Em um debate marcado por momentos de silêncio e expressões confusas do presidente Joe Biden frente a Donald Trump, o Partido Democrata se verá novamente pressionado para decidir se mantém sua escolha como candidato ou se o substitui por outro nome. É o que avaliam especialistas ouvidos pelo Estadão ao fim do primeiro debate presidencial dos Estados Unidos.
“Esse debate era mais sobre forma do que sobre conteúdo”, afirma Carlos Gustavo Poggio, professor no Berea College do Kentucky. “Esse era um debate de altíssimo risco para o Joe Biden, bastava ele provar que ele não era um velhinho. Ele falhou miseravelmente. Foi um terror.”
“O que vai sobrar pros democratas é controle de danos. Pro eleitor indeciso fica a imagem de um presidente que tá fisicamente frágil que teria mais quatro anos pela frente. E provoca um debate sobre a vice-presidente, o foco volta para a Kamala Harris agora, que é muito mais impopular que o Joe Biden”, completa.
“Fica evidente que Biden teve uma performance muito ruim”, concorda o professor de Relações Internacionais da FGV Oliver Stuenkel. “Ele melhorou ligeiramente ao longo do debate, mas teve vários momentos de incoerência, de não conseguir terminar seu raciocínio, o que reforçará a sua principal vulnerabilidade, que é a sua idade, e certamente facilitará a estratégia dos americanos que projetam Biden como senil.
Carlos Gustavo Poggio, professor do Berea College
“Quem acompanhou o debate pode concluir que Biden talvez não tenha a capacidade de governar por mais quatro anos. Isso certamente vai produzir, vai aumentar muito a pressão para que o Partido Democrata selecione outro candidato”, conclui.
“Não tenho dúvidas que esse debate vai suscitar e reforçar os argumentos de que seria necessário substituir o candidato democrata”, observa o professor da FAAP Vinicius Vieira. “Até no Twitter já havia ali manifestações em prol do governador da Califórnia [Gavin Newsom], que ao meu ver não tem projeção para tanto, mas isso já demonstra que deve ser a tônica nos próximos dias, a substituição de Biden no campo democrata.”
Embora ainda exista tempo para substituição de candidatos, afinal, a Convenção Democrata será apenas em agosto, substituir o atual presidente como candidato ainda traz riscos importantes. Especialmente em um contexto de ausência de novas lideranças dentro de ambos os partidos.
“Conversei com vários colegas democratas e pessoal da campanha do Biden e o clima é de desespero . Com 13 minutos de debate ele já travou numa resposta, que era o grande medo. Ele já começou com a voz rouca, gaguejando e travando. Ainda que Trump tenha tido maus momentos no debate, a performance do Biden é o que vai dominar a cobertura desse debate. Considero que foi um desastre pro Biden e pros democratas”, afirma Poggio.
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Trump ganha, mesmo mentindo
Um ponto importante do debate foi a quantidade de dados contraditórios ou de difícil checagem apresentados por Trump, algo que Biden poderia ter explorado, mas não o fez adequadamente. Segundo checagem do The New York Times, Trump fez ao menos 14 declarações completamente falsas, contra nenhuma de Biden.
“Trump apresenta dados que não se pode confirmar e Biden não reage à altura. Acusar o outro de mentir é uma estratégia muito boa porque quem está assistindo ao debate não tem tempo pra conferir os dados”, diz Christopher Mendonça do IBMEC-BH.
“Trump também não teve uma boa performance com o passar do tempo no debate. Ele tornou-se ainda mais radical, mentiu durante todo o debate. Isso também repele, obviamente, isso não é atraente para eleitores centristas, mas claramente ele teve mais energia, isso também é relevante no debate. Eu conversei com alguns eleitores independentes, ou seja, eleitores que já votaram em republicanos e democratas, em Estados pêndulo, e todos ficaram horrorizados, então acho que a curto prazo esse debate eleva a incerteza política nos Estados Unidos”, afirma Stuenkel.
