Decisão contra Trump é um golpe arrasador em sua identidade; leia análise


Constatação de juiz da vara cível de Nova York de que o ex-presidente cometeu fraude ao sobrevalorizar seus imóveis mina a narrativa da carreira empresarial que o lançou à política

Por Maggie Haberman* e Alan Feuer*

The New York Times — Quase todos os aspectos da vida e da carreira de Donald Trump têm entrado sob escrutínio do sistema Judiciário ao longo dos últimos anos, o que produziu indiciamentos criminais em quatro jurisdições e uma acusação em um caso cível em relação ao que um júri considerou um abuso sexual cometido por ele décadas atrás. Mas a decisão expressada na terça-feira por um juiz do Estado de Nova York considerando que Trump cometeu fraude ao inflar o valor de seus imóveis fere no coração a identidade que o tornou conhecido nacionalmente e lançou sua carreira política.

Ao de fato qualificar Trump como fraudador, a decisão do processo civil conduzido pelo juiz Arthur Engoron minou a narrativa promovida incansavelmente pelo ex-presidente enquanto mestre do mundo dos negócios, o personagem que ele usou para enredar-se na tessitura da cultura popular dos Estados Unidos e que, eventualmente, lhe conferiu a estatura e os recursos para chegar à Casa Branca.

A decisão do juiz Engoron foi o mais recente desdobramento marcante a testar a resiliência do apelo de Trump, conforme o magnata tenta disputar a eleição presidencial novamente apesar do peso das evidências contra ele em casos que abrangem seus anos de empreendedor imobiliário em Nova York, sua campanha de 2016, seus esforços para reverter sua derrota na eleição de 2020 e a maneira com que ele lidou com segredos de segurança nacional após deixar a presidência.

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Ex-presidente Donald Trump participa de evento em Washington, 15 de setembro de 2023.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

O processo federal que o acusa de conspirar para reter o poder apesar de sua derrota nas urnas três anos atrás o retrata como uma ameaça para a democracia, assim como o caso similar que corre no Estado da Geórgia. O processo sobre os documentos secretos o retrata como um homem disposto a obstruir a Justiça para acobertar um desrespeito irresponsável às leis que determinam a maneira de manipular informações desse tipo. Uma acusação em Nova York que decorre de pagamentos pelo silêncio de uma atriz pornô nos estágios finais de sua campanha de 2016 apresenta evidências do tipo de trapaça política que ele professa pretender erradicar em Washington.

Até aqui nenhum desses casos prejudicou perceptivelmente a campanha de Trump pela indicação do Partido Republicano para a disputa presidencial, que, segundo indicam pesquisas, ele lidera por amplas margens. Na realidade, as sondagens mostram que os indiciamentos consolidaram seu apoio entre os republicanos. Os indiciamentos colaboraram com sua arrecadação de recursos.

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Resta ver se a decisão do juiz Engoron surtirá algum efeito diferente. Mas a decisão coloca em risco a imagem pública de Trump e seu império empresarial. O ex-presidente encara agora a perspectiva não apenas de ter de pagar US$ 250 milhões em reparações, mas também de perder propriedades como a Trump Tower, indissociavelmente ligadas à sua marca.

O advogado de Trump neste processo, Christopher Kise, afirmou que a decisão é “ultrajante” e disse que vai apelar, classificando-a como “completamente desconectada dos fatos e das leis vigentes”.

“A decisão busca nacionalizar um dos mais bem-sucedidos impérios corporativos nos EUA e tomar controle de propriedades privadas ao mesmo tempo reconhecendo que há zero prova de qualquer calote, violação, pagamento atrasado ou queixa de dano”, afirmou Kise.

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Trump, em um extenso post em sua rede social, afirmou que a decisão que o qualifica como fraudador é “ridícula e inverídica” e classificou-a como um ataque político no meio de sua pré-campanha presidencial.

Em todos os reveses recentes de Trump nos tribunais, suas táticas típicas de autopreservação falharam em grande medida. Quando encurralado, Trump apelou tradicionalmente para fanfarronices para se livrar dos problemas, vociferando exageros ou mentiras para escapar.

