Crise em Israel escancara alucinação de Washington sobre a democracia no país; leia a análise


Estados Unidos têm dificuldades para lidar com a situação israelense e a retórica tímida do presidente Joe Biden é rebatida por oponentes republicanos, que defendem o governo de extrema direita de Israel

Por Ishaan Tharoor

Na semana passada, os legisladores dos Estados Unidos celebraram Israel na forma do presidente Isaac Herzog, uma figura amplamente cerimonial que iniciou sua carreira política na esquerda israelense. Seu discurso ao Congresso foi recebido com louvações a plenos pulmões de parlamentares de ambos os partidos. Herzog enalteceu os laços “sagrados” entre Israel e EUA, ancorados em seus “valores” comuns e sua “verdadeira amizade”. Posteriormente naquele mesmo dia, a vice-presidente Kamala Harris invocou palavras que políticos americanos têm entoado quase ritualisticamente há anos, insistindo que os EUA têm um “vínculo inquebrável” com Israel e que o comprometimento americano com a segurança israelense é “firme”.

Mas mesmo enquanto Herzog falava em Washington as ruas das grandes cidades israelenses fervilhavam furiosamente em desafio aos controvertidos planos do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de reformar o Judiciário do país. Esses protestos, que têm tomado as ruas há meses, intensificaram-se na segunda-feira após os legisladores israelenses na coalizão de Netanyahu valerem-se de sua mínima margem para aprovar o primeiro artigo de suas reformas, despindo a Suprema Corte do poder de revisar e reverter ações do governo que considere “irrazoáveis”.

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O movimento, aos olhos de seus apoiadores, devolve a autoridade maior do país à legislatura eleita. Mas analistas e críticos, incluindo a oposição israelense e vários governos ocidentais, o percebem como um golpe enorme contra um dos únicos contrapesos reais existentes na democracia de Israel e como um passo nefasto na direção de uma forma de autocracia majoritária. “Os eleitores israelenses certamente têm direito a uma mudança evolucionária, mas as atuais ideias a respeito de reforma judicial são revolucionárias em suas implicações”, observou Jon Alterman, diretor do programa para Oriente Médio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Um Legislativo sem restrições ameaça qualquer democracia tanto quanto um Executivo sem restrições.”

Manifestantes bloqueiam o tráfego em uma rodovia que cruza a cidade de Tel Aviv durante um protesto contra os planos do governo de Netanyahu para reformar o judiciário Foto: Oded Ballity / AP

O momento é tão profundo — e tenso — para a nação israelense que Alterman o classifica como “a terceira encruzilhada” na história do país, seguindo-se à dramática alteração em suas fronteiras após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, e ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Enquanto os aliados extremistas de Netanyahu almejam manobras ainda mais radicais, incluindo a remoção da Procuradoria-Geral, os sindicatos laborais consideram paralisar o país novamente com outra greve geral. Milhares de reservistas das Forças Armadas prometem não se apresentar ao serviço com a aprovação dessa legislação, ausências que deverão surtir consequências graves sobre segurança na defesa de Israel.

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Estados Unidos

Washington, porém, tem tido dificuldades para lidar com o movimento. Na segunda-feira, 24, alguns legisladores democratas atreveram-se a expressar preocupação. A Casa Branca emitiu um comunicado sucinto, sem mencionar Netanyahu, descrevendo a votação como “lamentável” e expressou apoio aos “esforços do presidente Herzog e outros líderes israelenses em sua busca no sentido de construir consenso mais amplo por meio de diálogo político”.

