Depois de 12 semanas de protestos crescentes em Israel, o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, concordou em adiar a polêmica reforma do Judiciário que ficará congelada até maio. O congelamento, no entanto, só foi possível depois de concessões aos radicais de extrema direita que fazem parte da sua coalizão, o que pode ampliar a influência dos ultraortodoxos e ultranacionalistas nos temas de segurança do país.
Antes mesmo do discurso televisionado de Netanyahu, a notícia sobre o adiamento da reforma já havia sido confirmada pelo ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, líder do partido ultraconservador Otzma Yehudit. Isso porque foi ele quem abriu caminho para a mudança, já que era a pessoa dentro da coalizão que mais se opunha a uma suspensão, ameaçando desfazer a coalizão de governo caso o premiê não levasse o texto adiante.
Para evitar uma renúncia de Ben-Gvir e manter a coalizão unida, Netanyahu concordou em lhe dar uma espécie de guarda nacional civil para aumentar a segurança pública, que deverá ser aprovada na próxima reunião de gabinete. O partido soltou um comunicado dizendo que a nova guarda será colocada sob o Ministério de Segurança Nacional de Ben-Gvir, e anexou uma promessa por escrito de Netanyahu.
Ampliar seus poderes sobre as questões de segurança é um dos objetivos de Ben-Gvir ao formar a coalizão mais extremista da história de Israel. Conhecido por ser contra a presença árabe em Israel, ele defende ações mais duras contra palestinos e que uma maior expansão de assentamos israelenses na Palestina. Um dos maiores antagonistas de Ben-Gvir na na coalizão era Yoav Gallant no Ministério da Defesa, que foi demitido no domingo por Netanyahu, abrindo caminho para o acirramento da crise política.
“Nesse momento Netanyahu preferiu escolher Ben-Gvir em vez de Yoav Gallant”, observa Ido Zelkovitz, pesquisador e professor no Departamento de História do Oriente Médio na Universidade de Haifa. “Ele quer manter sua coalizão o tanto que ele conseguir, por isso decidiu demitir Gallant, que tomou o partido dos mais liberais nas Forças de Defesa e Segurança de Israel. E ao invés de ficar ao lado dos mais liberais, Netanyahu decidiu manter a sua coalizão viva.”
O problema, aponta o professor, é que os protestos nas ruas, embora tenham como estopim a reforma do Judiciário, também se levantam contra as forças extremistas de dentro do governo, tornando a situação ainda mais instável. “Todas as pessoas que vão para as ruas agora, não estão só protestando pela democracia israelense, mas também contra o novo governo formado por Netanyahu, que é ultraortodoxo e conservador.”
Dar a Ben-Gvir mais poder pode enfurecer tanto os manifestantes, quanto aliados externos que observam os extremistas da coalizão com desconfiança. Críticos isralenses já chamam a promessa de Bibi (apelido de Netanyahu) de “milícia privada de Ben-Gvir”.
“A guarda nacional deve estar sob a polícia, e não sob o controle do [grupo de extrema direita] Lehava e do resto dos Kahanistas (referência aos seguidores do rabino extremista anti-árabe Meir Kahane)”, afirmou o parlamentar do Partido Trabalhista Gilad Kariv.
“Ao colocar Ben-Gvir como responsável de uma nova proposta de Segurança Nacional a gente pode esperar mais conflitos com palestinos e com árabes, porque ele tem uma uma política e uma posição racista, isso é inegável”, afirma Karina Calandri, coordenadora de programas e projetos do Instituto Brasil-Israel (IBI). “E realmente não não vejo outra forma de condução de uma política de segurança por ele que não seja de oprimir as populações árabes e oprimir todos aqueles que sejam contra o governo. Pode ser inclusive um aparato para esse sistema ditatorial que eles gostariam de implantar.”
A esperança agora é de que esta pausa na tramitação da reforma permita um diálogo mais amplo entre Netanyahu e a oposição, afastando assim o poder dos extremistas. No entanto, mesmo o congelamento da reforma é vista com ceticismo por líderes opositores, como Yair Lapid, que só se colocou aberto a negociar caso o congelamento seja real.
“Infelizmente, Netanyahu não é confiável”, afirma Yonatan Touval, analista Sênior de Políticas do Mitvim (Instituto Israelense de Relações Exteriores Regionais). “Ele já provou, mais de uma vez, ser um líder que nunca deixa claro o que diz e nunca diz o que pensa de verdade. A única coisa de que podemos ter certeza é que o Knesset (Parlamento) interromperá o ataque legislativo contra o Judiciário que deveria ser concluído esta semana antes do recesso de primavera (no Hemisfério Norte).”
“O que vai acontecer a seguir é difícil de prever. Haverá conversações entre representantes do governo e representantes do campo liberal, como sempre houve, mas é difícil dizer se eles chegarão ou não a uma estrutura que introduza reformas construtivas no Judiciário que seriam aceitáveis de ambos os lados”, completa.
E conclui: “A grande questão é o que acontecerá se eles não o fizerem. Netanyahu prometeu retomar o processo legislativo de qualquer forma na próxima sessão parlamentar, que será realizada entre 30 de abril e 30 de julho. Estes serão meses críticos e, na ausência de uma ampla estrutura consensual para a reforma, existe o perigo real de que o governo de Netanyahu busque aprovar o que equivalerá a um golpe de Estado.”
Uma previsão que é consenso é de que os protestos tendem a continuar, ainda que reduzam durante as celebrações da Páscoa Judaica (Pessach). Mas sem uma suspensão total da reforma e fazendo concessões aos radicais, a tendência é que as pessoas retornem às ruas assim que retornarem os trabalhos legislativos.