Como uma pequena ilha de Papua Nova-Guiné pode ser o próximo campo de batalha entre China e EUA


A região do Pacífico espera que uma enorme mina abandonada de cobre e ouro seja a sua passagem para a independência de Papua Nova Guiné. Mas qual superpotência irá apoiá-la?

Por Michael E. Miller
Atualização:

ARAWA, Papua Nova Guiné — Em uma manhã quente de novembro, um homem de peito largo e cicatrizes de batalha chegou ao Capitólio para uma reunião que, nas esperanças dele, ajudaria a salvar sua pátria em dificuldades.

Ishmael Toroama foi apresentado a dois membros da Comissão Parlamentar dos EUA a respeito do Partido Comunista Chinês como presidente de Bougainville, uma região autônoma de Papua Nova Guiné, no Pacífico Sul. Mas a sua ocupação anterior era evidente no braço que pendia do lado esquerdo enquanto ele apertava a mão dos legisladores.

Por duas vezes ele quase morreu enquanto liderava a luta pela independência de Bougainville, na década de 1990. Agora, ele tinha vindo a Washington para tentar concluir o trabalho.

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O homem de terno risca de giz que apresentou Toroama, entretanto, não era um revolucionário. Seu nome era John D. Kuhns, um banqueiro de investimentos de Wall Street que se tornou romancista e empresário, e que fez de Bougainville sua última grande aposta.

Justina Naviu e sua filha observam uma mulher garimpando ouro da mina Panguna Foto: Michael Miller/The Washington Post

Juntos, os dois homens tinham uma história para contar: a de um futuro país em uma localização estratégica, sedento por liberdade, e de uma mina há muito fechada que ainda contém até US$ 100 bilhões em cobre e ouro que poderiam ser usados na transição energética mundial — uma transição energética na qual a China, com a sua fome insaciável por recursos naturais, está na vanguarda.

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Toroama estabeleceu o prazo de 2027 para a independência total em relação a Papua Nova Guiné, após um referendo de 2019 em que quase 98% da população votou a favor da medida. Mas o resultado continua sujeito à ratificação pelo parlamento nacional em Port Moresby, e as negociações entre os dois lados foram interrompidas.

Bougainville poderia financiar sua liberdade reabrindo a mina Panguna e se tornar um forte aliado dos EUA, disse Toroama aos deputados republicanos Mike Gallagher (Wisconsin) e Neal Dunn (Flórida) em novembro, de acordo com o relato de Toroama e Kuhns a respeito da reunião . A equipe da comissão confirmou que a reunião ocorreu (Gallagher deixou o congresso no mês passado).

Toroama disse que contou a eles que precisava de ajuda. Ele veio a Washington para jogar “a cartada americana”, disse. Mas alguns rivais tinham o apoio de Pequim, alertou ele, e até mesmo Toroama poderia ter de recorrer à China se os Estados Unidos não ajudassem.

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Kuhns, que deseja um pedaço de Panguna e disse que pagou pela viagem de Toroama, foi mais explícito.

“O estatuto vulnerável de Bougainville e da valiosa mina Panguna não escaparam à atenção do Partido Comunista Chinês”, escreveu ele em um documento divulgado anteriormente. “A China já tomou medidas para controlar as Ilhas Salomão e pretende fazer o mesmo em todo o Pacífico Sul. A menos que Ishmael Toroama e os seus defensores consigam resistir, Bougainville poderá ser a próxima.”

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Foi um aviso ameaçador, entregue a legisladores dos EUA já alarmados com Pequim. Conforme as tensões entre a China e EUA aumentam na Ásia-Pacífico, onde ambos os países celebraram recentemente acordos de segurança, todos, desde diplomatas a negociadores, aprenderam que essas tensões podem ser aproveitadas em seu benefício.

O ministro chinês dos assuntos estrangeiros, Wang Yi, que visitou Port Moresby no mês passado, apresentou um acordo de livre comércio, dizendo ao primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, James Marape, que “a China será o seu parceiro mais confiável”.

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Nas Ilhas Salomão, o primeiro-ministro em fim de mandato alertou que a generosidade chinesa terminará se as “potências ocidentais” conseguirem o que querem e o seu partido for deposto. Um novo governo deverá ser formado na quinta feira.

No início deste ano, os presidentes de Palau e das Ilhas Marshall usaram avisos sobre a crescente pressão chinesa para incitar os EUA a fornecerem bilhões de dólares em ajuda.

“A China é um bicho-papão no Pacífico”, disse Gordon Peake, especialista em Bougainville do United States Institute of Peace, um centro de estudos estratégicos de Washington. “E a China também está usando os EUA como bicho-papão.”

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O presidente de Bougainville, Ishmael Toroama, posa para uma foto  Foto: Michael Miller/TWP

Em Bougainville, onde os esquemas de enriquecimento dos estrangeiros se adensam como a selva, alguns suspeitam de Kuhns. O último romance do americano, o seu quarto, o retrata como o único forasteiro confiável em Bougainville, e Toroama como a sua única esperança de independência, com o tempo se esgotando.

Na realidade, tem havido divergências entre eles, especialmente em relação à mina, e Kuhns mistura prontamente fatos e ficção. “Não estou interessado na precisão em si”, disse ele sobre seus romances. “Só estou tentando contar uma história.”

Riquezas e ruínas

Kuhns estava na pista de pouso em Buka, capital de Bougainville, vestindo shorts e camiseta, pronto para mostrar à reportagem a mina em que ele vê tamanho potencial. Ex-destaque do futebol americano na Universidade de Georgetown, o empresário de 74 anos ainda tem ombros de linebacker. A única pista do seu passado em Wall Street era o seu Rolex.