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Esses métodos lhe serviram bem nas arenas empresariais e políticas, nas quais com frequência o preço pago por faltar com a verdade é baixo e eleitores tendem a não discernir gradações de prevaricações. Esses métodos, contudo, têm até aqui sido muito menos eficazes nas cortes, que operam segundo padrões rígidos de veracidade e regras austeras e sóbrias.

Em termos diretos, o juiz Engoron estourou a bolha de falácias protetivas de Trump sobre a maneira que ele conduz seus negócios. “Nas palavras do réu”, escreveu o magistrado, “apartamentos com aluguéis regulados são o mesmo que apartamentos não regulados; terras de uso restrito valem o mesmo que terras sem restrições; restrições podem simplesmente evaporar”.

“É um mundo de fantasia”, seguiu o juiz, “não o mundo real”.

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A segunda arma favorita de Trump — intimidar seus adversários — também não tem funcionado muito bem nos tribunais. Neste mês, procuradores federais solicitaram à juíza à frente do processo federal que o acusa de interferência na eleição que lhe imponha uma ordem de silêncio, citando ataques “quase diários” em redes sociais contra pessoas envolvidas no julgamento e ameaças ocasionadas pelas declarações.

Trump ignorou um aviso preliminar da juíza do caso, Tanya Chutkan, para ser cauteloso sobre o que dissesse a respeito de testemunhas, promotores de Justiça e possíveis jurados no caso. Mas se ele pensou que simplesmente superaria na marra as advertências da juíza, os promotores revelaram seu blefe. Agora Trump colocou-se no que poderia ser uma rota de colisão com a juíza que poderia resultar em suas declarações públicas serem restringidas no meio de sua pré-campanha presidencial.

Trump está sendo sujeitado pelo mesmo sistema que ele usa com frequência para bloquear a oposição: o Judiciário. Nos últimos dois anos, Trump abriu uma série de processos judiciais contra meios e profissionais de imprensa, políticos críticos e até o comitê do Prêmio Pulitzer. Vários desses casos foram indeferidos.

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Mas a decisão do juiz Engoron sugeriu um caráter que define há muito a personalidade de Trump e seu jeito de fazer negócios. Trump sempre buscou criar sua própria realidade — e com frequência, até certo ponto, conseguiu.

Em um processo de 2006 que Trump abriu contra o jornalista Timothy O’Brien, autor do livro “TrumpNation: The Art of Being The Donald”, que estimou o património líquido do ex-presidente em, no máximo, US$ 250 milhões, Trump sentou-se para prestar depoimento e deu uma declaração surpreendente sobre como ele calcula o valor de seus ativos.

“Meu patrimônio líquido flutua, sobe e desce com os mercados, com as atitudes e com os sentimentos, até mesmo os meus próprios sentimentos, mas eu tento”, afirmou Trump. O tribunal acabou indeferindo seu processo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Maggie Haberman é correspondente sênior de política e autora de “Confidence Man: The Making of Donald Trump and the Breaking of America”. Ela integrou uma equipe de jornalistas que venceu o Prêmio Pulitzer em 2018 por sua cobertura sobre conexões de conselheiros de Trump com a Rússia.

*Alan Feuer cobre extremismo e violência política. Ele trabalha no Times desde 1999.

The New York Times — Quase todos os aspectos da vida e da carreira de Donald Trump têm entrado sob escrutínio do sistema Judiciário ao longo dos últimos anos, o que produziu indiciamentos criminais em quatro jurisdições e uma acusação em um caso cível em relação ao que um júri considerou um abuso sexual cometido por ele décadas atrás. Mas a decisão expressada na terça-feira por um juiz do Estado de Nova York considerando que Trump cometeu fraude ao inflar o valor de seus imóveis fere no coração a identidade que o tornou conhecido nacionalmente e lançou sua carreira política.

Ao de fato qualificar Trump como fraudador, a decisão do processo civil conduzido pelo juiz Arthur Engoron minou a narrativa promovida incansavelmente pelo ex-presidente enquanto mestre do mundo dos negócios, o personagem que ele usou para enredar-se na tessitura da cultura popular dos Estados Unidos e que, eventualmente, lhe conferiu a estatura e os recursos para chegar à Casa Branca.

