Depois de Síria, Rússia estende sua influência à Líbia


Após vitória na Síria, Moscou envia atiradores de elite a Trípoli em apoio a líder miliciano

Por David D. Kirkpatrick

Os mortos e feridos do hospital de Aziziya, ao sul de Trípoli, costumavam chegar com ferimentos abertos e membros despedaçados, vítimas do fogo aleatório da artilharia nas batalhas entre as milícias da Líbia. Mas agora os médicos dizem que estão vendo algo novo: buracos precisos na cabeça ou no tronco, deixados por balas que matam na hora e não saem do corpo.

Para combatentes líbios, isso é trabalho de mercenários russos, até mesmo de atiradores de elite. A ausência de ferimentos de saída das balas é típica da munição usada pelos mercenários russos em outros lugares. 

Líbio caminha pelos destroços de sua casa após ataque lançado pelas forças de Khalifa Haftar na região de Tajoura, ao leste de Trípoli Foto: Hazem Ahmed/Reuters - 2019
continua após a publicidade

Os atiradores estão entre os cerca de 200 combatentes russos que chegaram à Líbia nas últimas seis semanas, parte de uma campanha do Kremlin para reafirmar sua influência no Oriente Médio e na África.

Após quatro anos de apoio financeiro e tático a um possível líder líbio, a Rússia agora está se empenhando de maneira muito mais direta para determinar o resultado da confusa guerra civil do país. Já utilizou jatos Sukhoi, ataques de mísseis coordenados e artilharia de precisão, assim como atiradores de elite – o mesmo manual que permitiu a Moscou definir quem seria o vencedor da guerra civil da Síria. “É exatamente a mesma estratégia empregada com os sírios”, disse Fathi Bashagha, ministro do Interior do governo provisório de Trípoli.

Qualquer que seja seu efeito sobre o desenlace da guerra, a intervenção russa já deu a Moscou um poder de veto sobre qualquer resolução do conflito. Os russos intervieram em favor do líder de milícia Khalifa Hifter, que tem base no leste da Líbia e também é apoiado por Emirados Árabes, Egito, Arábia Saudita e, às vezes, pela França. Seus apoiadores o adotaram como a melhor esperança para conter a influência do islamismo político, reprimir os militantes e restaurar uma ordem autoritária.

continua após a publicidade
Exército Nacional Líbio, comandado por Haftar, se prepara para entrar na capital da Líbia Foto: REUTERS/Esam Omran Al-Fetori

Hifter está em guerra há mais de cinco anos contra uma coalizão de milícias do oeste da Líbia, que apoiam as autoridades de Trípoli. O governo da capital foi criado pela ONU em 2015 e é oficialmente respaldado pelos EUA e outras potências ocidentais. Mas, na prática, a Turquia é seu único protetor.

A nova intervenção de mercenários russos é apenas uma das semelhanças com a guerra civil síria. Os atiradores de elite russos pertencem ao Wagner Group, empresa privada ligada ao Kremlin que também liderou a intervenção russa na Síria, segundo autoridades líbias e diplomatas ocidentais.

continua após a publicidade

Nos dois conflitos, potências regionais rivais estão armando aliados locais. E, assim como na Síria, os parceiros locais que se uniram aos EUA para combater o Estado Islâmico agora estão reclamando de abandono e traição.

Relembre: Mais conversa, menos combate

Seu navegador não suporta esse video.

Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, ‘ainda há tempo’ de evitar uma escalada dos combates pela capital líbia. Antonio Guterres defende o retorno urgente do diálogo. Na semana passada o marechal Khalifa Haftar lançou uma ofensiva sobre o governo sediado em Trípoli, que é apoiado pela ONU e por diversas milícias.

continua após a publicidade

A ONU tentou e fracassou em negociar a paz nos dois países. Mas as apostas na Líbia são, de certa forma, ainda mais altas. A Líbia controla vastas reservas de petróleo, bombeando 1,3 milhão de barris por dia, apesar do atual conflito. Seu extenso litoral no Mediterrâneo, a apenas 500 quilômetros da Itália, tem sido o ponto de partida para dezenas de milhares de migrantes que vão para a Europa. E as fronteiras abertas ao redor dos desertos da Líbia servem como refúgio para extremistas do norte da África.

O conflito se tornou uma combinação do primitivo com o futurista. A Turquia e os Emirados Árabes transformaram a Líbia no primeiro campo de batalha marcado principalmente pelo confronto de frotas de drones armados. Mas, no chão, a guerra se dá entre milícias, com menos de 400 combatentes preparados para lutar a qualquer momento. 

