmo que precisamos de uma mudança de regime em Ramallah, me refiro à corrupta e inepta Autoridade Palestina liderada por Mahmoud Abbas, de 88 anos. Por que a Autoridade Palestina é tão importante? Porque ainda aceita viver em paz com Israel e o ordenamento de Oslo destinado ao caminho da solução de dois Estados para dois povos originários. É isso que torna uma Autoridade Palestina forte a pedra angular de qualquer paz entre israelenses e palestinos, assim como de uma aliança árabe-israelense-ocidental sustentável para dissuadir ou confrontar o Irã.

Então, se você quiser ser pró-palestinos hoje — assim como pró-Israel, pró-acordo EUA-Arábia Saudita-Israel, pró-Acordos de Abraão ou contra o regime iraniano — a coisa mais importante pela qual você tem de pressionar, protestar, se voluntariar e colaborar é a transformação da Autoridade Palestina em uma instituição governamental liderada profissionalmente, não corrupta, transparente para os doadores e eficaz.

Uma Autoridade Palestina nesses moldes pode ser parceira em uma solução de dois Estados com Israel, substituir as forças israelenses, com a ajuda de Exércitos árabes, e governar Gaza no lugar do pró-iraniano Hamas cheio de ódio contra Israel — isso se for possível desmantelar o grupo.

Eu costumo dar notas altas à equipe de Biden em geral por sua atuação em resposta à enormemente tensa e complexa guerra em Gaza — e, no fim de semana, ajudando Israel a lidar com o ataque a mísseis iraniano. Mas um erro crítico que a Casa Branca cometeu foi ter permanecido passiva conforme o presidente Abbas nomeou um “novo” governo, liderado por um aliado como primeiro-ministro, o empresário Muhammad Mustafa, em março. Não foi o governo de mudança que muitos palestinos esperavam, árabes moderados exigiam e o povo palestino tanto precisa.

O então primeiro-ministro de Israel, Itzhak Rabin, cumprimenta o líder palestino Yasser Arafat, ao lado do então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em Washington, Estados Unidos  Foto: Ron Edmonds / AP

Como qualquer jornalista que já trabalhou na Cisjordânia bem sabe, há muitas lideranças talentosas entre os palestinos de lá, assim como no exterior — homens e mulheres altamente escolarizados e capazes. Mas muito poucas dessas pessoas foram empregadas pela Autoridade Palestina, que precisa dos melhores e mais inteligentes palestinos neste momento crítico.

Países como Emirados Árabes Unidos estão prontos para entrar e assessorar, treinar e financiar uma Autoridade Palestina transformadora e até garantir sua segurança em Gaza com suas Forças Armadas — mas isso não vai acontecer enquanto o presidente Abbas não se aposentar. A Autoridade Palestina precisa de um construtor de instituições comprovado e não corrupto nos moldes do ex-primeiro-ministro Salam Fayyad, o melhor exemplo de líder palestino em todos os tempos.

O que nos leva à razão de também precisarmos de uma mudança na liderança em Israel hoje. Ninguém trabalhou mais para frustrar e evitar o surgimento de uma Autoridade Palestina eficaz do que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que passou anos assegurando que o Hamas obtivesse recursos suficientes do Catar para permanecer no poder em Gaza e evitar a existência de um organismo palestino unificado de tomada de decisão — ao mesmo tempo que difamava a Autoridade Palestina por todas as suas falhas. Netanyahu nunca elogiou a Autoridade Palestina por permanecer não violenta (ao contrário do Hamas) e pela maneira que seus serviços de segurança ajudaram Israel a evitar que a Cisjordânia explodisse apesar da enorme expansão dos assentamentos coloniais israelenses. A estratégia de Netanyahu foi vergonhosa e, hoje nós percebemos, não atendeu ao interesse de Israel.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acena durante uma cerimonia com novos ministros em Ramallah  Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP

Muitos palestinos — e seus apoiadores no exterior — dizem hoje, “Bem, se Israel afirma que não há diferença entre a Autoridade Palestina e o Hamas, talvez nós devêssemos simplesmente apoiar o Hamas”. De que forma isso atende ao interesse de Israel?