A decisão do juiz Engoron foi o mais recente desdobramento marcante a testar a resiliência do apelo de Trump, conforme o magnata tenta disputar a eleição presidencial novamente apesar do peso das evidências contra ele em casos que abrangem seus anos de empreendedor imobiliário em Nova York, sua campanha de 2016, seus esforços para reverter sua derrota na eleição de 2020 e a maneira com que ele lidou com segredos de segurança nacional após deixar a presidência.

Ex-presidente Donald Trump participa de evento em Washington, 15 de setembro de 2023.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

O processo federal que o acusa de conspirar para reter o poder apesar de sua derrota nas urnas três anos atrás o retrata como uma ameaça para a democracia, assim como o caso similar que corre no Estado da Geórgia. O processo sobre os documentos secretos o retrata como um homem disposto a obstruir a Justiça para acobertar um desrespeito irresponsável às leis que determinam a maneira de manipular informações desse tipo. Uma acusação em Nova York que decorre de pagamentos pelo silêncio de uma atriz pornô nos estágios finais de sua campanha de 2016 apresenta evidências do tipo de trapaça política que ele professa pretender erradicar em Washington.

Até aqui nenhum desses casos prejudicou perceptivelmente a campanha de Trump pela indicação do Partido Republicano para a disputa presidencial, que, segundo indicam pesquisas, ele lidera por amplas margens. Na realidade, as sondagens mostram que os indiciamentos consolidaram seu apoio entre os republicanos. Os indiciamentos colaboraram com sua arrecadação de recursos.

Resta ver se a decisão do juiz Engoron surtirá algum efeito diferente. Mas a decisão coloca em risco a imagem pública de Trump e seu império empresarial. O ex-presidente encara agora a perspectiva não apenas de ter de pagar US$ 250 milhões em reparações, mas também de perder propriedades como a Trump Tower, indissociavelmente ligadas à sua marca.

O advogado de Trump neste processo, Christopher Kise, afirmou que a decisão é “ultrajante” e disse que vai apelar, classificando-a como “completamente desconectada dos fatos e das leis vigentes”.

“A decisão busca nacionalizar um dos mais bem-sucedidos impérios corporativos nos EUA e tomar controle de propriedades privadas ao mesmo tempo reconhecendo que há zero prova de qualquer calote, violação, pagamento atrasado ou queixa de dano”, afirmou Kise.

Trump, em um extenso post em sua rede social, afirmou que a decisão que o qualifica como fraudador é “ridícula e inverídica” e classificou-a como um ataque político no meio de sua pré-campanha presidencial.

Em todos os reveses recentes de Trump nos tribunais, suas táticas típicas de autopreservação falharam em grande medida. Quando encurralado, Trump apelou tradicionalmente para fanfarronices para se livrar dos problemas, vociferando exageros ou mentiras para escapar.

Esses métodos lhe serviram bem nas arenas empresariais e políticas, nas quais com frequência o preço pago por faltar com a verdade é baixo e eleitores tendem a não discernir gradações de prevaricações. Esses métodos, contudo, têm até aqui sido muito menos eficazes nas cortes, que operam segundo padrões rígidos de veracidade e regras austeras e sóbrias.

Em termos diretos, o juiz Engoron estourou a bolha de falácias protetivas de Trump sobre a maneira que ele conduz seus negócios. “Nas palavras do réu”, escreveu o magistrado, “apartamentos com aluguéis regulados são o mesmo que apartamentos não regulados; terras de uso restrito valem o mesmo que terras sem restrições; restrições podem simplesmente evaporar”.

“É um mundo de fantasia”, seguiu o juiz, “não o mundo real”.

A segunda arma favorita de Trump — intimidar seus adversários — também não tem funcionado muito bem nos tribunais. Neste mês, procuradores federais solicitaram à juíza à frente do processo federal que o acusa de interferência na eleição que lhe imponha uma ordem de silêncio, citando ataques “quase diários” em redes sociais contra pessoas envolvidas no julgamento e ameaças ocasionadas pelas declarações.

