Conheça os grupos ultraliberais por trás das medidas econômicas de Liz Truss no Reino Unido


Sob o novo governo da premiê, o Reino Unido se tornou um laboratório libertário com planos de cortes nos impostos

Por Sam Bright*

LONDRES — Erguidas em meio ao labirinto de vias que flanqueiam o Palácio de Westminster, as casas de tijolos vermelhos da Rua Tufton são anônimas, nenhum logotipo corporativo tenta capturar a curiosidade dos passantes. De fato, a rua em si é normalmente desértica. Mas essa fachada adormecida esconde um turbilhão de atividade. Ao longo da década passada, ou mais, a Rua Tufton tem sido o principal centro de comando de grupos libertários de lobby, uma oficina ideológica em prol do livre mercado clausurada discretamente no coração do poder.

No mês passado, eles saíram das sombras. O “miniorçamento” apresentado em 23 de setembro por Kwasi Kwarteng, ministro das finanças britânico e aliado crucial da primeira-ministra Liz Truss, tem a agradecer à Rua Tufton. Alegando que “impostos mais altos sobre o capital e o trabalho baixaram retornos de investimentos e trabalho, reduziram incentivos econômicos e atravancaram o crescimento”, Kwarteng marretou o consenso econômico anunciando bilhões em cortes de impostos, concentrados particularmente nos mais ricos.

O plano apavorou os mercados financeiros, derrubou a libra e forçou o Banco da Inglaterra a intervir para impedir uma fuga nos fundos de pensão do Reino Unido. Foi, em termos econômicos e políticos, um desastre — o que foi tornado claro pelo governo na segunda-feira, em uma tentativa de mitigar o dano retirando um corte de impostos dos mais ricos. Mas o pacote foi mais do que um desvario. Foi a consumação de planos projetados na Rua Tufton e em aliança com Truss há anos. Sob seu governo, o Reino Unido se tornou um laboratório libertário.

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A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Esses planos são, de maneira geral, muito simples. Os grupos libertários com base na Rua Tufton — segundo a contagem mais recente, havia seis deles (com outros dois nas proximidades) — operam como um nexo coordenado entre estrategistas políticos e comentaristas na mídia. Nas palavras de Shahmir Sanni, que trabalhou na campanha Vote Leave, pró-Brexit, no referendo de 2016, originalmente com base no Número 55 da Rua Tufton, eles possuem um instinto básico: “de que qualquer coisa financiada pelo Estado é errada”. Diminuir o Estado, cortar impostos e conduzir empresas privadas ao campo público são os princípios-guia.

Em Truss, eles encontraram uma amiga. Depois de uma juvenil aventura com os liberal-democratas, a crença da nova primeira-ministra na política libertária de Estado pequeno tem sido um sustentáculo de sua carreira política. Em 2011, apenas um ano após ser eleita para o Parlamento, ela criou o “Grupo da Livre Empresa” com legisladores conservadores desimportantes, “para renovar o argumento por mercados genuinamente livres e pela livre empresa”. Como secretária do meio ambiente, ela abraçou a austeridade, insistindo que cortes de financiamento para sua pasta eram “uma grande oportunidade”.

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Nomeada chefe de comércio internacional, Truss aproveitou a oportunidade para equipar sua operação com libertários. Em outubro de 2020, apenas dois meses antes do início da nova vida do Reino Unido fora da União Europeia, Truss nomeou várias figuras pró-Brexit e livre mercado em organismos consultivos de seu departamento.

Entre os nomeados estava Mark Littlewood, diretor do Instituto para Assuntos Econômicos; Matt Kilcoyne, naquela época vice-diretor do Instituto Adam Smith; e Robert Colville, que dirige o Centro para Estudos de Políticas. Daniel Hannan, um dos principais arquitetos do Brexit, fora nomeado conselheiro comercial um mês antes. Seu instituto de pesquisa, Iniciativa para o Livre Comércio, tinha anteriormente como base o Número 57 da Rua Tufton.

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Esse batalhão de pensadores do livre mercado foi agora recepcionado no Número 10 da Rua Downing. Cinco dos conselheiros mais próximos da primeira-ministra se graduaram na Rua Tufton, e pelo menos nove pupilos da Rua Tufton estão espalhados por outros importantes departamentos do governo. De maneira reveladora, Littlewood afirma que Truss discursou em eventos de seu instituto de pesquisa mais do que “qualquer outro político ao longo dos últimos 12 anos”.