Mas pouco diálogo significativo parece ocorrer. Herzog, saudado por legisladores americanos, parece apenas mais um observador impotente no turbilhão israelense. E a retórica relativamente tímida do presidente Joe Biden tem sido rebatida por oponentes republicanos, que se agarraram ao mastro de um governo israelense de extrema direita que faz pouca questão de esconder seus objetivos de anexar de facto — e talvez até de jure — terras palestinas. Em um fórum de cristãos sionistas nas proximidades de Washington, na semana passada, a pré-candidata republicana à presidência Nikki Haley escarneceu da decisão de Biden de supostamente interferir em “debates internos” de Israel.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o presidente de Israel, Isaac Herzog, na Casa Branca  Foto: Doug Mills / NYT

“Nós precisamos de um líder que respeite não apenas Israel, mas que respeite também o direito do povo israelense de governar a si mesmo”, afirmou Haley, sem aludir de nenhuma maneira para a massa crítica de manifestantes tomando as ruas enquanto continuou a reclamar da “indiferença” que Biden demonstrou em relação a Netanyahu ao se recusar a convidar o primeiro-ministro à Casa Branca nos últimos sete meses.

Na semana passada, os republicanos colocaram foco em censurar declarações favoráveis aos palestinos pronunciadas por uma congressista democrata e forçaram uma resolução simbólica na Câmara afirmando que “o Estado de Israel não é racista nem um regime de apartheid” — o segundo termo adotado por proeminentes organizações internacionais, assim como israelenses, de defesa de direitos humanos como uma descrição acurada a respeito da realidade em campo. A moção também associou críticas ao Estado de Israel a xenofobia e antissemitismo.

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A discussão excessivamente acalorada em Washington sobre Israel restringe em enorme medida qualquer governo que possa querer defender direitos humanos dos palestinos ou posicionar-se contra a erosão da democracia israelense.

“Presidentes americanos não gostam de brigar com premiês israelenses. Isso é desagradável, embaraçoso, perturbador, confuso e implica potencialmente em desgastes políticos, especialmente no momento em que o Partido Republicano emerge como pretenso árbitro do que é certo ou errado sobre Israel”, afirmou o ex-diplomata americano Aaron David Miller, pesquisador sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. E, portanto, acrescentou ele, Biden emite “profusas e importantes sinalizações de virtude” sobre temas como a reforma no Judiciário e expansões nos assentamentos coloniais, mas “sem impor custos ou consequências graves”.

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O atual momento expressa o abismo entre o teatro político em Washington em torno de Israel e o agravamento da situação no país. Enquanto os republicanos repudiam qualquer sugestão de que políticas de Estado israelenses possam ser racistas, Netanyahu e seus aliados com frequência afirmam explicitamente que é justamente isso o que eles perseguem. Considere a maneira que, em maio, o ministro da Justiça israelense, Yariv Levin, argumentou a favor da necessidade de tolher os poderes da Suprema Corte especificamente porque controlar os ministros do tribunal superior auxiliaria o avanço da supremacia judaica em certos contextos.

“Árabes compram apartamentos em comunidades judaicas na Galileia, e isso faz judeus deixarem essas cidades, porque eles não estão dispostos a viver com árabes”, afirmou Levin. “Nós precisamos garantir que a Suprema Corte tenha ministros que entendam isso.”

E enquanto legisladores americanos exaltam constantemente os valores democráticos que compartilham com Israel, alguns de seus homólogos israelenses possuem uma visão bastante específica sobre o que constitui esses valores comuns. Durante uma entrevista na segunda-feira, uma rádio perguntou ao ministro israelense da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, um extremista, se Israel poderia se beneficiar de mecanismos de pesos e contrapesos existentes na Constituição dos EUA — Israel, como meus colegas têm ressaltado, não possui constituição formal.

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“Eu quero pegar as coisas boas dos EUA”, respondeu Ben Gvir. “Eu acho excelente a pena de morte para terroristas. Eu acho excelente distribuir armas para as pessoas defenderem a si mesmas.”

Figuras como Ben Gvir e seu aliado próximo, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, estão conduzindo a política israelense celebrados tacitamente por um grande segmento do sistema político americano. Para muitos israelenses, a situação é vergonhosa. “Nós somos governados hoje por um bando de militantes, nacionalistas, chauvinistas (e) radicais”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert à revista Rolling Stone. “Indivíduos inconsequentes, irresponsáveis e sem nenhuma experiência.”

