Como vizinhos de usina nuclear na Ucrânia convivem com o temor de uma nova Chernobyl


A usina tem permanecido em perigo contínuo conforme tropas russas e ucranianas trocam fogo nas suas imediações, mas a chance de derretimento em seus reatores tem aumentado acentuadamente desde a destruição da represa de Kakhovka

Por Fredrick Kunkle e Kostiantyn Khudov
Atualização:

TOMAKIVKA, Ucrânia — O risco de um grande desastre na Usina Nuclear de Zaporizhzhia apavora Nadiia Hez, que vive em Tomakivka, uma região que provavelmente seria contaminada gravemente por qualquer acidente radioativo mortífero na central atômica.

A usina tem permanecido em perigo contínuo conforme tropas russas e ucranianas trocam fogo nas suas imediações, mas a chance de derretimento em seus reatores tem aumentado acentuadamente desde a destruição da represa de Kakhovka, no rio que fornece a água necessária à central nuclear. O rompimento de 6 de junho ocasionou uma inundação catastrófica e colocou em perigo o fornecimento da água que resfria os reatores da usina e o combustível nuclear usado na produção de eletricidade.

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Mas tem havido tanto horror desde que a Rússia invadiu, no ano passado, que Hez e outros habitantes desta cidade na Ucrânia respondem à ameaça do desastre nuclear com uma mistura de medo e fatalismo endurecido.

Hez, que é enfermeira, pelo menos tem pílulas de iodo para ajudar a mitigar os efeitos do envenenamento por radiação. Depois de dias procurando, ela encontrou uma adega subterrânea próxima ao seu conjunto residencial da era soviética que poderia servir como um abrigo improvisado contra a radiação para ela, seu marido e seu filho de 1 ano, Ihor, caso haja um vazamento da usina nuclear, em poder dos russos, a 35 quilômetros de lá. Tem havido pouco mais a fazer do que passar dias a fio esperando alguma novidade e colocar foco nas dificuldades cotidianas que a guerra já infligiu em suas vidas.

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“É horrível — eu não quero nem pensar a respeito disso”, afirmou Hez, de 22 anos, carregando vários garrafões cheios de água, com o bebê no colo, depois de se abastecer em um caminhão-pipa de uma instituição de caridade. O sistema de abastecimento municipal de água foi interrompido em razão do rompimento da represa.

Alertas de autoridades ucranianas e especialistas em energia nuclear a respeito de um possível desastre no sudeste da Ucrânia adquiriram urgência desde o ocorrido. Autoridades ucranianas acusaram as forças russas de ter explodido a represa deliberadamente, o que Moscou nega.

A Usina Nuclear de Zaporizhzhia foi alvo de disputa entre Rússia e Ucrânia em meio a guerra que começou em fevereiro de 2022  Foto: Alexander Ermochenko/ REUTERS
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O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, vinha afirmando desde outubro que a Rússia destruiria a represa. Agora, Zelenski e outras graduadas autoridades ucranianas aumentaram o ritmo de alertas afirmando que a Rússia planeja sabotar a usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa.

O major-general Kirilo Budanov, chefe da inteligência militar da Ucrânia, afirmou por meio de um porta-voz que os russos plantaram explosivos próximo a quatro dos seis reatores e minaram o tanque que armazena a água destinada a resfriar os reatores e o combustível nuclear usado.

“Existe um risco extremo de erro humano ou, dada a quantidade de explosivos, alguma detonação acidental”, afirmou o porta-voz Andrii Yusov.

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Na sexta-feira, a agência de inteligência militar ucraniana emitiu um comunicado apavorante, afirmando que três supervisores russos foram retirados da usina e que os funcionários ucranianos contratados pelo conglomerado russo de energia nuclear deveriam partir até 5 de julho. O comunicado ainda afirmou que os trabalhadores que permanecerão foram orientados a “culpar a Ucrânia no caso de alguma emergência”.

