Conflito no Sudão causa desabastecimento e cortes de energia


Terceiro maior país da África vive um cenário de caos desde sábado, quando forças lideradas por dois generais rivais travaram um violento confronto pelo poder

Por Redação

CARTUM - O Sudão enfrenta o terceiro dia de conflito entre o Exército e um grupo paramilitar, com a população em suas casas sob o risco de desabastecimento em mercados e cortes constantes de água e energia.

O confronto eclodiu no último sábado, 15, entre unidades do Exército leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, que comanda o país desde o golpe de Estado em 2021, e a milícia RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), liderada pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

O chefe do Exército do Sudão classificou o grupo de rebelde e ordenou que a antiga facção aliada fosse dissolvida nesta segunda, enquanto ambos os lados alegavam ganhos no conflito que já feriu 942 pessoas e matou pelo menos 45 soldados e 97 civis —incluindo três funcionários da ONU, segundo o Comitê Central de Médicos dos Sudão. O governo não publicou um balanço dos combates.

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Imagem de satélite da Maxar Technologies mostra aviões incendiados no Aeroporto Internacional de Cartum após começo dos confrontos  Foto: Maxar Technologies/ via AP

Segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias Reuters, nesta segunda houve bombardeios na capital Cartum —inclusive perto do quartel-general militar—, e em Bahri, cidade vizinha que fica do outro lado do rio Nilo. Fumaça subia da pista do aeroporto internacional da capital, onde explosões e incêndios eram transmitidos por emissoras de TV.

Os dois generais, Burhan e Hemedti, haviam concordado com uma pausa de três horas nos confrontos a partir das 16h do domingo (16), no horário local —cessar-fogo proposto pela ONU para retirar civis com segurança, disse a missão da organização no país. O acordo, porém, foi ignorado após um breve período de relativa calma.

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O comandante da missão da ONU no Sudão, Volker Perthes, afirmou estar “extremamente decepcionado” com o fato de que os dois lados “respeitaram apenas parcialmente” as três horas de “trégua humanitária” que haviam aceitado. Perthes disse que observou uma “intensificação” no combates nesta segunda-feira.

No sábado, os paramilitares reivindicaram o controle do palácio presidencial, da TV estatal e de aeroportos em diversas cidades pelo território, incluindo a capital, Cartum.

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Agora, o Exército parece ter recuperado o controle da TV estatal, que começou a transmitir vídeos de veículos do grupo paramilitar sendo destruídos, e diz estar no controle de seu quartel-general, apesar de “confrontos limitados” nas proximidades —o RSF postou vídeos que mostram seus soldados no aeroporto de Merowe, em uma base ao sul da capital e em um quartel-general militar no centro da cidade.

Enqtuando o Exército diz que continuará os ataques aéreos até expulsar o grupo da capital, o líder do RSF, Hemedti, pede que a comunidade internacional tome medidas contra o que ele chama de crimes de Burhan, “um islâmico radical que está bombardeando civis”, em suas palavras.

O exercito sudanês enfrenta um grupo paramilitar na região central da capital do Sudão, Cartum  Foto: Marwan Ali/ AP
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Atores políticos tão distintos como Estados Unidos, China, Reino Unido, Rússia, Egito, Arábia Saudita, Conselho de Segurança da ONU, União Europeia e União Africana pedem um fim rápido das hostilidades que ameaçam piorar a instabilidade da região.

Os esforços dos órgãos regionais se intensificaram no domingo. O Egito se ofereceu para mediar o conflito, e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento do bloco regional africano planeja enviar os presidentes do Quênia, do Sudão do Sul e de Djibuti o mais rápido possível para reconciliar os grupos, disse o gabinete do presidente queniano William Ruto.

A erupção dos combates no fim de semana seguiu-se ao aumento das tensões sobre a integração da RSF nas forças armadas. A discórdia sobre o cronograma atrasou a assinatura de um acordo apoiado internacionalmente com partidos políticos sobre a transição para a democracia após o golpe militar de 2021.

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Enquanto isso, escritórios, escolas e postos de gasolina na capital permanecem fechados, e serviços de saúde foram interrompidos. As pontes que ligam Cartum às vizinhas Omdurman e Bahri estão bloqueadas por veículos blindados e algumas estradas que saem da capital estão intransitáveis.

Médicos relataram cortes de energia elétrica nas salas de cirurgia e, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), “vários dos nove hospitais de Cartum que recebem civis feridos não têm mais estoques de sangue, equipamentos para transfusão e outros materiais vitais”.

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O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse no domingo que suspendeu temporariamente todas as operações em áreas atingidas pela fome no Sudão depois que três funcionários sudaneses foram mortos durante combates no norte de Darfur. O Sudão tem sido afetado por níveis crescentes de fome nos últimos anos.

Antes da explosão da violência, mais de um terço dos 45 milhões de habitantes do Sudão, um dos países mais pobres do mundo, já dependiam de ajuda humanitária.

“Esta é a primeira vez na história do Sudão desde sua independência [em 1956] que se observa tal nível de violência no centro de Cartum”, declarou à agência de notícias AFP Kholood Khair, fundadora do centro de pesquisas Confluence Advisory, em Cartum.

Em Darfur, no oeste do Sudão, moradores disseram que os combates continuam. “Está mais calmo do que ontem, mas houve artilharia pesada pela manhã”, disse Mohamed, médico da região. Um acampamento para pessoas deslocadas por um conflito anterior foi o mais afetado, disse ele.

“Estamos com medo, não dormimos há 24 horas por causa do barulho e do tremor nas casas. Estamos preocupados com a falta de água, comida e remédios para meu pai diabético”, disse à Reuters Huda, um jovem morador de Cartum. “Há muita informação falsa, todo mundo está mentindo. Não sabemos quando isso vai acabar, como vai acabar.”

Um confronto prolongado aumenta os temores de que o Sudão mergulhe em uma guerra civil, enquanto o país luta contra o colapso econômico e a violência tribal, inviabilizando esforços para a realização das eleições.

O episódio se dá em um contexto de rivalidade crescente entre Hemedti e Burhan. Os dois haviam unido esforços para derrubar os civis no golpe de Estado há dois anos. Nos últimos meses, porém, vinham discordando sobre a participação do RSF nas Forças Armadas —embora o regime não rejeite a integração do grupo ao Exército, quer impor condições e limitar seu escopo de atuação.

O chefe do Exército do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, e o comandante paramilitar das Forças de Apoio Rápido do Sudão, general Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), lutam pelo controle do país Foto: Ashraf Shazly/ AFP

As facções comandadas pelos dois generais ainda disputam a formação de um eventual governo de transição. Tensões entre as partes fizeram com que a assinatura de um acordo de passagem para a democracia apoiado pela comunidade internacional fosse adiada.

As versões sobre o início dos choques são, no entanto, conflitantes —enquanto o regime diz que os combates tiveram início quando integrantes do RSF atacaram suas bases em Cartum, a milícia afirma que foi surpreendida com a chegada de um grande contingente de soldados em um de seus acampamentos em Soba, ao sul da capital.

Por que o Sudão é importante?

Terceiro maior país de África em extensão territorial — mas um dos mais pobres do mundo —, o Sudão fica localizado em um estratégico ponto no Nordeste da África e se tornou um importante ator de disputa na disputa por influência na região entre a Rússia e as potências ocidentais.

Nos últimos anos, o Sudão, membro da Liga Árabe, tornou-se um importante ator de disputa na batalha entre a Rússia e as potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos, por influência na região.

O grupo paramilitar Wagner — força auxiliar do Exército russo na guerra na Ucrânia — já enviou tropas para o Sudão em apoio ao governo militar, além de comandar uma importância concessão de exploração de minas de ouro. O país ainda foi alvo de pressão do Kremlin para que os navios de guerra russos pudessem atracar nos portos da costa do Mar Vermelho do país.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à esquerda, e o secretário de Relações Exteriores britânico, James Cleverly, à direita, fazem uma declaração conjunta sobre a situação no Sudão durante uma reunião de ministros das Relações Exteriores do G7 no hotel Prince Karuizawa em Karuizawa, Japão Foto: Andrew Harnik/ AP

O secretário de Estado americano Antony Blinken reagiu aos combates de sábado no Twitter afirmando que estava “profundamente preocupado” com a violência no Sudão. Blinken apelou para ambos os lados para que “cessarem imediatamente” as hostilidades e evitarem novas escaladas.

A disputa entre Burhan e Hemedti representou um duro golpe aos americanos e entidades internacionais como as Nações Unidas, União Africana e Liga Árabe, que na última semana tentaram evitar a eclosão dos confrontos. Autoridades militares dos EUA vinham pressionando o governo sudanês a retomar o processo democrático no país 18 meses depois dos generais terem tomado o poder após a queda do regime ditatorial em 2019.

Com os serviços de água e energia cortados em grande parte da capital, alguns moradores se aventuravam a sair para comprar comida, formando longas filas nos poucos mercados abertos. Os estabelecimentos advertiram que só conseguirão continuar com suas atividades por mais alguns dias devido à falta de abastecimento. Já os hospitais que atendem os feridos estão ficando sem insumos. / AFP, AP e NYT

CARTUM - O Sudão enfrenta o terceiro dia de conflito entre o Exército e um grupo paramilitar, com a população em suas casas sob o risco de desabastecimento em mercados e cortes constantes de água e energia.

O confronto eclodiu no último sábado, 15, entre unidades do Exército leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, que comanda o país desde o golpe de Estado em 2021, e a milícia RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), liderada pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

O chefe do Exército do Sudão classificou o grupo de rebelde e ordenou que a antiga facção aliada fosse dissolvida nesta segunda, enquanto ambos os lados alegavam ganhos no conflito que já feriu 942 pessoas e matou pelo menos 45 soldados e 97 civis —incluindo três funcionários da ONU, segundo o Comitê Central de Médicos dos Sudão. O governo não publicou um balanço dos combates.

Imagem de satélite da Maxar Technologies mostra aviões incendiados no Aeroporto Internacional de Cartum após começo dos confrontos  Foto: Maxar Technologies/ via AP

Segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias Reuters, nesta segunda houve bombardeios na capital Cartum —inclusive perto do quartel-general militar—, e em Bahri, cidade vizinha que fica do outro lado do rio Nilo. Fumaça subia da pista do aeroporto internacional da capital, onde explosões e incêndios eram transmitidos por emissoras de TV.

Os dois generais, Burhan e Hemedti, haviam concordado com uma pausa de três horas nos confrontos a partir das 16h do domingo (16), no horário local —cessar-fogo proposto pela ONU para retirar civis com segurança, disse a missão da organização no país. O acordo, porém, foi ignorado após um breve período de relativa calma.

O comandante da missão da ONU no Sudão, Volker Perthes, afirmou estar “extremamente decepcionado” com o fato de que os dois lados “respeitaram apenas parcialmente” as três horas de “trégua humanitária” que haviam aceitado. Perthes disse que observou uma “intensificação” no combates nesta segunda-feira.

No sábado, os paramilitares reivindicaram o controle do palácio presidencial, da TV estatal e de aeroportos em diversas cidades pelo território, incluindo a capital, Cartum.

Agora, o Exército parece ter recuperado o controle da TV estatal, que começou a transmitir vídeos de veículos do grupo paramilitar sendo destruídos, e diz estar no controle de seu quartel-general, apesar de “confrontos limitados” nas proximidades —o RSF postou vídeos que mostram seus soldados no aeroporto de Merowe, em uma base ao sul da capital e em um quartel-general militar no centro da cidade.