Olmert acrescentou que se governos americanos tivessem adotado posições mais contundentes contra políticas e agendas de Netanyahu — e colocado na balança a relação especial de Israel com os EUA — poderia ter havido efeitos positivos. “Se algo assim tivesse sido expressado, creio que isso poderia ter surtido um impacto enorme”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Na semana passada, os legisladores dos Estados Unidos celebraram Israel na forma do presidente Isaac Herzog, uma figura amplamente cerimonial que iniciou sua carreira política na esquerda israelense. Seu discurso ao Congresso foi recebido com louvações a plenos pulmões de parlamentares de ambos os partidos. Herzog enalteceu os laços “sagrados” entre Israel e EUA, ancorados em seus “valores” comuns e sua “verdadeira amizade”. Posteriormente naquele mesmo dia, a vice-presidente Kamala Harris invocou palavras que políticos americanos têm entoado quase ritualisticamente há anos, insistindo que os EUA têm um “vínculo inquebrável” com Israel e que o comprometimento americano com a segurança israelense é “firme”.

Mas mesmo enquanto Herzog falava em Washington as ruas das grandes cidades israelenses fervilhavam furiosamente em desafio aos controvertidos planos do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de reformar o Judiciário do país. Esses protestos, que têm tomado as ruas há meses, intensificaram-se na segunda-feira após os legisladores israelenses na coalizão de Netanyahu valerem-se de sua mínima margem para aprovar o primeiro artigo de suas reformas, despindo a Suprema Corte do poder de revisar e reverter ações do governo que considere “irrazoáveis”.

O movimento, aos olhos de seus apoiadores, devolve a autoridade maior do país à legislatura eleita. Mas analistas e críticos, incluindo a oposição israelense e vários governos ocidentais, o percebem como um golpe enorme contra um dos únicos contrapesos reais existentes na democracia de Israel e como um passo nefasto na direção de uma forma de autocracia majoritária. “Os eleitores israelenses certamente têm direito a uma mudança evolucionária, mas as atuais ideias a respeito de reforma judicial são revolucionárias em suas implicações”, observou Jon Alterman, diretor do programa para Oriente Médio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Um Legislativo sem restrições ameaça qualquer democracia tanto quanto um Executivo sem restrições.”

Manifestantes bloqueiam o tráfego em uma rodovia que cruza a cidade de Tel Aviv durante um protesto contra os planos do governo de Netanyahu para reformar o judiciário Foto: Oded Ballity / AP

O momento é tão profundo — e tenso — para a nação israelense que Alterman o classifica como “a terceira encruzilhada” na história do país, seguindo-se à dramática alteração em suas fronteiras após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, e ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Enquanto os aliados extremistas de Netanyahu almejam manobras ainda mais radicais, incluindo a remoção da Procuradoria-Geral, os sindicatos laborais consideram paralisar o país novamente com outra greve geral. Milhares de reservistas das Forças Armadas prometem não se apresentar ao serviço com a aprovação dessa legislação, ausências que deverão surtir consequências graves sobre segurança na defesa de Israel.

Estados Unidos

Washington, porém, tem tido dificuldades para lidar com o movimento. Na segunda-feira, 24, alguns legisladores democratas atreveram-se a expressar preocupação. A Casa Branca emitiu um comunicado sucinto, sem mencionar Netanyahu, descrevendo a votação como “lamentável” e expressou apoio aos “esforços do presidente Herzog e outros líderes israelenses em sua busca no sentido de construir consenso mais amplo por meio de diálogo político”.

Mas pouco diálogo significativo parece ocorrer. Herzog, saudado por legisladores americanos, parece apenas mais um observador impotente no turbilhão israelense. E a retórica relativamente tímida do presidente Joe Biden tem sido rebatida por oponentes republicanos, que se agarraram ao mastro de um governo israelense de extrema direita que faz pouca questão de esconder seus objetivos de anexar de facto — e talvez até de jure — terras palestinas. Em um fórum de cristãos sionistas nas proximidades de Washington, na semana passada, a pré-candidata republicana à presidência Nikki Haley escarneceu da decisão de Biden de supostamente interferir em “debates internos” de Israel.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o presidente de Israel, Isaac Herzog, na Casa Branca  Foto: Doug Mills / NYT

“Nós precisamos de um líder que respeite não apenas Israel, mas que respeite também o direito do povo israelense de governar a si mesmo”, afirmou Haley, sem aludir de nenhuma maneira para a massa crítica de manifestantes tomando as ruas enquanto continuou a reclamar da “indiferença” que Biden demonstrou em relação a Netanyahu ao se recusar a convidar o primeiro-ministro à Casa Branca nos últimos sete meses.

