A vitória de Kamala Harris significará uma continuidade da política ambiental de Joe Biden, que tem sido uma grande transformação na história dos EUA. Com efeito, os Democratas conseguiram, em agosto de 2022, aprovar, por estreita maioria nas duas Câmaras, a primeira lei de transição climática (IRA) da história dos EUA, com duas décadas de atraso com relação à União Europeia, que é a vanguarda mundial em redução de emissões de carbono.
Apesar disso, as emissões de carbono aumentaram durante a presidência de Biden, devido ao forte crescimento da economia, incluída a produção de petróleo e gás natural, mas em menor escala que outros grandes emissores como China, Índia e Rússia. Nos dois anos de vigência do IRA têm crescido substancialmente os investimentos em energias renováveis, baterias, veículos elétricos (que estão fortemente subsidiados) e novas manufaturas baseadas em tecnologia de baixo carbono.
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O governo Biden tem recuperado e aprofundado o poder regulatório da Agência Ambiental (EPA) em diversas áreas, como controle de poluição do ar, das águas e do solo e fortalecimento das áreas de preservação da natureza federais. Na política externa, o governo Biden voltou ao Acordo de Paris, depois da retirada americana no governo Trump, e tentou liderar as negociações internacionais de mudança climática. Sua presença na COP de Glasgow (2021) foi importante para concluir os pontos pendentes do Acordo de Paris.
O discurso climático de Harris em 2024 é menos ambicioso que o de Biden em 2020. Biden propunha limitar o crescimento da produção de petróleo e de gás natural de xisto betuminoso - shale gas (que usa tecnologias mais poluentes). Nisso ele fracassou, o que é reconhecido abertamente por Harris que, agora, propõe que os EUA continuem crescendo sua produção e exportação de petróleo e de shale gas, ao mesmo tempo em que continuem fortalecendo uma política industrial verde de orientação protecionista.
A agenda legislativa ambiental de Harris será muito limitada, pelo menos no primeiro biênio de governo, já que os Republicanos devem ganhar o controle do Senado este ano. Biden conseguiu aprovar o IRA em 2022 (depois de superar duramente a resistência de dois senadores do seu partido) porque os Democratas tinham o controle das duas Câmaras, situação imprescindível para o presidente passar legislações num cenário de extrema polarização política como o atual.
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A presidência de Harris terá um grande desafio na política externa. O regime climático está em retrocesso desde que a invasão russa à Ucrânia trouxe, definitivamente, uma rivalidade geopolítica intensa ao sistema internacional. A era da pós-guerra fria (1990-2017) - durante a qual o regime climático nasceu e floresceu parcialmente - terminou no período 2018-22.
Estamos, desde 2022, num período de competição geopolítica intensificada entre as grandes potências (que alguns autores chamam de segunda guerra fria), em que aumentam os gastos militares e diminui a disposição à cooperação internacional, com reflexos negativos na alocação de recursos públicos para a transição climática o os gastos sociais.
A principal questão da política climática internacional num governo Harris será a capacidade de persuadir a China de que é possível ter uma forte cooperação bilateral nessa área, para além da forte competição em outras áreas. Nisso o governo Biden tem fracassado, apesar de alguns avanços a partir de novembro de 2023. Caso exista acordo, as duas superpotências (nas dimensões econômica, militar, tecnológica e climática) teriam poder de influenciar outros grandes emissores (exceto Rússia) a aumentarem sua ambição climática (não apenas no discurso, mas principalmente na implementação, que é o relevante).
O principal impacto da política climática de Harris sobre o Brasil, no curto prazo, será promover condições um pouco mais favoráveis para as já difíceis negociações que desembocarão na COP 30.