Ele desembarcou aqui pela primeira vez em 2015, durante um ponto baixo profissional. Décadas na construção de empresas de energia levaram-no a Pequim, onde lançou a China Hydroelectric Corporation em 2006. Esta se tornou rapidamente a maior empresa de serviços públicos de propriedade estrangeira no país. Mas, então, em 2012, Kuhns diz que foi detido no aeroporto de Pequim e forçado a sair da empresa. O Ministério do Comércio da China não respondeu aos pedidos de comentário.

O incidente – tema do seu primeiro romance – fez com que ele passasse a desconfiar da China, que ele agora chama de “ameaça de longo prazo” para os EUA. Também deixou Kuhns em busca de um último grande negócio.

A pequena ilha de Pokpok, à esquerda, na costa da ilha principal de Bougainville. Bougainville quer independência total da Papua Nova Guiné até 2027 Foto: Torbjörn Wester/The Washington Post

“Um dia, um sujeito entrou no meu escritório dizendo que representava um grupo de chefes em Bougainville e que tinha novas licenças de exploração do ouro a respeito das quais queria conversar com as pessoas”, lembrou ele.

Kuhns encontrou um lugar ainda parcialmente em ruínas. Durante 15 anos, Bougainville foi uma das zonas mais prósperas de Papua Nova Guiné por causa de Panguna, então a maior mina de cobre e ouro a céu aberto do mundo, que gerava quase metade das exportações do país. Mas a raiva em relação à partilha das receitas e aos danos ambientais levou à violência, que fechou a mina em 1988 e desencadeou uma guerra civil, chamada “a Crise”, na qual morreram cerca de 20.000 pessoas.

Quase um quarto de século depois de um acordo de paz, Bougainville – um pouco maior que o estado americano do Delaware, e onde vivem cerca de 300 mil pessoas – é agora segura, mas a infraestrutura continua deplorável. A estrada de Buka até a maior cidade, Arawa, não é asfaltada e, muitas vezes, é intransitável.

Arawa é cercada por montanhas de supostas riquezas. Foi aqui que Kuhns se estabeleceu em 2016 e abriu uma concessionária de ouro. Em busca de proteção, ele recorreu a Toroama, que dirigia uma empresa de segurança.

Toroama tinha 20 e poucos anos quando a Crise começou e se ofereceu como voluntário no Exército Revolucionário de Bougainville, um grupo separatista. Depois de quase uma década de combates, e de quase perder o braço esquerdo por causa de uma granada, Toroama foi uma figura chave nas negociações de paz. O acordo de 2001 deu a Bougainville alguma autonomia – incluindo o controle da mineração – e preparou o terreno para o referendo de 2019.

O empresário John D. Kuhns oberva a mina de Panguna, em Bougainville  Foto: Michael Miller/TWP

Kuhns ficou tão impressionado com Toroama que diz ter financiado parte de sua campanha de 2020 para a presidência de Bougainville (Toroama diz que Kuhns pagou a ele por serviços de segurança). Os dois homens se tornaram próximos durante entrevistas para o romance de Kuhn, “They Call Me Ishmael”, que fala de um executivo americano e de um ex-guerrilheiro. Depois de inicialmente dizer que tudo no livro era verdade, Kuhns admitiu que alterou alguns detalhes significativos, incluindo como Toroama quase perdeu o braço. “Minha versão é melhor”, disse ele. A grande tensão entre eles não é o passado, mas o futuro – de Panguna.

Planos para Panguna

A atração de Panguna pode ser sentida muito antes de a mina ser vista. Todos os dias, dezenas de pessoas caminham de Arawa montanha acima. No topo, o seu destino se torna subitamente aparente: dezenas de locais de mineração irregulares.

Panguna fechou em 1988, quando o ERB forçou a Bougainville Copper Ltd., uma subsidiária da mineradora anglo-australiana Rio Tinto, a desativar suas operações. Mas a mineração aluvial em pequena escala tomou o seu lugar. Dois homens estavam sentados à beira da estrada, usando uma panela para peneirar flocos de ouro. Subindo uma colina, duas crianças encheram sacos de arroz de 10 quilos com solo rico em minerais.

A bocarra de Panguna se abria ao longe. Na sua base havia um lago, tingido de um azul surreal pelo cobre. Nas proximidades havia dezenas de edifícios decadentes, incluindo antigos escritórios da BCL e alojamentos que agora abrigam centenas de bougainvilleanos pobres.

Maquinário enferrujado da mina de Panguna  Foto: Michael Miller/TWP

No entanto, de pé em uma colina, Kuhns contou à reportagem a respeito do que via como promissor. Com alguns anos e vários bilhões de dólares em novos equipamentos, Panguna poderá renascer, justamente quando um boom de tecnologia limpa impulsiona a procura global pelo cobre.

“Há US$ 100 bilhões em cobre, ouro e prata naquele buraco”, disse ele. “Tudo que precisamos fazer é explorá-lo.”

Kuhns tem seus próprios planos para Panguna. No fim de outubro, dias antes de ele e Toroama irem para Washington, os dois homens assinaram um memorando de entendimento, ao qual a reportagem teve acesso, para que a empresa de Kuhns, Lakeville Mines, encontrasse um importante parceiro internacional para reiniciar a exploração de Panguna. Uma nova empresa seria formada envolvendo o parceiro internacional, os proprietários locais, o governo e a Lakeville. Kuhns poderia ganhar dezenas de milhões. “Não estou aqui para ser um benfeitor”, disse ele. “Mas acho que estou me saindo bem.”

No entanto, Toroama não anunciou o acordo em Washington. Em vez disso, logo após retornar a Bougainville, ele reemitiu uma licença de exploração de Panguna para a BCL, que operava a mina (a Rio Tinto abandonou o investimento na BCL em 2016, cedendo suas ações aos governos de Bougainville e Papua Nova Guiné).

A decisão foi esmagadora para Kuhns. Mas, em vez de desistir, ele está se preparando para o fracasso da BCL, até porque muitos moradores locais a culpam pela Crise.

