TAIPÉ, Taiwan — Os eleitores taiwaneses deixaram claro — pela terceira vez consecutiva — que não querem um líder que se curve à China. No sábado, a ilha democrática elegeu presidente Lai Ching-te, atual vice-presidente e ex-defensor da independência, considerado por Pequim um “separatista” perigoso.
Agora, Pequim terá de forjar sua resposta.
Para o governo chinês, a vitória de Lai é uma derrota que aprofunda a ansiedade sobre trazer Taiwan para seu controle, um objetivo longamente acalentado pelo governante Partido Comunista e parte crítica do legado do líder chinês Xi Jinping. O resultado confere ao Partido Democrático Progressista (PDP), com o qual Pequim se recusa a dialogar, um terceiro mandato inédito.
“A vitória de Lai significa que Xi perde prestígio”, afirmou Chen Fang-Yu, professor-assistente da ciência política da Universidade Soochow, em Taipé. “Significa que suas políticas para Taiwan fracassaram. Portanto, ele terá de fazer algo para demonstrar sua força.”
Nos próximos meses, a expectativa é que Pequim incremente seus esforços de intimidação a Taiwan usando táticas coercivas familiares, incluindo ameaça militar e pressão econômica.
Mas a concretização de um conflito ou de uma invasão é improvável, pelo menos por agora, segundo autoridades e analistas de Taiwan e dos Estados Unidos. As ações imediatas da China serão abrandadas por um desejo de manter as relações recentemente estabilizadas com Washington.
Uma delegação dos EUA, incluindo o ex-conselheiro de segurança nacional Stephen Hadley e o ex-subsecretário de Estado James Steinberg, chegaria a Taipé no domingo, 14, de acordo com o Instituto Americano de Taiwan, a embaixada de facto dos EUA por aqui.
A resposta inicial da China para a vitória de Lai foi previsível: autoridades publicaram as costumeiras declarações inflamadas no domingo, e as embaixadas de Pequim em países que congratularam Lai condenaram as nações por “interferir em assuntos internos na China”. A Embaixada Chinesa em Londres declarou: “Não importa como mude a situação em Taiwan, o fato básico de que Taiwan é parte da China não mudará”.
Quatro embarcações militares foram detectadas nas proximidades de Taiwan, afirmou na manhã do domingo o Ministério da Defesa da ilha, enquanto um balão chinês de altitude elevada flutuou através da costa noroeste aproximando-se da capital.
Contato
Ao longo dos últimos oito anos, desde que o PDP chegou ao poder, Pequim suspendeu todas as relações oficiais com a presidente Tsai Ing-wen, e é ainda menos provável que estabeleça algum laço com Lai, que no passado defendia a independência absoluta.
Lai moderou sua posição enquanto serviu como vice de Tsai e prometeu continuar sua política de manter o frágil status quo e evitar uma guerra no Estreito de Taiwan. E afirmou várias vezes que a relação com Pequim seria “entre iguais”.
Mas Pequim já rejeitou a posição do PDP de que Taiwan é um país soberano sob seu nome oficial, República da China, e que não há necessidade de formalizar a independência e arriscar um conflito.
Os eleitores taiwaneses, tanto os que apoiaram Lai quanto os que escolheram dois candidatos opositores, preparam-se para quatro anos turbulentos.
“Acho que os chineses vão intensificar a pressão sobre Taiwan, mas não tenho medo deles”, afirmou Akira Chiu, de 60 anos, que trabalha com turismo e votou em Lai. “Nós estamos prontos para proteger nosso país a qualquer momento.”
Hsieh Hsin Jung, de 26 anos, que trabalha em um escritório de Taipé e votou no principal partido de oposição, o Kuomintang, que defende relações mais próximas com a China, afirmou que o PDP aproximará Taiwan da guerra com a China.
“Estou bastante preocupada a respeito do futuro de Taiwan porque o PDP tem um histórico de confrontar a China. Mas e se a China ficar sem paciência nos próximos quatro anos e declarar guerra? Isso não é impossível”, disse ela.
Analistas afirmam que Pequim não deverá optar por ações drásticas antes da posse de Lai, em 20 de maio, o próximo marco importante que determinará como sua eleição afetará a intranquila relação entre Taiwan, China e EUA.
Equilíbrio
Anteriormente à transmissão do poder em Taipé, Pequim tentará encontrar um equilíbrio entre intimidar o governo taiwanês e instar Washington a controlar Lai sem provocar uma reação que lhe afaste ainda mais da população da ilha.