“Na Líbia, há uma enorme discrepância entre os combates terrestres e a tecnologia avançada que as potências estrangeiras introduziram no combate aéreo”, disse Emad Badi, pesquisador líbio do Instituto do Oriente Médio, que visitou o front em julho. “É como se fossem dois mundos diferentes.”

continua após a publicidade

A chegada dos atiradores russos já está transformando a guerra, disse Mohamed el-Delawi, um oficial da milícia de Trípoli, relatando a morte de nove de seus combatentes – um deles baleado nos olhos. “A bala era do tamanho de um dedo.”

“Está muito claro que a Rússia vem participando do conflito”, disse o general Osama al-Juwaili, principal comandante das forças alinhadas com o governo de Trípoli. Ele reclamou que o Ocidente não está fazendo nada para proteger o governo das potências estrangeiras determinadas a colocar Hifter no poder.

continua após a publicidade

Até então, a Rússia havia permanecido em segundo plano, enquanto Emirados e Egito assumiam o papel principal no apoio militar a Hifter. Dada a natureza amadora dos combates em terra, disseram alguns diplomatas, a chegada de 200 profissionais russos pode ter um impacto enorme. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Os mortos e feridos do hospital de Aziziya, ao sul de Trípoli, costumavam chegar com ferimentos abertos e membros despedaçados, vítimas do fogo aleatório da artilharia nas batalhas entre as milícias da Líbia. Mas agora os médicos dizem que estão vendo algo novo: buracos precisos na cabeça ou no tronco, deixados por balas que matam na hora e não saem do corpo.

Para combatentes líbios, isso é trabalho de mercenários russos, até mesmo de atiradores de elite. A ausência de ferimentos de saída das balas é típica da munição usada pelos mercenários russos em outros lugares. 

Líbio caminha pelos destroços de sua casa após ataque lançado pelas forças de Khalifa Haftar na região de Tajoura, ao leste de Trípoli Foto: Hazem Ahmed/Reuters - 2019

Os atiradores estão entre os cerca de 200 combatentes russos que chegaram à Líbia nas últimas seis semanas, parte de uma campanha do Kremlin para reafirmar sua influência no Oriente Médio e na África.

Após quatro anos de apoio financeiro e tático a um possível líder líbio, a Rússia agora está se empenhando de maneira muito mais direta para determinar o resultado da confusa guerra civil do país. Já utilizou jatos Sukhoi, ataques de mísseis coordenados e artilharia de precisão, assim como atiradores de elite – o mesmo manual que permitiu a Moscou definir quem seria o vencedor da guerra civil da Síria. “É exatamente a mesma estratégia empregada com os sírios”, disse Fathi Bashagha, ministro do Interior do governo provisório de Trípoli.

Qualquer que seja seu efeito sobre o desenlace da guerra, a intervenção russa já deu a Moscou um poder de veto sobre qualquer resolução do conflito. Os russos intervieram em favor do líder de milícia Khalifa Hifter, que tem base no leste da Líbia e também é apoiado por Emirados Árabes, Egito, Arábia Saudita e, às vezes, pela França. Seus apoiadores o adotaram como a melhor esperança para conter a influência do islamismo político, reprimir os militantes e restaurar uma ordem autoritária.

Exército Nacional Líbio, comandado por Haftar, se prepara para entrar na capital da Líbia Foto: REUTERS/Esam Omran Al-Fetori

Hifter está em guerra há mais de cinco anos contra uma coalizão de milícias do oeste da Líbia, que apoiam as autoridades de Trípoli. O governo da capital foi criado pela ONU em 2015 e é oficialmente respaldado pelos EUA e outras potências ocidentais. Mas, na prática, a Turquia é seu único protetor.

A nova intervenção de mercenários russos é apenas uma das semelhanças com a guerra civil síria. Os atiradores de elite russos pertencem ao Wagner Group, empresa privada ligada ao Kremlin que também liderou a intervenção russa na Síria, segundo autoridades líbias e diplomatas ocidentais.

Nos dois conflitos, potências regionais rivais estão armando aliados locais. E, assim como na Síria, os parceiros locais que se uniram aos EUA para combater o Estado Islâmico agora estão reclamando de abandono e traição.

Relembre: Mais conversa, menos combate

Seu navegador não suporta esse video.

Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, ‘ainda há tempo’ de evitar uma escalada dos combates pela capital líbia. Antonio Guterres defende o retorno urgente do diálogo. Na semana passada o marechal Khalifa Haftar lançou uma ofensiva sobre o governo sediado em Trípoli, que é apoiado pela ONU e por diversas milícias.