A pegada política deixada por esses grupos, cujas baias se alinharam orgulhosamente na conferência anual do Partido Conservador, nesta semana, podem ser relativamente fáceis de rastrear. Mas a maneira que eles operam não é tão clara.

Notoriamente opacos em relação às suas fontes de financiamento, algo que eles defendem enquanto direito à privacidade dos doadores, repórteres investigativos descobriram que eles mantêm vínculos financeiros com gigantes petroleiras, como BP e Exxon Mobil, grandes fabricantes de cigarros e grupos libertários dos Estados Unidos. Mas o quadro retratado é apenas parcial. Simplesmente não sabemos quem banca esses grupos que ocupam atualmente o cerne do governo britânico.

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Trata-se de um problema, porque o poder que eles exercem sobre a democracia britânica — em seu apogeu sob Truss, pode-se argumentar — é considerável. Primeiramente e acima de tudo, eles são operadores significativos nos círculos conservadores: O Centro para Estudos de Políticas, por exemplo, alega ter sido “responsável por desenvolver a maior parte da agenda política que ficou conhecida como thatcherismo”.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, e o ministro das Finaças Kwasi Kwarteng  Foto: Toby Melville/Reuters

Dado que a própria Margaret Thatcher cofundou o instituto, não se trata de uma jactância ao léu. Nas décadas que transcorreram desde então, grupos como este se multiplicaram conforme a rede da Rua Tufton evoluiu de um fórum pseudoacadêmico para um orquestrado equipamento de lobby cuja influência se estende para muito além do Partido Conservador.

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Porta-vozes dessas organizações são familiares até para consumidores causais de informações sobre a política britânica, tamanha sua onipresença na TV nos últimos anos. É comum que algum representante desses grupos apareça nos principais programas de notícias, apresentados eufemisticamente como especialistas imparciais.

Existem paralelos marcantes com os EUA, onde — conforme descreve Jane Mayer em “Dark Money” — bilionários libertários financiam uma linha de montagem de políticas anti-impostos e antirregulações difundidas resolutamente pelos meios de comunicação. Estabelecer parâmetros do debate político, enviesando para a direita percepções sobre o Estado e a economia, tem sido uma estratégia excepcionalmente bem-sucedida.

Para os britânicos, com as contas em alta, os salários reais em queda e o Estado de bem-estar social provavelmente tolhido no futuro, comparações com os EUA trazem pouco consolo. Sob Truss, certa vez apelidada de “granada humana” em razão de sua obstinação ideológica, a direita libertária detonou a economia britânica. O custo, para todos exceto os mais ricos, poderá ser incalculável./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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Sam Bright (@WritesBright) é editor de investigações do Byline Times e autor de “Fortress London: Why We Need to Save the Country From Its Capital”.

LONDRES — Erguidas em meio ao labirinto de vias que flanqueiam o Palácio de Westminster, as casas de tijolos vermelhos da Rua Tufton são anônimas, nenhum logotipo corporativo tenta capturar a curiosidade dos passantes. De fato, a rua em si é normalmente desértica. Mas essa fachada adormecida esconde um turbilhão de atividade. Ao longo da década passada, ou mais, a Rua Tufton tem sido o principal centro de comando de grupos libertários de lobby, uma oficina ideológica em prol do livre mercado clausurada discretamente no coração do poder.

No mês passado, eles saíram das sombras. O “miniorçamento” apresentado em 23 de setembro por Kwasi Kwarteng, ministro das finanças britânico e aliado crucial da primeira-ministra Liz Truss, tem a agradecer à Rua Tufton. Alegando que “impostos mais altos sobre o capital e o trabalho baixaram retornos de investimentos e trabalho, reduziram incentivos econômicos e atravancaram o crescimento”, Kwarteng marretou o consenso econômico anunciando bilhões em cortes de impostos, concentrados particularmente nos mais ricos.

