Entenda o que é a acusação de genocídio contra Israel e a Corte Internacional de Justiça


Ação foi movida pela África do Sul, que busca uma decisão provisória para que Tel-Aviv cesse bombardeios em caso enquanto corre o julgamento, que deve se arrastar por anos

Por Jéssica Petrovna
Atualização:

Acusado de genocídio em uma ação movida pela África do Sul, o Estado de Israel enfrenta a partir desta quinta-feira, 11, o processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) que poderá ter, em breve, repercussões políticas sobre a guerra em Gaza. A ação sul-africana busca uma medida provisória para que Israel “cesse imediatamente os ataques militares”, enquanto corre o julgamento que tende a se arrastar por anos. O Brasil anunciou apoio à ação movida contra Israel, junto de outros países do chamado Sul Global.

A Corte foi criada junto com a ONU, em 1945, e é tida como corpo judicial das Nações Unidas. Trata-se de uma instituição independente, que interpreta o direito internacional e arbitra os contenciosos entre países. Por ser sediada em Haia, na Holanda, é confundida com frequência com o Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido também como Tribunal de Haia. Esse último, no entanto, tem atribuição de processar pessoas e não Estados.

As audiências que ocorrem entre hoje e amanhã vão opor a África do Sul a Israel. No primeiro momento, o que está em discussão é o pedido por uma ordem emergencial para que Tel-Aviv interrompa os ataques que, segundo as alegações de Pretória, violam a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948.

continua após a publicidade
Sede da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda. Foto: AP / Peter Dejong

Não há prazo para o veredito, mas a expectativa é que uma decisão temporária seja anunciada em breve. “A ação da África do Sul abre um debate e aumenta a pressão internacional sobre o que acontece na Faixa de Gaza”, aponta o professor da faculdade de Direito da USP Wagner Menezes, que coordena o Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais. “Então a Corte pode se apressar e adotar rapidamente uma decisão preliminar, sem antecipar o juízo de valor sobre o cometimento ou não do crime de genocídio”, acrescenta.

A importância do tribunal e suas limitações

continua após a publicidade

Os países tem, em tese, a obrigação de acatar determinações da Corte Internacional de Justiça. Apesar disso, em inúmeras ocasiões, essas determinações foram ignoradas por diversos países, entre eles Israel e a própria África do Sul. Segundo analistas em direito internacional ouvidos pelo Estadão, isso acontece porque, diferente do que acontece com a Justiça comum, a Corte Internacional não dispõe de mecanismos coercitivos ou de punição.

“O próprio direito tem as suas limitações”, lembra Wagner Menezes. “Não é porque existe, por exemplo, a proibição de matar que as pessoas deixam de matar. Nesses casos, é claro, existem os processos de sanção, que não tem no direito internacional. A Corte Internacional de Justiça recai, essencialmente, sobre a consciência civilizatória dos Estados na obrigatoriedade de cumprir”, explica.

continua após a publicidade

Sem mecanismos próprios para fiscalizar a execução de suas ordens, a Corte Internacional de Justiça pode recorrer ao Conselho de Segurança da ONU para impor a punição. Essa alternativa, no entanto, tem as suas próprias limitações. No caso de Israel, aliado dos Estados Unidos, dificilmente uma resolução desse tipo seria aprovada e a chance um veto americano é alta.

“É no Conselho de Segurança das Nações Unidos que nós encontramos um grande problema”, afirma a pesquisadora da FGV-SP e ex-Juíza do Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Além dos Estados Unidos, os outros quatro vencedores da 2ª Guerra tem direito a veto: China, França, Reino Unido e Rússia. “É esse poder de veto que tem impedido o Conselho de fazer cumprir obrigatoriamente as decisões da Corte Internacional quando os Estados não o fazem espontaneamente”, destaca.

Isso acontece porque qualquer um dos membros permanentes pode barrar, sozinho, resoluções que vão de encontro aos interesses próprios ou de parceiros. Foi o que se viu, mais recentemente, nas tentativas frustradas de aprovar um pedido do Conselho de Segurança por cessar-fogo em Gaza, vetadas pelos Estados Unidos, principal aliado israelense.

continua após a publicidade

Apesar disso, ainda que tenha os seus problemas, a CIJ é considerada fundamental. “A Corte Internacional de Justiça tem justamente a função de resolver conflitos entre Estados sem que seja necessário o uso da força”, observa Sylvia Steiner. “Sem esse sistema, voltaria a prevalecer, como no passado, a lei do mais forte em que todas as disputas seriam resolvidas pelo uso recente”, completa.

“A Corte Internacional de Justiça tem uma função civilizadora”, corrobora Wagner Menezes. “Encontra respaldo na concepção de avanço civilizacional da humanidade e, principalmente, diante do quadro de agravamento de conflitos internacionais, é fundamental à medida em que os Estados têm uma instituição independente para resolver controvérsias”.

O crime de genocídio

continua após a publicidade

O termo “genocídio” foi usado pela primeira vez para descrever o assassinato em massa de judeus durante o holocausto. O crime corresponde a ações intencionais, destinados à destruição, total ou parcial, de um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso.

A África do Sul, que tem uma posição de defesa dos palestinos, destaca na peça de 84 páginas o elevado número vítimas civis, em especial crianças, e o deslocamento forçado de palestinos na Faixa de Gaza ao acusar Israel de genocídio. Segundo a alegação, a “intenção genocida” seria reforçada por declarações de integrantes do alto escalão do governo, inclusive o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, 16 de dezembro de 2023. Foto: AP / Ariel Schalit
continua após a publicidade

“Em 15 de outubro de 2023, quando os ataques aéreos israelenses já haviam causado a morte de mais de 2.670 palestinos, incluindo 724 crianças, o Primeiro Ministro afirmou que os soldados israelenses “compreendem a amplitude da missão” e estão prontos “para derrotar os monstros sedentos de sangue que se levantaram contra [Israel] para nos destruir”, afirma o documento protocolado no final de dezembro.

Com base na análise das alegações do processo, Sylvia Steiner, diz enxergar com preocupação o que parece ser um “processo que de desumanização daquele que é considerado inimigo”.

Israel não revelou antes das audiências qual seria o teor da argumentação jurídica, mas negou categoricamente as alegações sul-africanas. “Não há nada mais atroz e absurdo do que esta afirmação”, contestou o presidente Isaac Herzog. “Na verdade, os nossos inimigos, o Hamas, na sua carta, apelam à destruição e aniquilação do Estado de Israel, o único Estado-nação do povo judeu”, completou.

Um julgamento como esse tende a se arrastar por cinco a dez anos, em média.

O funcionamento do tribunal

A Corte Internacional de Justiça é formada por 15 juízes. Eles são eleitos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança em votações fechadas simultâneas. O candidato precisa ter maioria em ambas para chegar a Haia.

Todos os países membros da ONU podem fazer indicações, mas não são indicações de governo e sim dos seus representantes no Tribunal Permanente de Arbitragem, também sediado em Haia. Uma vez eleito, deve atuar como juiz independente, não como representante do seu país de origem.

Atualmente, a presidente da corte é juíza americana Joan E. Donoghue e o vice o russo Kirill Gevorgian. No quadro de juízes, há o brasileiro Leonardo Nemer Caldeira Brant. Além de juristas dos seguintes países: Eslováquia, França, Marrocos, Somália, China, Uganda, Índia, Jamaica, Líbano, Japão, Alemanha e Austrália.

Acusado de genocídio em uma ação movida pela África do Sul, o Estado de Israel enfrenta a partir desta quinta-feira, 11, o processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) que poderá ter, em breve, repercussões políticas sobre a guerra em Gaza. A ação sul-africana busca uma medida provisória para que Israel “cesse imediatamente os ataques militares”, enquanto corre o julgamento que tende a se arrastar por anos. O Brasil anunciou apoio à ação movida contra Israel, junto de outros países do chamado Sul Global.

A Corte foi criada junto com a ONU, em 1945, e é tida como corpo judicial das Nações Unidas. Trata-se de uma instituição independente, que interpreta o direito internacional e arbitra os contenciosos entre países. Por ser sediada em Haia, na Holanda, é confundida com frequência com o Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido também como Tribunal de Haia. Esse último, no entanto, tem atribuição de processar pessoas e não Estados.

