Quando o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, encontrou-se com líderes europeus para jantar em Bruxelas, na quarta-feira, a sombra do presidente eleito Donald Trump pairou sobre o evento. Mas não é apenas o retorno de Trump à Casa Branca que tem atrapalhado a resposta da Europa à guerra na Ucrânia. Uma desarmonia política em todo o continente também atrapalha — uma onda de instabilidade que furta a Europa de uma liderança robusta exatamente no momento em que Trump desafia o profundo apoio europeu à Ucrânia e a resistência ucraniana arduamente conquistada contra a agressão russa.
Da Alemanha, onde o governo do chanceler Olaf Scholz acaba de cair, à França, onde o presidente Emmanuel Macron foi gravemente enfraquecido por meses de turbulências políticas internas, as grandes potências europeias encontram-se em desvantagem no momento em que encaram o ressurgimento de Trump.
“Nós certamente não estamos bem equipados”, disse o diplomata Wolfgang Ischinger, que atuou como embaixador da Alemanha nos Estados Unidos durante a Guerra do Iraque. “É terrivelmente ruim para meu país estar no meio de uma campanha eleitoral neste momento, com um debate político bastante polarizador.”
Ischinger, que presidiu a Conferência de Segurança de Munique até 2022, disse estar otimista sobre a possibilidade de a Alemanha emergir com um novo governo provavelmente liderado pelo candidato conservador, Friedrich Merz, que poderia se envolver construtivamente com o governo Trump.
Macron, apesar de todas as dificuldades domésticas, parece determinado a continuar a desempenhar um papel energético na forma da resposta da Europa à guerra. Ele lançou recentemente a ideia de enviar uma força de paz europeia para a Ucrânia, mas recebeu pouco apoio imediato de outras autoridades europeias.
Ainda assim, Macron e outros líderes estão preocupados com outras questões, desde problemas econômicos até a ascensão de partidos populistas de extrema direita. Isso os deixa mal posicionados para responder de qualquer forma concertada ao que pode muito bem vir a ser propostas politicamente desagradáveis de Trump a respeito de como acabar com a guerra.
Plano
Nesta semana, surgiram relatos de que assessores de Trump discutiam um plano para criar uma zona-tampão entre as tropas ucranianas e russas que seria patrulhada por 40 mil soldados europeus. Essa proposta causaria indignação em Berlim e Londres, onde a recusa em enviar soldados tem sido uma regra de fé desde os primeiros dias da guerra.
“A zona-tampão de 1.300 quilômetros entre Ucrânia e Rússia não vai acontecer”, disse Jeremy Shapiro, diretor de pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores, um instituto de análise sediado em Berlim. “A Europa não conseguiria fazer isso sem o apoio dos EUA. Mas trata-se de uma ótima peça de teatro político.”
Teatro político é uma das especialidades de Trump, evidentemente, e ele provavelmente lançará outras ideias para acabar com o conflito após assumir o cargo. Difícil, disse Shapiro, será os líderes europeus não serem provocados nem divididos por Trump e garantirem que a Europa participe de qualquer negociação diplomática envolvendo EUA, Ucrânia e Rússia.
Mais fácil dizer do que fazer, dadas as contracorrentes políticas no continente. A Alemanha está envolvida em um debate acalorado sobre seu modelo econômico voltado para a exportação, em risco por causa das ameaças de tarifas propagadas por Trump. A França está paralisada desde que Macron convocou uma imprudente eleição parlamentar, no verão passado (Hemisfério Norte). Um primeiro-ministro francês, Michel Barnier, já se foi, e seu recém-nomeado substituto, François Bayrou, já se estranha com Macron.
Mesmo o Reino Unido, onde os eleitores ungiram um governo trabalhista com maioria esmagadora em julho, está atolado em problemas econômicos, assim como na ameaça insurgente de um partido anti-imigração, o Reform UK, cujo líder, Nigel Farage, tem ligações com Trump.
O primeiro-ministro Keir Starmer expressou o desejo de aproximar o Reino Unido do restante da Europa, mas o Brexit impede qualquer líder britânico de exercer uma função de estadista similar à que seu antecessor trabalhista, Tony Blair, desempenhou no fim da década de 90.
Liderança
Isso faz da Itália e da Polônia porta-estandartes improváveis da Europa. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, ganha influência enquanto diplomatas apostam que ela será capaz de construir pontes com Trump. O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, um político experiente, adquirirá um papel evidente quando a Polônia assumir a presidência do Conselho da União Europeia, no próximo ano.
A Comissão Europeia, o braço executivo da UE, quer desempenhar um papel ativo sob sua presidente, Ursula von der Leyen. Mas a falta de líderes fortes nas capitais da Europa “certamente fortalecerá ainda mais a atitude desdenhosa e desrespeitosa de Trump em relação à UE, que nos recordamos de Trump 1″, disse o ex-conselheiro de segurança nacional britânico Peter Ricketts.
O diplomata Gérard Araud, que atuou como embaixador da França em Washington durante o primeiro mandato de Trump, afirmou: “Os três principais países europeus nunca estiveram tão fracos. E Itália e Polônia, que não têm nada em comum, não assumirão o comando, sejam quais forem suas pretensões.”
Araud, que participou da infrutífera campanha de lobby da Europa para persuadir Trump a não sair do acordo nuclear com o Irã, em 2018, disse que os líderes europeus estão reeditando a cartilha que usaram durante o primeiro mandato do americano para cortejar e bajular o presidente eleito com objetivo de estabelecer seus próprios acordos.
Macron deu a Trump assento na primeira fila durante a recente reabertura da Catedral de Notre-Dame. Scholz disse que gostaria de se encontrar com o americano antes de deixar o cargo, o que alguns na Alemanha interpretam como uma tentativa de ser convidado para sua posse. Assessores de Starmer mencionam um jantar que o primeiro-ministro britânico e seu secretário de Relações Exteriores, David Lammy, tiveram com Trump em setembro.
Starmer e Trump conversaram novamente na quarta-feira, de acordo com Downing Street, que afirmou em um comunicado que o primeiro-ministro “reiterou a necessidade de os aliados se unirem à Ucrânia em face à agressão russa”.
A possibilidade disso acontecer depende muito de Trump. “Ou ele joga com essas fraquezas e divisões”, disse Araud, “ou obriga os países europeus a se unirem, o que não seria sua reação natural e instintiva”.
Após quase três anos de guerra, porém, a política da Ucrânia está mudando na Europa também de maneiras capazes de diminuir diferenças com Trump. Ainda que Merz e Scholz prometam manter o apoio militar à Ucrânia se eleitos, ambos prometem a um público alemão cada vez mais cauteloso que também pressionarão pelo fim do conflito.
“Estamos unidos pela vontade incondicional de fazer tudo o que pudermos para acabar com esta guerra na Ucrânia o mais rapidamente possível”, disse Merz na segunda-feira, em um debate parlamentar anterior à dissolução do governo.
Ao contrário de 2016, quando Angela Merkel, então chanceler, teve um início de relação frio com Trump ao discutir comércio e gastos militares, a direitista União Democrata-Cristã, partido de Merz, tentou entrar em contato com pessoas na órbita de Trump. O partido chegou a enviar um representante, Jens Spahn, para a Convenção Nacional Republicana.
O papel da Alemanha na aliança ocidental em relação à Ucrânia é tão central que diplomatas americanos afirmam que qualquer plano de Trump para acabar com a guerra tem de incluir os alemães. Mas a eleição marcada para 23 de fevereiro e as negociações de coalizão que se seguirão sugerem que a direção da Alemanha pode não ficar clara até abril ou maio.
Saiba mais
“O momento é dramático”, disse a diplomata Amy Gutmann, que atuou como embaixadora americana na Alemanha de 2022 até o início deste ano. “E associa-se ao fato de a Alemanha apoiar a Ucrânia com mais força do que nunca e ter se tornado sua apoiadora mais importante”, disse ela. “Também é importante por causa dos problemas econômicos que afligem a Europa, e a Alemanha está à frente e no centro desse fenômeno.”
Alguns analistas, contudo, argumentam que o foco nos líderes vacilantes da Europa distrai a atenção de um problema estrutural mais profundo evidenciado por Trump: a contínua dependência estratégica do continente em relação aos EUA. Meramente ao sugerir que o governo americano não estará comprometido em dar seguimento ao apoio do presidente Joe Biden à Ucrânia, disseram eles, Trump desarmoniza o debate europeu.
“Os europeus que quiserem manter suas posições não terão capacidade de fazê-lo se os americanos se movimentarem para o outro lado do campo”, disse Shapiro. “Minha previsão é que eles se reconstituirão em torno da nova posição americana.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO