LONDRES - O mundo está enfrentando fome generalizada "de proporções bíblicas" por causa da pandemia do novo coronavírus. É o que alertou o chefe da agência de assistência alimentar da Organização das Nações Unidas (ONU), o Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), David Beasley. Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor executivo do órgão afirmou que há pouco tempo disponível para agira antes que centenas de milhões passem fome.
"Não estamos falando de pessoas que vão dormir com fome. Estamos falando de condições extremas, situação de emergência. Pessoas literalmente marchando à beira da fome. Se não conseguirmos comida para as pessoas, as pessoas vão morrer", disse Beasley ao Guardian.
Um relatório produzido pela ONU, em cooperação com outras organizações, mostra que pelo menos 265 milhões de pessoas estão sendo levadas à beira da fome pela crise do novo coronavírus. O número é o dobro do contabilizado antes da pandemia.
Mais de 30 países em desenvolvimento convivem com fome generalizada. Em 10 desses países já são mais de 1 milhão de pessoas afetadas pela fome, segundo aponta Beasley. "Nenhuma dessas mortes iminentes por fome é inevitável. Se conseguirmos dinheiro e mantivermos as cadeias de suprimentos abertas, poderemos evitar a fome", afirmou. "Podemos parar com isso se agirmos agora."
Na terça-feira, 21, o diretor falou aos membros do Conselho de Segurança da ONU, alertando os líderes mundiais que se faz necessária uma ação rápida para que a situação não se deteriore ainda mais. Ao fim, Beasley pediu o adiantamento de US$ 2 bilhões (aproximadamente de R$ 10 bilhões e 700 mil) em ajudas prometidas para que seja possível chegar à linha de frente.
Ainda de acordo com a organização, são necessários outros US$ 350 milhões (R$ 1 bilhão e 900 milhões) para configurar a rede de logística necessária para levar alimentos e suprimentos médicos - incluindo equipamentos de proteção individual - para onde for necessário.
Fatores da fome
Mesmo antes da crise do novo coronavírus, Beasley apelava aos países doadores para aumentar o financiamento de ajuda alimentar aos mais pobres, porque os conflitos e os desastres naturais estavam pressionando seriamente os sistemas alimentares.
"Eu já estava dizendo que 2020 seria o pior ano desde a Segunda Guerra Mundial, com base no que prevíamos no final do ano passado", disse ele. Além dos fatores previstos, outros imprevistos pioraram o cenário. No início do ano, por exemplo, a África Oriental foi atingida pelos piores enxames de gafanhotos em décadas, colocando em risco 70 milhões de pessoas. A pandemia também foi um fator que não estava no radar.
"Agora, meu Deus, esta é uma tempestade perfeita. Estamos olhando para uma expansão da fome em proporções bíblicas", disse o diretor.
Batalha longa
Segundo à agência, a situação daqui a quatro semanas é impossível de prever. No entanto, o diretor pediu que os países doadores entregassem suas contribuições com urgência e que não implementem proibições de exportação ou outras medidas restritivas que atrasem ou impeçam o fornecimento de alimentos para outros países, o que levaria à escassez.
Além das medidas, contudo, Beasley alertou que uma operação para evitar a ameaça da fome levaria meses, de modo que a resposta não pode ser restrita à fase inicial.
Mas Beasley também alertou que evitar a ameaça de fome levaria meses, portanto, seria necessária assistência muito além da resposta inicial. "Nossa grande preocupação é que superemos (os países desenvolvidos)a crise do covid-19 em três ou quatro meses e os recursos parem de chegar (para o programa)", disse. "Se o dinheiro acabar, as pessoas vão morrer."
No ano passado, o Programa Mundial de Alimentos ajudou cerca de 100 milhões de pessoas em desespero, com um orçamento de cerca de US$ 7,5 bilhões. No entanto, só o dinheiro não será suficiente. É crucial garantir que as cadeias de suprimentos permaneçam abertas diante dos bloqueios e da dificuldade de levar os trabalhadores aos campos para cuidar das plantações se estiverem doentes ou incapazes de viajar com facilidade.
"Se a cadeia de suprimentos quebrar, as pessoas não conseguirão comida - e se não conseguirem comida por tempo suficiente, elas morrerão", disse Beasley./ The Guardian