As audiências que ocorrem entre hoje e amanhã vão opor a África do Sul a Israel. No primeiro momento, o que está em discussão é o pedido por uma ordem emergencial para que Tel-Aviv interrompa os ataques que, segundo as alegações de Pretória, violam a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948.

Sede da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda. Foto: AP / Peter Dejong

Não há prazo para o veredito, mas a expectativa é que uma decisão temporária seja anunciada em breve. “A ação da África do Sul abre um debate e aumenta a pressão internacional sobre o que acontece na Faixa de Gaza”, aponta o professor da faculdade de Direito da USP Wagner Menezes, que coordena o Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais. “Então a Corte pode se apressar e adotar rapidamente uma decisão preliminar, sem antecipar o juízo de valor sobre o cometimento ou não do crime de genocídio”, acrescenta.

A importância do tribunal e suas limitações

Os países tem, em tese, a obrigação de acatar determinações da Corte Internacional de Justiça. Apesar disso, em inúmeras ocasiões, essas determinações foram ignoradas por diversos países, entre eles Israel e a própria África do Sul. Segundo analistas em direito internacional ouvidos pelo Estadão, isso acontece porque, diferente do que acontece com a Justiça comum, a Corte Internacional não dispõe de mecanismos coercitivos ou de punição.

“O próprio direito tem as suas limitações”, lembra Wagner Menezes. “Não é porque existe, por exemplo, a proibição de matar que as pessoas deixam de matar. Nesses casos, é claro, existem os processos de sanção, que não tem no direito internacional. A Corte Internacional de Justiça recai, essencialmente, sobre a consciência civilizatória dos Estados na obrigatoriedade de cumprir”, explica.

Sem mecanismos próprios para fiscalizar a execução de suas ordens, a Corte Internacional de Justiça pode recorrer ao Conselho de Segurança da ONU para impor a punição. Essa alternativa, no entanto, tem as suas próprias limitações. No caso de Israel, aliado dos Estados Unidos, dificilmente uma resolução desse tipo seria aprovada e a chance um veto americano é alta.

“É no Conselho de Segurança das Nações Unidos que nós encontramos um grande problema”, afirma a pesquisadora da FGV-SP e ex-Juíza do Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Além dos Estados Unidos, os outros quatro vencedores da 2ª Guerra tem direito a veto: China, França, Reino Unido e Rússia. “É esse poder de veto que tem impedido o Conselho de fazer cumprir obrigatoriamente as decisões da Corte Internacional quando os Estados não o fazem espontaneamente”, destaca.

Isso acontece porque qualquer um dos membros permanentes pode barrar, sozinho, resoluções que vão de encontro aos interesses próprios ou de parceiros. Foi o que se viu, mais recentemente, nas tentativas frustradas de aprovar um pedido do Conselho de Segurança por cessar-fogo em Gaza, vetadas pelos Estados Unidos, principal aliado israelense.

Apesar disso, ainda que tenha os seus problemas, a CIJ é considerada fundamental. “A Corte Internacional de Justiça tem justamente a função de resolver conflitos entre Estados sem que seja necessário o uso da força”, observa Sylvia Steiner. “Sem esse sistema, voltaria a prevalecer, como no passado, a lei do mais forte em que todas as disputas seriam resolvidas pelo uso recente”, completa.

“A Corte Internacional de Justiça tem uma função civilizadora”, corrobora Wagner Menezes. “Encontra respaldo na concepção de avanço civilizacional da humanidade e, principalmente, diante do quadro de agravamento de conflitos internacionais, é fundamental à medida em que os Estados têm uma instituição independente para resolver controvérsias”.

O crime de genocídio

O termo “genocídio” foi usado pela primeira vez para descrever o assassinato em massa de judeus durante o holocausto. O crime corresponde a ações intencionais, destinados à destruição, total ou parcial, de um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso.

