Em meio à onda de choque provocada na sexta-feira pelo resultado do referendo que levará o Reino Unido a deixar a União Europeia, uma declaração política em Bruxelas passou quase despercebida. “Não será um divórcio amigável”, afirmou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. A mensagem revela as bases da estratégia para impedir o desmoronamento do bloco, que agora terá 27 países: sair custa caro.
Por mais que tenha causado surpresa, o resultado do referendo britânico não pegou a União Europeia desprevenida. Um plano de contingência vinha sendo preparado havia meses para impedir que a vitória do Brexit - que aconteceu por 51,9% contra 48,1% - resultasse em uma epidemia de referendos ou na implosão pura e simples do bloco.
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O primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou nesta sexta-feira que deixará o cargo em outubro. A notícia veio após a confirmação de que a maioria dos eleitores do Reino Unido decidiu deixar a União Europeia, contrariando os apelos do premiê.
A estratégia é usar o Reino Unido como exemplo para os demais membros, demonstrando os efeitos práticos para uma economia que, de súbito, perde o acesso ao Espaço Econômico Europeu (EEE), mercado livre mais rico do mundo, que será formado por 440 milhões de pessoas após o Brexit.
De acordo com o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que estabelece as condições de saída da União Europeia, as negociações para o divórcio poderiam se prolongar por até cinco anos, período no qual o Reino Unido continuaria a desfrutar do mercado único. Mas, em Bruxelas, Paris e Berlim, líderes políticos pregam uma saída acelerada.
“Os britânicos decidiram que querem deixar a UE. Não faz nenhum sentido esperar até o mês de outubro para tentar negociar as condições dessa saída”, afirmou Juncker, ironizando o desamor britânico: “Não é um divórcio amigável, mas não será um caso passional”.
Rigor. Em reunião do Conselho de Ministros, realizada na tarde de sexta-feira, no Palácio do Eliseu, em Paris, o presidente da França, François Hollande, orientou seus ministros a buscarem um consenso com a Alemanha, de Angela Merkel, para que não haja “rigor absoluto” com os britânicos, mas também não haja facilidades excessivas.
Uma das hipóteses descartadas, por exemplo, é que o Reino Unido participe do mercado comum sem pagar a dotação devida ao orçamento da União Europeia - um valor que chegaria a 80% da atual contribuição, de € 11,3 bilhões, a quarta maior do bloco, atrás de Alemanha, França e Itália.
Além de temas econômicos, há consequências sociais práticas que deverão ser estudadas nos próximos meses, como o futuro de 1,3 milhão de expatriados britânicos em países da União Europeia - há 319 mil na Espanha, 249 mil na Irlanda e 171 mil na França. Temas como vistos, segurança social, planos de saúde, autorizações de trabalho estão em aberto e terão de ser debatidos.
O objetivo do “divórcio litigioso” defendido por Bruxelas é desarmar a expectativa que grupos extremistas e eurocéticos em países como Holanda, Hungria ou Dinamarca possam ter em relação à realização de novos referendos.
Para Simon Usherwood, cientista político especializado em euroceticismo da Universidade de Surrey, no Reino Unido, parte da pressa dos europeus em encerrar o capítulo do Brexit tem a ver com a necessidade de enfrentar seus problemas internos, reformar-se e combater a perspectiva de um efeito dominó no bloco.
“Os líderes europeus desejam encontrar uma solução rápida para a decisão do Reino Unido, em especial porque eles têm problemas suficientes, que poderiam inclusive causar vantagens para o lado britânico”, estima.
Além disso, de acordo com Sara Hagemann, professora do Instituto Europeu da London School of Economics and Political Sciences (LSE), é preciso desarmar o discurso crítico à União Europeia feito pelos partidos de extrema direita - como a Frente Nacional, de Marine Le Pen -, que em 2017 disputarão eleições gerais na França e na Alemanha. “O resultado do referendo pode obrigar os líderes da UE a se unir e a reagir com uma mensagem forte de que o bloco precisa avançar”, disse Sara.