O presidente do Equador, Daniel Noboa, decretou na segunda-feira, 8, estado de exceção no país pela primeira vez desde que assumiu o cargo, em novembro do ano passado, após uma série de rebeliões em seis presídios e a fuga do líder de uma das gangues mais perigosas do Equador. O estado de exceção permitirá que as Forças Armadas, em apoio à polícia, controlem as prisões, como já fizeram em ocasiões anteriores.
“O que vivemos (nesta segunda-feira nas penitenciárias) é um sinal de que as coisas precisam mudar no país e que as leis que temos não são suficientes para vivermos em paz”, disse Noboa, que propôs um referendo sobre questões relacionadas, sobretudo, à segurança e ao retorno dos jogos de azar. O presidente culpou as gangues de drogas, os assassinatos de aluguel e o crime organizado pela crise carcerária que vem ocorrendo no país há alguns anos.
Desde domingo, 7, o país vive uma crise de segurança enraizada no narcotráfico, após a fuga da prisão de “Fito”, chefe de uma das gangues mais perigosas do Equador. Na segunda-feira, 8, pelo menos seis presídios do país registraram rebeliões internas, incluindo a retenção de agentes penitenciários por detentos e a queima de colchões.
Na madrugada desta terça-feira, 9, quatros policiais foram sequestrados em pleno estado exceção. Na cidade costeira de Machala “foram sequestrados três policiais, que estavam de plantão no local”, enquanto um quarto foi sequestrado em Quito, informou a polícia em sua conta na rede social X, antigo Twitter, por volta da meia-noite. Na capital, o agente foi levado por três indivíduos que conduziam um “veículo com insulfilme e sem placa”.
Além do sequestro, houve explosões em Esmeraldas, uma cidade perto da fronteira com a Colômbia, uma das províncias equatorianas controladas por máfias. Um artefato explosivo foi lançado perto de uma estação policial e dois veículos foram queimados em outros locais, sem deixar vítimas.
Em Quito, um veículo explodiu e um dispositivo foi detonado perto de uma ponte de pedestres. Seu prefeito, Pabel Muñoz, pediu ao Executivo a “militarização” de instalações estratégicas ante a “crise de segurança sem precedentes”.
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Os incidentes prisionais desta segunda-feira coincidiram com a busca por José Adolfo Macías Salazar, vulgo “Fito”, líder de uma gangue conhecida como Los Choneros, considerada uma das mais perigosas do Equador, com supostas ligações com cartéis mexicanos e que aparentemente escapou de uma prisão na província de Guayas.
“Fito” foi condenado por tráfico de drogas, homicídio e crime organizado. Ele cumpria pena de 34 anos na prisão La Regional, no porto de Guayaquil, e estava programado para ser transferido no domingo para um centro de segurança máxima na mesma cidade.
Los Choneros é uma das gangues equatorianas consideradas responsáveis pelo aumento da violência que atingiu um novo nível no ano passado com o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio. A gangue tem ligações com o cartel mexicano de Sinaloa, segundo as autoridades.
Los Choneros e outros grupos semelhantes ligados aos cartéis mexicanos têm lutado pelas rotas do tráfico de droga e pelo controlo do território, incluindo dentro dos centros de detenção, onde pelo menos 400 reclusos morreram desde 2021, segundo as autoridades.
Roberto Izurieta, secretário geral de comunicações do presidente equatoriano, disse que cerca de 3 mil policiais e militares continuavam a operação de busca nesta segunda-feira dentro da penitenciária onde estava preso “Fito”, a quem ele descreveu como um “criminoso com características extremamente perigosas, com atividades que têm características de terrorismo”.
Questionado por uma emissora de televisão sobre o dia da fuga de “Fito”, Izurieta declarou que “muito provavelmente” houve vazamento de informações e que foi “uma questão de horas” até que uma operação fosse lançada na penitenciária de Guayas no domingo, quando foi descoberto que o detento não estava em sua cela.
O que aconteceu nos presídios do Equador?
Veículos de imprensa locais reportaram que, nesta segunda-feira, ocorreram incidentes em várias prisões do país, inclusive com retenção de agentes penitenciários. Na pequena prisão conhecida como El Inca, no norte de Quito, houve a entrada de um forte contingente policial, enquanto militares protegiam o lado de fora, constatou um jornalista da AFP. Após cerca de cinco horas de rebelião, os militares retomaram o controle desse centro penitenciário, segundo o chefe policial local, Wilson Pavón.
Enquanto isso, nas redes sociais, circularam vídeos gravados em diferentes locais nos quais grupos de agentes penitenciários clamam por suas vidas enquanto encapuzados os ameaçam com facas. Os guardas leem um comunicado no qual pedem a Noboa que “não envie tropas que sejam esquadrões da morte às prisões”. “Estamos agora mesmo implorando que sua ação seja mais cautelosa e, por favor, zele por nossas vidas, por nossa segurança”, acrescenta a mensagem.
Na Prisão Regional, onde estava Fito, havia entrada e saída de policiais e militares em caminhões. Em um pátio, os detentos haviam escrito com pedras “PAPA FITO” e “FATALES GTR” em referência a outra organização criminosa. Em um campo esportivo do mesmo complexo haviam pintado “CON FITO SEMBRAMOS PAZ” (”com Fito semeamos paz”).
Pavón explicou que, em um primeiro momento, “a tranquilidade e a ordem” foram restauradas no presídio e que uma segunda fase envolve uma busca nas celas, seguida por uma terceira fase de contagem dos detentos para verificar se alguém fugiu. O chefe de polícia disse que, pela manhã, depois que o alerta de motim foi emitido, a polícia capturou um detento que estava tentando fugir e que nenhum confronto foi registrado na operação policial.
As Forças Armadas do Equador, em uma mensagem nas redes sociais, informaram que enviaram para todo o país “pessoal, equipamentos e meios logísticos para realizar operações de segurança militar nas penitenciárias”.
O que muda com o estado de exceção?
Além de permitir que as Forças Armadas controlem as prisões do país, o estado de exceção, que ficará em vigor por 60 dias, inclui toque de recolher durante a noite e a madrugada, das 23h às 5h. O texto especifica que “as pessoas que circularem durante o horário do toque de recolher serão colocadas sob as ordens da autoridade judicial competente”.
O decreto, no entanto, faz exceções ao toque de recolher, deixando os serviços de saúde públicos e privados, membros das forças de segurança, serviços de emergência, funcionários de vários órgãos governamentais e o corpo diplomático acreditado no país fora da medida. Também estão excluídos empreiteiros públicos, funcionários dos setores industrial e de exportação que trabalham à noite, viajantes em voos regulares, advogados que comprovem a necessidade de mobilização durante o toque de recolher, trabalhadores da imprensa e funcionários de setores estratégicos.
O decreto executivo do governo especifica que o estado de exceção abrange “todo o território nacional” e foi aplicado em virtude da “grave comoção interna, incluindo todos os centros de detenção que compõem o Sistema Nacional de Reabilitação Social”. Ele também suspende o direito à liberdade de reunião no território nacional e nas prisões, assim como o direito à inviolabilidade do domicílio e o direito à correspondência no sistema penitenciário.
O decreto declara uma “zona de segurança nos centros de detenção”, assim como no “raio de um quilômetro do perímetro de cada prisão”, onde a polícia e militares poderão realizar verificações em veículos e ônibus. Também está prevista a possibilidade de “requisições necessárias para manter a ordem e a segurança em todo o território nacional”, que serão realizadas em “casos de extrema necessidade e em estrita conformidade com o sistema legal vigente”./EFE, Associated Press e AFP.