SEUL - O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, revogou a lei marcial que havia decretado. O recuo, na manhã desta quarta-feira, 4, pelo horário local, foi anunciado após a derrota em sessão de emergência na Assembleia Nacional, marcada pelo cerco das tropas, e pela pressão dos manifestantes, que agora pedem a renúncia de Yoon.
O presidente voltou a acusar a oposição de tentar paralisar o governo ao suspender a lei marcial, sem comentar sobre o seu futuro político. Do outro lado, os opositores na Assembleia Nacional exigem que ele renuncie depois do que chamaram de “golpe fracassado”.
Suk-yeol declarou lei marcial na terça-feira, 3, acusando a oposição de tentar derrubar a democracia e se alinhar aos interesses da Coreia do Norte ao não aprovar sua lei orçamentária para o próximo ano e por votar o impeachment de membros de seu gabinete. A oposição então convocou a reunião de emergência para votar a derrubada do decreto, aprovada por unanimidade.
Legisladores precisaram passar pela barricada montada por policiais e soldados, que isolavam a Câmara para se reunir. Alguns, entraram pelas janelas no esforço para revogar o decreto, de acordo com a mídia sul-coreana. Depois da votação, as tropas deixaram o prédio da Assembleia Nacional.
O líder do partido do presidente na Assembleia Nacional, Choo Kyung-ho, disse que não foi informado das intenções de Yoon Suk-yeol e ficou sabendo da lei marcial por meio das notícias. Ele afirmou ainda que integrantes do próprio partido foram impedidos de entrar no Parlamento para votar contra o decreto.
Esta foi a primeira vez que um presidente sul-coreano declarou lei marcial desde o fim da ditadura militar no país, no final da década de 1980. O decreto, que entrou em vigor às 23h locais (11h de Brasília), restringia atividades políticas, incluindo da Assembleia Nacional e de partidos; disseminação de “notícias falsas”; proibia manifestações e controla as publicações da imprensa.
Em resposta, manifestantes se reuniram do lado de fora da Assembleia Nacional e foram repelidos pela polícia quando tentaram entrar aos gritos de “Abram a porta”. Os protestos seguiram pela madrugada (horário local), mesmo depois que o Parlamento votou para derrubar a lei marcial, pedindo pela renúncia e até pela prisão de Yoon Suk-yeol.
A maior organização sindical do país convocou uma “greve geral por tempo indeterminado” até que o presidente renuncie, classificando a medida como “irracional e antidemocrática”.
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O corretor de imóveis Jang Kyung-jin, 60, disse que saiu de casa, ao norte de Seul, para se juntar às manifestações logo após ouvir o pronunciamento de Yoon Suk-yeol. “O presidente exerceu seu poder pela força, e seu povo saiu para protestar contra isso”, disse. “Temos de tirá-lo do poder a partir de agora. Ele está em uma posição em que precisa se retirar.”
“No início, achei que ele estava brincando, mas ele estava falando sério: Yoon Suk Yeol realmente declarou a lei marcial”, disse a manifestante Yun Gi-dang, 60. Ela lembra que a sua geração passou a juventude lutando pela redemocratização do país e sentiu o decreto como uma volta no tempo.
O decreto
Em um discurso transmitido nacionalmente na terça-feira à noite (horário local, fim da manhã em Brasília), Yoon denunciou a oposição por usar repetidamente sua maioria na Assembleia Nacional para tentar derrubar via impeachment vários membros de seu gabinete e bloquear a aprovação dos planos orçamentários de seu governo. Ele também acusou a oposição de simpatizar com a Coreia do Norte em suas tentativas de bloquear sua administração.
“Estou declarando lei marcial para proteger uma Coreia do Sul livre das forças comunistas norte-coreanas, eliminar as forças descaradas pró-norte-coreanas e anti-Estado que atacam a liberdade e a felicidade do nosso povo, e proteger a ordem constitucional livre”, disse ele. “Eu reconstruirei e protegerei a Coreia do Sul da ruína e do desespero por meio da lei marcial.”
“A Assembleia Nacional, que deveria ter sido a fundação da democracia livre, tornou-se um monstro que a destrói”, continuou o líder sul-coreano.
Com a lei, o general do Exército Park An-soo, que foi nomeado comandante da lei marcial, proibiu todas as atividades políticas. “Todas as mídias e publicações estão sob o controle do comando da lei marcial”, disse o general. Aqueles que violarem a lei podem ser presos sem um mandado judicial, disse.