Trump ignorou um aviso preliminar da juíza do caso, Tanya Chutkan, para ser cauteloso sobre o que dissesse a respeito de testemunhas, promotores de Justiça e possíveis jurados no caso. Mas se ele pensou que simplesmente superaria na marra as advertências da juíza, os promotores revelaram seu blefe. Agora Trump colocou-se no que poderia ser uma rota de colisão com a juíza que poderia resultar em suas declarações públicas serem restringidas no meio de sua pré-campanha presidencial.

Trump está sendo sujeitado pelo mesmo sistema que ele usa com frequência para bloquear a oposição: o Judiciário. Nos últimos dois anos, Trump abriu uma série de processos judiciais contra meios e profissionais de imprensa, políticos críticos e até o comitê do Prêmio Pulitzer. Vários desses casos foram indeferidos.

Mas a decisão do juiz Engoron sugeriu um caráter que define há muito a personalidade de Trump e seu jeito de fazer negócios. Trump sempre buscou criar sua própria realidade — e com frequência, até certo ponto, conseguiu.

Em um processo de 2006 que Trump abriu contra o jornalista Timothy O’Brien, autor do livro “TrumpNation: The Art of Being The Donald”, que estimou o património líquido do ex-presidente em, no máximo, US$ 250 milhões, Trump sentou-se para prestar depoimento e deu uma declaração surpreendente sobre como ele calcula o valor de seus ativos.

“Meu patrimônio líquido flutua, sobe e desce com os mercados, com as atitudes e com os sentimentos, até mesmo os meus próprios sentimentos, mas eu tento”, afirmou Trump. O tribunal acabou indeferindo seu processo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Maggie Haberman é correspondente sênior de política e autora de “Confidence Man: The Making of Donald Trump and the Breaking of America”. Ela integrou uma equipe de jornalistas que venceu o Prêmio Pulitzer em 2018 por sua cobertura sobre conexões de conselheiros de Trump com a Rússia.

*Alan Feuer cobre extremismo e violência política. Ele trabalha no Times desde 1999.

The New York Times — Quase todos os aspectos da vida e da carreira de Donald Trump têm entrado sob escrutínio do sistema Judiciário ao longo dos últimos anos, o que produziu indiciamentos criminais em quatro jurisdições e uma acusação em um caso cível em relação ao que um júri considerou um abuso sexual cometido por ele décadas atrás. Mas a decisão expressada na terça-feira por um juiz do Estado de Nova York considerando que Trump cometeu fraude ao inflar o valor de seus imóveis fere no coração a identidade que o tornou conhecido nacionalmente e lançou sua carreira política.

Ao de fato qualificar Trump como fraudador, a decisão do processo civil conduzido pelo juiz Arthur Engoron minou a narrativa promovida incansavelmente pelo ex-presidente enquanto mestre do mundo dos negócios, o personagem que ele usou para enredar-se na tessitura da cultura popular dos Estados Unidos e que, eventualmente, lhe conferiu a estatura e os recursos para chegar à Casa Branca.

A decisão do juiz Engoron foi o mais recente desdobramento marcante a testar a resiliência do apelo de Trump, conforme o magnata tenta disputar a eleição presidencial novamente apesar do peso das evidências contra ele em casos que abrangem seus anos de empreendedor imobiliário em Nova York, sua campanha de 2016, seus esforços para reverter sua derrota na eleição de 2020 e a maneira com que ele lidou com segredos de segurança nacional após deixar a presidência.

Ex-presidente Donald Trump participa de evento em Washington, 15 de setembro de 2023.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

O processo federal que o acusa de conspirar para reter o poder apesar de sua derrota nas urnas três anos atrás o retrata como uma ameaça para a democracia, assim como o caso similar que corre no Estado da Geórgia. O processo sobre os documentos secretos o retrata como um homem disposto a obstruir a Justiça para acobertar um desrespeito irresponsável às leis que determinam a maneira de manipular informações desse tipo. Uma acusação em Nova York que decorre de pagamentos pelo silêncio de uma atriz pornô nos estágios finais de sua campanha de 2016 apresenta evidências do tipo de trapaça política que ele professa pretender erradicar em Washington.