Além disso, Israel invadiu Gaza em outubro sob a liderança de Netanyahu sem nenhuma estratégia de saída, nenhum plano para o dia seguinte e nenhum parceiro palestino que possa governar Gaza, com o apoio de Exércitos árabes, se Israel for capaz de derrubar o governo do Hamas.

Netanyahu não se aliará à Autoridade Palestina porque é julgado por corrupção e precisa seguir na função para, caso for condenado, poder negociar um acordo para ficar fora da cadeia. A única maneira que ele pode fazer isso é por meio do apoio dos partidos de extrema direita de supremacistas judeus e colonos que compõem a sua coalizão, que se recusam a ver a Autoridade Palestina se tornar um organismo governamental eficaz porque isso significaria que a entidade viraria uma parceira legítima de uma solução de dois Estados — que forçaria Israel e abrir mão de parte da Cisjordânia ou de todo seu território.

Isso é incrivelmente perigoso para Israel tanto em relação ao futuro de Gaza — como podemos perceber claramente agora — quanto a respeito do confronto com o Irã, que está entrando em um nível totalmente novo.

Israel, conforme demonstrado no fim de semana, não conseguiria ter lidado eficazmente com o ataque com mísseis do Irã sem uma aliança regional — sem uma coordenação próxima com a Jordânia e os Estados árabes do Golfo, que forneceram detecção precoce; e com a Jordânia derrubando mísseis e drones iranianos a caminho de Israel. Os israelenses também contaram com ajuda das Forças Aéreas americanas, britânicas e francesas, assim como da Marinha americana.

Atenção, atenção atenção: é uma fantasia completa acreditar que EUA, Jordânia e os aliados de Israel na Otan serão capazes de manter um longo confronto com o Irã — defendendo abertamente os israelenses — se Israel tiver um governo determinado em anexar a Cisjordânia e povoar todos os setores do território com assentamentos coloniais e permanecer em Gaza sem nenhum parceiro palestino legítimo.

A popularidade de Israel tem se erodido no mundo ocidental desde 7 de outubro — quem dirá no mundo árabe-muçulmano. O apoio que os israelenses obtiveram no fim de semana contra o Irã não é sustentável a não ser que Israel revele uma atitude transformada em relação à Autoridade Palestina e planos para sair de Gaza.

Mas fantasiemos em outra direção por um momento. Imaginem se Israel anunciar amanhã um congelamento em novos assentamentos, uma disposição para transferir mais responsabilidades de governo e segurança para a Autoridade Palestina na Cisjordânia e em Gaza — assim que construa essa capacidade — e uma disposição para convidar EUA, EAU e Arábia Saudita para ajudar a elevar a Autoridade Palestina a esse nível e financiar suas instituições. O que aconteceria imediatamente?

O Irã e o Hamas seriam esvaziados — em maior medida do que qualquer ataque a míssil israelense conseguiria.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

“Ai, meu Deus”, diriam a Guarda Revolucionária Iraniana e o Hamas, “isso é um desastre. Significa que nós não conseguiremos seguir deslegitimando Israel com facilidade no Ocidente. Significa que as condições para um tratado de segurança entre americanos, israelenses, palestinos e sauditas foram criadas. E significa que os governos árabes serão capazes de colaborar muito mais confortavelmente e abertamente com Israel contra o Irã e seus apoiadores. Um desastre”.

O que também significaria que o Irã não seria mais capaz de posar como o grande defensor da causa palestina — uma posição que simplesmente disfarça seu desejo peçonhento de destruir o Estado judaico e desvia a atenção do fato de o regime iraniano estar esmagando seu próprio povo, principalmente mulheres e meninas, e suas aspirações democráticas.

Israelenses bloqueiam uma avenida em Tel-Aviv em um protesto por conta da lentidão do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em negociar um acordo para a saída dos reféns israelenses que estão na Faixa de Gaza  Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Ao mesmo tempo, nos EUA e em outros países ocidentais colaborar com Israel não seria mais tão politicamente tóxico. E em relação a Moscou e Pequim, sua colaboração com o Irã pareceria tão cínica quanto realmente é — pró-Hamas, não pró-palestinos.