“Tiveram coisas ruins pro Trump. A resposta do 6 de janeiro foi ruim, a questão do aborto também. Só que debate é sobre a repercussão e o tema que fica saliente, e o que ficou saliente foi a fragilidade do Joe Biden, todo o resto vai ficar em segundo plano”, concorda Poggio.
“O que fica do debate é o que todos já sabiam: nenhum dos dois candidatos se desviou de posições já conhecidas pelo seu eleitorado”, avalia Cristina Pecequillo professora da Unifesp. “Importou menos o que foi dito e mais a imagem que cada um passou. Biden pareceu mais fragilizado e pouco combativo. Trump controlou suas narrativas e se manteve na ofensiva na política doméstica e externa, mostrando mais força e clareza. Para o eleitor que quer esquecer seus escândalos e excessos, esse primeiro round das batalhas dos debates foi ganho pelo republicano.”
“Se o objetivo de Biden era demonstrar força e capacidade de liderança, não conseguiu demonstrar isso com clareza”, concorda o professor da FGV Pedro Brites. “Mesmo em tópicos nos quais poderia ter um bom desempenho, tais como clima, Capitólio, a condenação de Trump, por exemplo, não conseguiu explorar isso de modo mais efetivo”.
“Sempre importante lembrar que os debates americanos, que foram iniciados entre o Nixon e o Kennedy lá em 1960, a questão da imagem é fundamental. O Nixon naquela época aparentava cansaço, estava suado e o Biden ali, novamente, não é nem a questão da idade, até porque ele não é tão mais velho que o Trump, mas o Trump fica claramente muito mais assertivo, com muita mais postura”, observa Vinicius Vieira.
Ataques pessoais
Os ataques pessoais marcaram presença, apesar das regras que limitavam os microfones e contatos entre os candidatos. O presidente americano atacou o rival e o chamou de “otário e perdedor”, em referência a uma declaração que Trump teria dado sobre veteranos de guerra mortos em conflito. A frase foi revelada por John Kelly, ex-chefe de gabinete do presidente em um livro sobre seu período no governo. Trump nega ter dito a frase.
“Os ataques pessoais acabam mostrando a capacidade de cada candidato construir a sua defesa e contra-argumentar, e também as fragilidades de cada um. Para um eleitor indeciso hoje, fica evidente que Trump está com mais energia e atento às perguntas, apesar de falar mentiras o tempo todo, o que pode ser um diferencial na tomada de decisão em quem votar. A imagem que fica é que Biden está cansado e incapaz de se defender dos ataques pessoais. Outro ponto é que o eleitorado indeciso se pauta muito pela imagem do candidato e na capacidade de construir argumentos convincentes, mesmo que baseados em inverdades. E neste debate Trump está se mostrando muito mais preparado do que Biden”, afirmou o professor da ESPM Roberto Uebel.
Para Rodrigo Reis, internacionalista e fundador do Instituto Global Attitude, foi justamente no momento em que o debate subiu o tom para os ataques pessoais que Biden conseguiu mostrar mais energia. “Pareceu uma briga de criança, de jovem em alguns momentos, mas para mim fica claro que esse debate, que mais de 68% do eleitorado americano deve ter assistido, é um começo de um longo caminho até o dia das eleições. Na minha percepção, o presidente Joe Biden conseguiu de maneira objetiva contra-atacar aí alegações absurdas do presidente Trump, que são relativamente tradicionais”.
“A qualidade geral do debate foi muito ruim”, avalia Stuenkel. “Não foi um dia bom para a democracia americana e acho que foi um dos piores debates presidenciais que eu já vi em muitos anos. Eu na verdade não lembro de um debate tão ruim, até pior do que os debates entre o Trump e a Hillary Clinton, que já foram muito ruins. Há uma mistura de perplexidade com preocupação entre muitos eleitores com os quais eu conversei sobre o que vai acontecer ao longo dos próximos meses e eu acho que reforça a necessidade de que novas gerações assumam papéis de destaque no âmbito político americano”.