TAIPEI - A visita da presidente da Câmara dos Estados Unidos a Taiwan deixou as relações entre Pequim e Washington à beira do precipício. A ilha se prepara agora para a resposta da China, que deve iniciar nesta quinta-feira, 4, os exercícios militares para revidar a visita. Durante as manobras, o objetivo das forças chinesas é cercar a ilha e lançar mísseis que devem cair a apenas 16 quilômetros do litoral. Nancy Pelosi teve uma recepção arrebatadora em Taipei e, após semanas de silêncio, foi tudo menos discreta durante as reuniões de alto nível nas quais ofereceu apoio a Taiwan e irritou a China.
Sua iniciativa teve um forte apoio bipartidário em Washington, apesar das preocupações do governo Biden. Mas ela enfureceu Pequim e os nacionalistas chineses, complicando os já tensos laços entre as duas grandes potências, mesmo após sua partida.
Pelosi se reuniu nesta quarta-feira, 3, com legisladores taiwaneses e depois com a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, oferecendo garantias do apoio americano à democracia insular que a China reivindica como sua. No dia agitado de eventos, ela foi recebida por uma multidão de apoiadores agitando faixas. Seguida pela imprensa e por manifestantes, suas reuniões e movimentos foram acompanhados de perto e transmitidos parcialmente ao vivo.
Em seu rastro, ela deixou uma crise, preparando o terreno para uma nova disputa entre a China e EUA sobre poder e influência na Ásia. Taiwan começou imediatamente a se preparar para os exercícios militares de tiro real de Pequim, na quinta-feira, uma escalada sem precedentes recentes. Durante os exercícios, as forças chinesas devem cercar a ilha, lançando mísseis em mares a apenas 16 quilômetros de sua costa.
Mais sobre a visita
Os exercícios de tiro real da China marcam um desafio direto ao que Taiwan define como seu território. As coordenadas para os exercícios indicam que eles podem ocorrer mais perto do que os testes anteriores, nos 26 anos de impasse.
Junto com os exercícios militares, uma série de ataques hackers atingiram os sites do governo de Taiwan. A China também usou seu status de maior parceiro comercial de Taiwan para atacar, anunciando nesta quarta-feira novas restrições ao comércio, incluindo suspensões nas importações de algumas frutas e peixes e a proibição das exportações de areia, um importante material de construção.
“Hoje o mundo enfrenta uma escolha entre democracia e autocracia”, disse Pelosi durante uma reunião com a presidente de Taiwan. “A determinação dos EUA de preservar a democracia aqui em Taiwan e em todo o mundo permanece inabalável.”
As reuniões, embora leves em substância, foram amplamente recebidas em Taiwan como uma vitória simbólica. A viagem de Pelosi foi um momento raro em que uma grande potência estrangeira mostrou publicamente apoio à ilha diante da veemente oposição da China. Pelosi foi o membro de mais alto escalão dos EUA a visitar a ilha em 25 anos. A China viu isso como uma afronta.
Pelosi, que foi para a Coreia do Sul no fim da tarde desta quarta-feira, reafirmou o apoio dos EUA, elogiou a forma como Taiwan lidou com a pandemia de covid-19 e se reuniu com líderes de direitos humanos. A cada momento, ela também transmitia uma mensagem inequívoca: Pequim pode isolar Taiwan, mas não pode impedir os líderes americanos de viajar para lá.
Ela também levou promessas econômicas, dizendo que um acordo comercial entre Taiwan e os EUA era iminente e mantendo uma reunião cordial com o presidente da gigante de semicondutores de Taiwan TSMC. Uma das empresas geopoliticamente mais importantes do mundo, a TSMC foi cortejada por autoridades dos EUA na esperança de aumentar a produção doméstica de semicondutores.
Reações
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, disse ontem que mais represálias para os EUA e Taiwan resultariam da visita de Pelosi. “Quanto às contramedidas específicas, o que posso dizer é que elas incluirão tudo o que deveria ser incluído”, disse Hua, segundo o People’s Daily. “As medidas em questão serão firmes, vigorosas e eficazes, e o lado dos EUA e as forças de independência de Taiwan continuarão sentindo-as”
O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, classificou, porém, como irresponsáveis as manobras militares planejadas pela China e alertou sobre o perigo de a situação sair do controle. “Sempre que um militar participa de uma série de atividades que incluem a possibilidade de testes de mísseis, exercícios de tiro real, ou aviões de combate que cruzam o céu e navios que se movem nos mares, a possibilidade de (que aconteça) algum tipo de incidente é real”, afirmou Sullivan.
O chefe das Relações Exteriores da União Europeia, Josep Borrell, reiterou uma posição do G-7, divulgada mais cedo, sobre os exercícios militares planejados. “Não há justificativa para usar uma visita como pretexto para atividade militar agressiva no Estreito de Taiwan. É normal e rotineiro que legisladores de nossos países viajem internacionalmente.”
Apoio do Paraguai
O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, ofereceu solidariedade a Taiwan pelo Twitter. A nação sul-americana é 1 das apenas 14 nações que reconhecem formalmente Taiwan como país.
“O Paraguai expressa sua solidariedade com a República da China (Taiwan) no contexto das ameaças a que foi submetido”, disse Benítez no Twitter. “Os valores democráticos do povo taiwanês são um exemplo para sua região e para o mundo e merecem ser reivindicados pela comunidade internacional.”/ NYT e AP