Como um violento braço do Estado Islâmico atrai metade de seus recrutas do minúsculo Tajiquistão


Jovens migrantes da ex-república soviética foram acusados de realizar ataque a uma casa de shows em Moscou que matou 145 pessoas

Por Eric Schmitt e Neil MacFarquhar

A mãe de um dos suspeitos de participar do ataque sangrento em uma sala de espetáculos próxima a Moscou, no mês passado, chorou quando falou do filho.

Como, imaginou ela, o rapaz tinha ido das esburacadas estradas de terra de seu vilarejo no Tajiquistão, na Ásia Central, até o banco dos réus de um tribunal russo, com cicatrizes e maltratado, para ser acusado de terrorismo? Mesmo que ele tivesse passado cinco anos em centros penitenciários de seu país quando era adolescente, sua mãe disse que ele nunca exibiu sinais de extremismo violento.

“Nós precisamos entender quem está recrutando os jovens tajiques. Por que querem nos destacar como uma nação de terroristas?”, afirmou a mãe, Muyassar Zargarova.

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Imagem mostra Muyassar Zargarova, mãe de um dos suspeitos de participar do ataque terrorista em uma casa de espetáculos de Moscou em março. Zargarova diz que o filho nunca exibiu sinais de extremismos Foto: The New York Times

Muitos governos e especialistas em terrorismo se fazem a mesma pergunta.

Membros tajiques do Estado Islâmico — especialmente em seu grupo afiliado no Afeganistão, conhecido como Estado Islâmico-Província Khorasan (EI-PK), ou ISIS-K — têm assumido papéis cada vez mais importantes em uma série de ataques terroristas recentes. No último ano, tajiques envolveram-se em ataques na Rússia, no Irã e na Turquia, assim como em ações frustradas na Europa. Acredita-se que o ISIS-K tenha vários milhares de soldados, mais da metade tajiques, afirmaram especialistas.

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“Eles adquiriram destaque na campanha com foco externo do EI-PK conforme o grupo tenta obter atenção e mais recrutas”, afirmou o professor de relações internacionais Edward Lemon, da Universidade Texas A&M, especialista em Rússia, Tajiquistão e terrorismo.

Analistas afirmam que um infortúnio duplo deixa os tajiques vulneráveis ao recrutamento. Ex-república soviética que tem descambado cada vez mais para o autoritarismo, o Tajiquistão é um dos países mais pobres do mundo, o que alimenta o descontentamento e motiva milhões de trabalhadores migrantes a buscar vida melhor no exterior. No país de 10 milhões de habitantes, a maioria dos homens economicamente ativos, estimados em mais de 2 milhões, busca emprego no exterior em algum momento da vida.

E a maioria dos emigrantes acaba na Rússia, onde a discriminação desenfreada, os baixos salários, a falta de perspectiva e o isolamento os deixa mais suscetíveis a recrutadores jihadistas. Oficialmente, cerca de 1,3 milhões de tajiques trabalham na Rússia, mas especialistas acreditam que outras centenas de milhares trabalhem ilegalmente no país.

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“A nova geração de tajiques perdeu completamente a fé no futuro”, afirmou Muhiddin Kabiri, líder no exílio do Partido do Renascimento Islâmico, um grupo moderado de oposição no Tajiquistão que foi abruptamente classificado como “extremista” em 2015. “Há somente duas opções: uma ditadura secular e, como alternativa, o Estado Islâmico ou outros grupos radicais muçulmanos.”

Cerca de 2 mil tajiques rumaram para o califado estabelecido fisicamente pelo Estado Islâmico em partes da Síria e do Iraque entre 2014 e 2019. Com o califado desmantelado, mas não erradicado, e agora com ramos na África, no Oriente Médio e na Ásia Central, o ISIS-K ressuscitou algumas das ambições globais de seu pretenso Estado.

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O recrutamento de soldados-rasos tem foco na internet, onde o ISIS-K mantém uma ampla operação de mídia em árabe, inglês, russo e outras línguas. A Rússia é um alvo frequente. Muitos depoimentos online de tajiques insinuam que homens muçulmanos que evitam lutar ao lado do Estado Islâmico não são homens de verdade.

Asfandyar Mir, especialista-sênior em contraterrorismo do Instituto de Paz dos Estados Unidos, em Washington, destacou o tipo de vídeo destinado a incitar trabalhadores migrantes do Tajiquistão na Rússia. Um comandante, morto após a produção das imagens, usando o nome de guerra Furkan Falistini, fala diretamente com os trabalhadores tajiques: “Quando a polícia russa vê tajiques nas ruas, vocês baixam o olhar, esperando que a polícia não os veja”, afirma ele no vídeo. “Vocês devem encará-los, para que eles tenham medo de vocês. Quando você começa a matá-los, Deus remedia seus medos.”