Na semana passada, o ministro do Interior ucraniano, Ihor Klimenko, anunciou exercícios em todos os níveis do governo para lidar com a possibilidade de um desastre nuclear. O treinamento incluiu planos de retirada, interdições de estradas e criação de postos de controle para testar o nível de radiação nas pessoas em um raio determinado em relação à usina.

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Para cidadãos que vivem em locais onde for impossível fugir a tempo, as autoridades recomendam abrigar-se onde estiverem, selando janelas e dutos de ventilação com roupas úmidas e fita adesiva e desligando aparelhos de ar-condicionado. Quando estiverem fora de casa, afirmou ele, as pessoas devem usar máscaras capazes de filtrar poeira radioativa e outras partículas em suspensão.

Equipes de resgate e policiais participam de exercício antirradiação em caso de emergência na Usina Nuclear de Zaporizhzhia, em Zaporizhzhia, Ucrânia Foto: Stringer / REUTERS

Klimenko e outras autoridades também pediram para os cidadãos permanecerem calmos — conselho que muitos ucranianos parecem ter atendido, apesar de seu passado com Chernobyl, local do pior desastre nuclear da história, e dos nove anos de conflito violento com a Rússia.

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“As pessoas já estão endurecidas, resilientes”, afirmou Yurii Malashko, diretor da região administrativa militar de Zaporizhzhia.

Forças russas tomaram controle da usina nuclear pouco após o presidente Vladimir Putin ordenar a invasão em escala total da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Todos os seis reatores da central atômica foram desligados desde então.

A usina já passou perto de sofrer danos severos em várias ocasiões, incluindo em razão de ataques de artilharia contra linhas de eletricidade que alimentam de energia as operações de resfriamento. Agora, a central nuclear é ameaçada por um abastecimento de água errático em razão da destruição da represa.

Reservatório

Depois da construção da Usina Nuclear de Zaporizhzhia, nos anos 80, o reservatório de Kakhovka tem sido usado para encher o tanque que armazena a água usada no resfriamento de seus reatores e do combustível usado.

Até 24 de junho, o nível de água no tanque estava em aproximadamente 16 metros — apenas 4 metros acima no mínimo necessário para resfriar a usina, afirmou Olena Pareniuk, pesquisadora sênior da Academia Nacional de Ciência da Ucrânia, especialista em desastres em usinas nucleares.

A situação levou o diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica a conduzir uma inspeção de emergência na Usina Nuclear de Zaporizhzhia dias depois do rompimento da represa.

Casas são vistas debaixo d'água na cidade inundada de Oleshky, Ucrânia, sábado, 10 de junho de 2023. Um colapso catastrófico de barragem no mês passado na região sul de Kherson alterou a geografia ao longo do rio Dnieper. Foto: Evgeniy Maloletka / AP

Em uma declaração postada no website da AIEA, Rafael Mariano Grossi afirmou que o tanque de resfriamento está sendo reabastecido por água de um canal de descarga de uma termoelétrica a carvão e de um sistema de drenagem alimentado por águas subterrâneas. À taxa atual de evaporação, de aproximadamente 10 centímetros por dia, Grossi estimou que a usina tinha água suficiente para “muitas semanas”. Ele também disse não ter visto nenhuma evidência de que a usina foi minada.

Tão preocupante quanto, contudo, é a pressão adicionada sobre a equipe ucraniana que ficou, afirmou Pareniuk. Talvez apenas 3 mil dos 11 mil funcionários da usina permanecem para coordenar suas operações — o que “mal dá” para manter a central nuclear segura durante o estado de paralisação, muito menos para administrar alguma emergência.

“A ameaça de um ataque terrorista é alta”, disse um funcionário ucraniano da usina, que o Washington Post não identificará para proteger sua segurança. Ele afirmou que a central nuclear já reduziu a quantidade de água usada para resfriar seus reatores — a temperatura do reator mais quente, segundo Pareniuk, ainda se situa a cerca de 295ºC mesmo após o desligamento.

Autoridades ucranianas e especialistas em energia atômica alertam que, sem resfriamento suficiente, o núcleo do reator poder superaquecer, ocasionando uma mistura entre gás de hidrogênio e vapor que pode provocar uma explosão capaz de romper a estrutura de contenção e expelir quantidades perigosas de radiação no ar. Sem água, demoraria de 10 horas a duas semanas para os reatores derreterem, afirmou Budanov.

E o que poderia acontecer depois? Pareniuk e outros especialistas afirmam ser improvável algo parecido com o ocorrido em Chernobyl, que explodiu quando o reator ainda estava em atividade plena. Ela afirmou que o pior cenário seria algo na escala do desastre de Fukushima, de 2011, quando o combustível de três dos quatro reatores da usina nuclear japonesa derreteu após um forte terremoto seguido de tsunami.

Se algo parecido ocorrer em Zaporizhzhia, uma nuvem radioativa poderia se espalhar pela Ucrânia, contaminando a região agrícola do país e provavelmente sendo soprada para vizinhos europeus, com partículas que aumentam os riscos de certos tipos de câncer. A contaminação radioativa deverá alcançar também o Rio Dnipro e chegar até o Mar Negro. Aprofundando-se nas correntes marítimas, a radioatividade poderia atingir todos os países que costeiam o Mar Negro, afirmou Pareniuk. Como biorradiologista, ela entende detalhadamente o que isso poderia significar para seu filho de 4 anos, mesmo que ela e a criança vivam longe da usina, a oeste da capital, Kiev.

“Estou apavorada”, afirmou ela. Assim como muitos habitantes da pequena Tomakivka, localizada no limite da possível zona de exclusão de 32 quiômetros em torno da usina de Zaporizhzhia. Este é o raio da área contaminada até hoje no entorno da usina de Chernobyl.

Mesmo antes da represa romper, Hez já passou muita dificuldade. Ela deu à luz em um bunker transformado em hospital em Nikopol enquanto a artilharia russa castigava a cidade. Os bombardeios constantes fizeram com que ela e o marido, Oleksii, de 23 anos, se mudassem para Tomakivka, onde eles subsistem com uma pensão do Estado para pessoas deslocadas e a subvenção pública para criar o filho — cerca de US$ 135.

Ambos foram procurados por oficiais do Exército responsáveis por recrutamento. Um deles recomendou a Hez colocar seu bebê sob os cuidados da avó ou de outra pessoa, porque seus serviços eram necessários.

“Parece um filme de horror”, afirmou a enfermeira Vita Liashenko, de 47 anos, em uma fila com cerca de 50 pessoas para buscar água potável no centro da cidade. Como outros moradores de Tomakivka, ela vem coletando e guardando água da chuva, reutilizando água para limpeza de sua residência e passando longos períodos sem banho desde que o sistema municipal de abastecimento hídrico caiu, após o rompimento da represa. Ela também tem em casa pílulas de iodo, água armazenada e fita adesiva para selar as janelas no caso de um acidente radioativo.

Olena Mikitiuk, de 59 anos, que vive com uma pensão por invalidez e cuida do marido doente, afirmou que tem pílulas de iodo, mas não tem certeza se as tomaria. Ela também se preocupa com o que poderá acontecer com suas galinhas. “Nós não sabemos como nos preparar para a radiação”, afirmou Mikitiuk. “Nós vemos as notícias e sabemos que basta eles apertarem um botão.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TOMAKIVKA, Ucrânia — O risco de um grande desastre na Usina Nuclear de Zaporizhzhia apavora Nadiia Hez, que vive em Tomakivka, uma região que provavelmente seria contaminada gravemente por qualquer acidente radioativo mortífero na central atômica.

A usina tem permanecido em perigo contínuo conforme tropas russas e ucranianas trocam fogo nas suas imediações, mas a chance de derretimento em seus reatores tem aumentado acentuadamente desde a destruição da represa de Kakhovka, no rio que fornece a água necessária à central nuclear. O rompimento de 6 de junho ocasionou uma inundação catastrófica e colocou em perigo o fornecimento da água que resfria os reatores da usina e o combustível nuclear usado na produção de eletricidade.