Sim, eu posso lhes assegurar: nada poderia beneficiar mais Israel estrategicamente.

Mas isso não poderá acontecer e não acontecerá enquanto Netanyahu seguir no poder.

Nós atravessamos um momento caótico no Oriente Médio neste momento. E minha única certeza é que uma Autoridade Palestina eficaz, crível e legítima é a pedra angular de qualquer desfecho decente: uma solução de dois Estados sustentável, uma aliança árabe-israelense sustentável contra o Irã, uma política sustentável dos EUA e da Otan no Oriente Médio para proteger a democracia de Israel contra o teocrático Irã e uma retirada sustentável da “carta palestina” das mãos de Teerã.

Mas para isso acontecer mudanças de liderança em Teerã, Ramallah e Jerusalém (e não em Washington) são imprescindíveis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ataque com mísseis e drones contra Israel no fim de semana representou uma escalada divisora de águas que exige uma reformulação igualmente drástica da parte de Israel e seu aliado mais importante, os Estados Unidos. Eu a chamo de “solução de três Estados”.

Ela começa com o reconhecimento de que há provavelmente zero esperança de qualquer resolução para o conflito israelo-palestino ou o conflito Israel-Irã sem mudanças de liderança em Teerã, Jerusalém e Ramallah.

Começando por Teerã: não sou favorável a nenhuma tentativa do Ocidente de derrubar a República Islâmica do Irã de fora para dentro, mas rezo para que um dia o povo iraniano o faça desde dentro.

“Essa região não verá nenhuma paz significativa ou estabilidade enquanto o atual governo ocupar o poder em Teerã”, explicou o especialista em Irã Karim Sadjadpour, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Porque os vastos recursos e treinamentos iranianos financiam os 5% de fanáticos que estão transformando num inferno as vidas de 95% dos palestinos, libaneses, sírios, iemenitas e iraquianos que só querem viver em paz. Parafraseando Shimon Peres a respeito das perspectivas para mudanças no Irã, a boa notícia é que existe luz no fim desse túnel. A má notícia é que hoje esse túnel não existe.”

Iranianos passam por cartaz contra Israel em Teerã, Israel  Foto: Abedin Taherkenareh/EFE

Dada a quantidade de vezes que os iranianos desafiaram seu regime teocrático e foram esmagados por seu punho de ferro, é evidente que uma vontade existe. Só temos de esperar que eles encontrem logo o caminho.

Porque Irã e Israel foram no passado aliados naturais: as duas principais potências não árabes no Oriente Médio. Isso mudou com a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime em Teerã que priorizou a disseminação da ideologia islâmica — e do desejo de destruição do Estado judaico de Israel — em detrimento do bem-estar dos iranianos. Se o Irã fosse apenas um Estado normal priorizando o avanço de seu próprio povo em vez da destruição de um outro, isso abriria uma porta enorme para a região.

Foi bom perceber que o regime de Teerã não ganhou tanta popularidade na região por disparar mais de 300 drones e mísseis contra Israel no sábado — quase todos interceptados ou caindo sem causar nenhum dano. Na verdade, perfis em redes sociais no mundo árabe inundaram-se de piadas caçoando do regime iraniano pelo resultado 300-a-zero e sugerindo que os únicos mortos morreram de rir.

O aitatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, participa de coletiva de imprensa em Teerã  Foto: Arash Khamooshi/NYT

Quando afirmo que precisamos de uma mudança de regime em Ramallah, me refiro à corrupta e inepta Autoridade Palestina liderada por Mahmoud Abbas, de 88 anos. Por que a Autoridade Palestina é tão importante? Porque ainda aceita viver em paz com Israel e o ordenamento de Oslo destinado ao caminho da solução de dois Estados para dois povos originários. É isso que torna uma Autoridade Palestina forte a pedra angular de qualquer paz entre israelenses e palestinos, assim como de uma aliança árabe-israelense-ocidental sustentável para dissuadir ou confrontar o Irã.

Então, se você quiser ser pró-palestinos hoje — assim como pró-Israel, pró-acordo EUA-Arábia Saudita-Israel, pró-Acordos de Abraão ou contra o regime iraniano — a coisa mais importante pela qual você tem de pressionar, protestar, se voluntariar e colaborar é a transformação da Autoridade Palestina em uma instituição governamental liderada profissionalmente, não corrupta, transparente para os doadores e eficaz.