Na semana passada, os republicanos colocaram foco em censurar declarações favoráveis aos palestinos pronunciadas por uma congressista democrata e forçaram uma resolução simbólica na Câmara afirmando que “o Estado de Israel não é racista nem um regime de apartheid” — o segundo termo adotado por proeminentes organizações internacionais, assim como israelenses, de defesa de direitos humanos como uma descrição acurada a respeito da realidade em campo. A moção também associou críticas ao Estado de Israel a xenofobia e antissemitismo.

A discussão excessivamente acalorada em Washington sobre Israel restringe em enorme medida qualquer governo que possa querer defender direitos humanos dos palestinos ou posicionar-se contra a erosão da democracia israelense.

“Presidentes americanos não gostam de brigar com premiês israelenses. Isso é desagradável, embaraçoso, perturbador, confuso e implica potencialmente em desgastes políticos, especialmente no momento em que o Partido Republicano emerge como pretenso árbitro do que é certo ou errado sobre Israel”, afirmou o ex-diplomata americano Aaron David Miller, pesquisador sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. E, portanto, acrescentou ele, Biden emite “profusas e importantes sinalizações de virtude” sobre temas como a reforma no Judiciário e expansões nos assentamentos coloniais, mas “sem impor custos ou consequências graves”.

O atual momento expressa o abismo entre o teatro político em Washington em torno de Israel e o agravamento da situação no país. Enquanto os republicanos repudiam qualquer sugestão de que políticas de Estado israelenses possam ser racistas, Netanyahu e seus aliados com frequência afirmam explicitamente que é justamente isso o que eles perseguem. Considere a maneira que, em maio, o ministro da Justiça israelense, Yariv Levin, argumentou a favor da necessidade de tolher os poderes da Suprema Corte especificamente porque controlar os ministros do tribunal superior auxiliaria o avanço da supremacia judaica em certos contextos.

“Árabes compram apartamentos em comunidades judaicas na Galileia, e isso faz judeus deixarem essas cidades, porque eles não estão dispostos a viver com árabes”, afirmou Levin. “Nós precisamos garantir que a Suprema Corte tenha ministros que entendam isso.”

E enquanto legisladores americanos exaltam constantemente os valores democráticos que compartilham com Israel, alguns de seus homólogos israelenses possuem uma visão bastante específica sobre o que constitui esses valores comuns. Durante uma entrevista na segunda-feira, uma rádio perguntou ao ministro israelense da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, um extremista, se Israel poderia se beneficiar de mecanismos de pesos e contrapesos existentes na Constituição dos EUA — Israel, como meus colegas têm ressaltado, não possui constituição formal.

“Eu quero pegar as coisas boas dos EUA”, respondeu Ben Gvir. “Eu acho excelente a pena de morte para terroristas. Eu acho excelente distribuir armas para as pessoas defenderem a si mesmas.”

Figuras como Ben Gvir e seu aliado próximo, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, estão conduzindo a política israelense celebrados tacitamente por um grande segmento do sistema político americano. Para muitos israelenses, a situação é vergonhosa. “Nós somos governados hoje por um bando de militantes, nacionalistas, chauvinistas (e) radicais”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert à revista Rolling Stone. “Indivíduos inconsequentes, irresponsáveis e sem nenhuma experiência.”

