AVDIIVKA - Os estrondos dos ferozes confrontos sacudiam a linha de combate, nas proximidades, conforme a unidade ucraniana se preparava para manobrar seu blindado Bradley, de fabricação americana, para fora da camuflagem na direção do fogo.
O comandante da equipe, um sargento de codinome Advogado, olhava para o céu agoniado. “Se formos vistos, as KABs virão”, afirmou ele, referindo-se às bombas de 1 tonelada que a Rússia tem usado para destruir as defesas e os blindados mais valiosos para a Ucrânia.
O que começou como uma pequena ofensiva russa contra a pequena cidade de Ocheretine crescia e tornava um avanço substancial, ameaçando abalar as linhas ucranianas em uma ampla faixa no front oriental. A missão daquela unidade era ajudar a conter o ataque: proteger tropas de infantaria com pouco contingente e relativamente mal armadas, retirar os feridos e usar o poderoso canhão de 25 milímetros do Bradley contra o máximo de russos possível.
Mas o veículo de 28 toneladas logo foi detectado. Morteiros e foguetes começaram a explodir à sua volta e o artilheiro ficou gravemente ferido, afirmou o comandante, que se identificou apenas com seu codinome seguindo o protocolo militar.
A missão de combate se transformou em uma missão de resgate de seu camarada. O artilheiro sobreviveu e estava se recuperando dos ferimentos, afirmou Advogado alguns dias depois, quando relatou o ataque à reportagem. Mas os russos ganharam território e continuam tentando avançar.
A Ucrânia está mais vulnerável hoje do que em qualquer momento desde as primeiras angustiantes semanas da invasão iniciada em 2022, afirmaram soldados e comandantes ucranianos de diversas brigadas em entrevistas concedidas nas semanas recentes. A Rússia tenta explorar essa janela de oportunidade aumentando o ritmo de seus ataques no leste e agora ameaçando abrir uma nova frente atacando posições ucranianas ao longo da fronteira norte, nas imediações da cidade de Kharkiv.
Meses de atraso na assistência dos Estados Unidos, uma explosão no número de mortes e várias faltas de munição castigaram profundamente as forças ucranianas, o que fica evidente nas expressões e vozes exaustas dos soldados envolvidos nos combates diários.
“Falando francamente, estou com medo”, afirmou o tenente-coronel Oleksandr Voloshin, de 57 anos, comandante do batalhão de tanques da 59.ª Brigada Motorizada. “Porque se nós não vamos ter projéteis, não vamos ter homens e nem equipamentos que os homens possam usar…”, afirmou ele, pausadamente. “Acabou.”
O repentino avanço russo até Ocheretine, cerca de 15 quilômetros a noroeste de Avdiivka, no fim de abril, ilustra como até mesmo uma pequena fissura na linha de frente pode surtir efeitos cascata, conforme batalhões já sobrecarregados arriscam serem flanqueados e cercados e outras unidades se apressam para tampar o buraco.
“É como ouvir um barulho estranho no motor do seu carro e continuar dirigindo mesmo assim”, afirmou o tenente Oleksandr Shirshin, de 29 anos, subcomandante de batalhão da 47.ª Brigada Mecanizada. “O carro funciona, mas, em algum momento, vai parar. Então você acaba gastando ainda mais para consertá-lo.”
“Similarmente, aqui existem defeitos que não parecem críticos”, afirmou ele. “Mas que levaram à necessidade de estabilizar a situação agora. E é incerto em que ponto essa estabilização ocorrerá.”
“Qualquer evento que não tenhamos previsto pode virar a nossa situação de cabeça para baixo”, afirmou o tenente Shirshin. “Foi o que aconteceu em Ocheretine.”
O efeito cascata
Depois da queda de Avdiivka para as forças russas, em fevereiro, a pequena cidade de Ocheretine serviu como posição forte ao longo de uma estrada. A maioria de seus 3 mil moradores tinha fugido. Apartamentos em andares altos de prédios abandonados e outras infraestruturas urbanas proviam boas posições de defesa — e por dois meses a situação permaneceu relativamente estável.
Mas então algo saiu errado. Os russos apareceram tão subitamente nas ruas arrebentadas em torno da casa de Ivan Vivsianik, no fim de abril, que quando os viu pela primeira vez ele pensou que fossem soldados ucranianos. Quando pediram seu passaporte, o idoso de 88 anos soube que a defesa de Ocheretine havia desmoronado.
“Achei que os nossos soldados viriam e acabariam com eles”, afirmou Vivsianik, durante uma entrevista após ele ter empreendido o que qualificou como uma caminhada arrepiante através da linha de frente para escapar. “Mas isso não aconteceu.”
Três semanas depois, o que começou como um pequeno avanço russo tinha crescido e virado um bolsão de aproximadamente 39 quilômetros quadrados — que tem complicado a defesa da região de Donetsk.
Ampliar o bolsão mais para o norte poderia dar aos russos uma chance de superar algumas das fortificações mais poderosas da Ucrânia no leste, que resistem há anos. Agora, a Rússia também pode adotar uma nova linha de ataque contra a cidade Konstiantinivka, um centro logístico crítico para as forças ucranianas.
A tentativa do Kremlin de avançar tomando vilarejos abandonados foi registrada em vídeos de combates com horas de duração compartilhados pelas brigadas ucranianas no front.
A infantaria russa avança a pé sobre campos minados e usa motos off road e buggies para tentar ser mais velozes do que os drones kamikaze ucranianos. Os russos atacam em colunas blindadas de vários tamanhos, com ofensivas maiores frequentemente lideradas por tanques cobertos por massivas proteções metálicas e equipados com sofisticados equipamentos de guerra eletrônica para se proteger dos drones. Observadores ocidentais os chamaram de “tanques-tartatuga”. Os ucranianos os chamam de “wundervaflia”, termo que combina a palavra alemã que define maravilha e a palavra ucraniana para waffle.
“Nós deixamos a infantaria deles se aproximar, o que ocasiona contato mais próximo e combates diretos”, afirmou o tenente Shirshin. “Portanto, nossas baixas estão aumentando.”
Os russos também estão pagando um preço espantoso por qualquer avanço. Cerca de 899 soldados russos foram mortos ou feridos diariamente em abril, informou recentemente a agência de inteligência militar do Reino Unido.
Apesar de despejar tantos soldados nos campos de batalha, os russos tomaram uma área de apenas 78 quilômetros quadrados, aproximadamente, em abril, de acordo com analistas militares. E capturar as últimas cidades fortificadas da Ucrânia no Donbas — centros urbanos como Kramatorsk e Pokrovsk — envolverá quase certamente batalhas longas e sangrentas.
Mas mesmo assim os avanços russos nas semanas recentes no leste e no nordeste da Ucrânia estão começando a alterar a geometria do front de maneiras perigosas.
A desgastada linha
“Olhe no mapa onde estamos e onde fica Ocheretine”, afirmou o coronel Voloshin, o comandante do batalhão de tanques. Ele estudava o terreno preparando-se para sair numa missão de ataque contra uma casa em que, suspeitava-se, 20 russos estavam escondidos. “Posso assumir neste momento que eles conseguem simplesmente nos superar nos flancos esquerdo e direito. Eles têm sucesso tático, têm equipamentos, homens, projéteis. Então nós podemos esperar qualquer coisa.”
A ausência de desfechos dramáticos no front por mais de um ano obscureceu a exaustiva guerra posicional necessária para manter esse precário equilíbrio. Numa guerra em que uma batalha por uma única linha de árvores pode se arrastar por semanas, o repentino avanço russo sobre o entorno de Ocheretine era o tipo de problema mais perigoso — rápido, profundo e surpreendente.
Há um debate amargo sobre quem foi o responsável por não conseguir manter a linha por lá.
O canal de Telegram Deep State, vinculado proximamente com o Exército da Ucrânia, acusou a 115.ª Brigada Mecanizada de abandonar posições críticas sem ordens de retirada, permitindo aos russos infiltrar-se e atacar a posição.
A brigada emitiu um comunicado rejeitando furiosamente essa versão, afirmando que seus soldados estavam em menor número numa proporção de 15 contra 1 e mantiveram a posição o máximo possível, sob um bombardeio fulminante.
“Nós queremos enfatizar que nenhuma unidade regular da 115.ª Brigada das Forças Armadas da Ucrânia fugiu ou abandonou posições”, afirmou o destacamento. Uma comissão militar especial foi instaurada para determinar precisamente o que ocorreu.
Soldados cientes dos acontecimentos no combate mostraram-se hesitantes em criticar publicamente uma brigada de seu próprio Exército e afirmaram que vários problemas — entre falhas nas comunicações e os ucranianos estarem vastamente superados em armas — provavelmente colaboraram para esse desfecho.
O tenente Shirshin, da 47.ª, que mantinha posições próximas à 115.ª, não especulou sobre o que houve de errado, mas afirmou que as consequências foram imediatas: logo ficou claro que a 47.ª teria de recuar ou arriscar ser cercada e sofrer baixas catastróficas.
“Os russos perceberam a fraqueza naquela direção conforme usaram as fissuras para se posicionar atrás da linha de soldados ucranianos”, afirmou ele. “Então nós perdemos Ocheretine, Novobakhmutivka e Soloviove.”
O alto comando ucraniano não gosta de perder nenhum centímetro de território, afirmou o tenente, acrescentando que “é muito difícil discutir com eles e explicar por que não é bom manter essa posição”.
O tenente Shirshin espera que a situação melhore com a chegada dos armamentos ocidentais, mas, até lá, afirmou ele, “nós continuaremos a morrer e perder territórios”. “A dúvida é se o ritmo será lento e defensável”, afirmou ele, “ou rápido e absurdo”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*Santora e Hicks apuraram esta reportagem em vilarejos ucranianos a oeste de Avdiivka