Até aqui nenhum desses casos prejudicou perceptivelmente a campanha de Trump pela indicação do Partido Republicano para a disputa presidencial, que, segundo indicam pesquisas, ele lidera por amplas margens. Na realidade, as sondagens mostram que os indiciamentos consolidaram seu apoio entre os republicanos. Os indiciamentos colaboraram com sua arrecadação de recursos.

Resta ver se a decisão do juiz Engoron surtirá algum efeito diferente. Mas a decisão coloca em risco a imagem pública de Trump e seu império empresarial. O ex-presidente encara agora a perspectiva não apenas de ter de pagar US$ 250 milhões em reparações, mas também de perder propriedades como a Trump Tower, indissociavelmente ligadas à sua marca.

O advogado de Trump neste processo, Christopher Kise, afirmou que a decisão é “ultrajante” e disse que vai apelar, classificando-a como “completamente desconectada dos fatos e das leis vigentes”.

“A decisão busca nacionalizar um dos mais bem-sucedidos impérios corporativos nos EUA e tomar controle de propriedades privadas ao mesmo tempo reconhecendo que há zero prova de qualquer calote, violação, pagamento atrasado ou queixa de dano”, afirmou Kise.

Trump, em um extenso post em sua rede social, afirmou que a decisão que o qualifica como fraudador é “ridícula e inverídica” e classificou-a como um ataque político no meio de sua pré-campanha presidencial.

Em todos os reveses recentes de Trump nos tribunais, suas táticas típicas de autopreservação falharam em grande medida. Quando encurralado, Trump apelou tradicionalmente para fanfarronices para se livrar dos problemas, vociferando exageros ou mentiras para escapar.

Esses métodos lhe serviram bem nas arenas empresariais e políticas, nas quais com frequência o preço pago por faltar com a verdade é baixo e eleitores tendem a não discernir gradações de prevaricações. Esses métodos, contudo, têm até aqui sido muito menos eficazes nas cortes, que operam segundo padrões rígidos de veracidade e regras austeras e sóbrias.

Em termos diretos, o juiz Engoron estourou a bolha de falácias protetivas de Trump sobre a maneira que ele conduz seus negócios. “Nas palavras do réu”, escreveu o magistrado, “apartamentos com aluguéis regulados são o mesmo que apartamentos não regulados; terras de uso restrito valem o mesmo que terras sem restrições; restrições podem simplesmente evaporar”.

“É um mundo de fantasia”, seguiu o juiz, “não o mundo real”.

A segunda arma favorita de Trump — intimidar seus adversários — também não tem funcionado muito bem nos tribunais. Neste mês, procuradores federais solicitaram à juíza à frente do processo federal que o acusa de interferência na eleição que lhe imponha uma ordem de silêncio, citando ataques “quase diários” em redes sociais contra pessoas envolvidas no julgamento e ameaças ocasionadas pelas declarações.

Trump ignorou um aviso preliminar da juíza do caso, Tanya Chutkan, para ser cauteloso sobre o que dissesse a respeito de testemunhas, promotores de Justiça e possíveis jurados no caso. Mas se ele pensou que simplesmente superaria na marra as advertências da juíza, os promotores revelaram seu blefe. Agora Trump colocou-se no que poderia ser uma rota de colisão com a juíza que poderia resultar em suas declarações públicas serem restringidas no meio de sua pré-campanha presidencial.

Trump está sendo sujeitado pelo mesmo sistema que ele usa com frequência para bloquear a oposição: o Judiciário. Nos últimos dois anos, Trump abriu uma série de processos judiciais contra meios e profissionais de imprensa, políticos críticos e até o comitê do Prêmio Pulitzer. Vários desses casos foram indeferidos.

Mas a decisão do juiz Engoron sugeriu um caráter que define há muito a personalidade de Trump e seu jeito de fazer negócios. Trump sempre buscou criar sua própria realidade — e com frequência, até certo ponto, conseguiu.

