Quem é Kemal Kilicdaroglu, candidato que vai confrontar Erdogan no segundo turno na Turquia


O candidato da oposição vai enfrentar o atual presidente turco em um segundo turno inédito

Por Redação
Atualização:

O segundo turno das eleições na Turquia está marcado para o próximo domingo, 28, em uma disputa inédita entre o atual presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, e o candidato da oposição, Kemal Kilicdaroglu

Erdogan, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), teve no primeiro turno 49,5% dos votos, seguido pelo social-democrata Kemal Kilicdaroglu, à frente de uma coalizão de seis partidos, com 44,9% dos votos. O ultranacionalista Sinan Ogan obteve 5,17% dos votos no primeiro turno e já anunciou que irá apoiar o atual presidente da Turquia no segundo turno.

O resultado do pleito no primeiro turno surpreendeu, com uma liderança de Erdogan, mesmo após pesquisas de opinião apontarem que o candidato da oposição estava na frente nas intenções de voto. Porém, a coalizão liderada por Kilicdaroglu se mostra como o maior desafio de Erdogan em seus 20 anos de poder.

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Servidor público aposentado, Kemal Kilicdaroglu de 74 anos tentou se mostrar uma pessoa totalmente diferente de Erdogan, sinalizando uma mensagem de otimismo, um esforço para mostrar um contraste com a retórica de Erdogan, em meio a fortes problemas econômicos na Turquia e o desafio de reconstrução após um terremoto que matou mais de 50 mil pessoas em fevereiro.

O candidato a presidência Kemal Kilicdaroglu discursa em um evento de campanha em Adana, Turquia  Foto: Can Erok/AFP

Carreira

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Kemal Kilicdaroglu ( se pronuncia Kuluchdarolu) nasceu na cidade de Balica, na região central da Turquia, em dezembro de 1948 em uma família com sete filhos e da minoria muçulmana Alevi. Seu pai era oficial de escrituras e sua mãe dona de casa.

Em entrevistas, o candidato a presidência da Turquia afirmou que chegou a usar o mesmo sapato por anos durante a infância. Kilicdaroglu estudou economia na Academia de Ancara de Economia e Comércio (agora chamada Gazi University). Enquanto estudava economia na universidade em Ancara, ele caminhava por toda parte para economizar dinheiro em transporte.

Após a faculdade, Kilicdaroglu ocupou cargos públicos em diversas instituições turcas como o Ministério das Finanças e dois orgãos do sistema de previdência social. O servidor público também trabalhou como professor universitário.

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Depois de se aposentar do serviço público, Kilicdaroglu foi eleito no Parlamento e chamou a atenção do país ao confrontar executivos e funcionários com acusações de corrupção ao vivo na TV.

Em 2009, Kilicdaroglu perdeu a corrida para prefeito de Istambul, a maior cidade e motor econômico da Turquia. Os candidatos de seu partido também perderam em Istambul em 2014 e nas corridas presidenciais contra Erdogan em 2014 e 2018.

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O Partido Republicano do Povo (CHP) falhou em aumentar significativamente seus assentos no Parlamento em quatro eleições desde 2011 e duas vezes falhou em bloquear referendos que expandiram os poderes de Erdogan.

A incapacidade do partido do servidor público de desafiar Erdogan ao longo dos anos em que o atual presidente esteve no poder foi destacada pelo político da situação. “Você não poderia nem pastorear uma ovelha”, disse ele, dirigindo-se retoricamente a Kilicdaroglu. “Você perdeu nove eleições. Agora você vai perder a décima.”

Um outdoor da campanha eleitoral de Kemal Kilicdaroglu, candidato presidencial da principal aliança de oposição da Turquia, com um slogan que diz "Os sírios irão embora!", é retratado, antes do segundo turno presidencial Foto: Murad Sezer/ REUTERS
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Líder do partido

Em 2010, depois que um escândalo relacionado a uma relação extraconjugal forçou seu antecessor a renunciar, Kilicdaroglu se tornou o líder do CHP, de centro-esquerda, e a mesma legenda de Mustafa Kemal Ataturk, que fundou a Turquia após o colapso do Império Otomano há 100 anos.

Em 2017, aos 69 anos, ele protestou contra a prisão de um colega parlamentar que foi acusado de espionagem, percorrendo o trajeto de Ancara a Istambul e segurando uma placa que dizia “justiça”. A marcha terminou com uma grande manifestação, mas o ímpeto que ele gerou para desafiar o que chamou de armamento do judiciário por Erdogan.

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A marcha marcou um “ponto de virada, porque foi o momento em que Kilicdaroglu começou a mostrar uma mudança no CHP para a sociedade”, afirmou Seren Selvin Korkmaz, que estuda a oposição da Turquia e é o fundador e diretor executivo do Instituto IstanPol.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é o favorito no segundo turno para garantir mais um mandato presidencial  Foto: Erdem Sahim/ EFE

Apesar dos protestos, o servidor público foi muito criticado porque votou a favor da lei que aboliu a imunidade de membros do parlamento, o que abriu uma brecha para a prisão de seu colega parlamentar e de outras figuras políticas.

O CHP passou a ter algum sucesso eleitoral nos pleitos locais de 2019, quando o partido venceu as disputas em cinco das seis maiores províncias do país, com destaque para Ancara e Istambul.

Eleição para presidente

Kilicdaroglu é o candidato de uma aliança de seis partidos de ideologias diferentes, que se uniram em torno de uma candidatura que poderia derrotar Erdogan. O servidor público aposentado pretende atrair eleitores ao se caracterizar como um homem simples, que quer se aposentar depois de um mandato na presidência.

As possíveis críticas em relação a Kilicdaroglu, por conta de seu comportamento sério e seu perfil de burocrata, contribuíram para a criação de uma coalização de diversos partidos diferentes. “Ele é mestre em construir alianças e cooptar oponentes”, avalia Korkmaz.