O plano apavorou os mercados financeiros, derrubou a libra e forçou o Banco da Inglaterra a intervir para impedir uma fuga nos fundos de pensão do Reino Unido. Foi, em termos econômicos e políticos, um desastre — o que foi tornado claro pelo governo na segunda-feira, em uma tentativa de mitigar o dano retirando um corte de impostos dos mais ricos. Mas o pacote foi mais do que um desvario. Foi a consumação de planos projetados na Rua Tufton e em aliança com Truss há anos. Sob seu governo, o Reino Unido se tornou um laboratório libertário.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Esses planos são, de maneira geral, muito simples. Os grupos libertários com base na Rua Tufton — segundo a contagem mais recente, havia seis deles (com outros dois nas proximidades) — operam como um nexo coordenado entre estrategistas políticos e comentaristas na mídia. Nas palavras de Shahmir Sanni, que trabalhou na campanha Vote Leave, pró-Brexit, no referendo de 2016, originalmente com base no Número 55 da Rua Tufton, eles possuem um instinto básico: “de que qualquer coisa financiada pelo Estado é errada”. Diminuir o Estado, cortar impostos e conduzir empresas privadas ao campo público são os princípios-guia.

Em Truss, eles encontraram uma amiga. Depois de uma juvenil aventura com os liberal-democratas, a crença da nova primeira-ministra na política libertária de Estado pequeno tem sido um sustentáculo de sua carreira política. Em 2011, apenas um ano após ser eleita para o Parlamento, ela criou o “Grupo da Livre Empresa” com legisladores conservadores desimportantes, “para renovar o argumento por mercados genuinamente livres e pela livre empresa”. Como secretária do meio ambiente, ela abraçou a austeridade, insistindo que cortes de financiamento para sua pasta eram “uma grande oportunidade”.

Nomeada chefe de comércio internacional, Truss aproveitou a oportunidade para equipar sua operação com libertários. Em outubro de 2020, apenas dois meses antes do início da nova vida do Reino Unido fora da União Europeia, Truss nomeou várias figuras pró-Brexit e livre mercado em organismos consultivos de seu departamento.

Entre os nomeados estava Mark Littlewood, diretor do Instituto para Assuntos Econômicos; Matt Kilcoyne, naquela época vice-diretor do Instituto Adam Smith; e Robert Colville, que dirige o Centro para Estudos de Políticas. Daniel Hannan, um dos principais arquitetos do Brexit, fora nomeado conselheiro comercial um mês antes. Seu instituto de pesquisa, Iniciativa para o Livre Comércio, tinha anteriormente como base o Número 57 da Rua Tufton.

Esse batalhão de pensadores do livre mercado foi agora recepcionado no Número 10 da Rua Downing. Cinco dos conselheiros mais próximos da primeira-ministra se graduaram na Rua Tufton, e pelo menos nove pupilos da Rua Tufton estão espalhados por outros importantes departamentos do governo. De maneira reveladora, Littlewood afirma que Truss discursou em eventos de seu instituto de pesquisa mais do que “qualquer outro político ao longo dos últimos 12 anos”.

A pegada política deixada por esses grupos, cujas baias se alinharam orgulhosamente na conferência anual do Partido Conservador, nesta semana, podem ser relativamente fáceis de rastrear. Mas a maneira que eles operam não é tão clara.

Notoriamente opacos em relação às suas fontes de financiamento, algo que eles defendem enquanto direito à privacidade dos doadores, repórteres investigativos descobriram que eles mantêm vínculos financeiros com gigantes petroleiras, como BP e Exxon Mobil, grandes fabricantes de cigarros e grupos libertários dos Estados Unidos. Mas o quadro retratado é apenas parcial. Simplesmente não sabemos quem banca esses grupos que ocupam atualmente o cerne do governo britânico.

Trata-se de um problema, porque o poder que eles exercem sobre a democracia britânica — em seu apogeu sob Truss, pode-se argumentar — é considerável. Primeiramente e acima de tudo, eles são operadores significativos nos círculos conservadores: O Centro para Estudos de Políticas, por exemplo, alega ter sido “responsável por desenvolver a maior parte da agenda política que ficou conhecida como thatcherismo”.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, e o ministro das Finaças Kwasi Kwarteng  Foto: Toby Melville/Reuters

Dado que a própria Margaret Thatcher cofundou o instituto, não se trata de uma jactância ao léu. Nas décadas que transcorreram desde então, grupos como este se multiplicaram conforme a rede da Rua Tufton evoluiu de um fórum pseudoacadêmico para um orquestrado equipamento de lobby cuja influência se estende para muito além do Partido Conservador.

Porta-vozes dessas organizações são familiares até para consumidores causais de informações sobre a política britânica, tamanha sua onipresença na TV nos últimos anos. É comum que algum representante desses grupos apareça nos principais programas de notícias, apresentados eufemisticamente como especialistas imparciais.

