Donald Trump foi condenado pela Justiça americana. Não deve ser preso em regime fechado, nem impedido de disputar a Casa Branca. Pode, inclusive, se tornar o primeiro condenado pela Justiça a presidir a maior potência do mundo.
Os Estados Unidos são a democracia mais antiga e mais respeitada do planeta por vários motivos. O principal deles talvez seja a estabilidade política. A Constituição é a mesma desde 1776. Foi reformada em poucas oportunidades. As eleições ocorrem periodicamente desde 1789.
Presidentes já renunciaram e foram assassinados. e o país passou por uma guerra civil, mas nunca os fundamentos do sistema imaginado pelos pais fundadores tinham sido colocado em xeque até bem pouco tempo atrás.
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Em 2020, quando uma turba invadiu o Capitólio e tentou impedir a certificação de Joe Biden como presidente, algo se rompeu.
A antiguidade e a estabilidade das regra democráticas nos Estados Unidos é uma de suas maiores forças, mas é também um ponto fraco. Quando criaram a escolha indireta do presidente via colégio eleitoral, James Madison, Alexander Hamilton, e John Jay imaginavam que o sistema de delegados por estado impediriam, num sistema federalista, distorções de poder entre as colônias recém-independentes.
O que eles não previam é que 250 anos depois alguém tentaria impedir que esses delegados confirmassem a escolha do candidato mais votado na eleição. Nem que o vice-presidente que comandava a sessão do Congresso fosse pressionado pelos apoiadores do candidato derrotado a desrespeitar essa escolha.
Foi o que quase aconteceu em 2020, quando Mike Pence foi intimidado pelos apoiadores de Trump e pelo próprio presidente a não reconhecer a vitória de Biden.
Desde sua derrota naquele ano, Trump mente que a eleição foi roubada, o que colocou em xeque a crença de parte importante da população americana que o apoia no sistema democrático.
Os autores da Constituição de 1776 também exigiam pouco de um aspirante à presidência. Ele precisa ser apenas maior de 35 anos e nascido nos EUA. Não previram que em algum momento um condenado da Justiça pudesse ter chances de vitória.
Diante de tudo isso, um cenário complicado se avizinha. A disputa de 2024 promete ser tão ou mais acirrada que a de 2020, quando a vantagem de Biden no colégio eleitoral foi ampla, mas cada Estado-chave foi vencido pelo democrata com margens mínimas de votos.
No Arizona, foram pouco mais de 10 mil votos. Na Geórgia, 11 mil. O democrata venceu Wisconsin por uma minúscula vantagem de 20 mil votos. Em Nevada, na Pensilvânia e em Michigan, as vantagem foram um pouco maiores - 30 mil, 80 mil e 150 mil votos respectivamente - mas ainda pequenas.
Fazendo uma conta de padaria, podemos dizer que 300 mil votos selaram a vitória de Biden há quatro anos, mesmo ele tendo vencido o voto popular por uma margem de 7 milhões de votos.
Com isso, temos no horizonte um panorama problemático. A condenação de Trump vai mobilizar as duas bases partidárias. Os republicanos, revoltados, prometem ir em massa às urnas. Os democratas, temendo um retorno de um ex-presidente que fala em ‘vingança e retribuição’, vão começar a pensar em cerrar fileiras em torno de Biden.
E mais uma vez, independentemente do voto popular, milhares de votos em locais específicos decidirão o destino da eleição.
Eleições nos EUA
Um cenário perfeitamente plausível seria Trump recuperar o Arizona, a Geórgia e Nevada dos democratas. Biden manteria Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, com os demais Estados repetindo os placares de quatro anos atrás. No colégio eleitoral, o placar ficaria 270 a 268 para o atual presidente.
Como os apoiadores de Trump reagirão? Graças ao seu líder, eles acreditam que foram roubados em 2020, e que o presidenciável republicano é alvo de uma perseguição judicial que pode levá-lo à cadeia.
Trump, com outros três processos que devem ser resolvidos apenas depois da eleição, conta com o retorno à Casa Branca para fugir dos problemas com a Justiça, já que os trâmites seriam suspensos enquanto ele seguir no cargo. O ex-presidente até mesmo já ventilou a ideia de um terceiro mandato.
Diante de tudo isso, a democracia americana, e sobretudo a crença em sua força, pode passar por um teste ainda mais caótico que o de 2020.