Mas tem havido tanto horror desde que a Rússia invadiu, no ano passado, que Hez e outros habitantes desta cidade na Ucrânia respondem à ameaça do desastre nuclear com uma mistura de medo e fatalismo endurecido.

Hez, que é enfermeira, pelo menos tem pílulas de iodo para ajudar a mitigar os efeitos do envenenamento por radiação. Depois de dias procurando, ela encontrou uma adega subterrânea próxima ao seu conjunto residencial da era soviética que poderia servir como um abrigo improvisado contra a radiação para ela, seu marido e seu filho de 1 ano, Ihor, caso haja um vazamento da usina nuclear, em poder dos russos, a 35 quilômetros de lá. Tem havido pouco mais a fazer do que passar dias a fio esperando alguma novidade e colocar foco nas dificuldades cotidianas que a guerra já infligiu em suas vidas.

“É horrível — eu não quero nem pensar a respeito disso”, afirmou Hez, de 22 anos, carregando vários garrafões cheios de água, com o bebê no colo, depois de se abastecer em um caminhão-pipa de uma instituição de caridade. O sistema de abastecimento municipal de água foi interrompido em razão do rompimento da represa.

Alertas de autoridades ucranianas e especialistas em energia nuclear a respeito de um possível desastre no sudeste da Ucrânia adquiriram urgência desde o ocorrido. Autoridades ucranianas acusaram as forças russas de ter explodido a represa deliberadamente, o que Moscou nega.

A Usina Nuclear de Zaporizhzhia foi alvo de disputa entre Rússia e Ucrânia em meio a guerra que começou em fevereiro de 2022  Foto: Alexander Ermochenko/ REUTERS

O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, vinha afirmando desde outubro que a Rússia destruiria a represa. Agora, Zelenski e outras graduadas autoridades ucranianas aumentaram o ritmo de alertas afirmando que a Rússia planeja sabotar a usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa.

O major-general Kirilo Budanov, chefe da inteligência militar da Ucrânia, afirmou por meio de um porta-voz que os russos plantaram explosivos próximo a quatro dos seis reatores e minaram o tanque que armazena a água destinada a resfriar os reatores e o combustível nuclear usado.

“Existe um risco extremo de erro humano ou, dada a quantidade de explosivos, alguma detonação acidental”, afirmou o porta-voz Andrii Yusov.

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Na semana passada, o ministro do Interior ucraniano, Ihor Klimenko, anunciou exercícios em todos os níveis do governo para lidar com a possibilidade de um desastre nuclear. O treinamento incluiu planos de retirada, interdições de estradas e criação de postos de controle para testar o nível de radiação nas pessoas em um raio determinado em relação à usina.

Para cidadãos que vivem em locais onde for impossível fugir a tempo, as autoridades recomendam abrigar-se onde estiverem, selando janelas e dutos de ventilação com roupas úmidas e fita adesiva e desligando aparelhos de ar-condicionado. Quando estiverem fora de casa, afirmou ele, as pessoas devem usar máscaras capazes de filtrar poeira radioativa e outras partículas em suspensão.

Equipes de resgate e policiais participam de exercício antirradiação em caso de emergência na Usina Nuclear de Zaporizhzhia, em Zaporizhzhia, Ucrânia Foto: Stringer / REUTERS

Klimenko e outras autoridades também pediram para os cidadãos permanecerem calmos — conselho que muitos ucranianos parecem ter atendido, apesar de seu passado com Chernobyl, local do pior desastre nuclear da história, e dos nove anos de conflito violento com a Rússia.

“As pessoas já estão endurecidas, resilientes”, afirmou Yurii Malashko, diretor da região administrativa militar de Zaporizhzhia.

Forças russas tomaram controle da usina nuclear pouco após o presidente Vladimir Putin ordenar a invasão em escala total da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Todos os seis reatores da central atômica foram desligados desde então.

A usina já passou perto de sofrer danos severos em várias ocasiões, incluindo em razão de ataques de artilharia contra linhas de eletricidade que alimentam de energia as operações de resfriamento. Agora, a central nuclear é ameaçada por um abastecimento de água errático em razão da destruição da represa.

Reservatório

Depois da construção da Usina Nuclear de Zaporizhzhia, nos anos 80, o reservatório de Kakhovka tem sido usado para encher o tanque que armazena a água usada no resfriamento de seus reatores e do combustível usado.

Até 24 de junho, o nível de água no tanque estava em aproximadamente 16 metros — apenas 4 metros acima no mínimo necessário para resfriar a usina, afirmou Olena Pareniuk, pesquisadora sênior da Academia Nacional de Ciência da Ucrânia, especialista em desastres em usinas nucleares.

A situação levou o diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica a conduzir uma inspeção de emergência na Usina Nuclear de Zaporizhzhia dias depois do rompimento da represa.

Casas são vistas debaixo d'água na cidade inundada de Oleshky, Ucrânia, sábado, 10 de junho de 2023. Um colapso catastrófico de barragem no mês passado na região sul de Kherson alterou a geografia ao longo do rio Dnieper. Foto: Evgeniy Maloletka / AP

Em uma declaração postada no website da AIEA, Rafael Mariano Grossi afirmou que o tanque de resfriamento está sendo reabastecido por água de um canal de descarga de uma termoelétrica a carvão e de um sistema de drenagem alimentado por águas subterrâneas. À taxa atual de evaporação, de aproximadamente 10 centímetros por dia, Grossi estimou que a usina tinha água suficiente para “muitas semanas”. Ele também disse não ter visto nenhuma evidência de que a usina foi minada.

Tão preocupante quanto, contudo, é a pressão adicionada sobre a equipe ucraniana que ficou, afirmou Pareniuk. Talvez apenas 3 mil dos 11 mil funcionários da usina permanecem para coordenar suas operações — o que “mal dá” para manter a central nuclear segura durante o estado de paralisação, muito menos para administrar alguma emergência.

“A ameaça de um ataque terrorista é alta”, disse um funcionário ucraniano da usina, que o Washington Post não identificará para proteger sua segurança. Ele afirmou que a central nuclear já reduziu a quantidade de água usada para resfriar seus reatores — a temperatura do reator mais quente, segundo Pareniuk, ainda se situa a cerca de 295ºC mesmo após o desligamento.

Autoridades ucranianas e especialistas em energia atômica alertam que, sem resfriamento suficiente, o núcleo do reator poder superaquecer, ocasionando uma mistura entre gás de hidrogênio e vapor que pode provocar uma explosão capaz de romper a estrutura de contenção e expelir quantidades perigosas de radiação no ar. Sem água, demoraria de 10 horas a duas semanas para os reatores derreterem, afirmou Budanov.

E o que poderia acontecer depois? Pareniuk e outros especialistas afirmam ser improvável algo parecido com o ocorrido em Chernobyl, que explodiu quando o reator ainda estava em atividade plena. Ela afirmou que o pior cenário seria algo na escala do desastre de Fukushima, de 2011, quando o combustível de três dos quatro reatores da usina nuclear japonesa derreteu após um forte terremoto seguido de tsunami.

Se algo parecido ocorrer em Zaporizhzhia, uma nuvem radioativa poderia se espalhar pela Ucrânia, contaminando a região agrícola do país e provavelmente sendo soprada para vizinhos europeus, com partículas que aumentam os riscos de certos tipos de câncer. A contaminação radioativa deverá alcançar também o Rio Dnipro e chegar até o Mar Negro. Aprofundando-se nas correntes marítimas, a radioatividade poderia atingir todos os países que costeiam o Mar Negro, afirmou Pareniuk. Como biorradiologista, ela entende detalhadamente o que isso poderia significar para seu filho de 4 anos, mesmo que ela e a criança vivam longe da usina, a oeste da capital, Kiev.

“Estou apavorada”, afirmou ela. Assim como muitos habitantes da pequena Tomakivka, localizada no limite da possível zona de exclusão de 32 quiômetros em torno da usina de Zaporizhzhia. Este é o raio da área contaminada até hoje no entorno da usina de Chernobyl.