Olmert acrescentou que se governos americanos tivessem adotado posições mais contundentes contra políticas e agendas de Netanyahu — e colocado na balança a relação especial de Israel com os EUA — poderia ter havido efeitos positivos. “Se algo assim tivesse sido expressado, creio que isso poderia ter surtido um impacto enorme”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Na semana passada, os legisladores dos Estados Unidos celebraram Israel na forma do presidente Isaac Herzog, uma figura amplamente cerimonial que iniciou sua carreira política na esquerda israelense. Seu discurso ao Congresso foi recebido com louvações a plenos pulmões de parlamentares de ambos os partidos. Herzog enalteceu os laços “sagrados” entre Israel e EUA, ancorados em seus “valores” comuns e sua “verdadeira amizade”. Posteriormente naquele mesmo dia, a vice-presidente Kamala Harris invocou palavras que políticos americanos têm entoado quase ritualisticamente há anos, insistindo que os EUA têm um “vínculo inquebrável” com Israel e que o comprometimento americano com a segurança israelense é “firme”.

Mas mesmo enquanto Herzog falava em Washington as ruas das grandes cidades israelenses fervilhavam furiosamente em desafio aos controvertidos planos do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de reformar o Judiciário do país. Esses protestos, que têm tomado as ruas há meses, intensificaram-se na segunda-feira após os legisladores israelenses na coalizão de Netanyahu valerem-se de sua mínima margem para aprovar o primeiro artigo de suas reformas, despindo a Suprema Corte do poder de revisar e reverter ações do governo que considere “irrazoáveis”.

O movimento, aos olhos de seus apoiadores, devolve a autoridade maior do país à legislatura eleita. Mas analistas e críticos, incluindo a oposição israelense e vários governos ocidentais, o percebem como um golpe enorme contra um dos únicos contrapesos reais existentes na democracia de Israel e como um passo nefasto na direção de uma forma de autocracia majoritária. “Os eleitores israelenses certamente têm direito a uma mudança evolucionária, mas as atuais ideias a respeito de reforma judicial são revolucionárias em suas implicações”, observou Jon Alterman, diretor do programa para Oriente Médio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Um Legislativo sem restrições ameaça qualquer democracia tanto quanto um Executivo sem restrições.”

Manifestantes bloqueiam o tráfego em uma rodovia que cruza a cidade de Tel Aviv durante um protesto contra os planos do governo de Netanyahu para reformar o judiciário Foto: Oded Ballity / AP

O momento é tão profundo — e tenso — para a nação israelense que Alterman o classifica como “a terceira encruzilhada” na história do país, seguindo-se à dramática alteração em suas fronteiras após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, e ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Enquanto os aliados extremistas de Netanyahu almejam manobras ainda mais radicais, incluindo a remoção da Procuradoria-Geral, os sindicatos laborais consideram paralisar o país novamente com outra greve geral. Milhares de reservistas das Forças Armadas prometem não se apresentar ao serviço com a aprovação dessa legislação, ausências que deverão surtir consequências graves sobre segurança na defesa de Israel.

Estados Unidos

Washington, porém, tem tido dificuldades para lidar com o movimento. Na segunda-feira, 24, alguns legisladores democratas atreveram-se a expressar preocupação. A Casa Branca emitiu um comunicado sucinto, sem mencionar Netanyahu, descrevendo a votação como “lamentável” e expressou apoio aos “esforços do presidente Herzog e outros líderes israelenses em sua busca no sentido de construir consenso mais amplo por meio de diálogo político”.

Mas pouco diálogo significativo parece ocorrer. Herzog, saudado por legisladores americanos, parece apenas mais um observador impotente no turbilhão israelense. E a retórica relativamente tímida do presidente Joe Biden tem sido rebatida por oponentes republicanos, que se agarraram ao mastro de um governo israelense de extrema direita que faz pouca questão de esconder seus objetivos de anexar de facto — e talvez até de jure — terras palestinas. Em um fórum de cristãos sionistas nas proximidades de Washington, na semana passada, a pré-candidata republicana à presidência Nikki Haley escarneceu da decisão de Biden de supostamente interferir em “debates internos” de Israel.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o presidente de Israel, Isaac Herzog, na Casa Branca  Foto: Doug Mills / NYT

“Nós precisamos de um líder que respeite não apenas Israel, mas que respeite também o direito do povo israelense de governar a si mesmo”, afirmou Haley, sem aludir de nenhuma maneira para a massa crítica de manifestantes tomando as ruas enquanto continuou a reclamar da “indiferença” que Biden demonstrou em relação a Netanyahu ao se recusar a convidar o primeiro-ministro à Casa Branca nos últimos sete meses.