Existem paralelos marcantes com os EUA, onde — conforme descreve Jane Mayer em “Dark Money” — bilionários libertários financiam uma linha de montagem de políticas anti-impostos e antirregulações difundidas resolutamente pelos meios de comunicação. Estabelecer parâmetros do debate político, enviesando para a direita percepções sobre o Estado e a economia, tem sido uma estratégia excepcionalmente bem-sucedida.

Para os britânicos, com as contas em alta, os salários reais em queda e o Estado de bem-estar social provavelmente tolhido no futuro, comparações com os EUA trazem pouco consolo. Sob Truss, certa vez apelidada de “granada humana” em razão de sua obstinação ideológica, a direita libertária detonou a economia britânica. O custo, para todos exceto os mais ricos, poderá ser incalculável./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Sam Bright (@WritesBright) é editor de investigações do Byline Times e autor de “Fortress London: Why We Need to Save the Country From Its Capital”.

LONDRES — Erguidas em meio ao labirinto de vias que flanqueiam o Palácio de Westminster, as casas de tijolos vermelhos da Rua Tufton são anônimas, nenhum logotipo corporativo tenta capturar a curiosidade dos passantes. De fato, a rua em si é normalmente desértica. Mas essa fachada adormecida esconde um turbilhão de atividade. Ao longo da década passada, ou mais, a Rua Tufton tem sido o principal centro de comando de grupos libertários de lobby, uma oficina ideológica em prol do livre mercado clausurada discretamente no coração do poder.

No mês passado, eles saíram das sombras. O “miniorçamento” apresentado em 23 de setembro por Kwasi Kwarteng, ministro das finanças britânico e aliado crucial da primeira-ministra Liz Truss, tem a agradecer à Rua Tufton. Alegando que “impostos mais altos sobre o capital e o trabalho baixaram retornos de investimentos e trabalho, reduziram incentivos econômicos e atravancaram o crescimento”, Kwarteng marretou o consenso econômico anunciando bilhões em cortes de impostos, concentrados particularmente nos mais ricos.

O plano apavorou os mercados financeiros, derrubou a libra e forçou o Banco da Inglaterra a intervir para impedir uma fuga nos fundos de pensão do Reino Unido. Foi, em termos econômicos e políticos, um desastre — o que foi tornado claro pelo governo na segunda-feira, em uma tentativa de mitigar o dano retirando um corte de impostos dos mais ricos. Mas o pacote foi mais do que um desvario. Foi a consumação de planos projetados na Rua Tufton e em aliança com Truss há anos. Sob seu governo, o Reino Unido se tornou um laboratório libertário.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Esses planos são, de maneira geral, muito simples. Os grupos libertários com base na Rua Tufton — segundo a contagem mais recente, havia seis deles (com outros dois nas proximidades) — operam como um nexo coordenado entre estrategistas políticos e comentaristas na mídia. Nas palavras de Shahmir Sanni, que trabalhou na campanha Vote Leave, pró-Brexit, no referendo de 2016, originalmente com base no Número 55 da Rua Tufton, eles possuem um instinto básico: “de que qualquer coisa financiada pelo Estado é errada”. Diminuir o Estado, cortar impostos e conduzir empresas privadas ao campo público são os princípios-guia.

Em Truss, eles encontraram uma amiga. Depois de uma juvenil aventura com os liberal-democratas, a crença da nova primeira-ministra na política libertária de Estado pequeno tem sido um sustentáculo de sua carreira política. Em 2011, apenas um ano após ser eleita para o Parlamento, ela criou o “Grupo da Livre Empresa” com legisladores conservadores desimportantes, “para renovar o argumento por mercados genuinamente livres e pela livre empresa”. Como secretária do meio ambiente, ela abraçou a austeridade, insistindo que cortes de financiamento para sua pasta eram “uma grande oportunidade”.

Nomeada chefe de comércio internacional, Truss aproveitou a oportunidade para equipar sua operação com libertários. Em outubro de 2020, apenas dois meses antes do início da nova vida do Reino Unido fora da União Europeia, Truss nomeou várias figuras pró-Brexit e livre mercado em organismos consultivos de seu departamento.

Entre os nomeados estava Mark Littlewood, diretor do Instituto para Assuntos Econômicos; Matt Kilcoyne, naquela época vice-diretor do Instituto Adam Smith; e Robert Colville, que dirige o Centro para Estudos de Políticas. Daniel Hannan, um dos principais arquitetos do Brexit, fora nomeado conselheiro comercial um mês antes. Seu instituto de pesquisa, Iniciativa para o Livre Comércio, tinha anteriormente como base o Número 57 da Rua Tufton.

Esse batalhão de pensadores do livre mercado foi agora recepcionado no Número 10 da Rua Downing. Cinco dos conselheiros mais próximos da primeira-ministra se graduaram na Rua Tufton, e pelo menos nove pupilos da Rua Tufton estão espalhados por outros importantes departamentos do governo. De maneira reveladora, Littlewood afirma que Truss discursou em eventos de seu instituto de pesquisa mais do que “qualquer outro político ao longo dos últimos 12 anos”.

A pegada política deixada por esses grupos, cujas baias se alinharam orgulhosamente na conferência anual do Partido Conservador, nesta semana, podem ser relativamente fáceis de rastrear. Mas a maneira que eles operam não é tão clara.

Notoriamente opacos em relação às suas fontes de financiamento, algo que eles defendem enquanto direito à privacidade dos doadores, repórteres investigativos descobriram que eles mantêm vínculos financeiros com gigantes petroleiras, como BP e Exxon Mobil, grandes fabricantes de cigarros e grupos libertários dos Estados Unidos. Mas o quadro retratado é apenas parcial. Simplesmente não sabemos quem banca esses grupos que ocupam atualmente o cerne do governo britânico.

Trata-se de um problema, porque o poder que eles exercem sobre a democracia britânica — em seu apogeu sob Truss, pode-se argumentar — é considerável. Primeiramente e acima de tudo, eles são operadores significativos nos círculos conservadores: O Centro para Estudos de Políticas, por exemplo, alega ter sido “responsável por desenvolver a maior parte da agenda política que ficou conhecida como thatcherismo”.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, e o ministro das Finaças Kwasi Kwarteng  Foto: Toby Melville/Reuters

Dado que a própria Margaret Thatcher cofundou o instituto, não se trata de uma jactância ao léu. Nas décadas que transcorreram desde então, grupos como este se multiplicaram conforme a rede da Rua Tufton evoluiu de um fórum pseudoacadêmico para um orquestrado equipamento de lobby cuja influência se estende para muito além do Partido Conservador.

Porta-vozes dessas organizações são familiares até para consumidores causais de informações sobre a política britânica, tamanha sua onipresença na TV nos últimos anos. É comum que algum representante desses grupos apareça nos principais programas de notícias, apresentados eufemisticamente como especialistas imparciais.

Existem paralelos marcantes com os EUA, onde — conforme descreve Jane Mayer em “Dark Money” — bilionários libertários financiam uma linha de montagem de políticas anti-impostos e antirregulações difundidas resolutamente pelos meios de comunicação. Estabelecer parâmetros do debate político, enviesando para a direita percepções sobre o Estado e a economia, tem sido uma estratégia excepcionalmente bem-sucedida.

Para os britânicos, com as contas em alta, os salários reais em queda e o Estado de bem-estar social provavelmente tolhido no futuro, comparações com os EUA trazem pouco consolo. Sob Truss, certa vez apelidada de “granada humana” em razão de sua obstinação ideológica, a direita libertária detonou a economia britânica. O custo, para todos exceto os mais ricos, poderá ser incalculável./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Sam Bright (@WritesBright) é editor de investigações do Byline Times e autor de “Fortress London: Why We Need to Save the Country From Its Capital”.

LONDRES — Erguidas em meio ao labirinto de vias que flanqueiam o Palácio de Westminster, as casas de tijolos vermelhos da Rua Tufton são anônimas, nenhum logotipo corporativo tenta capturar a curiosidade dos passantes. De fato, a rua em si é normalmente desértica. Mas essa fachada adormecida esconde um turbilhão de atividade. Ao longo da década passada, ou mais, a Rua Tufton tem sido o principal centro de comando de grupos libertários de lobby, uma oficina ideológica em prol do livre mercado clausurada discretamente no coração do poder.

No mês passado, eles saíram das sombras. O “miniorçamento” apresentado em 23 de setembro por Kwasi Kwarteng, ministro das finanças britânico e aliado crucial da primeira-ministra Liz Truss, tem a agradecer à Rua Tufton. Alegando que “impostos mais altos sobre o capital e o trabalho baixaram retornos de investimentos e trabalho, reduziram incentivos econômicos e atravancaram o crescimento”, Kwarteng marretou o consenso econômico anunciando bilhões em cortes de impostos, concentrados particularmente nos mais ricos.

O plano apavorou os mercados financeiros, derrubou a libra e forçou o Banco da Inglaterra a intervir para impedir uma fuga nos fundos de pensão do Reino Unido. Foi, em termos econômicos e políticos, um desastre — o que foi tornado claro pelo governo na segunda-feira, em uma tentativa de mitigar o dano retirando um corte de impostos dos mais ricos. Mas o pacote foi mais do que um desvario. Foi a consumação de planos projetados na Rua Tufton e em aliança com Truss há anos. Sob seu governo, o Reino Unido se tornou um laboratório libertário.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Esses planos são, de maneira geral, muito simples. Os grupos libertários com base na Rua Tufton — segundo a contagem mais recente, havia seis deles (com outros dois nas proximidades) — operam como um nexo coordenado entre estrategistas políticos e comentaristas na mídia. Nas palavras de Shahmir Sanni, que trabalhou na campanha Vote Leave, pró-Brexit, no referendo de 2016, originalmente com base no Número 55 da Rua Tufton, eles possuem um instinto básico: “de que qualquer coisa financiada pelo Estado é errada”. Diminuir o Estado, cortar impostos e conduzir empresas privadas ao campo público são os princípios-guia.

Em Truss, eles encontraram uma amiga. Depois de uma juvenil aventura com os liberal-democratas, a crença da nova primeira-ministra na política libertária de Estado pequeno tem sido um sustentáculo de sua carreira política. Em 2011, apenas um ano após ser eleita para o Parlamento, ela criou o “Grupo da Livre Empresa” com legisladores conservadores desimportantes, “para renovar o argumento por mercados genuinamente livres e pela livre empresa”. Como secretária do meio ambiente, ela abraçou a austeridade, insistindo que cortes de financiamento para sua pasta eram “uma grande oportunidade”.

Nomeada chefe de comércio internacional, Truss aproveitou a oportunidade para equipar sua operação com libertários. Em outubro de 2020, apenas dois meses antes do início da nova vida do Reino Unido fora da União Europeia, Truss nomeou várias figuras pró-Brexit e livre mercado em organismos consultivos de seu departamento.

Entre os nomeados estava Mark Littlewood, diretor do Instituto para Assuntos Econômicos; Matt Kilcoyne, naquela época vice-diretor do Instituto Adam Smith; e Robert Colville, que dirige o Centro para Estudos de Políticas. Daniel Hannan, um dos principais arquitetos do Brexit, fora nomeado conselheiro comercial um mês antes. Seu instituto de pesquisa, Iniciativa para o Livre Comércio, tinha anteriormente como base o Número 57 da Rua Tufton.

Esse batalhão de pensadores do livre mercado foi agora recepcionado no Número 10 da Rua Downing. Cinco dos conselheiros mais próximos da primeira-ministra se graduaram na Rua Tufton, e pelo menos nove pupilos da Rua Tufton estão espalhados por outros importantes departamentos do governo. De maneira reveladora, Littlewood afirma que Truss discursou em eventos de seu instituto de pesquisa mais do que “qualquer outro político ao longo dos últimos 12 anos”.

A pegada política deixada por esses grupos, cujas baias se alinharam orgulhosamente na conferência anual do Partido Conservador, nesta semana, podem ser relativamente fáceis de rastrear. Mas a maneira que eles operam não é tão clara.

Notoriamente opacos em relação às suas fontes de financiamento, algo que eles defendem enquanto direito à privacidade dos doadores, repórteres investigativos descobriram que eles mantêm vínculos financeiros com gigantes petroleiras, como BP e Exxon Mobil, grandes fabricantes de cigarros e grupos libertários dos Estados Unidos. Mas o quadro retratado é apenas parcial. Simplesmente não sabemos quem banca esses grupos que ocupam atualmente o cerne do governo britânico.