Mesmo antes da represa romper, Hez já passou muita dificuldade. Ela deu à luz em um bunker transformado em hospital em Nikopol enquanto a artilharia russa castigava a cidade. Os bombardeios constantes fizeram com que ela e o marido, Oleksii, de 23 anos, se mudassem para Tomakivka, onde eles subsistem com uma pensão do Estado para pessoas deslocadas e a subvenção pública para criar o filho — cerca de US$ 135.

Ambos foram procurados por oficiais do Exército responsáveis por recrutamento. Um deles recomendou a Hez colocar seu bebê sob os cuidados da avó ou de outra pessoa, porque seus serviços eram necessários.

“Parece um filme de horror”, afirmou a enfermeira Vita Liashenko, de 47 anos, em uma fila com cerca de 50 pessoas para buscar água potável no centro da cidade. Como outros moradores de Tomakivka, ela vem coletando e guardando água da chuva, reutilizando água para limpeza de sua residência e passando longos períodos sem banho desde que o sistema municipal de abastecimento hídrico caiu, após o rompimento da represa. Ela também tem em casa pílulas de iodo, água armazenada e fita adesiva para selar as janelas no caso de um acidente radioativo.

Olena Mikitiuk, de 59 anos, que vive com uma pensão por invalidez e cuida do marido doente, afirmou que tem pílulas de iodo, mas não tem certeza se as tomaria. Ela também se preocupa com o que poderá acontecer com suas galinhas. “Nós não sabemos como nos preparar para a radiação”, afirmou Mikitiuk. “Nós vemos as notícias e sabemos que basta eles apertarem um botão.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

TOMAKIVKA, Ucrânia — O risco de um grande desastre na Usina Nuclear de Zaporizhzhia apavora Nadiia Hez, que vive em Tomakivka, uma região que provavelmente seria contaminada gravemente por qualquer acidente radioativo mortífero na central atômica.

A usina tem permanecido em perigo contínuo conforme tropas russas e ucranianas trocam fogo nas suas imediações, mas a chance de derretimento em seus reatores tem aumentado acentuadamente desde a destruição da represa de Kakhovka, no rio que fornece a água necessária à central nuclear. O rompimento de 6 de junho ocasionou uma inundação catastrófica e colocou em perigo o fornecimento da água que resfria os reatores da usina e o combustível nuclear usado na produção de eletricidade.

Mas tem havido tanto horror desde que a Rússia invadiu, no ano passado, que Hez e outros habitantes desta cidade na Ucrânia respondem à ameaça do desastre nuclear com uma mistura de medo e fatalismo endurecido.

Hez, que é enfermeira, pelo menos tem pílulas de iodo para ajudar a mitigar os efeitos do envenenamento por radiação. Depois de dias procurando, ela encontrou uma adega subterrânea próxima ao seu conjunto residencial da era soviética que poderia servir como um abrigo improvisado contra a radiação para ela, seu marido e seu filho de 1 ano, Ihor, caso haja um vazamento da usina nuclear, em poder dos russos, a 35 quilômetros de lá. Tem havido pouco mais a fazer do que passar dias a fio esperando alguma novidade e colocar foco nas dificuldades cotidianas que a guerra já infligiu em suas vidas.

“É horrível — eu não quero nem pensar a respeito disso”, afirmou Hez, de 22 anos, carregando vários garrafões cheios de água, com o bebê no colo, depois de se abastecer em um caminhão-pipa de uma instituição de caridade. O sistema de abastecimento municipal de água foi interrompido em razão do rompimento da represa.

Alertas de autoridades ucranianas e especialistas em energia nuclear a respeito de um possível desastre no sudeste da Ucrânia adquiriram urgência desde o ocorrido. Autoridades ucranianas acusaram as forças russas de ter explodido a represa deliberadamente, o que Moscou nega.

A Usina Nuclear de Zaporizhzhia foi alvo de disputa entre Rússia e Ucrânia em meio a guerra que começou em fevereiro de 2022  Foto: Alexander Ermochenko/ REUTERS

O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, vinha afirmando desde outubro que a Rússia destruiria a represa. Agora, Zelenski e outras graduadas autoridades ucranianas aumentaram o ritmo de alertas afirmando que a Rússia planeja sabotar a usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa.

O major-general Kirilo Budanov, chefe da inteligência militar da Ucrânia, afirmou por meio de um porta-voz que os russos plantaram explosivos próximo a quatro dos seis reatores e minaram o tanque que armazena a água destinada a resfriar os reatores e o combustível nuclear usado.

“Existe um risco extremo de erro humano ou, dada a quantidade de explosivos, alguma detonação acidental”, afirmou o porta-voz Andrii Yusov.

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Na semana passada, o ministro do Interior ucraniano, Ihor Klimenko, anunciou exercícios em todos os níveis do governo para lidar com a possibilidade de um desastre nuclear. O treinamento incluiu planos de retirada, interdições de estradas e criação de postos de controle para testar o nível de radiação nas pessoas em um raio determinado em relação à usina.

Para cidadãos que vivem em locais onde for impossível fugir a tempo, as autoridades recomendam abrigar-se onde estiverem, selando janelas e dutos de ventilação com roupas úmidas e fita adesiva e desligando aparelhos de ar-condicionado. Quando estiverem fora de casa, afirmou ele, as pessoas devem usar máscaras capazes de filtrar poeira radioativa e outras partículas em suspensão.

Equipes de resgate e policiais participam de exercício antirradiação em caso de emergência na Usina Nuclear de Zaporizhzhia, em Zaporizhzhia, Ucrânia Foto: Stringer / REUTERS

Klimenko e outras autoridades também pediram para os cidadãos permanecerem calmos — conselho que muitos ucranianos parecem ter atendido, apesar de seu passado com Chernobyl, local do pior desastre nuclear da história, e dos nove anos de conflito violento com a Rússia.

“As pessoas já estão endurecidas, resilientes”, afirmou Yurii Malashko, diretor da região administrativa militar de Zaporizhzhia.

Forças russas tomaram controle da usina nuclear pouco após o presidente Vladimir Putin ordenar a invasão em escala total da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Todos os seis reatores da central atômica foram desligados desde então.

A usina já passou perto de sofrer danos severos em várias ocasiões, incluindo em razão de ataques de artilharia contra linhas de eletricidade que alimentam de energia as operações de resfriamento. Agora, a central nuclear é ameaçada por um abastecimento de água errático em razão da destruição da represa.

Reservatório

Depois da construção da Usina Nuclear de Zaporizhzhia, nos anos 80, o reservatório de Kakhovka tem sido usado para encher o tanque que armazena a água usada no resfriamento de seus reatores e do combustível usado.

Até 24 de junho, o nível de água no tanque estava em aproximadamente 16 metros — apenas 4 metros acima no mínimo necessário para resfriar a usina, afirmou Olena Pareniuk, pesquisadora sênior da Academia Nacional de Ciência da Ucrânia, especialista em desastres em usinas nucleares.

A situação levou o diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica a conduzir uma inspeção de emergência na Usina Nuclear de Zaporizhzhia dias depois do rompimento da represa.

Casas são vistas debaixo d'água na cidade inundada de Oleshky, Ucrânia, sábado, 10 de junho de 2023. Um colapso catastrófico de barragem no mês passado na região sul de Kherson alterou a geografia ao longo do rio Dnieper. Foto: Evgeniy Maloletka / AP

Em uma declaração postada no website da AIEA, Rafael Mariano Grossi afirmou que o tanque de resfriamento está sendo reabastecido por água de um canal de descarga de uma termoelétrica a carvão e de um sistema de drenagem alimentado por águas subterrâneas. À taxa atual de evaporação, de aproximadamente 10 centímetros por dia, Grossi estimou que a usina tinha água suficiente para “muitas semanas”. Ele também disse não ter visto nenhuma evidência de que a usina foi minada.