Enqtuando o Exército diz que continuará os ataques aéreos até expulsar o grupo da capital, o líder do RSF, Hemedti, pede que a comunidade internacional tome medidas contra o que ele chama de crimes de Burhan, “um islâmico radical que está bombardeando civis”, em suas palavras.

O exercito sudanês enfrenta um grupo paramilitar na região central da capital do Sudão, Cartum  Foto: Marwan Ali/ AP

Atores políticos tão distintos como Estados Unidos, China, Reino Unido, Rússia, Egito, Arábia Saudita, Conselho de Segurança da ONU, União Europeia e União Africana pedem um fim rápido das hostilidades que ameaçam piorar a instabilidade da região.

Os esforços dos órgãos regionais se intensificaram no domingo. O Egito se ofereceu para mediar o conflito, e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento do bloco regional africano planeja enviar os presidentes do Quênia, do Sudão do Sul e de Djibuti o mais rápido possível para reconciliar os grupos, disse o gabinete do presidente queniano William Ruto.

A erupção dos combates no fim de semana seguiu-se ao aumento das tensões sobre a integração da RSF nas forças armadas. A discórdia sobre o cronograma atrasou a assinatura de um acordo apoiado internacionalmente com partidos políticos sobre a transição para a democracia após o golpe militar de 2021.

Enquanto isso, escritórios, escolas e postos de gasolina na capital permanecem fechados, e serviços de saúde foram interrompidos. As pontes que ligam Cartum às vizinhas Omdurman e Bahri estão bloqueadas por veículos blindados e algumas estradas que saem da capital estão intransitáveis.

Médicos relataram cortes de energia elétrica nas salas de cirurgia e, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), “vários dos nove hospitais de Cartum que recebem civis feridos não têm mais estoques de sangue, equipamentos para transfusão e outros materiais vitais”.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse no domingo que suspendeu temporariamente todas as operações em áreas atingidas pela fome no Sudão depois que três funcionários sudaneses foram mortos durante combates no norte de Darfur. O Sudão tem sido afetado por níveis crescentes de fome nos últimos anos.

Antes da explosão da violência, mais de um terço dos 45 milhões de habitantes do Sudão, um dos países mais pobres do mundo, já dependiam de ajuda humanitária.

“Esta é a primeira vez na história do Sudão desde sua independência [em 1956] que se observa tal nível de violência no centro de Cartum”, declarou à agência de notícias AFP Kholood Khair, fundadora do centro de pesquisas Confluence Advisory, em Cartum.

Em Darfur, no oeste do Sudão, moradores disseram que os combates continuam. “Está mais calmo do que ontem, mas houve artilharia pesada pela manhã”, disse Mohamed, médico da região. Um acampamento para pessoas deslocadas por um conflito anterior foi o mais afetado, disse ele.

“Estamos com medo, não dormimos há 24 horas por causa do barulho e do tremor nas casas. Estamos preocupados com a falta de água, comida e remédios para meu pai diabético”, disse à Reuters Huda, um jovem morador de Cartum. “Há muita informação falsa, todo mundo está mentindo. Não sabemos quando isso vai acabar, como vai acabar.”

Um confronto prolongado aumenta os temores de que o Sudão mergulhe em uma guerra civil, enquanto o país luta contra o colapso econômico e a violência tribal, inviabilizando esforços para a realização das eleições.

O episódio se dá em um contexto de rivalidade crescente entre Hemedti e Burhan. Os dois haviam unido esforços para derrubar os civis no golpe de Estado há dois anos. Nos últimos meses, porém, vinham discordando sobre a participação do RSF nas Forças Armadas —embora o regime não rejeite a integração do grupo ao Exército, quer impor condições e limitar seu escopo de atuação.

O chefe do Exército do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, e o comandante paramilitar das Forças de Apoio Rápido do Sudão, general Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), lutam pelo controle do país Foto: Ashraf Shazly/ AFP

As facções comandadas pelos dois generais ainda disputam a formação de um eventual governo de transição. Tensões entre as partes fizeram com que a assinatura de um acordo de passagem para a democracia apoiado pela comunidade internacional fosse adiada.

As versões sobre o início dos choques são, no entanto, conflitantes —enquanto o regime diz que os combates tiveram início quando integrantes do RSF atacaram suas bases em Cartum, a milícia afirma que foi surpreendida com a chegada de um grande contingente de soldados em um de seus acampamentos em Soba, ao sul da capital.

Por que o Sudão é importante?

Terceiro maior país de África em extensão territorial — mas um dos mais pobres do mundo —, o Sudão fica localizado em um estratégico ponto no Nordeste da África e se tornou um importante ator de disputa na disputa por influência na região entre a Rússia e as potências ocidentais.

Nos últimos anos, o Sudão, membro da Liga Árabe, tornou-se um importante ator de disputa na batalha entre a Rússia e as potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos, por influência na região.

O grupo paramilitar Wagner — força auxiliar do Exército russo na guerra na Ucrânia — já enviou tropas para o Sudão em apoio ao governo militar, além de comandar uma importância concessão de exploração de minas de ouro. O país ainda foi alvo de pressão do Kremlin para que os navios de guerra russos pudessem atracar nos portos da costa do Mar Vermelho do país.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à esquerda, e o secretário de Relações Exteriores britânico, James Cleverly, à direita, fazem uma declaração conjunta sobre a situação no Sudão durante uma reunião de ministros das Relações Exteriores do G7 no hotel Prince Karuizawa em Karuizawa, Japão Foto: Andrew Harnik/ AP

O secretário de Estado americano Antony Blinken reagiu aos combates de sábado no Twitter afirmando que estava “profundamente preocupado” com a violência no Sudão. Blinken apelou para ambos os lados para que “cessarem imediatamente” as hostilidades e evitarem novas escaladas.

A disputa entre Burhan e Hemedti representou um duro golpe aos americanos e entidades internacionais como as Nações Unidas, União Africana e Liga Árabe, que na última semana tentaram evitar a eclosão dos confrontos. Autoridades militares dos EUA vinham pressionando o governo sudanês a retomar o processo democrático no país 18 meses depois dos generais terem tomado o poder após a queda do regime ditatorial em 2019.

Com os serviços de água e energia cortados em grande parte da capital, alguns moradores se aventuravam a sair para comprar comida, formando longas filas nos poucos mercados abertos. Os estabelecimentos advertiram que só conseguirão continuar com suas atividades por mais alguns dias devido à falta de abastecimento. Já os hospitais que atendem os feridos estão ficando sem insumos. / AFP, AP e NYT

CARTUM - O Sudão enfrenta o terceiro dia de conflito entre o Exército e um grupo paramilitar, com a população em suas casas sob o risco de desabastecimento em mercados e cortes constantes de água e energia.

O confronto eclodiu no último sábado, 15, entre unidades do Exército leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, que comanda o país desde o golpe de Estado em 2021, e a milícia RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), liderada pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

O chefe do Exército do Sudão classificou o grupo de rebelde e ordenou que a antiga facção aliada fosse dissolvida nesta segunda, enquanto ambos os lados alegavam ganhos no conflito que já feriu 942 pessoas e matou pelo menos 45 soldados e 97 civis —incluindo três funcionários da ONU, segundo o Comitê Central de Médicos dos Sudão. O governo não publicou um balanço dos combates.

Imagem de satélite da Maxar Technologies mostra aviões incendiados no Aeroporto Internacional de Cartum após começo dos confrontos  Foto: Maxar Technologies/ via AP

Segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias Reuters, nesta segunda houve bombardeios na capital Cartum —inclusive perto do quartel-general militar—, e em Bahri, cidade vizinha que fica do outro lado do rio Nilo. Fumaça subia da pista do aeroporto internacional da capital, onde explosões e incêndios eram transmitidos por emissoras de TV.

Os dois generais, Burhan e Hemedti, haviam concordado com uma pausa de três horas nos confrontos a partir das 16h do domingo (16), no horário local —cessar-fogo proposto pela ONU para retirar civis com segurança, disse a missão da organização no país. O acordo, porém, foi ignorado após um breve período de relativa calma.

O comandante da missão da ONU no Sudão, Volker Perthes, afirmou estar “extremamente decepcionado” com o fato de que os dois lados “respeitaram apenas parcialmente” as três horas de “trégua humanitária” que haviam aceitado. Perthes disse que observou uma “intensificação” no combates nesta segunda-feira.

No sábado, os paramilitares reivindicaram o controle do palácio presidencial, da TV estatal e de aeroportos em diversas cidades pelo território, incluindo a capital, Cartum.

Agora, o Exército parece ter recuperado o controle da TV estatal, que começou a transmitir vídeos de veículos do grupo paramilitar sendo destruídos, e diz estar no controle de seu quartel-general, apesar de “confrontos limitados” nas proximidades —o RSF postou vídeos que mostram seus soldados no aeroporto de Merowe, em uma base ao sul da capital e em um quartel-general militar no centro da cidade.

Enqtuando o Exército diz que continuará os ataques aéreos até expulsar o grupo da capital, o líder do RSF, Hemedti, pede que a comunidade internacional tome medidas contra o que ele chama de crimes de Burhan, “um islâmico radical que está bombardeando civis”, em suas palavras.

O exercito sudanês enfrenta um grupo paramilitar na região central da capital do Sudão, Cartum  Foto: Marwan Ali/ AP

Atores políticos tão distintos como Estados Unidos, China, Reino Unido, Rússia, Egito, Arábia Saudita, Conselho de Segurança da ONU, União Europeia e União Africana pedem um fim rápido das hostilidades que ameaçam piorar a instabilidade da região.

Os esforços dos órgãos regionais se intensificaram no domingo. O Egito se ofereceu para mediar o conflito, e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento do bloco regional africano planeja enviar os presidentes do Quênia, do Sudão do Sul e de Djibuti o mais rápido possível para reconciliar os grupos, disse o gabinete do presidente queniano William Ruto.

A erupção dos combates no fim de semana seguiu-se ao aumento das tensões sobre a integração da RSF nas forças armadas. A discórdia sobre o cronograma atrasou a assinatura de um acordo apoiado internacionalmente com partidos políticos sobre a transição para a democracia após o golpe militar de 2021.

Enquanto isso, escritórios, escolas e postos de gasolina na capital permanecem fechados, e serviços de saúde foram interrompidos. As pontes que ligam Cartum às vizinhas Omdurman e Bahri estão bloqueadas por veículos blindados e algumas estradas que saem da capital estão intransitáveis.

Médicos relataram cortes de energia elétrica nas salas de cirurgia e, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), “vários dos nove hospitais de Cartum que recebem civis feridos não têm mais estoques de sangue, equipamentos para transfusão e outros materiais vitais”.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse no domingo que suspendeu temporariamente todas as operações em áreas atingidas pela fome no Sudão depois que três funcionários sudaneses foram mortos durante combates no norte de Darfur. O Sudão tem sido afetado por níveis crescentes de fome nos últimos anos.

Antes da explosão da violência, mais de um terço dos 45 milhões de habitantes do Sudão, um dos países mais pobres do mundo, já dependiam de ajuda humanitária.

“Esta é a primeira vez na história do Sudão desde sua independência [em 1956] que se observa tal nível de violência no centro de Cartum”, declarou à agência de notícias AFP Kholood Khair, fundadora do centro de pesquisas Confluence Advisory, em Cartum.

Em Darfur, no oeste do Sudão, moradores disseram que os combates continuam. “Está mais calmo do que ontem, mas houve artilharia pesada pela manhã”, disse Mohamed, médico da região. Um acampamento para pessoas deslocadas por um conflito anterior foi o mais afetado, disse ele.