“Teríamos que ser muito estúpidos para receber aquele monstro de volta”, disse Maggie Boring, cuja filha e mãe foram mortas no início dos anos 1990, quando o sobrinho trouxe para casa uma granada que encontrou. Ela responsabilizou a BCL.

Mel Togolo, presidente executivo da BCL, disse que era “fantasioso” culpar a BCL por algo que aconteceu depois que a mina foi fechada, como fez Maggie. A maioria dos grupos de proprietários de terras concordou com a decisão de Toroama, acrescentou, embora tenha reconhecido que ainda resta alguma oposição. “Temos que ser realistas”, disse ele. “Nunca obteremos 100% de apoio.”

‘Todos nos alimentamos da mesma horta’

Quando Kuhns e Toroama se encontraram recentemente na casa do presidente, o aperto de mão deles foi tenso. A conversa rapidamente se voltou para Panguna e a BCL.

“Neste momento temos que cultivar esta terra”, disse Toroama incisivamente. “Todos nos alimentamos da mesma horta, que é a mina Panguna.”

A decisão do presidente foi uma vergonha para Kuhns. Mas a sua proposta mais ampla para Washington continua a ser a mesma: apoiar Toroama e o seu esforço pela independência, ou correr o risco de uma “infiltração da China” ainda maior.

Em agosto, Kuhns pagou a viagem de dois bougainvilleanos a Port Moresby para se encontrarem com os deputados republicanos Dunn e Aumua Amata Coleman Radewagen (Samoa Americana). Dias depois, Kuhns se encontrou com Kurt Campbell, então coordenador dos Assuntos Indo-Pacíficos no Conselho de Segurança Nacional e atual vice-secretário de Estado, para discutir a situação de Bougainville. Um porta-voz do Departamento de Estado confirmou a reunião.

Um dos objetivos da viagem de Toroama era mostrar às autoridades americanas que ele é um parceiro sério: ele debateu com os congressistas sediar interceptores da Guarda Costeira dos EUA em Bougainville. Outro objetivo era encontrar um mediador para iniciar as negociações com Papua Nova Guiné.

O governo de Toroama também está pressionando Port Moresby ao elaborar sua própria constituição. Se as negociações não derem em nada, Toroama se recusa a descartar a possibilidade de Bougainville simplesmente declarar independência. Essa “opção nuclear”, como Kuhns a chama, poderia abrir a porta para o reconhecimento de Bougainville por Pequim.

Peake e outros especialistas consideram que isso é improvável, pois representaria o risco de um conflito com Papua Nova Guiné, cortejada tanto por Pequim quanto por Washington.

O governo de Papua Nova Guiné não respondeu aos pedidos de comentário. Uma via mais provável de influência chinesa seria uma empresa estatal. Toroama diz que o seu governo conversou com empresas chinesas a respeito de Panguna – incluindo uma reunião em Guangzhou em março, anunciada por uma empresa ferroviária apoiada pelo Estado – mas prefere outros parceiros.

Pelo menos um rival nas eleições do próximo ano não teria tais reservas. Sam Kauona, que concorreu em 2020 promovendo um plano chinês para Bougainville, disse que tem novos apoiadores chineses. Ele disse que é “normal” dar “prioridade” aos seus projetos caso seja eleito. Questionado a respeito do que seus financiadores desejam em troca de seu investimento, ele respondeu: “Tudo”.

Kauona também elogiou Manasseh Sogavare, o primeiro-ministro em fim de mandato das Ilhas Salomão, pelo seu acordo de segurança com Pequim, e disse que estaria aberto a um acordo semelhante.

A eleição de um candidato ligado à China poderá transformar os avisos de Kuhns em realidade e prejudicar seus planos de negócios. Isso também prejudicaria sua trilogia de Bougainville, cujo segundo capítulo ele está escrevendo.

“Se Ishmael for eleito novamente, o terceiro livro será a respeito do mais novo país do planeta”, disse Kuhns. “Mas não tenho certeza se Ishmael será reeleito. No momento, tudo está muito aberto ao debate. Obviamente, isso mudaria todo o fio da história.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ARAWA, Papua Nova Guiné — Em uma manhã quente de novembro, um homem de peito largo e cicatrizes de batalha chegou ao Capitólio para uma reunião que, nas esperanças dele, ajudaria a salvar sua pátria em dificuldades.

Ishmael Toroama foi apresentado a dois membros da Comissão Parlamentar dos EUA a respeito do Partido Comunista Chinês como presidente de Bougainville, uma região autônoma de Papua Nova Guiné, no Pacífico Sul. Mas a sua ocupação anterior era evidente no braço que pendia do lado esquerdo enquanto ele apertava a mão dos legisladores.

Por duas vezes ele quase morreu enquanto liderava a luta pela independência de Bougainville, na década de 1990. Agora, ele tinha vindo a Washington para tentar concluir o trabalho.

O homem de terno risca de giz que apresentou Toroama, entretanto, não era um revolucionário. Seu nome era John D. Kuhns, um banqueiro de investimentos de Wall Street que se tornou romancista e empresário, e que fez de Bougainville sua última grande aposta.

Justina Naviu e sua filha observam uma mulher garimpando ouro da mina Panguna Foto: Michael Miller/The Washington Post

Juntos, os dois homens tinham uma história para contar: a de um futuro país em uma localização estratégica, sedento por liberdade, e de uma mina há muito fechada que ainda contém até US$ 100 bilhões em cobre e ouro que poderiam ser usados na transição energética mundial — uma transição energética na qual a China, com a sua fome insaciável por recursos naturais, está na vanguarda.

Toroama estabeleceu o prazo de 2027 para a independência total em relação a Papua Nova Guiné, após um referendo de 2019 em que quase 98% da população votou a favor da medida. Mas o resultado continua sujeito à ratificação pelo parlamento nacional em Port Moresby, e as negociações entre os dois lados foram interrompidas.

Bougainville poderia financiar sua liberdade reabrindo a mina Panguna e se tornar um forte aliado dos EUA, disse Toroama aos deputados republicanos Mike Gallagher (Wisconsin) e Neal Dunn (Flórida) em novembro, de acordo com o relato de Toroama e Kuhns a respeito da reunião . A equipe da comissão confirmou que a reunião ocorreu (Gallagher deixou o congresso no mês passado).

Toroama disse que contou a eles que precisava de ajuda. Ele veio a Washington para jogar “a cartada americana”, disse. Mas alguns rivais tinham o apoio de Pequim, alertou ele, e até mesmo Toroama poderia ter de recorrer à China se os Estados Unidos não ajudassem.

Kuhns, que deseja um pedaço de Panguna e disse que pagou pela viagem de Toroama, foi mais explícito.

“O estatuto vulnerável de Bougainville e da valiosa mina Panguna não escaparam à atenção do Partido Comunista Chinês”, escreveu ele em um documento divulgado anteriormente. “A China já tomou medidas para controlar as Ilhas Salomão e pretende fazer o mesmo em todo o Pacífico Sul. A menos que Ishmael Toroama e os seus defensores consigam resistir, Bougainville poderá ser a próxima.”

Aviso

Foi um aviso ameaçador, entregue a legisladores dos EUA já alarmados com Pequim. Conforme as tensões entre a China e EUA aumentam na Ásia-Pacífico, onde ambos os países celebraram recentemente acordos de segurança, todos, desde diplomatas a negociadores, aprenderam que essas tensões podem ser aproveitadas em seu benefício.

O ministro chinês dos assuntos estrangeiros, Wang Yi, que visitou Port Moresby no mês passado, apresentou um acordo de livre comércio, dizendo ao primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, James Marape, que “a China será o seu parceiro mais confiável”.

Nas Ilhas Salomão, o primeiro-ministro em fim de mandato alertou que a generosidade chinesa terminará se as “potências ocidentais” conseguirem o que querem e o seu partido for deposto. Um novo governo deverá ser formado na quinta feira.

No início deste ano, os presidentes de Palau e das Ilhas Marshall usaram avisos sobre a crescente pressão chinesa para incitar os EUA a fornecerem bilhões de dólares em ajuda.

“A China é um bicho-papão no Pacífico”, disse Gordon Peake, especialista em Bougainville do United States Institute of Peace, um centro de estudos estratégicos de Washington. “E a China também está usando os EUA como bicho-papão.”

O presidente de Bougainville, Ishmael Toroama, posa para uma foto  Foto: Michael Miller/TWP

Em Bougainville, onde os esquemas de enriquecimento dos estrangeiros se adensam como a selva, alguns suspeitam de Kuhns. O último romance do americano, o seu quarto, o retrata como o único forasteiro confiável em Bougainville, e Toroama como a sua única esperança de independência, com o tempo se esgotando.

Na realidade, tem havido divergências entre eles, especialmente em relação à mina, e Kuhns mistura prontamente fatos e ficção. “Não estou interessado na precisão em si”, disse ele sobre seus romances. “Só estou tentando contar uma história.”

Riquezas e ruínas

Kuhns estava na pista de pouso em Buka, capital de Bougainville, vestindo shorts e camiseta, pronto para mostrar à reportagem a mina em que ele vê tamanho potencial. Ex-destaque do futebol americano na Universidade de Georgetown, o empresário de 74 anos ainda tem ombros de linebacker. A única pista do seu passado em Wall Street era o seu Rolex.

Ele desembarcou aqui pela primeira vez em 2015, durante um ponto baixo profissional. Décadas na construção de empresas de energia levaram-no a Pequim, onde lançou a China Hydroelectric Corporation em 2006. Esta se tornou rapidamente a maior empresa de serviços públicos de propriedade estrangeira no país. Mas, então, em 2012, Kuhns diz que foi detido no aeroporto de Pequim e forçado a sair da empresa. O Ministério do Comércio da China não respondeu aos pedidos de comentário.

O incidente – tema do seu primeiro romance – fez com que ele passasse a desconfiar da China, que ele agora chama de “ameaça de longo prazo” para os EUA. Também deixou Kuhns em busca de um último grande negócio.

A pequena ilha de Pokpok, à esquerda, na costa da ilha principal de Bougainville. Bougainville quer independência total da Papua Nova Guiné até 2027 Foto: Torbjörn Wester/The Washington Post

“Um dia, um sujeito entrou no meu escritório dizendo que representava um grupo de chefes em Bougainville e que tinha novas licenças de exploração do ouro a respeito das quais queria conversar com as pessoas”, lembrou ele.

Kuhns encontrou um lugar ainda parcialmente em ruínas. Durante 15 anos, Bougainville foi uma das zonas mais prósperas de Papua Nova Guiné por causa de Panguna, então a maior mina de cobre e ouro a céu aberto do mundo, que gerava quase metade das exportações do país. Mas a raiva em relação à partilha das receitas e aos danos ambientais levou à violência, que fechou a mina em 1988 e desencadeou uma guerra civil, chamada “a Crise”, na qual morreram cerca de 20.000 pessoas.

Quase um quarto de século depois de um acordo de paz, Bougainville – um pouco maior que o estado americano do Delaware, e onde vivem cerca de 300 mil pessoas – é agora segura, mas a infraestrutura continua deplorável. A estrada de Buka até a maior cidade, Arawa, não é asfaltada e, muitas vezes, é intransitável.

Arawa é cercada por montanhas de supostas riquezas. Foi aqui que Kuhns se estabeleceu em 2016 e abriu uma concessionária de ouro. Em busca de proteção, ele recorreu a Toroama, que dirigia uma empresa de segurança.

Toroama tinha 20 e poucos anos quando a Crise começou e se ofereceu como voluntário no Exército Revolucionário de Bougainville, um grupo separatista. Depois de quase uma década de combates, e de quase perder o braço esquerdo por causa de uma granada, Toroama foi uma figura chave nas negociações de paz. O acordo de 2001 deu a Bougainville alguma autonomia – incluindo o controle da mineração – e preparou o terreno para o referendo de 2019.

O empresário John D. Kuhns oberva a mina de Panguna, em Bougainville  Foto: Michael Miller/TWP

Kuhns ficou tão impressionado com Toroama que diz ter financiado parte de sua campanha de 2020 para a presidência de Bougainville (Toroama diz que Kuhns pagou a ele por serviços de segurança). Os dois homens se tornaram próximos durante entrevistas para o romance de Kuhn, “They Call Me Ishmael”, que fala de um executivo americano e de um ex-guerrilheiro. Depois de inicialmente dizer que tudo no livro era verdade, Kuhns admitiu que alterou alguns detalhes significativos, incluindo como Toroama quase perdeu o braço. “Minha versão é melhor”, disse ele. A grande tensão entre eles não é o passado, mas o futuro – de Panguna.

Planos para Panguna

A atração de Panguna pode ser sentida muito antes de a mina ser vista. Todos os dias, dezenas de pessoas caminham de Arawa montanha acima. No topo, o seu destino se torna subitamente aparente: dezenas de locais de mineração irregulares.

Panguna fechou em 1988, quando o ERB forçou a Bougainville Copper Ltd., uma subsidiária da mineradora anglo-australiana Rio Tinto, a desativar suas operações. Mas a mineração aluvial em pequena escala tomou o seu lugar. Dois homens estavam sentados à beira da estrada, usando uma panela para peneirar flocos de ouro. Subindo uma colina, duas crianças encheram sacos de arroz de 10 quilos com solo rico em minerais.

A bocarra de Panguna se abria ao longe. Na sua base havia um lago, tingido de um azul surreal pelo cobre. Nas proximidades havia dezenas de edifícios decadentes, incluindo antigos escritórios da BCL e alojamentos que agora abrigam centenas de bougainvilleanos pobres.

Maquinário enferrujado da mina de Panguna  Foto: Michael Miller/TWP

No entanto, de pé em uma colina, Kuhns contou à reportagem a respeito do que via como promissor. Com alguns anos e vários bilhões de dólares em novos equipamentos, Panguna poderá renascer, justamente quando um boom de tecnologia limpa impulsiona a procura global pelo cobre.

“Há US$ 100 bilhões em cobre, ouro e prata naquele buraco”, disse ele. “Tudo que precisamos fazer é explorá-lo.”

Kuhns tem seus próprios planos para Panguna. No fim de outubro, dias antes de ele e Toroama irem para Washington, os dois homens assinaram um memorando de entendimento, ao qual a reportagem teve acesso, para que a empresa de Kuhns, Lakeville Mines, encontrasse um importante parceiro internacional para reiniciar a exploração de Panguna. Uma nova empresa seria formada envolvendo o parceiro internacional, os proprietários locais, o governo e a Lakeville. Kuhns poderia ganhar dezenas de milhões. “Não estou aqui para ser um benfeitor”, disse ele. “Mas acho que estou me saindo bem.”

No entanto, Toroama não anunciou o acordo em Washington. Em vez disso, logo após retornar a Bougainville, ele reemitiu uma licença de exploração de Panguna para a BCL, que operava a mina (a Rio Tinto abandonou o investimento na BCL em 2016, cedendo suas ações aos governos de Bougainville e Papua Nova Guiné).

A decisão foi esmagadora para Kuhns. Mas, em vez de desistir, ele está se preparando para o fracasso da BCL, até porque muitos moradores locais a culpam pela Crise.

“Teríamos que ser muito estúpidos para receber aquele monstro de volta”, disse Maggie Boring, cuja filha e mãe foram mortas no início dos anos 1990, quando o sobrinho trouxe para casa uma granada que encontrou. Ela responsabilizou a BCL.

Mel Togolo, presidente executivo da BCL, disse que era “fantasioso” culpar a BCL por algo que aconteceu depois que a mina foi fechada, como fez Maggie. A maioria dos grupos de proprietários de terras concordou com a decisão de Toroama, acrescentou, embora tenha reconhecido que ainda resta alguma oposição. “Temos que ser realistas”, disse ele. “Nunca obteremos 100% de apoio.”

‘Todos nos alimentamos da mesma horta’

Quando Kuhns e Toroama se encontraram recentemente na casa do presidente, o aperto de mão deles foi tenso. A conversa rapidamente se voltou para Panguna e a BCL.

“Neste momento temos que cultivar esta terra”, disse Toroama incisivamente. “Todos nos alimentamos da mesma horta, que é a mina Panguna.”

A decisão do presidente foi uma vergonha para Kuhns. Mas a sua proposta mais ampla para Washington continua a ser a mesma: apoiar Toroama e o seu esforço pela independência, ou correr o risco de uma “infiltração da China” ainda maior.

Em agosto, Kuhns pagou a viagem de dois bougainvilleanos a Port Moresby para se encontrarem com os deputados republicanos Dunn e Aumua Amata Coleman Radewagen (Samoa Americana). Dias depois, Kuhns se encontrou com Kurt Campbell, então coordenador dos Assuntos Indo-Pacíficos no Conselho de Segurança Nacional e atual vice-secretário de Estado, para discutir a situação de Bougainville. Um porta-voz do Departamento de Estado confirmou a reunião.

Um dos objetivos da viagem de Toroama era mostrar às autoridades americanas que ele é um parceiro sério: ele debateu com os congressistas sediar interceptores da Guarda Costeira dos EUA em Bougainville. Outro objetivo era encontrar um mediador para iniciar as negociações com Papua Nova Guiné.