Tão preocupante quanto, contudo, é a pressão adicionada sobre a equipe ucraniana que ficou, afirmou Pareniuk. Talvez apenas 3 mil dos 11 mil funcionários da usina permanecem para coordenar suas operações — o que “mal dá” para manter a central nuclear segura durante o estado de paralisação, muito menos para administrar alguma emergência.

“A ameaça de um ataque terrorista é alta”, disse um funcionário ucraniano da usina, que o Washington Post não identificará para proteger sua segurança. Ele afirmou que a central nuclear já reduziu a quantidade de água usada para resfriar seus reatores — a temperatura do reator mais quente, segundo Pareniuk, ainda se situa a cerca de 295ºC mesmo após o desligamento.

Autoridades ucranianas e especialistas em energia atômica alertam que, sem resfriamento suficiente, o núcleo do reator poder superaquecer, ocasionando uma mistura entre gás de hidrogênio e vapor que pode provocar uma explosão capaz de romper a estrutura de contenção e expelir quantidades perigosas de radiação no ar. Sem água, demoraria de 10 horas a duas semanas para os reatores derreterem, afirmou Budanov.

E o que poderia acontecer depois? Pareniuk e outros especialistas afirmam ser improvável algo parecido com o ocorrido em Chernobyl, que explodiu quando o reator ainda estava em atividade plena. Ela afirmou que o pior cenário seria algo na escala do desastre de Fukushima, de 2011, quando o combustível de três dos quatro reatores da usina nuclear japonesa derreteu após um forte terremoto seguido de tsunami.

Se algo parecido ocorrer em Zaporizhzhia, uma nuvem radioativa poderia se espalhar pela Ucrânia, contaminando a região agrícola do país e provavelmente sendo soprada para vizinhos europeus, com partículas que aumentam os riscos de certos tipos de câncer. A contaminação radioativa deverá alcançar também o Rio Dnipro e chegar até o Mar Negro. Aprofundando-se nas correntes marítimas, a radioatividade poderia atingir todos os países que costeiam o Mar Negro, afirmou Pareniuk. Como biorradiologista, ela entende detalhadamente o que isso poderia significar para seu filho de 4 anos, mesmo que ela e a criança vivam longe da usina, a oeste da capital, Kiev.

“Estou apavorada”, afirmou ela. Assim como muitos habitantes da pequena Tomakivka, localizada no limite da possível zona de exclusão de 32 quiômetros em torno da usina de Zaporizhzhia. Este é o raio da área contaminada até hoje no entorno da usina de Chernobyl.

Mesmo antes da represa romper, Hez já passou muita dificuldade. Ela deu à luz em um bunker transformado em hospital em Nikopol enquanto a artilharia russa castigava a cidade. Os bombardeios constantes fizeram com que ela e o marido, Oleksii, de 23 anos, se mudassem para Tomakivka, onde eles subsistem com uma pensão do Estado para pessoas deslocadas e a subvenção pública para criar o filho — cerca de US$ 135.

Ambos foram procurados por oficiais do Exército responsáveis por recrutamento. Um deles recomendou a Hez colocar seu bebê sob os cuidados da avó ou de outra pessoa, porque seus serviços eram necessários.

“Parece um filme de horror”, afirmou a enfermeira Vita Liashenko, de 47 anos, em uma fila com cerca de 50 pessoas para buscar água potável no centro da cidade. Como outros moradores de Tomakivka, ela vem coletando e guardando água da chuva, reutilizando água para limpeza de sua residência e passando longos períodos sem banho desde que o sistema municipal de abastecimento hídrico caiu, após o rompimento da represa. Ela também tem em casa pílulas de iodo, água armazenada e fita adesiva para selar as janelas no caso de um acidente radioativo.

Olena Mikitiuk, de 59 anos, que vive com uma pensão por invalidez e cuida do marido doente, afirmou que tem pílulas de iodo, mas não tem certeza se as tomaria. Ela também se preocupa com o que poderá acontecer com suas galinhas. “Nós não sabemos como nos preparar para a radiação”, afirmou Mikitiuk. “Nós vemos as notícias e sabemos que basta eles apertarem um botão.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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