“Estamos com medo, não dormimos há 24 horas por causa do barulho e do tremor nas casas. Estamos preocupados com a falta de água, comida e remédios para meu pai diabético”, disse à Reuters Huda, um jovem morador de Cartum. “Há muita informação falsa, todo mundo está mentindo. Não sabemos quando isso vai acabar, como vai acabar.”

Um confronto prolongado aumenta os temores de que o Sudão mergulhe em uma guerra civil, enquanto o país luta contra o colapso econômico e a violência tribal, inviabilizando esforços para a realização das eleições.

O episódio se dá em um contexto de rivalidade crescente entre Hemedti e Burhan. Os dois haviam unido esforços para derrubar os civis no golpe de Estado há dois anos. Nos últimos meses, porém, vinham discordando sobre a participação do RSF nas Forças Armadas —embora o regime não rejeite a integração do grupo ao Exército, quer impor condições e limitar seu escopo de atuação.

O chefe do Exército do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, e o comandante paramilitar das Forças de Apoio Rápido do Sudão, general Mohamed Hamdan Daglo (Hemedti), lutam pelo controle do país Foto: Ashraf Shazly/ AFP

As facções comandadas pelos dois generais ainda disputam a formação de um eventual governo de transição. Tensões entre as partes fizeram com que a assinatura de um acordo de passagem para a democracia apoiado pela comunidade internacional fosse adiada.

As versões sobre o início dos choques são, no entanto, conflitantes —enquanto o regime diz que os combates tiveram início quando integrantes do RSF atacaram suas bases em Cartum, a milícia afirma que foi surpreendida com a chegada de um grande contingente de soldados em um de seus acampamentos em Soba, ao sul da capital.

Por que o Sudão é importante?

Terceiro maior país de África em extensão territorial — mas um dos mais pobres do mundo —, o Sudão fica localizado em um estratégico ponto no Nordeste da África e se tornou um importante ator de disputa na disputa por influência na região entre a Rússia e as potências ocidentais.

Nos últimos anos, o Sudão, membro da Liga Árabe, tornou-se um importante ator de disputa na batalha entre a Rússia e as potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos, por influência na região.

O grupo paramilitar Wagner — força auxiliar do Exército russo na guerra na Ucrânia — já enviou tropas para o Sudão em apoio ao governo militar, além de comandar uma importância concessão de exploração de minas de ouro. O país ainda foi alvo de pressão do Kremlin para que os navios de guerra russos pudessem atracar nos portos da costa do Mar Vermelho do país.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à esquerda, e o secretário de Relações Exteriores britânico, James Cleverly, à direita, fazem uma declaração conjunta sobre a situação no Sudão durante uma reunião de ministros das Relações Exteriores do G7 no hotel Prince Karuizawa em Karuizawa, Japão Foto: Andrew Harnik/ AP

O secretário de Estado americano Antony Blinken reagiu aos combates de sábado no Twitter afirmando que estava “profundamente preocupado” com a violência no Sudão. Blinken apelou para ambos os lados para que “cessarem imediatamente” as hostilidades e evitarem novas escaladas.

A disputa entre Burhan e Hemedti representou um duro golpe aos americanos e entidades internacionais como as Nações Unidas, União Africana e Liga Árabe, que na última semana tentaram evitar a eclosão dos confrontos. Autoridades militares dos EUA vinham pressionando o governo sudanês a retomar o processo democrático no país 18 meses depois dos generais terem tomado o poder após a queda do regime ditatorial em 2019.

Com os serviços de água e energia cortados em grande parte da capital, alguns moradores se aventuravam a sair para comprar comida, formando longas filas nos poucos mercados abertos. Os estabelecimentos advertiram que só conseguirão continuar com suas atividades por mais alguns dias devido à falta de abastecimento. Já os hospitais que atendem os feridos estão ficando sem insumos. / AFP, AP e NYT

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