Em um processo de 2006 que Trump abriu contra o jornalista Timothy O’Brien, autor do livro “TrumpNation: The Art of Being The Donald”, que estimou o património líquido do ex-presidente em, no máximo, US$ 250 milhões, Trump sentou-se para prestar depoimento e deu uma declaração surpreendente sobre como ele calcula o valor de seus ativos.

“Meu patrimônio líquido flutua, sobe e desce com os mercados, com as atitudes e com os sentimentos, até mesmo os meus próprios sentimentos, mas eu tento”, afirmou Trump. O tribunal acabou indeferindo seu processo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Maggie Haberman é correspondente sênior de política e autora de “Confidence Man: The Making of Donald Trump and the Breaking of America”. Ela integrou uma equipe de jornalistas que venceu o Prêmio Pulitzer em 2018 por sua cobertura sobre conexões de conselheiros de Trump com a Rússia.

*Alan Feuer cobre extremismo e violência política. Ele trabalha no Times desde 1999.

The New York Times — Quase todos os aspectos da vida e da carreira de Donald Trump têm entrado sob escrutínio do sistema Judiciário ao longo dos últimos anos, o que produziu indiciamentos criminais em quatro jurisdições e uma acusação em um caso cível em relação ao que um júri considerou um abuso sexual cometido por ele décadas atrás. Mas a decisão expressada na terça-feira por um juiz do Estado de Nova York considerando que Trump cometeu fraude ao inflar o valor de seus imóveis fere no coração a identidade que o tornou conhecido nacionalmente e lançou sua carreira política.

Ao de fato qualificar Trump como fraudador, a decisão do processo civil conduzido pelo juiz Arthur Engoron minou a narrativa promovida incansavelmente pelo ex-presidente enquanto mestre do mundo dos negócios, o personagem que ele usou para enredar-se na tessitura da cultura popular dos Estados Unidos e que, eventualmente, lhe conferiu a estatura e os recursos para chegar à Casa Branca.

A decisão do juiz Engoron foi o mais recente desdobramento marcante a testar a resiliência do apelo de Trump, conforme o magnata tenta disputar a eleição presidencial novamente apesar do peso das evidências contra ele em casos que abrangem seus anos de empreendedor imobiliário em Nova York, sua campanha de 2016, seus esforços para reverter sua derrota na eleição de 2020 e a maneira com que ele lidou com segredos de segurança nacional após deixar a presidência.

Ex-presidente Donald Trump participa de evento em Washington, 15 de setembro de 2023.  Foto: Kenny Holston/The New York Times

O processo federal que o acusa de conspirar para reter o poder apesar de sua derrota nas urnas três anos atrás o retrata como uma ameaça para a democracia, assim como o caso similar que corre no Estado da Geórgia. O processo sobre os documentos secretos o retrata como um homem disposto a obstruir a Justiça para acobertar um desrespeito irresponsável às leis que determinam a maneira de manipular informações desse tipo. Uma acusação em Nova York que decorre de pagamentos pelo silêncio de uma atriz pornô nos estágios finais de sua campanha de 2016 apresenta evidências do tipo de trapaça política que ele professa pretender erradicar em Washington.

Até aqui nenhum desses casos prejudicou perceptivelmente a campanha de Trump pela indicação do Partido Republicano para a disputa presidencial, que, segundo indicam pesquisas, ele lidera por amplas margens. Na realidade, as sondagens mostram que os indiciamentos consolidaram seu apoio entre os republicanos. Os indiciamentos colaboraram com sua arrecadação de recursos.

Resta ver se a decisão do juiz Engoron surtirá algum efeito diferente. Mas a decisão coloca em risco a imagem pública de Trump e seu império empresarial. O ex-presidente encara agora a perspectiva não apenas de ter de pagar US$ 250 milhões em reparações, mas também de perder propriedades como a Trump Tower, indissociavelmente ligadas à sua marca.

O advogado de Trump neste processo, Christopher Kise, afirmou que a decisão é “ultrajante” e disse que vai apelar, classificando-a como “completamente desconectada dos fatos e das leis vigentes”.

