CARTUM - Pelo menos 61 pessoas morreram e 670 foram feridas em combates que começaram no sábado, 15, entre o Exército regular e paramilitares no Sudão. Três dos cinco civis mortos eram funcionários do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o Sindicato dos Médicos do Sudão. O governo não divulgou informações sobre vítimas do conflito.
Homens em veículos blindados, aviões de combate e caminhões com metralhadoras se enfrentaram durante todo este domingo, 16, em Cartum, capital do país, e na vizinha Omdurman, onde os embates têm sido frequentes.
Os confrontos envolvem tropas de dois generais, que eram aliados: Abdel-Fattah Burhan, comandante das Forças Armadas, e o general Mohammed Hamdan Dagalo, chefe do grupo Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês). Ambos orquestraram em conjunto um golpe militar que ocorreu em outubro de 2021 e agora disputam a hegemonia do poder. Nos últimos meses, organismos internacionais intermediaram um acordo entre os comandantes e partidos políticos para restabelecer a democracia sem sucesso.
Ontem, os dois lados deram declarações dizendo que não estavam mais dispostos a negociar, indício de que o terceiro maior país da África, com 45,5 milhões de habitantes e 1,8 milhão de km² de área, pode mergulhar de vez em uma guerra civil.
ONU consegue pausa humanitária, mas por pouco tempo
Volker Perthes, enviado da ONU para o Sudão, disse que tanto Burhan quanto Dagalo concordaram com uma pausa humanitária de três horas nos combates no final da tarde de domingo, mas a violência continuou a tomar conta da capital logo na sequência. O cessar-fogo teve o objetivo de permitir que caminhões de comida entrassem em Cartum e ocorreu em razão da morte dos três funcionários da PMA.
Desde o final do sábado, a pressão diplomática para o fim dos combates aumentou. Ontem, em comunicado, a Liga Árabe, na qual o Sudão é integrante, pediu o fim dos enfrentamentos. O principal conselho da União Africana (UA) pediu um cessar-fogo imediato “sem concessões”.
Representantes diplomáticos dos Estados Unidos e da União Europeia (UE) também exigiram o fim dos combates. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que falou neste domingo, 16, com os ministros das Relações Exteriores da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos têm influência considerável no Sudão, uma nação de maioria muçulmana que precisa do dinheiro de aliados para tentar manter sua instável economia.
Há quatro anos, descontentes com uma inflação muito alta, sudaneses foram às ruas e derrubaram o ditador Omar Hassan al-Bashir. Um governo civil assumiu o poder em 2019, mas foi derrubado em 2021 por um golpe liderado por Burhan e Hemedti.
“É muito cedo para dizer que efeito a luta atual terá no futuro do Sudão”, disse Kholood Khair, diretor fundador do think tank Confluence Advisory, com sede em Cartum. “Primeiro precisamos de um cessar-fogo, depois um processo político para acalmar as coisas entre os generais. Então, talvez um governo civil”, afirmou o especialista.
Ativistas culpam Burhan e Dagalo por abusos contra manifestantes pró-democracia nos últimos quatro anos, incluindo a destruição de um acampamento do lado de fora do quartel-general militar em Cartum em junho de 2019, que matou pelo menos 120 pessoas.
Perguntas e respostas
Por que o Sudão é importante?
Terceiro maior país da África em área, o Sudão, com mais de 45 milhões de habitantes, fica em um ponto estratégico ao sul do Egito, no nordeste da África. Nos últimos anos, o país, que é membro da Liga Árabe, tornou-se um ponto crítico em uma batalha pela influência entre a Rússia e as potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos. A empresa militar russa privada Wagner enviou agentes ao Sudão para apoiar o governo militar e também administra uma grande concessão de mineração de ouro. O Kremlin tem pressionado o país para obter permissão para que navios de guerra russos atraquem em portos na costa sudanesa do Mar Vermelho. Os confrontos que se estabeleceram no país e foram um grande golpe para americanos, Nações Unidas, União Africana e Liga Árabe, que tentaram na semana passada evitar os combates.
Quem é Abdel-Fattah Burhan, chefe militar do Sudão?
Pouco conhecido antes de 2019, o general Burhan chegou ao poder após o tumultuado golpe militar que derrubou o líder autoritário Omar Hassan al-Bashir, deposto depois que revoltas populares tomaram conta do país naquele ano. Na época, Burhan era inspetor-geral das Forças Armadas e aliado de Bashir. No entanto, quando o líder foi deposto, ele assumiu a vaga do então ministro da Defesa, o tenente-general Awad Mohamed Ahmed Ibn Auf, que passou a controlar o Sudão depois da saída de Bashir. Após civis e militares assinarem um acordo de compartilhamento de poder em 2019, Burhan se tornou o presidente do Conselho de Soberania, órgão criado para supervisionar a transição para um regime democrático. Em 25 de outubro de 2021, ele liderou um golpe de Estado que derrubou o governo civil.
Quem é Mohammed Hamdan Dagalo, que tenta ter a hegemonia no poder?
Mohamed Hamdan lidera as Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês). De origem humilde, o general, que é conhecido como Hemeti, ganhou destaque como comandante das milícias janjaweed, responsáveis pelas piores atrocidades do conflito em Darfur, na década de 2000. Seu sucesso em esmagar a revolta rendeu a ele a nomeação, por Bashir, em 2013, de chefe das recém-criadas RSF. Em outubro de 2021, ele se uniu a Burhan no golpe de Estado, tornando-os efetivamente o líder e vice-líder do Sudão. Nos últimos meses, porém, se desentenderam publicamente e se preparando para um conflito. Em entrevista à Al Jazeera no sábado ele disse “lamentar lutar contra nossos compatriotas, mas foi esse criminoso que nos obrigou a isso”, disse ao se referir a Burhan. l NYT, WP, AP e AFP