A África do Sul, que tem uma posição de defesa dos palestinos, destaca na peça de 84 páginas o elevado número vítimas civis, em especial crianças, e o deslocamento forçado de palestinos na Faixa de Gaza ao acusar Israel de genocídio. Segundo a alegação, a “intenção genocida” seria reforçada por declarações de integrantes do alto escalão do governo, inclusive o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, 16 de dezembro de 2023. Foto: AP / Ariel Schalit

“Em 15 de outubro de 2023, quando os ataques aéreos israelenses já haviam causado a morte de mais de 2.670 palestinos, incluindo 724 crianças, o Primeiro Ministro afirmou que os soldados israelenses “compreendem a amplitude da missão” e estão prontos “para derrotar os monstros sedentos de sangue que se levantaram contra [Israel] para nos destruir”, afirma o documento protocolado no final de dezembro.

Com base na análise das alegações do processo, Sylvia Steiner, diz enxergar com preocupação o que parece ser um “processo que de desumanização daquele que é considerado inimigo”.

Israel não revelou antes das audiências qual seria o teor da argumentação jurídica, mas negou categoricamente as alegações sul-africanas. “Não há nada mais atroz e absurdo do que esta afirmação”, contestou o presidente Isaac Herzog. “Na verdade, os nossos inimigos, o Hamas, na sua carta, apelam à destruição e aniquilação do Estado de Israel, o único Estado-nação do povo judeu”, completou.

Um julgamento como esse tende a se arrastar por cinco a dez anos, em média.

O funcionamento do tribunal

A Corte Internacional de Justiça é formada por 15 juízes. Eles são eleitos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança em votações fechadas simultâneas. O candidato precisa ter maioria em ambas para chegar a Haia.

Todos os países membros da ONU podem fazer indicações, mas não são indicações de governo e sim dos seus representantes no Tribunal Permanente de Arbitragem, também sediado em Haia. Uma vez eleito, deve atuar como juiz independente, não como representante do seu país de origem.

Atualmente, a presidente da corte é juíza americana Joan E. Donoghue e o vice o russo Kirill Gevorgian. No quadro de juízes, há o brasileiro Leonardo Nemer Caldeira Brant. Além de juristas dos seguintes países: Eslováquia, França, Marrocos, Somália, China, Uganda, Índia, Jamaica, Líbano, Japão, Alemanha e Austrália.

Acusado de genocídio em uma ação movida pela África do Sul, o Estado de Israel enfrenta a partir desta quinta-feira, 11, o processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) que poderá ter, em breve, repercussões políticas sobre a guerra em Gaza. A ação sul-africana busca uma medida provisória para que Israel “cesse imediatamente os ataques militares”, enquanto corre o julgamento que tende a se arrastar por anos. O Brasil anunciou apoio à ação movida contra Israel, junto de outros países do chamado Sul Global.

A Corte foi criada junto com a ONU, em 1945, e é tida como corpo judicial das Nações Unidas. Trata-se de uma instituição independente, que interpreta o direito internacional e arbitra os contenciosos entre países. Por ser sediada em Haia, na Holanda, é confundida com frequência com o Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido também como Tribunal de Haia. Esse último, no entanto, tem atribuição de processar pessoas e não Estados.

As audiências que ocorrem entre hoje e amanhã vão opor a África do Sul a Israel. No primeiro momento, o que está em discussão é o pedido por uma ordem emergencial para que Tel-Aviv interrompa os ataques que, segundo as alegações de Pretória, violam a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948.

Sede da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda. Foto: AP / Peter Dejong

Não há prazo para o veredito, mas a expectativa é que uma decisão temporária seja anunciada em breve. “A ação da África do Sul abre um debate e aumenta a pressão internacional sobre o que acontece na Faixa de Gaza”, aponta o professor da faculdade de Direito da USP Wagner Menezes, que coordena o Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais. “Então a Corte pode se apressar e adotar rapidamente uma decisão preliminar, sem antecipar o juízo de valor sobre o cometimento ou não do crime de genocídio”, acrescenta.

A importância do tribunal e suas limitações

Os países tem, em tese, a obrigação de acatar determinações da Corte Internacional de Justiça. Apesar disso, em inúmeras ocasiões, essas determinações foram ignoradas por diversos países, entre eles Israel e a própria África do Sul. Segundo analistas em direito internacional ouvidos pelo Estadão, isso acontece porque, diferente do que acontece com a Justiça comum, a Corte Internacional não dispõe de mecanismos coercitivos ou de punição.

“O próprio direito tem as suas limitações”, lembra Wagner Menezes. “Não é porque existe, por exemplo, a proibição de matar que as pessoas deixam de matar. Nesses casos, é claro, existem os processos de sanção, que não tem no direito internacional. A Corte Internacional de Justiça recai, essencialmente, sobre a consciência civilizatória dos Estados na obrigatoriedade de cumprir”, explica.

Sem mecanismos próprios para fiscalizar a execução de suas ordens, a Corte Internacional de Justiça pode recorrer ao Conselho de Segurança da ONU para impor a punição. Essa alternativa, no entanto, tem as suas próprias limitações. No caso de Israel, aliado dos Estados Unidos, dificilmente uma resolução desse tipo seria aprovada e a chance um veto americano é alta.

“É no Conselho de Segurança das Nações Unidos que nós encontramos um grande problema”, afirma a pesquisadora da FGV-SP e ex-Juíza do Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Além dos Estados Unidos, os outros quatro vencedores da 2ª Guerra tem direito a veto: China, França, Reino Unido e Rússia. “É esse poder de veto que tem impedido o Conselho de fazer cumprir obrigatoriamente as decisões da Corte Internacional quando os Estados não o fazem espontaneamente”, destaca.

Isso acontece porque qualquer um dos membros permanentes pode barrar, sozinho, resoluções que vão de encontro aos interesses próprios ou de parceiros. Foi o que se viu, mais recentemente, nas tentativas frustradas de aprovar um pedido do Conselho de Segurança por cessar-fogo em Gaza, vetadas pelos Estados Unidos, principal aliado israelense.

Apesar disso, ainda que tenha os seus problemas, a CIJ é considerada fundamental. “A Corte Internacional de Justiça tem justamente a função de resolver conflitos entre Estados sem que seja necessário o uso da força”, observa Sylvia Steiner. “Sem esse sistema, voltaria a prevalecer, como no passado, a lei do mais forte em que todas as disputas seriam resolvidas pelo uso recente”, completa.

“A Corte Internacional de Justiça tem uma função civilizadora”, corrobora Wagner Menezes. “Encontra respaldo na concepção de avanço civilizacional da humanidade e, principalmente, diante do quadro de agravamento de conflitos internacionais, é fundamental à medida em que os Estados têm uma instituição independente para resolver controvérsias”.

O crime de genocídio

O termo “genocídio” foi usado pela primeira vez para descrever o assassinato em massa de judeus durante o holocausto. O crime corresponde a ações intencionais, destinados à destruição, total ou parcial, de um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso.

A África do Sul, que tem uma posição de defesa dos palestinos, destaca na peça de 84 páginas o elevado número vítimas civis, em especial crianças, e o deslocamento forçado de palestinos na Faixa de Gaza ao acusar Israel de genocídio. Segundo a alegação, a “intenção genocida” seria reforçada por declarações de integrantes do alto escalão do governo, inclusive o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, 16 de dezembro de 2023. Foto: AP / Ariel Schalit

“Em 15 de outubro de 2023, quando os ataques aéreos israelenses já haviam causado a morte de mais de 2.670 palestinos, incluindo 724 crianças, o Primeiro Ministro afirmou que os soldados israelenses “compreendem a amplitude da missão” e estão prontos “para derrotar os monstros sedentos de sangue que se levantaram contra [Israel] para nos destruir”, afirma o documento protocolado no final de dezembro.

Com base na análise das alegações do processo, Sylvia Steiner, diz enxergar com preocupação o que parece ser um “processo que de desumanização daquele que é considerado inimigo”.