Na semana passada, os republicanos colocaram foco em censurar declarações favoráveis aos palestinos pronunciadas por uma congressista democrata e forçaram uma resolução simbólica na Câmara afirmando que “o Estado de Israel não é racista nem um regime de apartheid” — o segundo termo adotado por proeminentes organizações internacionais, assim como israelenses, de defesa de direitos humanos como uma descrição acurada a respeito da realidade em campo. A moção também associou críticas ao Estado de Israel a xenofobia e antissemitismo.

A discussão excessivamente acalorada em Washington sobre Israel restringe em enorme medida qualquer governo que possa querer defender direitos humanos dos palestinos ou posicionar-se contra a erosão da democracia israelense.

“Presidentes americanos não gostam de brigar com premiês israelenses. Isso é desagradável, embaraçoso, perturbador, confuso e implica potencialmente em desgastes políticos, especialmente no momento em que o Partido Republicano emerge como pretenso árbitro do que é certo ou errado sobre Israel”, afirmou o ex-diplomata americano Aaron David Miller, pesquisador sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. E, portanto, acrescentou ele, Biden emite “profusas e importantes sinalizações de virtude” sobre temas como a reforma no Judiciário e expansões nos assentamentos coloniais, mas “sem impor custos ou consequências graves”.

O atual momento expressa o abismo entre o teatro político em Washington em torno de Israel e o agravamento da situação no país. Enquanto os republicanos repudiam qualquer sugestão de que políticas de Estado israelenses possam ser racistas, Netanyahu e seus aliados com frequência afirmam explicitamente que é justamente isso o que eles perseguem. Considere a maneira que, em maio, o ministro da Justiça israelense, Yariv Levin, argumentou a favor da necessidade de tolher os poderes da Suprema Corte especificamente porque controlar os ministros do tribunal superior auxiliaria o avanço da supremacia judaica em certos contextos.

“Árabes compram apartamentos em comunidades judaicas na Galileia, e isso faz judeus deixarem essas cidades, porque eles não estão dispostos a viver com árabes”, afirmou Levin. “Nós precisamos garantir que a Suprema Corte tenha ministros que entendam isso.”

E enquanto legisladores americanos exaltam constantemente os valores democráticos que compartilham com Israel, alguns de seus homólogos israelenses possuem uma visão bastante específica sobre o que constitui esses valores comuns. Durante uma entrevista na segunda-feira, uma rádio perguntou ao ministro israelense da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, um extremista, se Israel poderia se beneficiar de mecanismos de pesos e contrapesos existentes na Constituição dos EUA — Israel, como meus colegas têm ressaltado, não possui constituição formal.

“Eu quero pegar as coisas boas dos EUA”, respondeu Ben Gvir. “Eu acho excelente a pena de morte para terroristas. Eu acho excelente distribuir armas para as pessoas defenderem a si mesmas.”

Figuras como Ben Gvir e seu aliado próximo, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, estão conduzindo a política israelense celebrados tacitamente por um grande segmento do sistema político americano. Para muitos israelenses, a situação é vergonhosa. “Nós somos governados hoje por um bando de militantes, nacionalistas, chauvinistas (e) radicais”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert à revista Rolling Stone. “Indivíduos inconsequentes, irresponsáveis e sem nenhuma experiência.”