“A China manterá alta sua pressão militar para convencer Lai a ‘não cruzar a linha vermelha’ durante o discurso de posse”, afirmou Yun Sun, diretora do programa de China do Centro Stimson, de Washington.
Poucos antecipam o nível de força demonstrado após a então presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, visitar Taipé em 2022, quando as Forças Armadas chinesas lançaram cerca de uma dúzia de mísseis em quatro dias de exercícios militares em torno de Taiwan. Mas Pequim pode acionar outros métodos.
Desde dezembro, a China lançou mais de 31 balões de altitude elevada — similares ao que foi derrubado nos EUA no ano passado — ao espaço aéreo de Taiwan, representando uma nova forma de tática “cinzenta” com objetivo de intimidar os taiwaneses e fazê-los esgotar seus recursos militares.
Saiba mais
Antes da eleição, Pequim cancelou tarifas preferenciais sobre 12 tipos de químicos importados de Taiwan, parte de um acordo comercial que vigorava havia uma década, e ameaçou cancelar mais.
“O impacto cumulativo desses passos é que Lai ficará menos, não mais, flexível a respeito de suas posições sobre Pequim”, afirmou o diretor-gerente de análise sobre China do Eurasia Group, Rick Waters, que no passado foi a mais graduada autoridade do Departamento de Estado em relação a políticas para a China.
Pequim será capaz de usar essa pressão para explorar algumas fraquezas de Lai. No domingo, os meios de comunicações chineses enfatizaram que Lai conquistou a presidência com apenas 40% dos votos e que seu partido perdeu a maioria na legislatura.
“Os resultados de ambas as eleições provam que (o PDP) não representa a principal opinião pública na ilha”, declarou na noite do sábado o Escritório de Assuntos de Taiwan, do governo chinês.
Apesar da eleição de Lai ter sido um revés para a China, afirmou a cientista política Minxin Pei, da Faculdade Claremont McKenna, Pequim pode se consolar por ter em conta que o novo governo é mais fraco que o atual. O opositor Kuomintang possui agora uma tênue maioria na legislatura.
“Então, exceto pela perda em prestígio, a China está substantivamente numa posição um pouco melhor que antes”, afirmou Pei. Ainda assim, Pequim parece relutante em anular os ganhos alcançados quando Xi e o presidente Joe Biden se encontraram, em novembro, numa reunião que ajudou a reabrir canais de comunicação importantes, incluindo entre as Forças Armadas de seus países.
Por essa razão, a China provavelmente aguardará para se posicionar, afirmou a diretora administrativa do Programa Indo-Pacífico do Fundo Marshall Alemão, Bonnie Glaser.
“Eu acho que os chineses vão cessar ações maiores — talvez lancem algum caça de combate para o espaço aéreo taiwanês — porque precisam ser capazes de ter algo para mostrar depois e porque não querem perturbar a frágil estabilidade nas relações EUA-China”, afirmou ela.
O governo Biden reiterou durante a campanha eleitoral que não apoia a independência de Taiwan e que não toma posição sobre “a resolução definitiva das diferenças entre ambos os lados do Estreito, desde que elas sejam resolvidas pacificamente”.
Esse movimento destinou-se a tranquilizar Pequim, afirmou Amanda Hsiao, analista sênior do Crisis Group. “Trata-se de uma tentativa clara de ambos os lados no sentido de manter o impulso gerado na reunião entre Xi e Biden.”
Mesmo se o diálogo político de alto nível entre Pequim e o governo de Lai não for possível, há espaço para moderação. Sinalizações em declarações públicas ou comunicações por meio de canais nos bastidores ajudariam, de acordo com Hsiao.
“A janela de tempo em que estamos é realmente importante. Ela depende realmente do que é comunicado entre as três partes, é uma oportunidade para estabelecer expectativas”, afirmou ela, referindo-se a Pequim, Taipé e Washington.
Em Taipé, alguns cidadãos veem pouco sentido em conversar com Pequim. “Se a China quiser lançar uma guerra, não importa o que Taiwan fizer nem que partido estiver no poder, nada não será capaz de impedi-la”, afirmou a tradutora Dora Chang, de 27 anos, que se inscreveu recentemente em um curso de treinamento em defesa civil. “Todos nós sabemos que sempre é a China que provoca, não Taiwan.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO