Crise política britânica transformou Partido Conservador num sinônimo de caos; leia análise


Legenda está tão dividida por disputas internas e divergências que se tornou ingovernável

Por Peter Oborne*

LONDRES - Até muito pouco tempo atrás, o Partido Conservador britânico podia afirmar, com muita credibilidade, que era o partido político de maior sucesso no mundo ocidental.

O partido de Benjamin Disraeli, Winston Churchill e Margaret Thatcher governou o Reino Unido durante a maior parte dos últimos 200 anos. Grande parte desse tempo, os conservadores foram sinônimo de bom senso, sobriedade financeira e pragmatismo cauteloso. Desprezado pelas elites progressistas, alérgico à ideologia, mais provinciano do que metropolitano, o Partido Conservador se regozijava em ser o partido do meio-termo entediante.

Não mais. Hoje, os conservadores são sinônimo de caos. Liz Truss, a última primeira-ministra conservadora a cair, deve arcar com sua parcela de culpa. Há boas razões para ela ter sido forçada a renunciar após apenas 45 dias, o prazo mais curto da história. Era uma ideia tola supor que ela poderia demitir o mais alto funcionário do Tesouro, reinventar as leis da administração econômica e desafiar a sabedoria coletiva dos mercados financeiros. Só poderia haver um resultado.

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A primeira-ministra Liz Truss durante discurso em que anunciou sua renúncia como chefe de governo Foto: Daniel Leal/AFP - 20-10-2022

Mas a verdade maior é que a infeliz Truss é mais um sintoma do que a causa da crise crônica de governança do Reino Unido, que reduziu o país - outrora respeitado em todo o mundo - a uma chacota global. O Partido Conservador a escolheu, embora ela obviamente não estivesse à altura do trabalho. Não era preciso ser Nostradamus para saber que ela falharia. Pelo fiasco de seu governo e pelo estado desastroso do país, o Partido Conservador deve assumir coletivamente a responsabilidade.

Oscar Wilde escreveu certa vez que perder um pai ou uma mãe pode ser considerado um infortúnio; mas perder ambos parece descuido. Para os conservadores perder dois primeiros-ministros no espaço de três meses mostra, mais do que descuido, que eles estão fora de controle. O governo já está em seu quarto secretário do Tesouro apenas neste ano; um deles, Kwasi Kwarteng, quebrou a libra e arruinou a reputação de boa gestão financeira do partido.

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Como os republicanos nos Estados Unidos, os conservadores estão descolados da realidade. Em uma geração, eles se tornaram um partido de monomaníacos, incompetentes e ideólogos. Como um puro-sangue que correu demais, ele precisa ser colocado pra descansar. Depois de uma década ou duas na geladeira, talvez o partido possa se recuperar – embora não descarte a possibilidade de que esteja terminado de uma vez por todas.

Isso está longe de acontecer. Após a renúncia de Truss, o partido anunciou planos de realizar outra eleição de liderança, a segunda em três meses. Assim como nas disputas que ungiram Boris Johnson e Truss como primeiro-ministro, a escolha será feita em conjunto pelos legisladores conservadores e membros do partido. Mesmo que, por algum acaso, um candidato meio decente ganhasse, não ajudaria em nada. O partido está tão dividido por disputas internas, ódio pessoal e divergências ideológicas que se tornou ingovernável.

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Vasos de cerâmica com os rostos de lideranças conservadoras são vendidos na Conferência do Partido Conservador em Birmingham Foto: Tolga Akmen/EFE - 4/10/2022

Este é um momento perigoso. O Reino Unido está enfrentando talvez sua maior crise econômica, política e constitucional desde a 2ª Guerra. É tolice esperar que o Partido Conservador, que causou tanto dano na última década, esteja finalmente prestes a governar com sensatez. Dois anos podem passar antes da próxima eleição geral. Mas o Reino Unido precisa de uma eleição agora.

É certo que Keir Starmer, líder da oposição trabalhista, carece de carisma. Embora longe de ser brilhante, ele segue um padrão recente de líderes globais – Joe Biden nos Estados Unidos e Anthony Albanese na Austrália são dois exemplos – que são tranquilizadores, mesmo sem empolgar muita gente. Seus legisladores na linha de frente também parecem mais competentes do que os conservadores desordenados. Nem são marcados pela derrota ou comprometidos com o fracasso.

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Um número crescente de eleitores conservadores, sem falar no restante do país, está preparado para dar a eles uma chance. É por isso que uma eleição geral é do interesse nacional. Pode parecer imprudente esperar que o Partido Conservador, encarando uma derrota quase certa, convoque uma eleição. Mas uma das glórias do tradicional Partido Conservador costumava ser sua prontidão em colocar o país antes do partido.

Essa doutrina foi estabelecida por – quem mais? — Winston Churchill em um de seus últimos atos antes de deixar o cargo de primeiro-ministro em 1955. “O primeiro dever de um membro do Parlamento”, disse ele em uma audiência em seu distrito eleitoral de Woodford, “é fazer o que ele acha que em seu julgamento fiel e desinteressado é certo e necessário para a honra e a segurança do Reino Unido”.

Essa retórica pode ser ousada, mas o argumento é irrefutável. Teria sido bem entendido pelo patriótico e imparcial Partido Conservador que governou o Reino Unido com tanta sabedoria há 70 anos. Os conservadores de hoje, por outro lado, apegam-se ao poder pelo poder. Além de causar mais danos à reputação de longo prazo de seu próprio partido, sua obstinação está garantindo a ruína do Reino Unido.

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*É JORNALISTA E ESCRITOR BRITÂNICO

LONDRES - Até muito pouco tempo atrás, o Partido Conservador britânico podia afirmar, com muita credibilidade, que era o partido político de maior sucesso no mundo ocidental.

O partido de Benjamin Disraeli, Winston Churchill e Margaret Thatcher governou o Reino Unido durante a maior parte dos últimos 200 anos. Grande parte desse tempo, os conservadores foram sinônimo de bom senso, sobriedade financeira e pragmatismo cauteloso. Desprezado pelas elites progressistas, alérgico à ideologia, mais provinciano do que metropolitano, o Partido Conservador se regozijava em ser o partido do meio-termo entediante.

Não mais. Hoje, os conservadores são sinônimo de caos. Liz Truss, a última primeira-ministra conservadora a cair, deve arcar com sua parcela de culpa. Há boas razões para ela ter sido forçada a renunciar após apenas 45 dias, o prazo mais curto da história. Era uma ideia tola supor que ela poderia demitir o mais alto funcionário do Tesouro, reinventar as leis da administração econômica e desafiar a sabedoria coletiva dos mercados financeiros. Só poderia haver um resultado.

A primeira-ministra Liz Truss durante discurso em que anunciou sua renúncia como chefe de governo Foto: Daniel Leal/AFP - 20-10-2022

Mas a verdade maior é que a infeliz Truss é mais um sintoma do que a causa da crise crônica de governança do Reino Unido, que reduziu o país - outrora respeitado em todo o mundo - a uma chacota global. O Partido Conservador a escolheu, embora ela obviamente não estivesse à altura do trabalho. Não era preciso ser Nostradamus para saber que ela falharia. Pelo fiasco de seu governo e pelo estado desastroso do país, o Partido Conservador deve assumir coletivamente a responsabilidade.

Oscar Wilde escreveu certa vez que perder um pai ou uma mãe pode ser considerado um infortúnio; mas perder ambos parece descuido. Para os conservadores perder dois primeiros-ministros no espaço de três meses mostra, mais do que descuido, que eles estão fora de controle. O governo já está em seu quarto secretário do Tesouro apenas neste ano; um deles, Kwasi Kwarteng, quebrou a libra e arruinou a reputação de boa gestão financeira do partido.

Como os republicanos nos Estados Unidos, os conservadores estão descolados da realidade. Em uma geração, eles se tornaram um partido de monomaníacos, incompetentes e ideólogos. Como um puro-sangue que correu demais, ele precisa ser colocado pra descansar. Depois de uma década ou duas na geladeira, talvez o partido possa se recuperar – embora não descarte a possibilidade de que esteja terminado de uma vez por todas.

Isso está longe de acontecer. Após a renúncia de Truss, o partido anunciou planos de realizar outra eleição de liderança, a segunda em três meses. Assim como nas disputas que ungiram Boris Johnson e Truss como primeiro-ministro, a escolha será feita em conjunto pelos legisladores conservadores e membros do partido. Mesmo que, por algum acaso, um candidato meio decente ganhasse, não ajudaria em nada. O partido está tão dividido por disputas internas, ódio pessoal e divergências ideológicas que se tornou ingovernável.

Vasos de cerâmica com os rostos de lideranças conservadoras são vendidos na Conferência do Partido Conservador em Birmingham Foto: Tolga Akmen/EFE - 4/10/2022

Este é um momento perigoso. O Reino Unido está enfrentando talvez sua maior crise econômica, política e constitucional desde a 2ª Guerra. É tolice esperar que o Partido Conservador, que causou tanto dano na última década, esteja finalmente prestes a governar com sensatez. Dois anos podem passar antes da próxima eleição geral. Mas o Reino Unido precisa de uma eleição agora.

É certo que Keir Starmer, líder da oposição trabalhista, carece de carisma. Embora longe de ser brilhante, ele segue um padrão recente de líderes globais – Joe Biden nos Estados Unidos e Anthony Albanese na Austrália são dois exemplos – que são tranquilizadores, mesmo sem empolgar muita gente. Seus legisladores na linha de frente também parecem mais competentes do que os conservadores desordenados. Nem são marcados pela derrota ou comprometidos com o fracasso.

Um número crescente de eleitores conservadores, sem falar no restante do país, está preparado para dar a eles uma chance. É por isso que uma eleição geral é do interesse nacional. Pode parecer imprudente esperar que o Partido Conservador, encarando uma derrota quase certa, convoque uma eleição. Mas uma das glórias do tradicional Partido Conservador costumava ser sua prontidão em colocar o país antes do partido.

Essa doutrina foi estabelecida por – quem mais? — Winston Churchill em um de seus últimos atos antes de deixar o cargo de primeiro-ministro em 1955. “O primeiro dever de um membro do Parlamento”, disse ele em uma audiência em seu distrito eleitoral de Woodford, “é fazer o que ele acha que em seu julgamento fiel e desinteressado é certo e necessário para a honra e a segurança do Reino Unido”.

Essa retórica pode ser ousada, mas o argumento é irrefutável. Teria sido bem entendido pelo patriótico e imparcial Partido Conservador que governou o Reino Unido com tanta sabedoria há 70 anos. Os conservadores de hoje, por outro lado, apegam-se ao poder pelo poder. Além de causar mais danos à reputação de longo prazo de seu próprio partido, sua obstinação está garantindo a ruína do Reino Unido.

*É JORNALISTA E ESCRITOR BRITÂNICO

LONDRES - Até muito pouco tempo atrás, o Partido Conservador britânico podia afirmar, com muita credibilidade, que era o partido político de maior sucesso no mundo ocidental.

O partido de Benjamin Disraeli, Winston Churchill e Margaret Thatcher governou o Reino Unido durante a maior parte dos últimos 200 anos. Grande parte desse tempo, os conservadores foram sinônimo de bom senso, sobriedade financeira e pragmatismo cauteloso. Desprezado pelas elites progressistas, alérgico à ideologia, mais provinciano do que metropolitano, o Partido Conservador se regozijava em ser o partido do meio-termo entediante.

Não mais. Hoje, os conservadores são sinônimo de caos. Liz Truss, a última primeira-ministra conservadora a cair, deve arcar com sua parcela de culpa. Há boas razões para ela ter sido forçada a renunciar após apenas 45 dias, o prazo mais curto da história. Era uma ideia tola supor que ela poderia demitir o mais alto funcionário do Tesouro, reinventar as leis da administração econômica e desafiar a sabedoria coletiva dos mercados financeiros. Só poderia haver um resultado.

A primeira-ministra Liz Truss durante discurso em que anunciou sua renúncia como chefe de governo Foto: Daniel Leal/AFP - 20-10-2022

Mas a verdade maior é que a infeliz Truss é mais um sintoma do que a causa da crise crônica de governança do Reino Unido, que reduziu o país - outrora respeitado em todo o mundo - a uma chacota global. O Partido Conservador a escolheu, embora ela obviamente não estivesse à altura do trabalho. Não era preciso ser Nostradamus para saber que ela falharia. Pelo fiasco de seu governo e pelo estado desastroso do país, o Partido Conservador deve assumir coletivamente a responsabilidade.

Oscar Wilde escreveu certa vez que perder um pai ou uma mãe pode ser considerado um infortúnio; mas perder ambos parece descuido. Para os conservadores perder dois primeiros-ministros no espaço de três meses mostra, mais do que descuido, que eles estão fora de controle. O governo já está em seu quarto secretário do Tesouro apenas neste ano; um deles, Kwasi Kwarteng, quebrou a libra e arruinou a reputação de boa gestão financeira do partido.

Como os republicanos nos Estados Unidos, os conservadores estão descolados da realidade. Em uma geração, eles se tornaram um partido de monomaníacos, incompetentes e ideólogos. Como um puro-sangue que correu demais, ele precisa ser colocado pra descansar. Depois de uma década ou duas na geladeira, talvez o partido possa se recuperar – embora não descarte a possibilidade de que esteja terminado de uma vez por todas.

Isso está longe de acontecer. Após a renúncia de Truss, o partido anunciou planos de realizar outra eleição de liderança, a segunda em três meses. Assim como nas disputas que ungiram Boris Johnson e Truss como primeiro-ministro, a escolha será feita em conjunto pelos legisladores conservadores e membros do partido. Mesmo que, por algum acaso, um candidato meio decente ganhasse, não ajudaria em nada. O partido está tão dividido por disputas internas, ódio pessoal e divergências ideológicas que se tornou ingovernável.

Vasos de cerâmica com os rostos de lideranças conservadoras são vendidos na Conferência do Partido Conservador em Birmingham Foto: Tolga Akmen/EFE - 4/10/2022

Este é um momento perigoso. O Reino Unido está enfrentando talvez sua maior crise econômica, política e constitucional desde a 2ª Guerra. É tolice esperar que o Partido Conservador, que causou tanto dano na última década, esteja finalmente prestes a governar com sensatez. Dois anos podem passar antes da próxima eleição geral. Mas o Reino Unido precisa de uma eleição agora.

É certo que Keir Starmer, líder da oposição trabalhista, carece de carisma. Embora longe de ser brilhante, ele segue um padrão recente de líderes globais – Joe Biden nos Estados Unidos e Anthony Albanese na Austrália são dois exemplos – que são tranquilizadores, mesmo sem empolgar muita gente. Seus legisladores na linha de frente também parecem mais competentes do que os conservadores desordenados. Nem são marcados pela derrota ou comprometidos com o fracasso.

Um número crescente de eleitores conservadores, sem falar no restante do país, está preparado para dar a eles uma chance. É por isso que uma eleição geral é do interesse nacional. Pode parecer imprudente esperar que o Partido Conservador, encarando uma derrota quase certa, convoque uma eleição. Mas uma das glórias do tradicional Partido Conservador costumava ser sua prontidão em colocar o país antes do partido.

Essa doutrina foi estabelecida por – quem mais? — Winston Churchill em um de seus últimos atos antes de deixar o cargo de primeiro-ministro em 1955. “O primeiro dever de um membro do Parlamento”, disse ele em uma audiência em seu distrito eleitoral de Woodford, “é fazer o que ele acha que em seu julgamento fiel e desinteressado é certo e necessário para a honra e a segurança do Reino Unido”.

Essa retórica pode ser ousada, mas o argumento é irrefutável. Teria sido bem entendido pelo patriótico e imparcial Partido Conservador que governou o Reino Unido com tanta sabedoria há 70 anos. Os conservadores de hoje, por outro lado, apegam-se ao poder pelo poder. Além de causar mais danos à reputação de longo prazo de seu próprio partido, sua obstinação está garantindo a ruína do Reino Unido.

*É JORNALISTA E ESCRITOR BRITÂNICO

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