Olmert acrescentou que se governos americanos tivessem adotado posições mais contundentes contra políticas e agendas de Netanyahu — e colocado na balança a relação especial de Israel com os EUA — poderia ter havido efeitos positivos. “Se algo assim tivesse sido expressado, creio que isso poderia ter surtido um impacto enorme”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Na semana passada, os legisladores dos Estados Unidos celebraram Israel na forma do presidente Isaac Herzog, uma figura amplamente cerimonial que iniciou sua carreira política na esquerda israelense. Seu discurso ao Congresso foi recebido com louvações a plenos pulmões de parlamentares de ambos os partidos. Herzog enalteceu os laços “sagrados” entre Israel e EUA, ancorados em seus “valores” comuns e sua “verdadeira amizade”. Posteriormente naquele mesmo dia, a vice-presidente Kamala Harris invocou palavras que políticos americanos têm entoado quase ritualisticamente há anos, insistindo que os EUA têm um “vínculo inquebrável” com Israel e que o comprometimento americano com a segurança israelense é “firme”.

Mas mesmo enquanto Herzog falava em Washington as ruas das grandes cidades israelenses fervilhavam furiosamente em desafio aos controvertidos planos do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de reformar o Judiciário do país. Esses protestos, que têm tomado as ruas há meses, intensificaram-se na segunda-feira após os legisladores israelenses na coalizão de Netanyahu valerem-se de sua mínima margem para aprovar o primeiro artigo de suas reformas, despindo a Suprema Corte do poder de revisar e reverter ações do governo que considere “irrazoáveis”.

O movimento, aos olhos de seus apoiadores, devolve a autoridade maior do país à legislatura eleita. Mas analistas e críticos, incluindo a oposição israelense e vários governos ocidentais, o percebem como um golpe enorme contra um dos únicos contrapesos reais existentes na democracia de Israel e como um passo nefasto na direção de uma forma de autocracia majoritária. “Os eleitores israelenses certamente têm direito a uma mudança evolucionária, mas as atuais ideias a respeito de reforma judicial são revolucionárias em suas implicações”, observou Jon Alterman, diretor do programa para Oriente Médio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Um Legislativo sem restrições ameaça qualquer democracia tanto quanto um Executivo sem restrições.”

Manifestantes bloqueiam o tráfego em uma rodovia que cruza a cidade de Tel Aviv durante um protesto contra os planos do governo de Netanyahu para reformar o judiciário Foto: Oded Ballity / AP

O momento é tão profundo — e tenso — para a nação israelense que Alterman o classifica como “a terceira encruzilhada” na história do país, seguindo-se à dramática alteração em suas fronteiras após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, e ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Enquanto os aliados extremistas de Netanyahu almejam manobras ainda mais radicais, incluindo a remoção da Procuradoria-Geral, os sindicatos laborais consideram paralisar o país novamente com outra greve geral. Milhares de reservistas das Forças Armadas prometem não se apresentar ao serviço com a aprovação dessa legislação, ausências que deverão surtir consequências graves sobre segurança na defesa de Israel.

Estados Unidos

Washington, porém, tem tido dificuldades para lidar com o movimento. Na segunda-feira, 24, alguns legisladores democratas atreveram-se a expressar preocupação. A Casa Branca emitiu um comunicado sucinto, sem mencionar Netanyahu, descrevendo a votação como “lamentável” e expressou apoio aos “esforços do presidente Herzog e outros líderes israelenses em sua busca no sentido de construir consenso mais amplo por meio de diálogo político”.

Mas pouco diálogo significativo parece ocorrer. Herzog, saudado por legisladores americanos, parece apenas mais um observador impotente no turbilhão israelense. E a retórica relativamente tímida do presidente Joe Biden tem sido rebatida por oponentes republicanos, que se agarraram ao mastro de um governo israelense de extrema direita que faz pouca questão de esconder seus objetivos de anexar de facto — e talvez até de jure — terras palestinas. Em um fórum de cristãos sionistas nas proximidades de Washington, na semana passada, a pré-candidata republicana à presidência Nikki Haley escarneceu da decisão de Biden de supostamente interferir em “debates internos” de Israel.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontra com o presidente de Israel, Isaac Herzog, na Casa Branca  Foto: Doug Mills / NYT

“Nós precisamos de um líder que respeite não apenas Israel, mas que respeite também o direito do povo israelense de governar a si mesmo”, afirmou Haley, sem aludir de nenhuma maneira para a massa crítica de manifestantes tomando as ruas enquanto continuou a reclamar da “indiferença” que Biden demonstrou em relação a Netanyahu ao se recusar a convidar o primeiro-ministro à Casa Branca nos últimos sete meses.