Uma Autoridade Palestina nesses moldes pode ser parceira em uma solução de dois Estados com Israel, substituir as forças israelenses, com a ajuda de Exércitos árabes, e governar Gaza no lugar do pró-iraniano Hamas cheio de ódio contra Israel — isso se for possível desmantelar o grupo.

Eu costumo dar notas altas à equipe de Biden em geral por sua atuação em resposta à enormemente tensa e complexa guerra em Gaza — e, no fim de semana, ajudando Israel a lidar com o ataque a mísseis iraniano. Mas um erro crítico que a Casa Branca cometeu foi ter permanecido passiva conforme o presidente Abbas nomeou um “novo” governo, liderado por um aliado como primeiro-ministro, o empresário Muhammad Mustafa, em março. Não foi o governo de mudança que muitos palestinos esperavam, árabes moderados exigiam e o povo palestino tanto precisa.

O então primeiro-ministro de Israel, Itzhak Rabin, cumprimenta o líder palestino Yasser Arafat, ao lado do então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em Washington, Estados Unidos  Foto: Ron Edmonds / AP

Como qualquer jornalista que já trabalhou na Cisjordânia bem sabe, há muitas lideranças talentosas entre os palestinos de lá, assim como no exterior — homens e mulheres altamente escolarizados e capazes. Mas muito poucas dessas pessoas foram empregadas pela Autoridade Palestina, que precisa dos melhores e mais inteligentes palestinos neste momento crítico.

Países como Emirados Árabes Unidos estão prontos para entrar e assessorar, treinar e financiar uma Autoridade Palestina transformadora e até garantir sua segurança em Gaza com suas Forças Armadas — mas isso não vai acontecer enquanto o presidente Abbas não se aposentar. A Autoridade Palestina precisa de um construtor de instituições comprovado e não corrupto nos moldes do ex-primeiro-ministro Salam Fayyad, o melhor exemplo de líder palestino em todos os tempos.

O que nos leva à razão de também precisarmos de uma mudança na liderança em Israel hoje. Ninguém trabalhou mais para frustrar e evitar o surgimento de uma Autoridade Palestina eficaz do que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que passou anos assegurando que o Hamas obtivesse recursos suficientes do Catar para permanecer no poder em Gaza e evitar a existência de um organismo palestino unificado de tomada de decisão — ao mesmo tempo que difamava a Autoridade Palestina por todas as suas falhas. Netanyahu nunca elogiou a Autoridade Palestina por permanecer não violenta (ao contrário do Hamas) e pela maneira que seus serviços de segurança ajudaram Israel a evitar que a Cisjordânia explodisse apesar da enorme expansão dos assentamentos coloniais israelenses. A estratégia de Netanyahu foi vergonhosa e, hoje nós percebemos, não atendeu ao interesse de Israel.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acena durante uma cerimonia com novos ministros em Ramallah  Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP

Muitos palestinos — e seus apoiadores no exterior — dizem hoje, “Bem, se Israel afirma que não há diferença entre a Autoridade Palestina e o Hamas, talvez nós devêssemos simplesmente apoiar o Hamas”. De que forma isso atende ao interesse de Israel?

Além disso, Israel invadiu Gaza em outubro sob a liderança de Netanyahu sem nenhuma estratégia de saída, nenhum plano para o dia seguinte e nenhum parceiro palestino que possa governar Gaza, com o apoio de Exércitos árabes, se Israel for capaz de derrubar o governo do Hamas.

Netanyahu não se aliará à Autoridade Palestina porque é julgado por corrupção e precisa seguir na função para, caso for condenado, poder negociar um acordo para ficar fora da cadeia. A única maneira que ele pode fazer isso é por meio do apoio dos partidos de extrema direita de supremacistas judeus e colonos que compõem a sua coalizão, que se recusam a ver a Autoridade Palestina se tornar um organismo governamental eficaz porque isso significaria que a entidade viraria uma parceira legítima de uma solução de dois Estados — que forçaria Israel e abrir mão de parte da Cisjordânia ou de todo seu território.