O governo de Toroama também está pressionando Port Moresby ao elaborar sua própria constituição. Se as negociações não derem em nada, Toroama se recusa a descartar a possibilidade de Bougainville simplesmente declarar independência. Essa “opção nuclear”, como Kuhns a chama, poderia abrir a porta para o reconhecimento de Bougainville por Pequim.

Peake e outros especialistas consideram que isso é improvável, pois representaria o risco de um conflito com Papua Nova Guiné, cortejada tanto por Pequim quanto por Washington.

O governo de Papua Nova Guiné não respondeu aos pedidos de comentário. Uma via mais provável de influência chinesa seria uma empresa estatal. Toroama diz que o seu governo conversou com empresas chinesas a respeito de Panguna – incluindo uma reunião em Guangzhou em março, anunciada por uma empresa ferroviária apoiada pelo Estado – mas prefere outros parceiros.

Pelo menos um rival nas eleições do próximo ano não teria tais reservas. Sam Kauona, que concorreu em 2020 promovendo um plano chinês para Bougainville, disse que tem novos apoiadores chineses. Ele disse que é “normal” dar “prioridade” aos seus projetos caso seja eleito. Questionado a respeito do que seus financiadores desejam em troca de seu investimento, ele respondeu: “Tudo”.

Kauona também elogiou Manasseh Sogavare, o primeiro-ministro em fim de mandato das Ilhas Salomão, pelo seu acordo de segurança com Pequim, e disse que estaria aberto a um acordo semelhante.

A eleição de um candidato ligado à China poderá transformar os avisos de Kuhns em realidade e prejudicar seus planos de negócios. Isso também prejudicaria sua trilogia de Bougainville, cujo segundo capítulo ele está escrevendo.

“Se Ishmael for eleito novamente, o terceiro livro será a respeito do mais novo país do planeta”, disse Kuhns. “Mas não tenho certeza se Ishmael será reeleito. No momento, tudo está muito aberto ao debate. Obviamente, isso mudaria todo o fio da história.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ARAWA, Papua Nova Guiné — Em uma manhã quente de novembro, um homem de peito largo e cicatrizes de batalha chegou ao Capitólio para uma reunião que, nas esperanças dele, ajudaria a salvar sua pátria em dificuldades.

Ishmael Toroama foi apresentado a dois membros da Comissão Parlamentar dos EUA a respeito do Partido Comunista Chinês como presidente de Bougainville, uma região autônoma de Papua Nova Guiné, no Pacífico Sul. Mas a sua ocupação anterior era evidente no braço que pendia do lado esquerdo enquanto ele apertava a mão dos legisladores.

Por duas vezes ele quase morreu enquanto liderava a luta pela independência de Bougainville, na década de 1990. Agora, ele tinha vindo a Washington para tentar concluir o trabalho.

O homem de terno risca de giz que apresentou Toroama, entretanto, não era um revolucionário. Seu nome era John D. Kuhns, um banqueiro de investimentos de Wall Street que se tornou romancista e empresário, e que fez de Bougainville sua última grande aposta.

Justina Naviu e sua filha observam uma mulher garimpando ouro da mina Panguna Foto: Michael Miller/The Washington Post

Juntos, os dois homens tinham uma história para contar: a de um futuro país em uma localização estratégica, sedento por liberdade, e de uma mina há muito fechada que ainda contém até US$ 100 bilhões em cobre e ouro que poderiam ser usados na transição energética mundial — uma transição energética na qual a China, com a sua fome insaciável por recursos naturais, está na vanguarda.

Toroama estabeleceu o prazo de 2027 para a independência total em relação a Papua Nova Guiné, após um referendo de 2019 em que quase 98% da população votou a favor da medida. Mas o resultado continua sujeito à ratificação pelo parlamento nacional em Port Moresby, e as negociações entre os dois lados foram interrompidas.

Bougainville poderia financiar sua liberdade reabrindo a mina Panguna e se tornar um forte aliado dos EUA, disse Toroama aos deputados republicanos Mike Gallagher (Wisconsin) e Neal Dunn (Flórida) em novembro, de acordo com o relato de Toroama e Kuhns a respeito da reunião . A equipe da comissão confirmou que a reunião ocorreu (Gallagher deixou o congresso no mês passado).

Toroama disse que contou a eles que precisava de ajuda. Ele veio a Washington para jogar “a cartada americana”, disse. Mas alguns rivais tinham o apoio de Pequim, alertou ele, e até mesmo Toroama poderia ter de recorrer à China se os Estados Unidos não ajudassem.

Kuhns, que deseja um pedaço de Panguna e disse que pagou pela viagem de Toroama, foi mais explícito.

“O estatuto vulnerável de Bougainville e da valiosa mina Panguna não escaparam à atenção do Partido Comunista Chinês”, escreveu ele em um documento divulgado anteriormente. “A China já tomou medidas para controlar as Ilhas Salomão e pretende fazer o mesmo em todo o Pacífico Sul. A menos que Ishmael Toroama e os seus defensores consigam resistir, Bougainville poderá ser a próxima.”

Aviso

Foi um aviso ameaçador, entregue a legisladores dos EUA já alarmados com Pequim. Conforme as tensões entre a China e EUA aumentam na Ásia-Pacífico, onde ambos os países celebraram recentemente acordos de segurança, todos, desde diplomatas a negociadores, aprenderam que essas tensões podem ser aproveitadas em seu benefício.

O ministro chinês dos assuntos estrangeiros, Wang Yi, que visitou Port Moresby no mês passado, apresentou um acordo de livre comércio, dizendo ao primeiro-ministro da Papua Nova Guiné, James Marape, que “a China será o seu parceiro mais confiável”.