A lei decretada possui seis ordens, com supostas violações resultando em prisão, detenção e busca ou apreensão sem mandado. O que a lei marcial restringe:
- Todas as atividades políticas — incluindo as do legislativo e da Assembleia Nacional — estão proibidas;
- Qualquer ato que “tente derrubar o sistema democrático liberal é proibido”. “Notícias falsas, manipulação da opinião pública e propaganda enganosa” também são proibidas;
- A mídia está “sob controle da lei marcial”;
- Greves, paralisações de trabalho e protestos que “incitem agitação social” são proibidos;
- Trabalhadores médicos em greve têm 48 horas para retornar ao trabalho ou serão punidos;
- A lei também afirma, vagamente, que “serão tomadas medidas para minimizar os inconvenientes na vida diária dos bons cidadãos, excluindo forças anti-estatais e outras forças que buscam derrubar o sistema”.
Embates com o Parlamento
Yoon, que foi eleito presidente em 2022, está em um impasse político quase constante com a oposição, que controla o Parlamento. Seus índices de popularidade também estão em queda. Seu partido conservador Partido do Poder Popular tem estado preso em um impasse com o Partido Democrata, de oposição liberal, sobre o projeto de lei orçamentária do ano que vem. Ele também tem rejeitado pedidos por investigações independentes sobre escândalos envolvendo sua esposa e altos funcionários, atraindo rápidas e fortes repreensões de seus rivais políticos.
O Partido Democrata convocou uma reunião de emergência de seus legisladores após o anúncio de Yoon.
Em uma transmissão ao vivo, Lee Jae-myung, o líder da oposição sul-coreana, pediu aos cidadãos que se reunissem na Assembleia Nacional enquanto ele próprio estava a caminho. “Não há razão para declarar lei marcial. Não podemos deixar os militares governarem este país”, disse ele. “O presidente Yoon Seok-yeol traiu o povo. A declaração ilegal de lei marcial de emergência do presidente Yoon é nula e sem efeito. A partir deste momento, o Yoon não é mais o presidente da Coreia do Sul.”
O líder do partido do presidente, Han Dong-hoon, também criticou o movimento, chamando a decisão de erro e prometendo “pará-la com o povo”.
A Constituição da Coreia do Sul afirma que o presidente pode proclamar a lei marcial quando “necessário para lidar com uma necessidade militar ou para manter a segurança e a ordem públicas por meio da mobilização de forças militares em tempos de guerra, conflito armado ou emergência nacional semelhante”.
Reações
O ex-presidente Moon Jae-in, que assumiu o cargo após o impeachment da presidente conservadora Park Geun-hye, postou no X: “A democracia na República da Coreia está em um estado crítico. Espero que a Assembleia Nacional intervenha rapidamente e proteja a democracia em colapso. Também peço aos cidadãos que se unam para proteger e reviver a democracia.”
Governos estrangeiros começaram a reagir à declaração da lei marcial. O Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca emitiu uma declaração, usando as iniciais do nome formal da Coreia do Sul, a República da Coreia: “A administração está em contato com o governo da ROK e está monitorando a situação de perto.” A Coreia do Sul é um dos aliados mais próximos dos Estados Unidos, que tem quase 30.000 tropas no país.
O vice-secretário de Estados dos EUA disse que acompanha a crise na Coreia do Sul com “grave preocupação” e que o presidente Joe Biden, que visita a Angola no momento, foi informado da situação. “Temos toda a esperança e expectativa de que quaisquer disputas políticas sejam resolvidas pacificamente e de acordo com o Estado de direito”, disse.
A Embaixada Chinesa na Coreia disse aos cidadãos chineses no país para permanecerem calmos e prestarem atenção às mudanças políticas. Pediu que eles “fortalecessem a conscientização sobre segurança, reduzissem saídas desnecessárias, expressassem opiniões políticas com cautela e obedecessem aos decretos oficiais emitidos pela Coreia”.
A Embaixada da Irlanda na Coreia do Sul disse que estava “monitorando a situação em andamento” e pediu aos cidadãos irlandeses para “seguirem as instruções das autoridades coreanas” e “evitar quaisquer manifestações públicas neste momento”./AP, NYT e W.POST