Imagem de março mostra o Crocus City Hall, casa de espetáculos nos arredores de Moscou que foi alvo de um ataque terrorista. Ataque realizado por célula do Estado Islâmico matou mais de 130 pessoas no local Foto: Nanna Heitmann/NYT
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Dias depois da Rússia indiciar quatro trabalhadores migrantes do Tajiquistão por participação no ataque contra a sala de espetáculos que deixou 145 mortos, o ISIS-K lançou uma revista online em língua tajique, a Voz de Khorasan. Sua criação, dias depois da primeira edição em língua turca, pareceu enfatizar as aspirações cada vez maiores do grupo, notou o pesquisador Lucas Webber, que estuda a presença online do Estado Islâmico.

Ainda que a revista tenha mencionado a antiga hostilidade entre o Estado Islâmico e a Rússia, o principal artigo criticou o governo de 30 anos, sob punho de ferro, do presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon.

“Rahmonov, o Demônio foi o primeiro a começar a erradicar o Islã disfarçado de muçulmano”, afirmou o artigo. O presidente alterou seu sobrenome para Rahmon, que soa mais tajique, em 2007, mas o Estado Islâmico usa seu sobrenome original para enfatizar suas relações próximas com o presidente russo, Vladimir Putin.

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Após os suspeitos tajiques do ataque à sala de espetáculos aparecerem diante de um tribunal russo com ferimentos aparentemente produzidos por tortura, um banner online afirmou: “Publicar vídeos de prisioneiros torturados por vocês aumentou a sede de milhares de irmãos pelo seu sangue”.

Mercado no subúrbio de Moscou onde centenas de imigrantes da Ásia Central, como o Tajiquistão, trabalham. Após ataque do Estado Islâmico na capital russa, centenas de tajiques foram deportados pela Rússia Foto: Nanna Heitmann/NYT

Outro post mostrava o que parecia ser um homem de uniforme militar olhando para telas de TV que mostravam Londres, Paris, Roma e Madri. “Depois de Moscou… Quem será o próximo?!”, dizia o texto em inglês.

Não há uma fórmula única para a radicalização, afirmam especialistas, mas, para alguns jovens migrantes tajiques, ressentimentos pessoais pesam mais que considerações geopolíticas.

Os problemas no Tajiquistão têm raízes na brutal guerra civil que se arrastou por cinco anos, a partir de 1992, depois que o país ficou independente da União Soviética. Rahmon, ex-diretor de uma fazenda coletiva, que virou presidente em 1994, assinou um acordo de paz com a oposição que garantiu representação.

Inicialmente, permitiu-se alguma crítica à corrupção e ao nepotismo no governo, e o Partido do Renascimento Islâmico chegou a controlar alguns assentos do Parlamento. Mas quando o partido foi declarado uma organização terrorista, os opositores foram mortos, presos ou partiram para o exílio. O Tajiquistão mantém pelo menos mil presos políticos, de acordo com Kabiri, o líder do partido no exílio.

Rahmon, de 71 anos, nasceu na União Soviética, dois dias antes de Putin, e ambos compartilham as aspirações autocráticas. O Kremlin dá sustentação ao governo de Rahmon estacionando estimados 7 mil soldados no Tajiquistão, um destacamento raramente robusto fora da Rússia.

Imagem mostra suspeito de participar do ataque terrorista no Crocus City Hall, em Moscou, em março. Suspeitos apareceram espancados no tribunal Foto: Sergei Ilnitsky/EFE

Quanto mais o Estado Islâmico liga Rahmon a Putin, “mais dá a parecer que ele é um aliado da Rússia, que seu regime é menos legítimo, e a popularidade do grupo entre os tajiques tende a aumentar”, afirmou o professor de relações internacionais Steve Swerdlow, da Universidade do Sul da Califórnia, pesquisador veterano de direitos humanos na Ásia Central.

Rahmon convocou um referendo nacional em 2016 que lhe permitiu um mandato vitalício. Comunicados à imprensa publicados no website da presidência referem-se a ele como “o Fundador da Paz e da Unidade Nacional”. Seu primogênito, Rustam Emomali, de 36 anos, é presidente da Assembleia Nacional e prefeito da capital, Duxambé, e a expectativa é que ele suceda ao pai.

Rahmon promove campanhas rigorosas contra mostras públicas de devoção. Homens barbados e mulheres de hijab são sujeitos a assédios arbitrários — barbas são raspadas à força publicamente, e os lenços são arrancados e rasgados. Um poderoso Comitê sobre Religião, Regulação de Tradições, Celebrações e Cerimônias coordena todas as atividades religiosas no país, incluindo construções de mesquitas e impressões de livros.

“Eles impõem esse controle muito rígido sobre o Islã oficial, e tudo que existe fora disso é classificado como extremista e perigoso”, afirmou Lemon, o professor da Texas A&M.

Imagem mostra vilarejo de Loyob, no Tajiquistão, onde nasceu um dos suspeitos de participar do ataque terrorista em Moscou Foto: The New York Times

Dada a violência promovida por jihadistas globalmente, o governo do Tajiquistão tem razões para se preocupar, notou Swerdlow. Mas medidas repressivas podem alimentar o próprio extremismo que tentam combater.

Ecoando posições soviéticas, Rahmon atribui a culpa sobre a origem do extremismo unicamente a influências estrangeiras. Em um discurso, no ano passado, ele afirmou que os tajiques desfrutam de liberdade religiosa e que as ideias radicais se originam em escolas religiosas “duvidosas” no exterior ou em serviços de inteligência estrangeiros.

“Essas ações foram planejadas por grupos malévolos e serviços especiais de alguns países, que tiram vantagem da falta de escolarização, da inexperiência e da ignorância de parte de nossos jovens”, disse o presidente. Mais de mil militantes tajiques morreram em conflitos armados no exterior, afirmou ele, e outros milhares desapareceram.

Presidente russo Vladimir Putin (à esq.) ao lado do presidente do Tajiquistão Emomali Rahmon (centro) durante visita ao Palácio de Peterhof, São Petersburgo, em imagem de dezembro de 2023 Foto: Vladimir Smirnov/Sputnik/via AFP

Em termos de liberdade religiosa, os EUA designaram o Tajiquistão um “país particularmente preocupante”. Autoridades dos Departamentos de Defesa e de Estado recusaram-se a conversar com a reportagem sobre atividades extremistas ligadas ao Tajiquistão.

O Departamento de Estado emitiu um breve comunicado afirmando que trabalha conjuntamente com o Tajiquistão e outros países centro-asiáticos para fortalecer o policiamento e o combate a grupos terroristas. Um ex-policial tajique graduado, treinado em contraextremismo nos EUA, tornou-se famosamente o comandante-geral da força militar do califado do Estado Islâmico por volta de 2016, antes de morrer.

Após o ataque terrorista nas proximidades de Moscou, a Rússia passou a adotar expulsões em massa. No Tajiquistão, as mães de três suspeitos listaram os problemas que seus filhos enfrentam normalmente na Rússia: salários baixos demais para pagar o aluguel ou conseguir pagar por permissões necessárias para dirigir um táxi, por exemplo. “Quem lhes comprou as armas, quem lhes deu o equipamento que responda”, afirmou Zargarova. “Meu filho não tinha dinheiro para comprar uma arma.” /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A mãe de um dos suspeitos de participar do ataque sangrento em uma sala de espetáculos próxima a Moscou, no mês passado, chorou quando falou do filho.

Como, imaginou ela, o rapaz tinha ido das esburacadas estradas de terra de seu vilarejo no Tajiquistão, na Ásia Central, até o banco dos réus de um tribunal russo, com cicatrizes e maltratado, para ser acusado de terrorismo? Mesmo que ele tivesse passado cinco anos em centros penitenciários de seu país quando era adolescente, sua mãe disse que ele nunca exibiu sinais de extremismo violento.

“Nós precisamos entender quem está recrutando os jovens tajiques. Por que querem nos destacar como uma nação de terroristas?”, afirmou a mãe, Muyassar Zargarova.

Imagem mostra Muyassar Zargarova, mãe de um dos suspeitos de participar do ataque terrorista em uma casa de espetáculos de Moscou em março. Zargarova diz que o filho nunca exibiu sinais de extremismos Foto: The New York Times

Muitos governos e especialistas em terrorismo se fazem a mesma pergunta.

Membros tajiques do Estado Islâmico — especialmente em seu grupo afiliado no Afeganistão, conhecido como Estado Islâmico-Província Khorasan (EI-PK), ou ISIS-K — têm assumido papéis cada vez mais importantes em uma série de ataques terroristas recentes. No último ano, tajiques envolveram-se em ataques na Rússia, no Irã e na Turquia, assim como em ações frustradas na Europa. Acredita-se que o ISIS-K tenha vários milhares de soldados, mais da metade tajiques, afirmaram especialistas.

“Eles adquiriram destaque na campanha com foco externo do EI-PK conforme o grupo tenta obter atenção e mais recrutas”, afirmou o professor de relações internacionais Edward Lemon, da Universidade Texas A&M, especialista em Rússia, Tajiquistão e terrorismo.

Analistas afirmam que um infortúnio duplo deixa os tajiques vulneráveis ao recrutamento. Ex-república soviética que tem descambado cada vez mais para o autoritarismo, o Tajiquistão é um dos países mais pobres do mundo, o que alimenta o descontentamento e motiva milhões de trabalhadores migrantes a buscar vida melhor no exterior. No país de 10 milhões de habitantes, a maioria dos homens economicamente ativos, estimados em mais de 2 milhões, busca emprego no exterior em algum momento da vida.

E a maioria dos emigrantes acaba na Rússia, onde a discriminação desenfreada, os baixos salários, a falta de perspectiva e o isolamento os deixa mais suscetíveis a recrutadores jihadistas. Oficialmente, cerca de 1,3 milhões de tajiques trabalham na Rússia, mas especialistas acreditam que outras centenas de milhares trabalhem ilegalmente no país.

“A nova geração de tajiques perdeu completamente a fé no futuro”, afirmou Muhiddin Kabiri, líder no exílio do Partido do Renascimento Islâmico, um grupo moderado de oposição no Tajiquistão que foi abruptamente classificado como “extremista” em 2015. “Há somente duas opções: uma ditadura secular e, como alternativa, o Estado Islâmico ou outros grupos radicais muçulmanos.”

Cerca de 2 mil tajiques rumaram para o califado estabelecido fisicamente pelo Estado Islâmico em partes da Síria e do Iraque entre 2014 e 2019. Com o califado desmantelado, mas não erradicado, e agora com ramos na África, no Oriente Médio e na Ásia Central, o ISIS-K ressuscitou algumas das ambições globais de seu pretenso Estado.

O recrutamento de soldados-rasos tem foco na internet, onde o ISIS-K mantém uma ampla operação de mídia em árabe, inglês, russo e outras línguas. A Rússia é um alvo frequente. Muitos depoimentos online de tajiques insinuam que homens muçulmanos que evitam lutar ao lado do Estado Islâmico não são homens de verdade.

Asfandyar Mir, especialista-sênior em contraterrorismo do Instituto de Paz dos Estados Unidos, em Washington, destacou o tipo de vídeo destinado a incitar trabalhadores migrantes do Tajiquistão na Rússia. Um comandante, morto após a produção das imagens, usando o nome de guerra Furkan Falistini, fala diretamente com os trabalhadores tajiques: “Quando a polícia russa vê tajiques nas ruas, vocês baixam o olhar, esperando que a polícia não os veja”, afirma ele no vídeo. “Vocês devem encará-los, para que eles tenham medo de vocês. Quando você começa a matá-los, Deus remedia seus medos.”

Imagem de março mostra o Crocus City Hall, casa de espetáculos nos arredores de Moscou que foi alvo de um ataque terrorista. Ataque realizado por célula do Estado Islâmico matou mais de 130 pessoas no local Foto: Nanna Heitmann/NYT

Dias depois da Rússia indiciar quatro trabalhadores migrantes do Tajiquistão por participação no ataque contra a sala de espetáculos que deixou 145 mortos, o ISIS-K lançou uma revista online em língua tajique, a Voz de Khorasan. Sua criação, dias depois da primeira edição em língua turca, pareceu enfatizar as aspirações cada vez maiores do grupo, notou o pesquisador Lucas Webber, que estuda a presença online do Estado Islâmico.

Ainda que a revista tenha mencionado a antiga hostilidade entre o Estado Islâmico e a Rússia, o principal artigo criticou o governo de 30 anos, sob punho de ferro, do presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon.

“Rahmonov, o Demônio foi o primeiro a começar a erradicar o Islã disfarçado de muçulmano”, afirmou o artigo. O presidente alterou seu sobrenome para Rahmon, que soa mais tajique, em 2007, mas o Estado Islâmico usa seu sobrenome original para enfatizar suas relações próximas com o presidente russo, Vladimir Putin.

Após os suspeitos tajiques do ataque à sala de espetáculos aparecerem diante de um tribunal russo com ferimentos aparentemente produzidos por tortura, um banner online afirmou: “Publicar vídeos de prisioneiros torturados por vocês aumentou a sede de milhares de irmãos pelo seu sangue”.

Mercado no subúrbio de Moscou onde centenas de imigrantes da Ásia Central, como o Tajiquistão, trabalham. Após ataque do Estado Islâmico na capital russa, centenas de tajiques foram deportados pela Rússia Foto: Nanna Heitmann/NYT

Outro post mostrava o que parecia ser um homem de uniforme militar olhando para telas de TV que mostravam Londres, Paris, Roma e Madri. “Depois de Moscou… Quem será o próximo?!”, dizia o texto em inglês.

Não há uma fórmula única para a radicalização, afirmam especialistas, mas, para alguns jovens migrantes tajiques, ressentimentos pessoais pesam mais que considerações geopolíticas.

Os problemas no Tajiquistão têm raízes na brutal guerra civil que se arrastou por cinco anos, a partir de 1992, depois que o país ficou independente da União Soviética. Rahmon, ex-diretor de uma fazenda coletiva, que virou presidente em 1994, assinou um acordo de paz com a oposição que garantiu representação.

Inicialmente, permitiu-se alguma crítica à corrupção e ao nepotismo no governo, e o Partido do Renascimento Islâmico chegou a controlar alguns assentos do Parlamento. Mas quando o partido foi declarado uma organização terrorista, os opositores foram mortos, presos ou partiram para o exílio. O Tajiquistão mantém pelo menos mil presos políticos, de acordo com Kabiri, o líder do partido no exílio.

Rahmon, de 71 anos, nasceu na União Soviética, dois dias antes de Putin, e ambos compartilham as aspirações autocráticas. O Kremlin dá sustentação ao governo de Rahmon estacionando estimados 7 mil soldados no Tajiquistão, um destacamento raramente robusto fora da Rússia.

Imagem mostra suspeito de participar do ataque terrorista no Crocus City Hall, em Moscou, em março. Suspeitos apareceram espancados no tribunal Foto: Sergei Ilnitsky/EFE

Quanto mais o Estado Islâmico liga Rahmon a Putin, “mais dá a parecer que ele é um aliado da Rússia, que seu regime é menos legítimo, e a popularidade do grupo entre os tajiques tende a aumentar”, afirmou o professor de relações internacionais Steve Swerdlow, da Universidade do Sul da Califórnia, pesquisador veterano de direitos humanos na Ásia Central.

Rahmon convocou um referendo nacional em 2016 que lhe permitiu um mandato vitalício. Comunicados à imprensa publicados no website da presidência referem-se a ele como “o Fundador da Paz e da Unidade Nacional”. Seu primogênito, Rustam Emomali, de 36 anos, é presidente da Assembleia Nacional e prefeito da capital, Duxambé, e a expectativa é que ele suceda ao pai.

Rahmon promove campanhas rigorosas contra mostras públicas de devoção. Homens barbados e mulheres de hijab são sujeitos a assédios arbitrários — barbas são raspadas à força publicamente, e os lenços são arrancados e rasgados. Um poderoso Comitê sobre Religião, Regulação de Tradições, Celebrações e Cerimônias coordena todas as atividades religiosas no país, incluindo construções de mesquitas e impressões de livros.

“Eles impõem esse controle muito rígido sobre o Islã oficial, e tudo que existe fora disso é classificado como extremista e perigoso”, afirmou Lemon, o professor da Texas A&M.

Imagem mostra vilarejo de Loyob, no Tajiquistão, onde nasceu um dos suspeitos de participar do ataque terrorista em Moscou Foto: The New York Times

Dada a violência promovida por jihadistas globalmente, o governo do Tajiquistão tem razões para se preocupar, notou Swerdlow. Mas medidas repressivas podem alimentar o próprio extremismo que tentam combater.

Ecoando posições soviéticas, Rahmon atribui a culpa sobre a origem do extremismo unicamente a influências estrangeiras. Em um discurso, no ano passado, ele afirmou que os tajiques desfrutam de liberdade religiosa e que as ideias radicais se originam em escolas religiosas “duvidosas” no exterior ou em serviços de inteligência estrangeiros.

“Essas ações foram planejadas por grupos malévolos e serviços especiais de alguns países, que tiram vantagem da falta de escolarização, da inexperiência e da ignorância de parte de nossos jovens”, disse o presidente. Mais de mil militantes tajiques morreram em conflitos armados no exterior, afirmou ele, e outros milhares desapareceram.