O candidato da oposição se dirige aos eleitores de sua cozinha, com apenas um copo de chá e panos de prato pendurados no forno atrás dele. Kilicdaroglu publica diversos vídeos em que aborda assuntos como a situação econômica da Turquia, a junção de diversos partidos em torno de sua candidatura e como lida com o fato de ser pertencente a uma minoria religiosa.

Apoiadores do Partido Republicano do Povo (CHP) participam de um compromisso de campanha do candidato da sigla Kemal Kilicdaroglu  Foto: Can Erok / AFP

Os vídeos visam contornar a mídia tradicional e alcançar “diferentes tipos de eleitores”, especialmente os jovens que são ativos nas mídias sociais, disse Gulfem Saydan Sanver, consultor político que trabalhou para candidatos pertencentes ao CHP.

“Enquanto Erdogan é criticado pela falta de aproximação com o público, o candidato da oposição está tentando mostrar aos eleitores que ele está levando uma vida muito comum, em uma casa comum, que ele não é um político elitista – que ele pode entender os problemas das pessoas.”, apontou o consultor político.

“Nossa democracia, economia, sistema judicial e liberdades estão sob forte ameaça de Erdogan”, afirmou Kilicdaroglu em um de seus vídeos mais recentes. “Vou colocar o estado de pé novamente e curar as feridas, e devolverei a alegria da vida ao povo.”

Propostas

Kilicdaroglu afirmou que seu governo iria priorizar a melhora da economia turca e acabaria com a escalada autoritária do atual presidente. Em relação a política externa, o servidor público aposentado afirmou que iria reduzir o que chama de “isolamento” da Turquia nas relações exteriores.

Analistas dizem que Kilicdaroglu provavelmente preservará os laços da Turquia com a Rússia, um importante parceiro comercial, embora tenha criticado a invasão da Ucrânia por Moscou.

As relações com os Estados Unidos seriam mais “equilibradas” sob seu governo, disse ele, mencionando a suspensão da Turquia do programa de jatos F-35 Joint Strike Fighter após a decisão de Erdogan de comprar um sistema de defesa aérea da Rússia. Kilicdaroglu não disse como essa disputa seria resolvida.

Quando o tema é imigração, o candidato da oposição muda o tom e afirma que quer enviar 4 milhões de refugiados sírios de volta para o país vizinho em dois anos.

Um aluno caminha em direção a um ônibus transformado em uma sala de aula itinerante em um campo de deslocados em Jindayris, na província de Aleppo, no noroeste da Síria Foto: Rami Al Sayed / AFP

Pressionado sobre por que os sírios na Turquia representam um problema, Kilicdaroglu observou que os refugiados vivem em condições terríveis, que muitos trabalham por menos de um salário mínimo e que nenhum deles tem direito à previdência social. “Isso nos perturba”, aponta ele. “O que vai acontecer com essas pessoas amanhã quando envelhecerem?” Erdogan, que acolheu refugiados sírios durante anos antes de fechar as fronteiras, também apontou que deve enviar refugiados para o país de origem.

Algumas das outras políticas de Kilicdaroglu se concentram em posições nacionalistas fundamentais, incluindo críticas ao apoio dos EUA a uma milícia liderada por curdos na Síria, afiliada ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). “Sabemos que a organização terrorista está recebendo armas do Ocidente. Também sabemos que a organização terrorista é financiada pelo Ocidente”, afirmou.

O candidato da oposição também acrescentou que a Turquia deve fazer parte do que chamou de “civilização ocidental”, um termo que ele disse incluir democracias não ocidentais que respeitam os direitos humanos e têm um equilíbrio de poderes. Kilicdaroglu também quer restaurar o sistema parlamentar no país./NY Times e W.Post

O segundo turno das eleições na Turquia está marcado para o próximo domingo, 28, em uma disputa inédita entre o atual presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, e o candidato da oposição, Kemal Kilicdaroglu

Erdogan, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), teve no primeiro turno 49,5% dos votos, seguido pelo social-democrata Kemal Kilicdaroglu, à frente de uma coalizão de seis partidos, com 44,9% dos votos. O ultranacionalista Sinan Ogan obteve 5,17% dos votos no primeiro turno e já anunciou que irá apoiar o atual presidente da Turquia no segundo turno.

O resultado do pleito no primeiro turno surpreendeu, com uma liderança de Erdogan, mesmo após pesquisas de opinião apontarem que o candidato da oposição estava na frente nas intenções de voto. Porém, a coalizão liderada por Kilicdaroglu se mostra como o maior desafio de Erdogan em seus 20 anos de poder.

Servidor público aposentado, Kemal Kilicdaroglu de 74 anos tentou se mostrar uma pessoa totalmente diferente de Erdogan, sinalizando uma mensagem de otimismo, um esforço para mostrar um contraste com a retórica de Erdogan, em meio a fortes problemas econômicos na Turquia e o desafio de reconstrução após um terremoto que matou mais de 50 mil pessoas em fevereiro.

O candidato a presidência Kemal Kilicdaroglu discursa em um evento de campanha em Adana, Turquia  Foto: Can Erok/AFP

Carreira

Kemal Kilicdaroglu ( se pronuncia Kuluchdarolu) nasceu na cidade de Balica, na região central da Turquia, em dezembro de 1948 em uma família com sete filhos e da minoria muçulmana Alevi. Seu pai era oficial de escrituras e sua mãe dona de casa.

Em entrevistas, o candidato a presidência da Turquia afirmou que chegou a usar o mesmo sapato por anos durante a infância. Kilicdaroglu estudou economia na Academia de Ancara de Economia e Comércio (agora chamada Gazi University). Enquanto estudava economia na universidade em Ancara, ele caminhava por toda parte para economizar dinheiro em transporte.