Nas Ilhas Salomão, o primeiro-ministro em fim de mandato alertou que a generosidade chinesa terminará se as “potências ocidentais” conseguirem o que querem e o seu partido for deposto. Um novo governo deverá ser formado na quinta feira.

No início deste ano, os presidentes de Palau e das Ilhas Marshall usaram avisos sobre a crescente pressão chinesa para incitar os EUA a fornecerem bilhões de dólares em ajuda.

“A China é um bicho-papão no Pacífico”, disse Gordon Peake, especialista em Bougainville do United States Institute of Peace, um centro de estudos estratégicos de Washington. “E a China também está usando os EUA como bicho-papão.”

O presidente de Bougainville, Ishmael Toroama, posa para uma foto  Foto: Michael Miller/TWP

Em Bougainville, onde os esquemas de enriquecimento dos estrangeiros se adensam como a selva, alguns suspeitam de Kuhns. O último romance do americano, o seu quarto, o retrata como o único forasteiro confiável em Bougainville, e Toroama como a sua única esperança de independência, com o tempo se esgotando.

Na realidade, tem havido divergências entre eles, especialmente em relação à mina, e Kuhns mistura prontamente fatos e ficção. “Não estou interessado na precisão em si”, disse ele sobre seus romances. “Só estou tentando contar uma história.”

Riquezas e ruínas

Kuhns estava na pista de pouso em Buka, capital de Bougainville, vestindo shorts e camiseta, pronto para mostrar à reportagem a mina em que ele vê tamanho potencial. Ex-destaque do futebol americano na Universidade de Georgetown, o empresário de 74 anos ainda tem ombros de linebacker. A única pista do seu passado em Wall Street era o seu Rolex.

Ele desembarcou aqui pela primeira vez em 2015, durante um ponto baixo profissional. Décadas na construção de empresas de energia levaram-no a Pequim, onde lançou a China Hydroelectric Corporation em 2006. Esta se tornou rapidamente a maior empresa de serviços públicos de propriedade estrangeira no país. Mas, então, em 2012, Kuhns diz que foi detido no aeroporto de Pequim e forçado a sair da empresa. O Ministério do Comércio da China não respondeu aos pedidos de comentário.

O incidente – tema do seu primeiro romance – fez com que ele passasse a desconfiar da China, que ele agora chama de “ameaça de longo prazo” para os EUA. Também deixou Kuhns em busca de um último grande negócio.

A pequena ilha de Pokpok, à esquerda, na costa da ilha principal de Bougainville. Bougainville quer independência total da Papua Nova Guiné até 2027 Foto: Torbjörn Wester/The Washington Post

“Um dia, um sujeito entrou no meu escritório dizendo que representava um grupo de chefes em Bougainville e que tinha novas licenças de exploração do ouro a respeito das quais queria conversar com as pessoas”, lembrou ele.

Kuhns encontrou um lugar ainda parcialmente em ruínas. Durante 15 anos, Bougainville foi uma das zonas mais prósperas de Papua Nova Guiné por causa de Panguna, então a maior mina de cobre e ouro a céu aberto do mundo, que gerava quase metade das exportações do país. Mas a raiva em relação à partilha das receitas e aos danos ambientais levou à violência, que fechou a mina em 1988 e desencadeou uma guerra civil, chamada “a Crise”, na qual morreram cerca de 20.000 pessoas.

Quase um quarto de século depois de um acordo de paz, Bougainville – um pouco maior que o estado americano do Delaware, e onde vivem cerca de 300 mil pessoas – é agora segura, mas a infraestrutura continua deplorável. A estrada de Buka até a maior cidade, Arawa, não é asfaltada e, muitas vezes, é intransitável.

Arawa é cercada por montanhas de supostas riquezas. Foi aqui que Kuhns se estabeleceu em 2016 e abriu uma concessionária de ouro. Em busca de proteção, ele recorreu a Toroama, que dirigia uma empresa de segurança.

Toroama tinha 20 e poucos anos quando a Crise começou e se ofereceu como voluntário no Exército Revolucionário de Bougainville, um grupo separatista. Depois de quase uma década de combates, e de quase perder o braço esquerdo por causa de uma granada, Toroama foi uma figura chave nas negociações de paz. O acordo de 2001 deu a Bougainville alguma autonomia – incluindo o controle da mineração – e preparou o terreno para o referendo de 2019.

O empresário John D. Kuhns oberva a mina de Panguna, em Bougainville  Foto: Michael Miller/TWP

Kuhns ficou tão impressionado com Toroama que diz ter financiado parte de sua campanha de 2020 para a presidência de Bougainville (Toroama diz que Kuhns pagou a ele por serviços de segurança). Os dois homens se tornaram próximos durante entrevistas para o romance de Kuhn, “They Call Me Ishmael”, que fala de um executivo americano e de um ex-guerrilheiro. Depois de inicialmente dizer que tudo no livro era verdade, Kuhns admitiu que alterou alguns detalhes significativos, incluindo como Toroama quase perdeu o braço. “Minha versão é melhor”, disse ele. A grande tensão entre eles não é o passado, mas o futuro – de Panguna.

Planos para Panguna

A atração de Panguna pode ser sentida muito antes de a mina ser vista. Todos os dias, dezenas de pessoas caminham de Arawa montanha acima. No topo, o seu destino se torna subitamente aparente: dezenas de locais de mineração irregulares.

Panguna fechou em 1988, quando o ERB forçou a Bougainville Copper Ltd., uma subsidiária da mineradora anglo-australiana Rio Tinto, a desativar suas operações. Mas a mineração aluvial em pequena escala tomou o seu lugar. Dois homens estavam sentados à beira da estrada, usando uma panela para peneirar flocos de ouro. Subindo uma colina, duas crianças encheram sacos de arroz de 10 quilos com solo rico em minerais.