Presidente russo Vladimir Putin (à esq.) ao lado do presidente do Tajiquistão Emomali Rahmon (centro) durante visita ao Palácio de Peterhof, São Petersburgo, em imagem de dezembro de 2023 Foto: Vladimir Smirnov/Sputnik/via AFP

Em termos de liberdade religiosa, os EUA designaram o Tajiquistão um “país particularmente preocupante”. Autoridades dos Departamentos de Defesa e de Estado recusaram-se a conversar com a reportagem sobre atividades extremistas ligadas ao Tajiquistão.

O Departamento de Estado emitiu um breve comunicado afirmando que trabalha conjuntamente com o Tajiquistão e outros países centro-asiáticos para fortalecer o policiamento e o combate a grupos terroristas. Um ex-policial tajique graduado, treinado em contraextremismo nos EUA, tornou-se famosamente o comandante-geral da força militar do califado do Estado Islâmico por volta de 2016, antes de morrer.

Após o ataque terrorista nas proximidades de Moscou, a Rússia passou a adotar expulsões em massa. No Tajiquistão, as mães de três suspeitos listaram os problemas que seus filhos enfrentam normalmente na Rússia: salários baixos demais para pagar o aluguel ou conseguir pagar por permissões necessárias para dirigir um táxi, por exemplo. “Quem lhes comprou as armas, quem lhes deu o equipamento que responda”, afirmou Zargarova. “Meu filho não tinha dinheiro para comprar uma arma.” /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A mãe de um dos suspeitos de participar do ataque sangrento em uma sala de espetáculos próxima a Moscou, no mês passado, chorou quando falou do filho.

Como, imaginou ela, o rapaz tinha ido das esburacadas estradas de terra de seu vilarejo no Tajiquistão, na Ásia Central, até o banco dos réus de um tribunal russo, com cicatrizes e maltratado, para ser acusado de terrorismo? Mesmo que ele tivesse passado cinco anos em centros penitenciários de seu país quando era adolescente, sua mãe disse que ele nunca exibiu sinais de extremismo violento.

“Nós precisamos entender quem está recrutando os jovens tajiques. Por que querem nos destacar como uma nação de terroristas?”, afirmou a mãe, Muyassar Zargarova.

Imagem mostra Muyassar Zargarova, mãe de um dos suspeitos de participar do ataque terrorista em uma casa de espetáculos de Moscou em março. Zargarova diz que o filho nunca exibiu sinais de extremismos Foto: The New York Times

Muitos governos e especialistas em terrorismo se fazem a mesma pergunta.

Membros tajiques do Estado Islâmico — especialmente em seu grupo afiliado no Afeganistão, conhecido como Estado Islâmico-Província Khorasan (EI-PK), ou ISIS-K — têm assumido papéis cada vez mais importantes em uma série de ataques terroristas recentes. No último ano, tajiques envolveram-se em ataques na Rússia, no Irã e na Turquia, assim como em ações frustradas na Europa. Acredita-se que o ISIS-K tenha vários milhares de soldados, mais da metade tajiques, afirmaram especialistas.

“Eles adquiriram destaque na campanha com foco externo do EI-PK conforme o grupo tenta obter atenção e mais recrutas”, afirmou o professor de relações internacionais Edward Lemon, da Universidade Texas A&M, especialista em Rússia, Tajiquistão e terrorismo.

Analistas afirmam que um infortúnio duplo deixa os tajiques vulneráveis ao recrutamento. Ex-república soviética que tem descambado cada vez mais para o autoritarismo, o Tajiquistão é um dos países mais pobres do mundo, o que alimenta o descontentamento e motiva milhões de trabalhadores migrantes a buscar vida melhor no exterior. No país de 10 milhões de habitantes, a maioria dos homens economicamente ativos, estimados em mais de 2 milhões, busca emprego no exterior em algum momento da vida.

E a maioria dos emigrantes acaba na Rússia, onde a discriminação desenfreada, os baixos salários, a falta de perspectiva e o isolamento os deixa mais suscetíveis a recrutadores jihadistas. Oficialmente, cerca de 1,3 milhões de tajiques trabalham na Rússia, mas especialistas acreditam que outras centenas de milhares trabalhem ilegalmente no país.