Isso é incrivelmente perigoso para Israel tanto em relação ao futuro de Gaza — como podemos perceber claramente agora — quanto a respeito do confronto com o Irã, que está entrando em um nível totalmente novo.

Israel, conforme demonstrado no fim de semana, não conseguiria ter lidado eficazmente com o ataque com mísseis do Irã sem uma aliança regional — sem uma coordenação próxima com a Jordânia e os Estados árabes do Golfo, que forneceram detecção precoce; e com a Jordânia derrubando mísseis e drones iranianos a caminho de Israel. Os israelenses também contaram com ajuda das Forças Aéreas americanas, britânicas e francesas, assim como da Marinha americana.

Atenção, atenção atenção: é uma fantasia completa acreditar que EUA, Jordânia e os aliados de Israel na Otan serão capazes de manter um longo confronto com o Irã — defendendo abertamente os israelenses — se Israel tiver um governo determinado em anexar a Cisjordânia e povoar todos os setores do território com assentamentos coloniais e permanecer em Gaza sem nenhum parceiro palestino legítimo.

A popularidade de Israel tem se erodido no mundo ocidental desde 7 de outubro — quem dirá no mundo árabe-muçulmano. O apoio que os israelenses obtiveram no fim de semana contra o Irã não é sustentável a não ser que Israel revele uma atitude transformada em relação à Autoridade Palestina e planos para sair de Gaza.

Mas fantasiemos em outra direção por um momento. Imaginem se Israel anunciar amanhã um congelamento em novos assentamentos, uma disposição para transferir mais responsabilidades de governo e segurança para a Autoridade Palestina na Cisjordânia e em Gaza — assim que construa essa capacidade — e uma disposição para convidar EUA, EAU e Arábia Saudita para ajudar a elevar a Autoridade Palestina a esse nível e financiar suas instituições. O que aconteceria imediatamente?

O Irã e o Hamas seriam esvaziados — em maior medida do que qualquer ataque a míssil israelense conseguiria.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

“Ai, meu Deus”, diriam a Guarda Revolucionária Iraniana e o Hamas, “isso é um desastre. Significa que nós não conseguiremos seguir deslegitimando Israel com facilidade no Ocidente. Significa que as condições para um tratado de segurança entre americanos, israelenses, palestinos e sauditas foram criadas. E significa que os governos árabes serão capazes de colaborar muito mais confortavelmente e abertamente com Israel contra o Irã e seus apoiadores. Um desastre”.

O que também significaria que o Irã não seria mais capaz de posar como o grande defensor da causa palestina — uma posição que simplesmente disfarça seu desejo peçonhento de destruir o Estado judaico e desvia a atenção do fato de o regime iraniano estar esmagando seu próprio povo, principalmente mulheres e meninas, e suas aspirações democráticas.

Israelenses bloqueiam uma avenida em Tel-Aviv em um protesto por conta da lentidão do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em negociar um acordo para a saída dos reféns israelenses que estão na Faixa de Gaza  Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Ao mesmo tempo, nos EUA e em outros países ocidentais colaborar com Israel não seria mais tão politicamente tóxico. E em relação a Moscou e Pequim, sua colaboração com o Irã pareceria tão cínica quanto realmente é — pró-Hamas, não pró-palestinos.

Sim, eu posso lhes assegurar: nada poderia beneficiar mais Israel estrategicamente.

Mas isso não poderá acontecer e não acontecerá enquanto Netanyahu seguir no poder.

Nós atravessamos um momento caótico no Oriente Médio neste momento. E minha única certeza é que uma Autoridade Palestina eficaz, crível e legítima é a pedra angular de qualquer desfecho decente: uma solução de dois Estados sustentável, uma aliança árabe-israelense sustentável contra o Irã, uma política sustentável dos EUA e da Otan no Oriente Médio para proteger a democracia de Israel contra o teocrático Irã e uma retirada sustentável da “carta palestina” das mãos de Teerã.

Mas para isso acontecer mudanças de liderança em Teerã, Ramallah e Jerusalém (e não em Washington) são imprescindíveis. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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