A bocarra de Panguna se abria ao longe. Na sua base havia um lago, tingido de um azul surreal pelo cobre. Nas proximidades havia dezenas de edifícios decadentes, incluindo antigos escritórios da BCL e alojamentos que agora abrigam centenas de bougainvilleanos pobres.

Maquinário enferrujado da mina de Panguna  Foto: Michael Miller/TWP

No entanto, de pé em uma colina, Kuhns contou à reportagem a respeito do que via como promissor. Com alguns anos e vários bilhões de dólares em novos equipamentos, Panguna poderá renascer, justamente quando um boom de tecnologia limpa impulsiona a procura global pelo cobre.

“Há US$ 100 bilhões em cobre, ouro e prata naquele buraco”, disse ele. “Tudo que precisamos fazer é explorá-lo.”

Kuhns tem seus próprios planos para Panguna. No fim de outubro, dias antes de ele e Toroama irem para Washington, os dois homens assinaram um memorando de entendimento, ao qual a reportagem teve acesso, para que a empresa de Kuhns, Lakeville Mines, encontrasse um importante parceiro internacional para reiniciar a exploração de Panguna. Uma nova empresa seria formada envolvendo o parceiro internacional, os proprietários locais, o governo e a Lakeville. Kuhns poderia ganhar dezenas de milhões. “Não estou aqui para ser um benfeitor”, disse ele. “Mas acho que estou me saindo bem.”

No entanto, Toroama não anunciou o acordo em Washington. Em vez disso, logo após retornar a Bougainville, ele reemitiu uma licença de exploração de Panguna para a BCL, que operava a mina (a Rio Tinto abandonou o investimento na BCL em 2016, cedendo suas ações aos governos de Bougainville e Papua Nova Guiné).

A decisão foi esmagadora para Kuhns. Mas, em vez de desistir, ele está se preparando para o fracasso da BCL, até porque muitos moradores locais a culpam pela Crise.

“Teríamos que ser muito estúpidos para receber aquele monstro de volta”, disse Maggie Boring, cuja filha e mãe foram mortas no início dos anos 1990, quando o sobrinho trouxe para casa uma granada que encontrou. Ela responsabilizou a BCL.

Mel Togolo, presidente executivo da BCL, disse que era “fantasioso” culpar a BCL por algo que aconteceu depois que a mina foi fechada, como fez Maggie. A maioria dos grupos de proprietários de terras concordou com a decisão de Toroama, acrescentou, embora tenha reconhecido que ainda resta alguma oposição. “Temos que ser realistas”, disse ele. “Nunca obteremos 100% de apoio.”

‘Todos nos alimentamos da mesma horta’

Quando Kuhns e Toroama se encontraram recentemente na casa do presidente, o aperto de mão deles foi tenso. A conversa rapidamente se voltou para Panguna e a BCL.

“Neste momento temos que cultivar esta terra”, disse Toroama incisivamente. “Todos nos alimentamos da mesma horta, que é a mina Panguna.”

A decisão do presidente foi uma vergonha para Kuhns. Mas a sua proposta mais ampla para Washington continua a ser a mesma: apoiar Toroama e o seu esforço pela independência, ou correr o risco de uma “infiltração da China” ainda maior.

Em agosto, Kuhns pagou a viagem de dois bougainvilleanos a Port Moresby para se encontrarem com os deputados republicanos Dunn e Aumua Amata Coleman Radewagen (Samoa Americana). Dias depois, Kuhns se encontrou com Kurt Campbell, então coordenador dos Assuntos Indo-Pacíficos no Conselho de Segurança Nacional e atual vice-secretário de Estado, para discutir a situação de Bougainville. Um porta-voz do Departamento de Estado confirmou a reunião.

Um dos objetivos da viagem de Toroama era mostrar às autoridades americanas que ele é um parceiro sério: ele debateu com os congressistas sediar interceptores da Guarda Costeira dos EUA em Bougainville. Outro objetivo era encontrar um mediador para iniciar as negociações com Papua Nova Guiné.

O governo de Toroama também está pressionando Port Moresby ao elaborar sua própria constituição. Se as negociações não derem em nada, Toroama se recusa a descartar a possibilidade de Bougainville simplesmente declarar independência. Essa “opção nuclear”, como Kuhns a chama, poderia abrir a porta para o reconhecimento de Bougainville por Pequim.

Peake e outros especialistas consideram que isso é improvável, pois representaria o risco de um conflito com Papua Nova Guiné, cortejada tanto por Pequim quanto por Washington.

O governo de Papua Nova Guiné não respondeu aos pedidos de comentário. Uma via mais provável de influência chinesa seria uma empresa estatal. Toroama diz que o seu governo conversou com empresas chinesas a respeito de Panguna – incluindo uma reunião em Guangzhou em março, anunciada por uma empresa ferroviária apoiada pelo Estado – mas prefere outros parceiros.

Pelo menos um rival nas eleições do próximo ano não teria tais reservas. Sam Kauona, que concorreu em 2020 promovendo um plano chinês para Bougainville, disse que tem novos apoiadores chineses. Ele disse que é “normal” dar “prioridade” aos seus projetos caso seja eleito. Questionado a respeito do que seus financiadores desejam em troca de seu investimento, ele respondeu: “Tudo”.

Kauona também elogiou Manasseh Sogavare, o primeiro-ministro em fim de mandato das Ilhas Salomão, pelo seu acordo de segurança com Pequim, e disse que estaria aberto a um acordo semelhante.

A eleição de um candidato ligado à China poderá transformar os avisos de Kuhns em realidade e prejudicar seus planos de negócios. Isso também prejudicaria sua trilogia de Bougainville, cujo segundo capítulo ele está escrevendo.

“Se Ishmael for eleito novamente, o terceiro livro será a respeito do mais novo país do planeta”, disse Kuhns. “Mas não tenho certeza se Ishmael será reeleito. No momento, tudo está muito aberto ao debate. Obviamente, isso mudaria todo o fio da história.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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