“A nova geração de tajiques perdeu completamente a fé no futuro”, afirmou Muhiddin Kabiri, líder no exílio do Partido do Renascimento Islâmico, um grupo moderado de oposição no Tajiquistão que foi abruptamente classificado como “extremista” em 2015. “Há somente duas opções: uma ditadura secular e, como alternativa, o Estado Islâmico ou outros grupos radicais muçulmanos.”

Cerca de 2 mil tajiques rumaram para o califado estabelecido fisicamente pelo Estado Islâmico em partes da Síria e do Iraque entre 2014 e 2019. Com o califado desmantelado, mas não erradicado, e agora com ramos na África, no Oriente Médio e na Ásia Central, o ISIS-K ressuscitou algumas das ambições globais de seu pretenso Estado.

O recrutamento de soldados-rasos tem foco na internet, onde o ISIS-K mantém uma ampla operação de mídia em árabe, inglês, russo e outras línguas. A Rússia é um alvo frequente. Muitos depoimentos online de tajiques insinuam que homens muçulmanos que evitam lutar ao lado do Estado Islâmico não são homens de verdade.

Asfandyar Mir, especialista-sênior em contraterrorismo do Instituto de Paz dos Estados Unidos, em Washington, destacou o tipo de vídeo destinado a incitar trabalhadores migrantes do Tajiquistão na Rússia. Um comandante, morto após a produção das imagens, usando o nome de guerra Furkan Falistini, fala diretamente com os trabalhadores tajiques: “Quando a polícia russa vê tajiques nas ruas, vocês baixam o olhar, esperando que a polícia não os veja”, afirma ele no vídeo. “Vocês devem encará-los, para que eles tenham medo de vocês. Quando você começa a matá-los, Deus remedia seus medos.”

Imagem de março mostra o Crocus City Hall, casa de espetáculos nos arredores de Moscou que foi alvo de um ataque terrorista. Ataque realizado por célula do Estado Islâmico matou mais de 130 pessoas no local Foto: Nanna Heitmann/NYT

Dias depois da Rússia indiciar quatro trabalhadores migrantes do Tajiquistão por participação no ataque contra a sala de espetáculos que deixou 145 mortos, o ISIS-K lançou uma revista online em língua tajique, a Voz de Khorasan. Sua criação, dias depois da primeira edição em língua turca, pareceu enfatizar as aspirações cada vez maiores do grupo, notou o pesquisador Lucas Webber, que estuda a presença online do Estado Islâmico.

Ainda que a revista tenha mencionado a antiga hostilidade entre o Estado Islâmico e a Rússia, o principal artigo criticou o governo de 30 anos, sob punho de ferro, do presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon.

“Rahmonov, o Demônio foi o primeiro a começar a erradicar o Islã disfarçado de muçulmano”, afirmou o artigo. O presidente alterou seu sobrenome para Rahmon, que soa mais tajique, em 2007, mas o Estado Islâmico usa seu sobrenome original para enfatizar suas relações próximas com o presidente russo, Vladimir Putin.

Após os suspeitos tajiques do ataque à sala de espetáculos aparecerem diante de um tribunal russo com ferimentos aparentemente produzidos por tortura, um banner online afirmou: “Publicar vídeos de prisioneiros torturados por vocês aumentou a sede de milhares de irmãos pelo seu sangue”.

Mercado no subúrbio de Moscou onde centenas de imigrantes da Ásia Central, como o Tajiquistão, trabalham. Após ataque do Estado Islâmico na capital russa, centenas de tajiques foram deportados pela Rússia Foto: Nanna Heitmann/NYT

Outro post mostrava o que parecia ser um homem de uniforme militar olhando para telas de TV que mostravam Londres, Paris, Roma e Madri. “Depois de Moscou… Quem será o próximo?!”, dizia o texto em inglês.

Não há uma fórmula única para a radicalização, afirmam especialistas, mas, para alguns jovens migrantes tajiques, ressentimentos pessoais pesam mais que considerações geopolíticas.

Os problemas no Tajiquistão têm raízes na brutal guerra civil que se arrastou por cinco anos, a partir de 1992, depois que o país ficou independente da União Soviética. Rahmon, ex-diretor de uma fazenda coletiva, que virou presidente em 1994, assinou um acordo de paz com a oposição que garantiu representação.

Inicialmente, permitiu-se alguma crítica à corrupção e ao nepotismo no governo, e o Partido do Renascimento Islâmico chegou a controlar alguns assentos do Parlamento. Mas quando o partido foi declarado uma organização terrorista, os opositores foram mortos, presos ou partiram para o exílio. O Tajiquistão mantém pelo menos mil presos políticos, de acordo com Kabiri, o líder do partido no exílio.

Rahmon, de 71 anos, nasceu na União Soviética, dois dias antes de Putin, e ambos compartilham as aspirações autocráticas. O Kremlin dá sustentação ao governo de Rahmon estacionando estimados 7 mil soldados no Tajiquistão, um destacamento raramente robusto fora da Rússia.

Imagem mostra suspeito de participar do ataque terrorista no Crocus City Hall, em Moscou, em março. Suspeitos apareceram espancados no tribunal Foto: Sergei Ilnitsky/EFE

Quanto mais o Estado Islâmico liga Rahmon a Putin, “mais dá a parecer que ele é um aliado da Rússia, que seu regime é menos legítimo, e a popularidade do grupo entre os tajiques tende a aumentar”, afirmou o professor de relações internacionais Steve Swerdlow, da Universidade do Sul da Califórnia, pesquisador veterano de direitos humanos na Ásia Central.

Rahmon convocou um referendo nacional em 2016 que lhe permitiu um mandato vitalício. Comunicados à imprensa publicados no website da presidência referem-se a ele como “o Fundador da Paz e da Unidade Nacional”. Seu primogênito, Rustam Emomali, de 36 anos, é presidente da Assembleia Nacional e prefeito da capital, Duxambé, e a expectativa é que ele suceda ao pai.

Rahmon promove campanhas rigorosas contra mostras públicas de devoção. Homens barbados e mulheres de hijab são sujeitos a assédios arbitrários — barbas são raspadas à força publicamente, e os lenços são arrancados e rasgados. Um poderoso Comitê sobre Religião, Regulação de Tradições, Celebrações e Cerimônias coordena todas as atividades religiosas no país, incluindo construções de mesquitas e impressões de livros.

“Eles impõem esse controle muito rígido sobre o Islã oficial, e tudo que existe fora disso é classificado como extremista e perigoso”, afirmou Lemon, o professor da Texas A&M.

Imagem mostra vilarejo de Loyob, no Tajiquistão, onde nasceu um dos suspeitos de participar do ataque terrorista em Moscou Foto: The New York Times

Dada a violência promovida por jihadistas globalmente, o governo do Tajiquistão tem razões para se preocupar, notou Swerdlow. Mas medidas repressivas podem alimentar o próprio extremismo que tentam combater.

Ecoando posições soviéticas, Rahmon atribui a culpa sobre a origem do extremismo unicamente a influências estrangeiras. Em um discurso, no ano passado, ele afirmou que os tajiques desfrutam de liberdade religiosa e que as ideias radicais se originam em escolas religiosas “duvidosas” no exterior ou em serviços de inteligência estrangeiros.

“Essas ações foram planejadas por grupos malévolos e serviços especiais de alguns países, que tiram vantagem da falta de escolarização, da inexperiência e da ignorância de parte de nossos jovens”, disse o presidente. Mais de mil militantes tajiques morreram em conflitos armados no exterior, afirmou ele, e outros milhares desapareceram.

Presidente russo Vladimir Putin (à esq.) ao lado do presidente do Tajiquistão Emomali Rahmon (centro) durante visita ao Palácio de Peterhof, São Petersburgo, em imagem de dezembro de 2023 Foto: Vladimir Smirnov/Sputnik/via AFP

Em termos de liberdade religiosa, os EUA designaram o Tajiquistão um “país particularmente preocupante”. Autoridades dos Departamentos de Defesa e de Estado recusaram-se a conversar com a reportagem sobre atividades extremistas ligadas ao Tajiquistão.

O Departamento de Estado emitiu um breve comunicado afirmando que trabalha conjuntamente com o Tajiquistão e outros países centro-asiáticos para fortalecer o policiamento e o combate a grupos terroristas. Um ex-policial tajique graduado, treinado em contraextremismo nos EUA, tornou-se famosamente o comandante-geral da força militar do califado do Estado Islâmico por volta de 2016, antes de morrer.

Após o ataque terrorista nas proximidades de Moscou, a Rússia passou a adotar expulsões em massa. No Tajiquistão, as mães de três suspeitos listaram os problemas que seus filhos enfrentam normalmente na Rússia: salários baixos demais para pagar o aluguel ou conseguir pagar por permissões necessárias para dirigir um táxi, por exemplo. “Quem lhes comprou as armas, quem lhes deu o equipamento que responda”, afirmou Zargarova. “Meu filho não tinha dinheiro para comprar uma arma.” /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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