Trata-se de um problema, porque o poder que eles exercem sobre a democracia britânica — em seu apogeu sob Truss, pode-se argumentar — é considerável. Primeiramente e acima de tudo, eles são operadores significativos nos círculos conservadores: O Centro para Estudos de Políticas, por exemplo, alega ter sido “responsável por desenvolver a maior parte da agenda política que ficou conhecida como thatcherismo”.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, e o ministro das Finaças Kwasi Kwarteng  Foto: Toby Melville/Reuters

Dado que a própria Margaret Thatcher cofundou o instituto, não se trata de uma jactância ao léu. Nas décadas que transcorreram desde então, grupos como este se multiplicaram conforme a rede da Rua Tufton evoluiu de um fórum pseudoacadêmico para um orquestrado equipamento de lobby cuja influência se estende para muito além do Partido Conservador.

Porta-vozes dessas organizações são familiares até para consumidores causais de informações sobre a política britânica, tamanha sua onipresença na TV nos últimos anos. É comum que algum representante desses grupos apareça nos principais programas de notícias, apresentados eufemisticamente como especialistas imparciais.

Existem paralelos marcantes com os EUA, onde — conforme descreve Jane Mayer em “Dark Money” — bilionários libertários financiam uma linha de montagem de políticas anti-impostos e antirregulações difundidas resolutamente pelos meios de comunicação. Estabelecer parâmetros do debate político, enviesando para a direita percepções sobre o Estado e a economia, tem sido uma estratégia excepcionalmente bem-sucedida.

Para os britânicos, com as contas em alta, os salários reais em queda e o Estado de bem-estar social provavelmente tolhido no futuro, comparações com os EUA trazem pouco consolo. Sob Truss, certa vez apelidada de “granada humana” em razão de sua obstinação ideológica, a direita libertária detonou a economia britânica. O custo, para todos exceto os mais ricos, poderá ser incalculável./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Sam Bright (@WritesBright) é editor de investigações do Byline Times e autor de “Fortress London: Why We Need to Save the Country From Its Capital”.

LONDRES — Erguidas em meio ao labirinto de vias que flanqueiam o Palácio de Westminster, as casas de tijolos vermelhos da Rua Tufton são anônimas, nenhum logotipo corporativo tenta capturar a curiosidade dos passantes. De fato, a rua em si é normalmente desértica. Mas essa fachada adormecida esconde um turbilhão de atividade. Ao longo da década passada, ou mais, a Rua Tufton tem sido o principal centro de comando de grupos libertários de lobby, uma oficina ideológica em prol do livre mercado clausurada discretamente no coração do poder.

No mês passado, eles saíram das sombras. O “miniorçamento” apresentado em 23 de setembro por Kwasi Kwarteng, ministro das finanças britânico e aliado crucial da primeira-ministra Liz Truss, tem a agradecer à Rua Tufton. Alegando que “impostos mais altos sobre o capital e o trabalho baixaram retornos de investimentos e trabalho, reduziram incentivos econômicos e atravancaram o crescimento”, Kwarteng marretou o consenso econômico anunciando bilhões em cortes de impostos, concentrados particularmente nos mais ricos.

O plano apavorou os mercados financeiros, derrubou a libra e forçou o Banco da Inglaterra a intervir para impedir uma fuga nos fundos de pensão do Reino Unido. Foi, em termos econômicos e políticos, um desastre — o que foi tornado claro pelo governo na segunda-feira, em uma tentativa de mitigar o dano retirando um corte de impostos dos mais ricos. Mas o pacote foi mais do que um desvario. Foi a consumação de planos projetados na Rua Tufton e em aliança com Truss há anos. Sob seu governo, o Reino Unido se tornou um laboratório libertário.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Esses planos são, de maneira geral, muito simples. Os grupos libertários com base na Rua Tufton — segundo a contagem mais recente, havia seis deles (com outros dois nas proximidades) — operam como um nexo coordenado entre estrategistas políticos e comentaristas na mídia. Nas palavras de Shahmir Sanni, que trabalhou na campanha Vote Leave, pró-Brexit, no referendo de 2016, originalmente com base no Número 55 da Rua Tufton, eles possuem um instinto básico: “de que qualquer coisa financiada pelo Estado é errada”. Diminuir o Estado, cortar impostos e conduzir empresas privadas ao campo público são os princípios-guia.