Israel não revelou antes das audiências qual seria o teor da argumentação jurídica, mas negou categoricamente as alegações sul-africanas. “Não há nada mais atroz e absurdo do que esta afirmação”, contestou o presidente Isaac Herzog. “Na verdade, os nossos inimigos, o Hamas, na sua carta, apelam à destruição e aniquilação do Estado de Israel, o único Estado-nação do povo judeu”, completou.

Um julgamento como esse tende a se arrastar por cinco a dez anos, em média.

O funcionamento do tribunal

A Corte Internacional de Justiça é formada por 15 juízes. Eles são eleitos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança em votações fechadas simultâneas. O candidato precisa ter maioria em ambas para chegar a Haia.

Todos os países membros da ONU podem fazer indicações, mas não são indicações de governo e sim dos seus representantes no Tribunal Permanente de Arbitragem, também sediado em Haia. Uma vez eleito, deve atuar como juiz independente, não como representante do seu país de origem.

Atualmente, a presidente da corte é juíza americana Joan E. Donoghue e o vice o russo Kirill Gevorgian. No quadro de juízes, há o brasileiro Leonardo Nemer Caldeira Brant. Além de juristas dos seguintes países: Eslováquia, França, Marrocos, Somália, China, Uganda, Índia, Jamaica, Líbano, Japão, Alemanha e Austrália.

Acusado de genocídio em uma ação movida pela África do Sul, o Estado de Israel enfrenta a partir desta quinta-feira, 11, o processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) que poderá ter, em breve, repercussões políticas sobre a guerra em Gaza. A ação sul-africana busca uma medida provisória para que Israel “cesse imediatamente os ataques militares”, enquanto corre o julgamento que tende a se arrastar por anos. O Brasil anunciou apoio à ação movida contra Israel, junto de outros países do chamado Sul Global.

A Corte foi criada junto com a ONU, em 1945, e é tida como corpo judicial das Nações Unidas. Trata-se de uma instituição independente, que interpreta o direito internacional e arbitra os contenciosos entre países. Por ser sediada em Haia, na Holanda, é confundida com frequência com o Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido também como Tribunal de Haia. Esse último, no entanto, tem atribuição de processar pessoas e não Estados.

As audiências que ocorrem entre hoje e amanhã vão opor a África do Sul a Israel. No primeiro momento, o que está em discussão é o pedido por uma ordem emergencial para que Tel-Aviv interrompa os ataques que, segundo as alegações de Pretória, violam a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948.

Sede da Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda. Foto: AP / Peter Dejong

Não há prazo para o veredito, mas a expectativa é que uma decisão temporária seja anunciada em breve. “A ação da África do Sul abre um debate e aumenta a pressão internacional sobre o que acontece na Faixa de Gaza”, aponta o professor da faculdade de Direito da USP Wagner Menezes, que coordena o Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais. “Então a Corte pode se apressar e adotar rapidamente uma decisão preliminar, sem antecipar o juízo de valor sobre o cometimento ou não do crime de genocídio”, acrescenta.

A importância do tribunal e suas limitações

Os países tem, em tese, a obrigação de acatar determinações da Corte Internacional de Justiça. Apesar disso, em inúmeras ocasiões, essas determinações foram ignoradas por diversos países, entre eles Israel e a própria África do Sul. Segundo analistas em direito internacional ouvidos pelo Estadão, isso acontece porque, diferente do que acontece com a Justiça comum, a Corte Internacional não dispõe de mecanismos coercitivos ou de punição.

“O próprio direito tem as suas limitações”, lembra Wagner Menezes. “Não é porque existe, por exemplo, a proibição de matar que as pessoas deixam de matar. Nesses casos, é claro, existem os processos de sanção, que não tem no direito internacional. A Corte Internacional de Justiça recai, essencialmente, sobre a consciência civilizatória dos Estados na obrigatoriedade de cumprir”, explica.

Sem mecanismos próprios para fiscalizar a execução de suas ordens, a Corte Internacional de Justiça pode recorrer ao Conselho de Segurança da ONU para impor a punição. Essa alternativa, no entanto, tem as suas próprias limitações. No caso de Israel, aliado dos Estados Unidos, dificilmente uma resolução desse tipo seria aprovada e a chance um veto americano é alta.

“É no Conselho de Segurança das Nações Unidos que nós encontramos um grande problema”, afirma a pesquisadora da FGV-SP e ex-Juíza do Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Além dos Estados Unidos, os outros quatro vencedores da 2ª Guerra tem direito a veto: China, França, Reino Unido e Rússia. “É esse poder de veto que tem impedido o Conselho de fazer cumprir obrigatoriamente as decisões da Corte Internacional quando os Estados não o fazem espontaneamente”, destaca.

Isso acontece porque qualquer um dos membros permanentes pode barrar, sozinho, resoluções que vão de encontro aos interesses próprios ou de parceiros. Foi o que se viu, mais recentemente, nas tentativas frustradas de aprovar um pedido do Conselho de Segurança por cessar-fogo em Gaza, vetadas pelos Estados Unidos, principal aliado israelense.

Apesar disso, ainda que tenha os seus problemas, a CIJ é considerada fundamental. “A Corte Internacional de Justiça tem justamente a função de resolver conflitos entre Estados sem que seja necessário o uso da força”, observa Sylvia Steiner. “Sem esse sistema, voltaria a prevalecer, como no passado, a lei do mais forte em que todas as disputas seriam resolvidas pelo uso recente”, completa.

“A Corte Internacional de Justiça tem uma função civilizadora”, corrobora Wagner Menezes. “Encontra respaldo na concepção de avanço civilizacional da humanidade e, principalmente, diante do quadro de agravamento de conflitos internacionais, é fundamental à medida em que os Estados têm uma instituição independente para resolver controvérsias”.

O crime de genocídio

O termo “genocídio” foi usado pela primeira vez para descrever o assassinato em massa de judeus durante o holocausto. O crime corresponde a ações intencionais, destinados à destruição, total ou parcial, de um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso.

A África do Sul, que tem uma posição de defesa dos palestinos, destaca na peça de 84 páginas o elevado número vítimas civis, em especial crianças, e o deslocamento forçado de palestinos na Faixa de Gaza ao acusar Israel de genocídio. Segundo a alegação, a “intenção genocida” seria reforçada por declarações de integrantes do alto escalão do governo, inclusive o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, 16 de dezembro de 2023. Foto: AP / Ariel Schalit

“Em 15 de outubro de 2023, quando os ataques aéreos israelenses já haviam causado a morte de mais de 2.670 palestinos, incluindo 724 crianças, o Primeiro Ministro afirmou que os soldados israelenses “compreendem a amplitude da missão” e estão prontos “para derrotar os monstros sedentos de sangue que se levantaram contra [Israel] para nos destruir”, afirma o documento protocolado no final de dezembro.

Com base na análise das alegações do processo, Sylvia Steiner, diz enxergar com preocupação o que parece ser um “processo que de desumanização daquele que é considerado inimigo”.

Israel não revelou antes das audiências qual seria o teor da argumentação jurídica, mas negou categoricamente as alegações sul-africanas. “Não há nada mais atroz e absurdo do que esta afirmação”, contestou o presidente Isaac Herzog. “Na verdade, os nossos inimigos, o Hamas, na sua carta, apelam à destruição e aniquilação do Estado de Israel, o único Estado-nação do povo judeu”, completou.

Um julgamento como esse tende a se arrastar por cinco a dez anos, em média.

O funcionamento do tribunal

A Corte Internacional de Justiça é formada por 15 juízes. Eles são eleitos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança em votações fechadas simultâneas. O candidato precisa ter maioria em ambas para chegar a Haia.

Todos os países membros da ONU podem fazer indicações, mas não são indicações de governo e sim dos seus representantes no Tribunal Permanente de Arbitragem, também sediado em Haia. Uma vez eleito, deve atuar como juiz independente, não como representante do seu país de origem.

Atualmente, a presidente da corte é juíza americana Joan E. Donoghue e o vice o russo Kirill Gevorgian. No quadro de juízes, há o brasileiro Leonardo Nemer Caldeira Brant. Além de juristas dos seguintes países: Eslováquia, França, Marrocos, Somália, China, Uganda, Índia, Jamaica, Líbano, Japão, Alemanha e Austrália.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.