“A decisão busca nacionalizar um dos mais bem-sucedidos impérios corporativos nos EUA e tomar controle de propriedades privadas ao mesmo tempo reconhecendo que há zero prova de qualquer calote, violação, pagamento atrasado ou queixa de dano”, afirmou Kise.

Trump, em um extenso post em sua rede social, afirmou que a decisão que o qualifica como fraudador é “ridícula e inverídica” e classificou-a como um ataque político no meio de sua pré-campanha presidencial.

Em todos os reveses recentes de Trump nos tribunais, suas táticas típicas de autopreservação falharam em grande medida. Quando encurralado, Trump apelou tradicionalmente para fanfarronices para se livrar dos problemas, vociferando exageros ou mentiras para escapar.

Esses métodos lhe serviram bem nas arenas empresariais e políticas, nas quais com frequência o preço pago por faltar com a verdade é baixo e eleitores tendem a não discernir gradações de prevaricações. Esses métodos, contudo, têm até aqui sido muito menos eficazes nas cortes, que operam segundo padrões rígidos de veracidade e regras austeras e sóbrias.

Em termos diretos, o juiz Engoron estourou a bolha de falácias protetivas de Trump sobre a maneira que ele conduz seus negócios. “Nas palavras do réu”, escreveu o magistrado, “apartamentos com aluguéis regulados são o mesmo que apartamentos não regulados; terras de uso restrito valem o mesmo que terras sem restrições; restrições podem simplesmente evaporar”.

“É um mundo de fantasia”, seguiu o juiz, “não o mundo real”.

A segunda arma favorita de Trump — intimidar seus adversários — também não tem funcionado muito bem nos tribunais. Neste mês, procuradores federais solicitaram à juíza à frente do processo federal que o acusa de interferência na eleição que lhe imponha uma ordem de silêncio, citando ataques “quase diários” em redes sociais contra pessoas envolvidas no julgamento e ameaças ocasionadas pelas declarações.

Trump ignorou um aviso preliminar da juíza do caso, Tanya Chutkan, para ser cauteloso sobre o que dissesse a respeito de testemunhas, promotores de Justiça e possíveis jurados no caso. Mas se ele pensou que simplesmente superaria na marra as advertências da juíza, os promotores revelaram seu blefe. Agora Trump colocou-se no que poderia ser uma rota de colisão com a juíza que poderia resultar em suas declarações públicas serem restringidas no meio de sua pré-campanha presidencial.

Trump está sendo sujeitado pelo mesmo sistema que ele usa com frequência para bloquear a oposição: o Judiciário. Nos últimos dois anos, Trump abriu uma série de processos judiciais contra meios e profissionais de imprensa, políticos críticos e até o comitê do Prêmio Pulitzer. Vários desses casos foram indeferidos.

Mas a decisão do juiz Engoron sugeriu um caráter que define há muito a personalidade de Trump e seu jeito de fazer negócios. Trump sempre buscou criar sua própria realidade — e com frequência, até certo ponto, conseguiu.

Em um processo de 2006 que Trump abriu contra o jornalista Timothy O’Brien, autor do livro “TrumpNation: The Art of Being The Donald”, que estimou o património líquido do ex-presidente em, no máximo, US$ 250 milhões, Trump sentou-se para prestar depoimento e deu uma declaração surpreendente sobre como ele calcula o valor de seus ativos.

“Meu patrimônio líquido flutua, sobe e desce com os mercados, com as atitudes e com os sentimentos, até mesmo os meus próprios sentimentos, mas eu tento”, afirmou Trump. O tribunal acabou indeferindo seu processo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Maggie Haberman é correspondente sênior de política e autora de “Confidence Man: The Making of Donald Trump and the Breaking of America”. Ela integrou uma equipe de jornalistas que venceu o Prêmio Pulitzer em 2018 por sua cobertura sobre conexões de conselheiros de Trump com a Rússia.

*Alan Feuer cobre extremismo e violência política. Ele trabalha no Times desde 1999.

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