Na semana passada, os republicanos colocaram foco em censurar declarações favoráveis aos palestinos pronunciadas por uma congressista democrata e forçaram uma resolução simbólica na Câmara afirmando que “o Estado de Israel não é racista nem um regime de apartheid” — o segundo termo adotado por proeminentes organizações internacionais, assim como israelenses, de defesa de direitos humanos como uma descrição acurada a respeito da realidade em campo. A moção também associou críticas ao Estado de Israel a xenofobia e antissemitismo.

A discussão excessivamente acalorada em Washington sobre Israel restringe em enorme medida qualquer governo que possa querer defender direitos humanos dos palestinos ou posicionar-se contra a erosão da democracia israelense.

“Presidentes americanos não gostam de brigar com premiês israelenses. Isso é desagradável, embaraçoso, perturbador, confuso e implica potencialmente em desgastes políticos, especialmente no momento em que o Partido Republicano emerge como pretenso árbitro do que é certo ou errado sobre Israel”, afirmou o ex-diplomata americano Aaron David Miller, pesquisador sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. E, portanto, acrescentou ele, Biden emite “profusas e importantes sinalizações de virtude” sobre temas como a reforma no Judiciário e expansões nos assentamentos coloniais, mas “sem impor custos ou consequências graves”.

O atual momento expressa o abismo entre o teatro político em Washington em torno de Israel e o agravamento da situação no país. Enquanto os republicanos repudiam qualquer sugestão de que políticas de Estado israelenses possam ser racistas, Netanyahu e seus aliados com frequência afirmam explicitamente que é justamente isso o que eles perseguem. Considere a maneira que, em maio, o ministro da Justiça israelense, Yariv Levin, argumentou a favor da necessidade de tolher os poderes da Suprema Corte especificamente porque controlar os ministros do tribunal superior auxiliaria o avanço da supremacia judaica em certos contextos.

“Árabes compram apartamentos em comunidades judaicas na Galileia, e isso faz judeus deixarem essas cidades, porque eles não estão dispostos a viver com árabes”, afirmou Levin. “Nós precisamos garantir que a Suprema Corte tenha ministros que entendam isso.”

E enquanto legisladores americanos exaltam constantemente os valores democráticos que compartilham com Israel, alguns de seus homólogos israelenses possuem uma visão bastante específica sobre o que constitui esses valores comuns. Durante uma entrevista na segunda-feira, uma rádio perguntou ao ministro israelense da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, um extremista, se Israel poderia se beneficiar de mecanismos de pesos e contrapesos existentes na Constituição dos EUA — Israel, como meus colegas têm ressaltado, não possui constituição formal.

“Eu quero pegar as coisas boas dos EUA”, respondeu Ben Gvir. “Eu acho excelente a pena de morte para terroristas. Eu acho excelente distribuir armas para as pessoas defenderem a si mesmas.”

Figuras como Ben Gvir e seu aliado próximo, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, estão conduzindo a política israelense celebrados tacitamente por um grande segmento do sistema político americano. Para muitos israelenses, a situação é vergonhosa. “Nós somos governados hoje por um bando de militantes, nacionalistas, chauvinistas (e) radicais”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert à revista Rolling Stone. “Indivíduos inconsequentes, irresponsáveis e sem nenhuma experiência.”

Olmert acrescentou que se governos americanos tivessem adotado posições mais contundentes contra políticas e agendas de Netanyahu — e colocado na balança a relação especial de Israel com os EUA — poderia ter havido efeitos positivos. “Se algo assim tivesse sido expressado, creio que isso poderia ter surtido um impacto enorme”, afirmou o ex-primeiro-ministro israelense. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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