Após a faculdade, Kilicdaroglu ocupou cargos públicos em diversas instituições turcas como o Ministério das Finanças e dois orgãos do sistema de previdência social. O servidor público também trabalhou como professor universitário.

Depois de se aposentar do serviço público, Kilicdaroglu foi eleito no Parlamento e chamou a atenção do país ao confrontar executivos e funcionários com acusações de corrupção ao vivo na TV.

Em 2009, Kilicdaroglu perdeu a corrida para prefeito de Istambul, a maior cidade e motor econômico da Turquia. Os candidatos de seu partido também perderam em Istambul em 2014 e nas corridas presidenciais contra Erdogan em 2014 e 2018.

O Partido Republicano do Povo (CHP) falhou em aumentar significativamente seus assentos no Parlamento em quatro eleições desde 2011 e duas vezes falhou em bloquear referendos que expandiram os poderes de Erdogan.

A incapacidade do partido do servidor público de desafiar Erdogan ao longo dos anos em que o atual presidente esteve no poder foi destacada pelo político da situação. “Você não poderia nem pastorear uma ovelha”, disse ele, dirigindo-se retoricamente a Kilicdaroglu. “Você perdeu nove eleições. Agora você vai perder a décima.”

Um outdoor da campanha eleitoral de Kemal Kilicdaroglu, candidato presidencial da principal aliança de oposição da Turquia, com um slogan que diz "Os sírios irão embora!", é retratado, antes do segundo turno presidencial Foto: Murad Sezer/ REUTERS

Líder do partido

Em 2010, depois que um escândalo relacionado a uma relação extraconjugal forçou seu antecessor a renunciar, Kilicdaroglu se tornou o líder do CHP, de centro-esquerda, e a mesma legenda de Mustafa Kemal Ataturk, que fundou a Turquia após o colapso do Império Otomano há 100 anos.

Em 2017, aos 69 anos, ele protestou contra a prisão de um colega parlamentar que foi acusado de espionagem, percorrendo o trajeto de Ancara a Istambul e segurando uma placa que dizia “justiça”. A marcha terminou com uma grande manifestação, mas o ímpeto que ele gerou para desafiar o que chamou de armamento do judiciário por Erdogan.

A marcha marcou um “ponto de virada, porque foi o momento em que Kilicdaroglu começou a mostrar uma mudança no CHP para a sociedade”, afirmou Seren Selvin Korkmaz, que estuda a oposição da Turquia e é o fundador e diretor executivo do Instituto IstanPol.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é o favorito no segundo turno para garantir mais um mandato presidencial  Foto: Erdem Sahim/ EFE

Apesar dos protestos, o servidor público foi muito criticado porque votou a favor da lei que aboliu a imunidade de membros do parlamento, o que abriu uma brecha para a prisão de seu colega parlamentar e de outras figuras políticas.

O CHP passou a ter algum sucesso eleitoral nos pleitos locais de 2019, quando o partido venceu as disputas em cinco das seis maiores províncias do país, com destaque para Ancara e Istambul.

Eleição para presidente

Kilicdaroglu é o candidato de uma aliança de seis partidos de ideologias diferentes, que se uniram em torno de uma candidatura que poderia derrotar Erdogan. O servidor público aposentado pretende atrair eleitores ao se caracterizar como um homem simples, que quer se aposentar depois de um mandato na presidência.

As possíveis críticas em relação a Kilicdaroglu, por conta de seu comportamento sério e seu perfil de burocrata, contribuíram para a criação de uma coalização de diversos partidos diferentes. “Ele é mestre em construir alianças e cooptar oponentes”, avalia Korkmaz.

O candidato da oposição se dirige aos eleitores de sua cozinha, com apenas um copo de chá e panos de prato pendurados no forno atrás dele. Kilicdaroglu publica diversos vídeos em que aborda assuntos como a situação econômica da Turquia, a junção de diversos partidos em torno de sua candidatura e como lida com o fato de ser pertencente a uma minoria religiosa.

Apoiadores do Partido Republicano do Povo (CHP) participam de um compromisso de campanha do candidato da sigla Kemal Kilicdaroglu  Foto: Can Erok / AFP

Os vídeos visam contornar a mídia tradicional e alcançar “diferentes tipos de eleitores”, especialmente os jovens que são ativos nas mídias sociais, disse Gulfem Saydan Sanver, consultor político que trabalhou para candidatos pertencentes ao CHP.

“Enquanto Erdogan é criticado pela falta de aproximação com o público, o candidato da oposição está tentando mostrar aos eleitores que ele está levando uma vida muito comum, em uma casa comum, que ele não é um político elitista – que ele pode entender os problemas das pessoas.”, apontou o consultor político.

“Nossa democracia, economia, sistema judicial e liberdades estão sob forte ameaça de Erdogan”, afirmou Kilicdaroglu em um de seus vídeos mais recentes. “Vou colocar o estado de pé novamente e curar as feridas, e devolverei a alegria da vida ao povo.”

Propostas

Kilicdaroglu afirmou que seu governo iria priorizar a melhora da economia turca e acabaria com a escalada autoritária do atual presidente. Em relação a política externa, o servidor público aposentado afirmou que iria reduzir o que chama de “isolamento” da Turquia nas relações exteriores.

Analistas dizem que Kilicdaroglu provavelmente preservará os laços da Turquia com a Rússia, um importante parceiro comercial, embora tenha criticado a invasão da Ucrânia por Moscou.

As relações com os Estados Unidos seriam mais “equilibradas” sob seu governo, disse ele, mencionando a suspensão da Turquia do programa de jatos F-35 Joint Strike Fighter após a decisão de Erdogan de comprar um sistema de defesa aérea da Rússia. Kilicdaroglu não disse como essa disputa seria resolvida.

Quando o tema é imigração, o candidato da oposição muda o tom e afirma que quer enviar 4 milhões de refugiados sírios de volta para o país vizinho em dois anos.

Um aluno caminha em direção a um ônibus transformado em uma sala de aula itinerante em um campo de deslocados em Jindayris, na província de Aleppo, no noroeste da Síria Foto: Rami Al Sayed / AFP

Pressionado sobre por que os sírios na Turquia representam um problema, Kilicdaroglu observou que os refugiados vivem em condições terríveis, que muitos trabalham por menos de um salário mínimo e que nenhum deles tem direito à previdência social. “Isso nos perturba”, aponta ele. “O que vai acontecer com essas pessoas amanhã quando envelhecerem?” Erdogan, que acolheu refugiados sírios durante anos antes de fechar as fronteiras, também apontou que deve enviar refugiados para o país de origem.

Algumas das outras políticas de Kilicdaroglu se concentram em posições nacionalistas fundamentais, incluindo críticas ao apoio dos EUA a uma milícia liderada por curdos na Síria, afiliada ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). “Sabemos que a organização terrorista está recebendo armas do Ocidente. Também sabemos que a organização terrorista é financiada pelo Ocidente”, afirmou.

O candidato da oposição também acrescentou que a Turquia deve fazer parte do que chamou de “civilização ocidental”, um termo que ele disse incluir democracias não ocidentais que respeitam os direitos humanos e têm um equilíbrio de poderes. Kilicdaroglu também quer restaurar o sistema parlamentar no país./NY Times e W.Post

O segundo turno das eleições na Turquia está marcado para o próximo domingo, 28, em uma disputa inédita entre o atual presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, e o candidato da oposição, Kemal Kilicdaroglu

Erdogan, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), teve no primeiro turno 49,5% dos votos, seguido pelo social-democrata Kemal Kilicdaroglu, à frente de uma coalizão de seis partidos, com 44,9% dos votos. O ultranacionalista Sinan Ogan obteve 5,17% dos votos no primeiro turno e já anunciou que irá apoiar o atual presidente da Turquia no segundo turno.

O resultado do pleito no primeiro turno surpreendeu, com uma liderança de Erdogan, mesmo após pesquisas de opinião apontarem que o candidato da oposição estava na frente nas intenções de voto. Porém, a coalizão liderada por Kilicdaroglu se mostra como o maior desafio de Erdogan em seus 20 anos de poder.

Servidor público aposentado, Kemal Kilicdaroglu de 74 anos tentou se mostrar uma pessoa totalmente diferente de Erdogan, sinalizando uma mensagem de otimismo, um esforço para mostrar um contraste com a retórica de Erdogan, em meio a fortes problemas econômicos na Turquia e o desafio de reconstrução após um terremoto que matou mais de 50 mil pessoas em fevereiro.

O candidato a presidência Kemal Kilicdaroglu discursa em um evento de campanha em Adana, Turquia  Foto: Can Erok/AFP

Carreira

Kemal Kilicdaroglu ( se pronuncia Kuluchdarolu) nasceu na cidade de Balica, na região central da Turquia, em dezembro de 1948 em uma família com sete filhos e da minoria muçulmana Alevi. Seu pai era oficial de escrituras e sua mãe dona de casa.

Em entrevistas, o candidato a presidência da Turquia afirmou que chegou a usar o mesmo sapato por anos durante a infância. Kilicdaroglu estudou economia na Academia de Ancara de Economia e Comércio (agora chamada Gazi University). Enquanto estudava economia na universidade em Ancara, ele caminhava por toda parte para economizar dinheiro em transporte.

Após a faculdade, Kilicdaroglu ocupou cargos públicos em diversas instituições turcas como o Ministério das Finanças e dois orgãos do sistema de previdência social. O servidor público também trabalhou como professor universitário.

Depois de se aposentar do serviço público, Kilicdaroglu foi eleito no Parlamento e chamou a atenção do país ao confrontar executivos e funcionários com acusações de corrupção ao vivo na TV.

Em 2009, Kilicdaroglu perdeu a corrida para prefeito de Istambul, a maior cidade e motor econômico da Turquia. Os candidatos de seu partido também perderam em Istambul em 2014 e nas corridas presidenciais contra Erdogan em 2014 e 2018.

O Partido Republicano do Povo (CHP) falhou em aumentar significativamente seus assentos no Parlamento em quatro eleições desde 2011 e duas vezes falhou em bloquear referendos que expandiram os poderes de Erdogan.

A incapacidade do partido do servidor público de desafiar Erdogan ao longo dos anos em que o atual presidente esteve no poder foi destacada pelo político da situação. “Você não poderia nem pastorear uma ovelha”, disse ele, dirigindo-se retoricamente a Kilicdaroglu. “Você perdeu nove eleições. Agora você vai perder a décima.”

Um outdoor da campanha eleitoral de Kemal Kilicdaroglu, candidato presidencial da principal aliança de oposição da Turquia, com um slogan que diz "Os sírios irão embora!", é retratado, antes do segundo turno presidencial Foto: Murad Sezer/ REUTERS

Líder do partido

Em 2010, depois que um escândalo relacionado a uma relação extraconjugal forçou seu antecessor a renunciar, Kilicdaroglu se tornou o líder do CHP, de centro-esquerda, e a mesma legenda de Mustafa Kemal Ataturk, que fundou a Turquia após o colapso do Império Otomano há 100 anos.

Em 2017, aos 69 anos, ele protestou contra a prisão de um colega parlamentar que foi acusado de espionagem, percorrendo o trajeto de Ancara a Istambul e segurando uma placa que dizia “justiça”. A marcha terminou com uma grande manifestação, mas o ímpeto que ele gerou para desafiar o que chamou de armamento do judiciário por Erdogan.

A marcha marcou um “ponto de virada, porque foi o momento em que Kilicdaroglu começou a mostrar uma mudança no CHP para a sociedade”, afirmou Seren Selvin Korkmaz, que estuda a oposição da Turquia e é o fundador e diretor executivo do Instituto IstanPol.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é o favorito no segundo turno para garantir mais um mandato presidencial  Foto: Erdem Sahim/ EFE

Apesar dos protestos, o servidor público foi muito criticado porque votou a favor da lei que aboliu a imunidade de membros do parlamento, o que abriu uma brecha para a prisão de seu colega parlamentar e de outras figuras políticas.

O CHP passou a ter algum sucesso eleitoral nos pleitos locais de 2019, quando o partido venceu as disputas em cinco das seis maiores províncias do país, com destaque para Ancara e Istambul.

Eleição para presidente

Kilicdaroglu é o candidato de uma aliança de seis partidos de ideologias diferentes, que se uniram em torno de uma candidatura que poderia derrotar Erdogan. O servidor público aposentado pretende atrair eleitores ao se caracterizar como um homem simples, que quer se aposentar depois de um mandato na presidência.

As possíveis críticas em relação a Kilicdaroglu, por conta de seu comportamento sério e seu perfil de burocrata, contribuíram para a criação de uma coalização de diversos partidos diferentes. “Ele é mestre em construir alianças e cooptar oponentes”, avalia Korkmaz.

O candidato da oposição se dirige aos eleitores de sua cozinha, com apenas um copo de chá e panos de prato pendurados no forno atrás dele. Kilicdaroglu publica diversos vídeos em que aborda assuntos como a situação econômica da Turquia, a junção de diversos partidos em torno de sua candidatura e como lida com o fato de ser pertencente a uma minoria religiosa.

Apoiadores do Partido Republicano do Povo (CHP) participam de um compromisso de campanha do candidato da sigla Kemal Kilicdaroglu  Foto: Can Erok / AFP

Os vídeos visam contornar a mídia tradicional e alcançar “diferentes tipos de eleitores”, especialmente os jovens que são ativos nas mídias sociais, disse Gulfem Saydan Sanver, consultor político que trabalhou para candidatos pertencentes ao CHP.

“Enquanto Erdogan é criticado pela falta de aproximação com o público, o candidato da oposição está tentando mostrar aos eleitores que ele está levando uma vida muito comum, em uma casa comum, que ele não é um político elitista – que ele pode entender os problemas das pessoas.”, apontou o consultor político.

“Nossa democracia, economia, sistema judicial e liberdades estão sob forte ameaça de Erdogan”, afirmou Kilicdaroglu em um de seus vídeos mais recentes. “Vou colocar o estado de pé novamente e curar as feridas, e devolverei a alegria da vida ao povo.”

Propostas

Kilicdaroglu afirmou que seu governo iria priorizar a melhora da economia turca e acabaria com a escalada autoritária do atual presidente. Em relação a política externa, o servidor público aposentado afirmou que iria reduzir o que chama de “isolamento” da Turquia nas relações exteriores.

Analistas dizem que Kilicdaroglu provavelmente preservará os laços da Turquia com a Rússia, um importante parceiro comercial, embora tenha criticado a invasão da Ucrânia por Moscou.

As relações com os Estados Unidos seriam mais “equilibradas” sob seu governo, disse ele, mencionando a suspensão da Turquia do programa de jatos F-35 Joint Strike Fighter após a decisão de Erdogan de comprar um sistema de defesa aérea da Rússia. Kilicdaroglu não disse como essa disputa seria resolvida.

Quando o tema é imigração, o candidato da oposição muda o tom e afirma que quer enviar 4 milhões de refugiados sírios de volta para o país vizinho em dois anos.

Um aluno caminha em direção a um ônibus transformado em uma sala de aula itinerante em um campo de deslocados em Jindayris, na província de Aleppo, no noroeste da Síria Foto: Rami Al Sayed / AFP

Pressionado sobre por que os sírios na Turquia representam um problema, Kilicdaroglu observou que os refugiados vivem em condições terríveis, que muitos trabalham por menos de um salário mínimo e que nenhum deles tem direito à previdência social. “Isso nos perturba”, aponta ele. “O que vai acontecer com essas pessoas amanhã quando envelhecerem?” Erdogan, que acolheu refugiados sírios durante anos antes de fechar as fronteiras, também apontou que deve enviar refugiados para o país de origem.

Algumas das outras políticas de Kilicdaroglu se concentram em posições nacionalistas fundamentais, incluindo críticas ao apoio dos EUA a uma milícia liderada por curdos na Síria, afiliada ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). “Sabemos que a organização terrorista está recebendo armas do Ocidente. Também sabemos que a organização terrorista é financiada pelo Ocidente”, afirmou.

O candidato da oposição também acrescentou que a Turquia deve fazer parte do que chamou de “civilização ocidental”, um termo que ele disse incluir democracias não ocidentais que respeitam os direitos humanos e têm um equilíbrio de poderes. Kilicdaroglu também quer restaurar o sistema parlamentar no país./NY Times e W.Post

O segundo turno das eleições na Turquia está marcado para o próximo domingo, 28, em uma disputa inédita entre o atual presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, e o candidato da oposição, Kemal Kilicdaroglu

Erdogan, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), teve no primeiro turno 49,5% dos votos, seguido pelo social-democrata Kemal Kilicdaroglu, à frente de uma coalizão de seis partidos, com 44,9% dos votos. O ultranacionalista Sinan Ogan obteve 5,17% dos votos no primeiro turno e já anunciou que irá apoiar o atual presidente da Turquia no segundo turno.

O resultado do pleito no primeiro turno surpreendeu, com uma liderança de Erdogan, mesmo após pesquisas de opinião apontarem que o candidato da oposição estava na frente nas intenções de voto. Porém, a coalizão liderada por Kilicdaroglu se mostra como o maior desafio de Erdogan em seus 20 anos de poder.

Servidor público aposentado, Kemal Kilicdaroglu de 74 anos tentou se mostrar uma pessoa totalmente diferente de Erdogan, sinalizando uma mensagem de otimismo, um esforço para mostrar um contraste com a retórica de Erdogan, em meio a fortes problemas econômicos na Turquia e o desafio de reconstrução após um terremoto que matou mais de 50 mil pessoas em fevereiro.

O candidato a presidência Kemal Kilicdaroglu discursa em um evento de campanha em Adana, Turquia  Foto: Can Erok/AFP

Carreira

Kemal Kilicdaroglu ( se pronuncia Kuluchdarolu) nasceu na cidade de Balica, na região central da Turquia, em dezembro de 1948 em uma família com sete filhos e da minoria muçulmana Alevi. Seu pai era oficial de escrituras e sua mãe dona de casa.

Em entrevistas, o candidato a presidência da Turquia afirmou que chegou a usar o mesmo sapato por anos durante a infância. Kilicdaroglu estudou economia na Academia de Ancara de Economia e Comércio (agora chamada Gazi University). Enquanto estudava economia na universidade em Ancara, ele caminhava por toda parte para economizar dinheiro em transporte.

Após a faculdade, Kilicdaroglu ocupou cargos públicos em diversas instituições turcas como o Ministério das Finanças e dois orgãos do sistema de previdência social. O servidor público também trabalhou como professor universitário.

Depois de se aposentar do serviço público, Kilicdaroglu foi eleito no Parlamento e chamou a atenção do país ao confrontar executivos e funcionários com acusações de corrupção ao vivo na TV.

Em 2009, Kilicdaroglu perdeu a corrida para prefeito de Istambul, a maior cidade e motor econômico da Turquia. Os candidatos de seu partido também perderam em Istambul em 2014 e nas corridas presidenciais contra Erdogan em 2014 e 2018.

O Partido Republicano do Povo (CHP) falhou em aumentar significativamente seus assentos no Parlamento em quatro eleições desde 2011 e duas vezes falhou em bloquear referendos que expandiram os poderes de Erdogan.

A incapacidade do partido do servidor público de desafiar Erdogan ao longo dos anos em que o atual presidente esteve no poder foi destacada pelo político da situação. “Você não poderia nem pastorear uma ovelha”, disse ele, dirigindo-se retoricamente a Kilicdaroglu. “Você perdeu nove eleições. Agora você vai perder a décima.”

Um outdoor da campanha eleitoral de Kemal Kilicdaroglu, candidato presidencial da principal aliança de oposição da Turquia, com um slogan que diz "Os sírios irão embora!", é retratado, antes do segundo turno presidencial Foto: Murad Sezer/ REUTERS

Líder do partido

Em 2010, depois que um escândalo relacionado a uma relação extraconjugal forçou seu antecessor a renunciar, Kilicdaroglu se tornou o líder do CHP, de centro-esquerda, e a mesma legenda de Mustafa Kemal Ataturk, que fundou a Turquia após o colapso do Império Otomano há 100 anos.

Em 2017, aos 69 anos, ele protestou contra a prisão de um colega parlamentar que foi acusado de espionagem, percorrendo o trajeto de Ancara a Istambul e segurando uma placa que dizia “justiça”. A marcha terminou com uma grande manifestação, mas o ímpeto que ele gerou para desafiar o que chamou de armamento do judiciário por Erdogan.

A marcha marcou um “ponto de virada, porque foi o momento em que Kilicdaroglu começou a mostrar uma mudança no CHP para a sociedade”, afirmou Seren Selvin Korkmaz, que estuda a oposição da Turquia e é o fundador e diretor executivo do Instituto IstanPol.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é o favorito no segundo turno para garantir mais um mandato presidencial  Foto: Erdem Sahim/ EFE

Apesar dos protestos, o servidor público foi muito criticado porque votou a favor da lei que aboliu a imunidade de membros do parlamento, o que abriu uma brecha para a prisão de seu colega parlamentar e de outras figuras políticas.

O CHP passou a ter algum sucesso eleitoral nos pleitos locais de 2019, quando o partido venceu as disputas em cinco das seis maiores províncias do país, com destaque para Ancara e Istambul.

Eleição para presidente

Kilicdaroglu é o candidato de uma aliança de seis partidos de ideologias diferentes, que se uniram em torno de uma candidatura que poderia derrotar Erdogan. O servidor público aposentado pretende atrair eleitores ao se caracterizar como um homem simples, que quer se aposentar depois de um mandato na presidência.

As possíveis críticas em relação a Kilicdaroglu, por conta de seu comportamento sério e seu perfil de burocrata, contribuíram para a criação de uma coalização de diversos partidos diferentes. “Ele é mestre em construir alianças e cooptar oponentes”, avalia Korkmaz.

O candidato da oposição se dirige aos eleitores de sua cozinha, com apenas um copo de chá e panos de prato pendurados no forno atrás dele. Kilicdaroglu publica diversos vídeos em que aborda assuntos como a situação econômica da Turquia, a junção de diversos partidos em torno de sua candidatura e como lida com o fato de ser pertencente a uma minoria religiosa.

Apoiadores do Partido Republicano do Povo (CHP) participam de um compromisso de campanha do candidato da sigla Kemal Kilicdaroglu  Foto: Can Erok / AFP

Os vídeos visam contornar a mídia tradicional e alcançar “diferentes tipos de eleitores”, especialmente os jovens que são ativos nas mídias sociais, disse Gulfem Saydan Sanver, consultor político que trabalhou para candidatos pertencentes ao CHP.

“Enquanto Erdogan é criticado pela falta de aproximação com o público, o candidato da oposição está tentando mostrar aos eleitores que ele está levando uma vida muito comum, em uma casa comum, que ele não é um político elitista – que ele pode entender os problemas das pessoas.”, apontou o consultor político.

“Nossa democracia, economia, sistema judicial e liberdades estão sob forte ameaça de Erdogan”, afirmou Kilicdaroglu em um de seus vídeos mais recentes. “Vou colocar o estado de pé novamente e curar as feridas, e devolverei a alegria da vida ao povo.”

Propostas

Kilicdaroglu afirmou que seu governo iria priorizar a melhora da economia turca e acabaria com a escalada autoritária do atual presidente. Em relação a política externa, o servidor público aposentado afirmou que iria reduzir o que chama de “isolamento” da Turquia nas relações exteriores.

Analistas dizem que Kilicdaroglu provavelmente preservará os laços da Turquia com a Rússia, um importante parceiro comercial, embora tenha criticado a invasão da Ucrânia por Moscou.

As relações com os Estados Unidos seriam mais “equilibradas” sob seu governo, disse ele, mencionando a suspensão da Turquia do programa de jatos F-35 Joint Strike Fighter após a decisão de Erdogan de comprar um sistema de defesa aérea da Rússia. Kilicdaroglu não disse como essa disputa seria resolvida.

Quando o tema é imigração, o candidato da oposição muda o tom e afirma que quer enviar 4 milhões de refugiados sírios de volta para o país vizinho em dois anos.

Um aluno caminha em direção a um ônibus transformado em uma sala de aula itinerante em um campo de deslocados em Jindayris, na província de Aleppo, no noroeste da Síria Foto: Rami Al Sayed / AFP

Pressionado sobre por que os sírios na Turquia representam um problema, Kilicdaroglu observou que os refugiados vivem em condições terríveis, que muitos trabalham por menos de um salário mínimo e que nenhum deles tem direito à previdência social. “Isso nos perturba”, aponta ele. “O que vai acontecer com essas pessoas amanhã quando envelhecerem?” Erdogan, que acolheu refugiados sírios durante anos antes de fechar as fronteiras, também apontou que deve enviar refugiados para o país de origem.

Algumas das outras políticas de Kilicdaroglu se concentram em posições nacionalistas fundamentais, incluindo críticas ao apoio dos EUA a uma milícia liderada por curdos na Síria, afiliada ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). “Sabemos que a organização terrorista está recebendo armas do Ocidente. Também sabemos que a organização terrorista é financiada pelo Ocidente”, afirmou.

O candidato da oposição também acrescentou que a Turquia deve fazer parte do que chamou de “civilização ocidental”, um termo que ele disse incluir democracias não ocidentais que respeitam os direitos humanos e têm um equilíbrio de poderes. Kilicdaroglu também quer restaurar o sistema parlamentar no país./NY Times e W.Post

O segundo turno das eleições na Turquia está marcado para o próximo domingo, 28, em uma disputa inédita entre o atual presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, e o candidato da oposição, Kemal Kilicdaroglu

Erdogan, do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), teve no primeiro turno 49,5% dos votos, seguido pelo social-democrata Kemal Kilicdaroglu, à frente de uma coalizão de seis partidos, com 44,9% dos votos. O ultranacionalista Sinan Ogan obteve 5,17% dos votos no primeiro turno e já anunciou que irá apoiar o atual presidente da Turquia no segundo turno.

O resultado do pleito no primeiro turno surpreendeu, com uma liderança de Erdogan, mesmo após pesquisas de opinião apontarem que o candidato da oposição estava na frente nas intenções de voto. Porém, a coalizão liderada por Kilicdaroglu se mostra como o maior desafio de Erdogan em seus 20 anos de poder.

Servidor público aposentado, Kemal Kilicdaroglu de 74 anos tentou se mostrar uma pessoa totalmente diferente de Erdogan, sinalizando uma mensagem de otimismo, um esforço para mostrar um contraste com a retórica de Erdogan, em meio a fortes problemas econômicos na Turquia e o desafio de reconstrução após um terremoto que matou mais de 50 mil pessoas em fevereiro.

O candidato a presidência Kemal Kilicdaroglu discursa em um evento de campanha em Adana, Turquia  Foto: Can Erok/AFP

Carreira

Kemal Kilicdaroglu ( se pronuncia Kuluchdarolu) nasceu na cidade de Balica, na região central da Turquia, em dezembro de 1948 em uma família com sete filhos e da minoria muçulmana Alevi. Seu pai era oficial de escrituras e sua mãe dona de casa.

Em entrevistas, o candidato a presidência da Turquia afirmou que chegou a usar o mesmo sapato por anos durante a infância. Kilicdaroglu estudou economia na Academia de Ancara de Economia e Comércio (agora chamada Gazi University). Enquanto estudava economia na universidade em Ancara, ele caminhava por toda parte para economizar dinheiro em transporte.

Após a faculdade, Kilicdaroglu ocupou cargos públicos em diversas instituições turcas como o Ministério das Finanças e dois orgãos do sistema de previdência social. O servidor público também trabalhou como professor universitário.

Depois de se aposentar do serviço público, Kilicdaroglu foi eleito no Parlamento e chamou a atenção do país ao confrontar executivos e funcionários com acusações de corrupção ao vivo na TV.

Em 2009, Kilicdaroglu perdeu a corrida para prefeito de Istambul, a maior cidade e motor econômico da Turquia. Os candidatos de seu partido também perderam em Istambul em 2014 e nas corridas presidenciais contra Erdogan em 2014 e 2018.

O Partido Republicano do Povo (CHP) falhou em aumentar significativamente seus assentos no Parlamento em quatro eleições desde 2011 e duas vezes falhou em bloquear referendos que expandiram os poderes de Erdogan.

A incapacidade do partido do servidor público de desafiar Erdogan ao longo dos anos em que o atual presidente esteve no poder foi destacada pelo político da situação. “Você não poderia nem pastorear uma ovelha”, disse ele, dirigindo-se retoricamente a Kilicdaroglu. “Você perdeu nove eleições. Agora você vai perder a décima.”

Um outdoor da campanha eleitoral de Kemal Kilicdaroglu, candidato presidencial da principal aliança de oposição da Turquia, com um slogan que diz "Os sírios irão embora!", é retratado, antes do segundo turno presidencial Foto: Murad Sezer/ REUTERS

Líder do partido

Em 2010, depois que um escândalo relacionado a uma relação extraconjugal forçou seu antecessor a renunciar, Kilicdaroglu se tornou o líder do CHP, de centro-esquerda, e a mesma legenda de Mustafa Kemal Ataturk, que fundou a Turquia após o colapso do Império Otomano há 100 anos.

Em 2017, aos 69 anos, ele protestou contra a prisão de um colega parlamentar que foi acusado de espionagem, percorrendo o trajeto de Ancara a Istambul e segurando uma placa que dizia “justiça”. A marcha terminou com uma grande manifestação, mas o ímpeto que ele gerou para desafiar o que chamou de armamento do judiciário por Erdogan.

A marcha marcou um “ponto de virada, porque foi o momento em que Kilicdaroglu começou a mostrar uma mudança no CHP para a sociedade”, afirmou Seren Selvin Korkmaz, que estuda a oposição da Turquia e é o fundador e diretor executivo do Instituto IstanPol.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é o favorito no segundo turno para garantir mais um mandato presidencial  Foto: Erdem Sahim/ EFE

Apesar dos protestos, o servidor público foi muito criticado porque votou a favor da lei que aboliu a imunidade de membros do parlamento, o que abriu uma brecha para a prisão de seu colega parlamentar e de outras figuras políticas.

O CHP passou a ter algum sucesso eleitoral nos pleitos locais de 2019, quando o partido venceu as disputas em cinco das seis maiores províncias do país, com destaque para Ancara e Istambul.

Eleição para presidente

Kilicdaroglu é o candidato de uma aliança de seis partidos de ideologias diferentes, que se uniram em torno de uma candidatura que poderia derrotar Erdogan. O servidor público aposentado pretende atrair eleitores ao se caracterizar como um homem simples, que quer se aposentar depois de um mandato na presidência.

As possíveis críticas em relação a Kilicdaroglu, por conta de seu comportamento sério e seu perfil de burocrata, contribuíram para a criação de uma coalização de diversos partidos diferentes. “Ele é mestre em construir alianças e cooptar oponentes”, avalia Korkmaz.

O candidato da oposição se dirige aos eleitores de sua cozinha, com apenas um copo de chá e panos de prato pendurados no forno atrás dele. Kilicdaroglu publica diversos vídeos em que aborda assuntos como a situação econômica da Turquia, a junção de diversos partidos em torno de sua candidatura e como lida com o fato de ser pertencente a uma minoria religiosa.

Apoiadores do Partido Republicano do Povo (CHP) participam de um compromisso de campanha do candidato da sigla Kemal Kilicdaroglu  Foto: Can Erok / AFP

Os vídeos visam contornar a mídia tradicional e alcançar “diferentes tipos de eleitores”, especialmente os jovens que são ativos nas mídias sociais, disse Gulfem Saydan Sanver, consultor político que trabalhou para candidatos pertencentes ao CHP.

“Enquanto Erdogan é criticado pela falta de aproximação com o público, o candidato da oposição está tentando mostrar aos eleitores que ele está levando uma vida muito comum, em uma casa comum, que ele não é um político elitista – que ele pode entender os problemas das pessoas.”, apontou o consultor político.

“Nossa democracia, economia, sistema judicial e liberdades estão sob forte ameaça de Erdogan”, afirmou Kilicdaroglu em um de seus vídeos mais recentes. “Vou colocar o estado de pé novamente e curar as feridas, e devolverei a alegria da vida ao povo.”

Propostas

Kilicdaroglu afirmou que seu governo iria priorizar a melhora da economia turca e acabaria com a escalada autoritária do atual presidente. Em relação a política externa, o servidor público aposentado afirmou que iria reduzir o que chama de “isolamento” da Turquia nas relações exteriores.

Analistas dizem que Kilicdaroglu provavelmente preservará os laços da Turquia com a Rússia, um importante parceiro comercial, embora tenha criticado a invasão da Ucrânia por Moscou.

As relações com os Estados Unidos seriam mais “equilibradas” sob seu governo, disse ele, mencionando a suspensão da Turquia do programa de jatos F-35 Joint Strike Fighter após a decisão de Erdogan de comprar um sistema de defesa aérea da Rússia. Kilicdaroglu não disse como essa disputa seria resolvida.

Quando o tema é imigração, o candidato da oposição muda o tom e afirma que quer enviar 4 milhões de refugiados sírios de volta para o país vizinho em dois anos.

Um aluno caminha em direção a um ônibus transformado em uma sala de aula itinerante em um campo de deslocados em Jindayris, na província de Aleppo, no noroeste da Síria Foto: Rami Al Sayed / AFP

Pressionado sobre por que os sírios na Turquia representam um problema, Kilicdaroglu observou que os refugiados vivem em condições terríveis, que muitos trabalham por menos de um salário mínimo e que nenhum deles tem direito à previdência social. “Isso nos perturba”, aponta ele. “O que vai acontecer com essas pessoas amanhã quando envelhecerem?” Erdogan, que acolheu refugiados sírios durante anos antes de fechar as fronteiras, também apontou que deve enviar refugiados para o país de origem.

Algumas das outras políticas de Kilicdaroglu se concentram em posições nacionalistas fundamentais, incluindo críticas ao apoio dos EUA a uma milícia liderada por curdos na Síria, afiliada ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). “Sabemos que a organização terrorista está recebendo armas do Ocidente. Também sabemos que a organização terrorista é financiada pelo Ocidente”, afirmou.

O candidato da oposição também acrescentou que a Turquia deve fazer parte do que chamou de “civilização ocidental”, um termo que ele disse incluir democracias não ocidentais que respeitam os direitos humanos e têm um equilíbrio de poderes. Kilicdaroglu também quer restaurar o sistema parlamentar no país./NY Times e W.Post

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