Em Truss, eles encontraram uma amiga. Depois de uma juvenil aventura com os liberal-democratas, a crença da nova primeira-ministra na política libertária de Estado pequeno tem sido um sustentáculo de sua carreira política. Em 2011, apenas um ano após ser eleita para o Parlamento, ela criou o “Grupo da Livre Empresa” com legisladores conservadores desimportantes, “para renovar o argumento por mercados genuinamente livres e pela livre empresa”. Como secretária do meio ambiente, ela abraçou a austeridade, insistindo que cortes de financiamento para sua pasta eram “uma grande oportunidade”.

Nomeada chefe de comércio internacional, Truss aproveitou a oportunidade para equipar sua operação com libertários. Em outubro de 2020, apenas dois meses antes do início da nova vida do Reino Unido fora da União Europeia, Truss nomeou várias figuras pró-Brexit e livre mercado em organismos consultivos de seu departamento.

Entre os nomeados estava Mark Littlewood, diretor do Instituto para Assuntos Econômicos; Matt Kilcoyne, naquela época vice-diretor do Instituto Adam Smith; e Robert Colville, que dirige o Centro para Estudos de Políticas. Daniel Hannan, um dos principais arquitetos do Brexit, fora nomeado conselheiro comercial um mês antes. Seu instituto de pesquisa, Iniciativa para o Livre Comércio, tinha anteriormente como base o Número 57 da Rua Tufton.

Esse batalhão de pensadores do livre mercado foi agora recepcionado no Número 10 da Rua Downing. Cinco dos conselheiros mais próximos da primeira-ministra se graduaram na Rua Tufton, e pelo menos nove pupilos da Rua Tufton estão espalhados por outros importantes departamentos do governo. De maneira reveladora, Littlewood afirma que Truss discursou em eventos de seu instituto de pesquisa mais do que “qualquer outro político ao longo dos últimos 12 anos”.

A pegada política deixada por esses grupos, cujas baias se alinharam orgulhosamente na conferência anual do Partido Conservador, nesta semana, podem ser relativamente fáceis de rastrear. Mas a maneira que eles operam não é tão clara.

Notoriamente opacos em relação às suas fontes de financiamento, algo que eles defendem enquanto direito à privacidade dos doadores, repórteres investigativos descobriram que eles mantêm vínculos financeiros com gigantes petroleiras, como BP e Exxon Mobil, grandes fabricantes de cigarros e grupos libertários dos Estados Unidos. Mas o quadro retratado é apenas parcial. Simplesmente não sabemos quem banca esses grupos que ocupam atualmente o cerne do governo britânico.

Trata-se de um problema, porque o poder que eles exercem sobre a democracia britânica — em seu apogeu sob Truss, pode-se argumentar — é considerável. Primeiramente e acima de tudo, eles são operadores significativos nos círculos conservadores: O Centro para Estudos de Políticas, por exemplo, alega ter sido “responsável por desenvolver a maior parte da agenda política que ficou conhecida como thatcherismo”.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, e o ministro das Finaças Kwasi Kwarteng  Foto: Toby Melville/Reuters

Dado que a própria Margaret Thatcher cofundou o instituto, não se trata de uma jactância ao léu. Nas décadas que transcorreram desde então, grupos como este se multiplicaram conforme a rede da Rua Tufton evoluiu de um fórum pseudoacadêmico para um orquestrado equipamento de lobby cuja influência se estende para muito além do Partido Conservador.

Porta-vozes dessas organizações são familiares até para consumidores causais de informações sobre a política britânica, tamanha sua onipresença na TV nos últimos anos. É comum que algum representante desses grupos apareça nos principais programas de notícias, apresentados eufemisticamente como especialistas imparciais.

Existem paralelos marcantes com os EUA, onde — conforme descreve Jane Mayer em “Dark Money” — bilionários libertários financiam uma linha de montagem de políticas anti-impostos e antirregulações difundidas resolutamente pelos meios de comunicação. Estabelecer parâmetros do debate político, enviesando para a direita percepções sobre o Estado e a economia, tem sido uma estratégia excepcionalmente bem-sucedida.

Para os britânicos, com as contas em alta, os salários reais em queda e o Estado de bem-estar social provavelmente tolhido no futuro, comparações com os EUA trazem pouco consolo. Sob Truss, certa vez apelidada de “granada humana” em razão de sua obstinação ideológica, a direita libertária detonou a economia britânica. O custo, para todos exceto os mais ricos, poderá ser incalculável./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Sam Bright (@WritesBright) é editor de investigações do Byline Times e autor de “Fortress London: Why We Need to Save the Country From Its Capital”.

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