A ONU tentou e fracassou em negociar a paz nos dois países. Mas as apostas na Líbia são, de certa forma, ainda mais altas. A Líbia controla vastas reservas de petróleo, bombeando 1,3 milhão de barris por dia, apesar do atual conflito. Seu extenso litoral no Mediterrâneo, a apenas 500 quilômetros da Itália, tem sido o ponto de partida para dezenas de milhares de migrantes que vão para a Europa. E as fronteiras abertas ao redor dos desertos da Líbia servem como refúgio para extremistas do norte da África.

O conflito se tornou uma combinação do primitivo com o futurista. A Turquia e os Emirados Árabes transformaram a Líbia no primeiro campo de batalha marcado principalmente pelo confronto de frotas de drones armados. Mas, no chão, a guerra se dá entre milícias, com menos de 400 combatentes preparados para lutar a qualquer momento. 

“Na Líbia, há uma enorme discrepância entre os combates terrestres e a tecnologia avançada que as potências estrangeiras introduziram no combate aéreo”, disse Emad Badi, pesquisador líbio do Instituto do Oriente Médio, que visitou o front em julho. “É como se fossem dois mundos diferentes.”

A chegada dos atiradores russos já está transformando a guerra, disse Mohamed el-Delawi, um oficial da milícia de Trípoli, relatando a morte de nove de seus combatentes – um deles baleado nos olhos. “A bala era do tamanho de um dedo.”

“Está muito claro que a Rússia vem participando do conflito”, disse o general Osama al-Juwaili, principal comandante das forças alinhadas com o governo de Trípoli. Ele reclamou que o Ocidente não está fazendo nada para proteger o governo das potências estrangeiras determinadas a colocar Hifter no poder.

Até então, a Rússia havia permanecido em segundo plano, enquanto Emirados e Egito assumiam o papel principal no apoio militar a Hifter. Dada a natureza amadora dos combates em terra, disseram alguns diplomatas, a chegada de 200 profissionais russos pode ter um impacto enorme. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Os mortos e feridos do hospital de Aziziya, ao sul de Trípoli, costumavam chegar com ferimentos abertos e membros despedaçados, vítimas do fogo aleatório da artilharia nas batalhas entre as milícias da Líbia. Mas agora os médicos dizem que estão vendo algo novo: buracos precisos na cabeça ou no tronco, deixados por balas que matam na hora e não saem do corpo.

Para combatentes líbios, isso é trabalho de mercenários russos, até mesmo de atiradores de elite. A ausência de ferimentos de saída das balas é típica da munição usada pelos mercenários russos em outros lugares. 

Líbio caminha pelos destroços de sua casa após ataque lançado pelas forças de Khalifa Haftar na região de Tajoura, ao leste de Trípoli Foto: Hazem Ahmed/Reuters - 2019

Os atiradores estão entre os cerca de 200 combatentes russos que chegaram à Líbia nas últimas seis semanas, parte de uma campanha do Kremlin para reafirmar sua influência no Oriente Médio e na África.

Após quatro anos de apoio financeiro e tático a um possível líder líbio, a Rússia agora está se empenhando de maneira muito mais direta para determinar o resultado da confusa guerra civil do país. Já utilizou jatos Sukhoi, ataques de mísseis coordenados e artilharia de precisão, assim como atiradores de elite – o mesmo manual que permitiu a Moscou definir quem seria o vencedor da guerra civil da Síria. “É exatamente a mesma estratégia empregada com os sírios”, disse Fathi Bashagha, ministro do Interior do governo provisório de Trípoli.

Qualquer que seja seu efeito sobre o desenlace da guerra, a intervenção russa já deu a Moscou um poder de veto sobre qualquer resolução do conflito. Os russos intervieram em favor do líder de milícia Khalifa Hifter, que tem base no leste da Líbia e também é apoiado por Emirados Árabes, Egito, Arábia Saudita e, às vezes, pela França. Seus apoiadores o adotaram como a melhor esperança para conter a influência do islamismo político, reprimir os militantes e restaurar uma ordem autoritária.

Exército Nacional Líbio, comandado por Haftar, se prepara para entrar na capital da Líbia Foto: REUTERS/Esam Omran Al-Fetori

Hifter está em guerra há mais de cinco anos contra uma coalizão de milícias do oeste da Líbia, que apoiam as autoridades de Trípoli. O governo da capital foi criado pela ONU em 2015 e é oficialmente respaldado pelos EUA e outras potências ocidentais. Mas, na prática, a Turquia é seu único protetor.

A nova intervenção de mercenários russos é apenas uma das semelhanças com a guerra civil síria. Os atiradores de elite russos pertencem ao Wagner Group, empresa privada ligada ao Kremlin que também liderou a intervenção russa na Síria, segundo autoridades líbias e diplomatas ocidentais.

Nos dois conflitos, potências regionais rivais estão armando aliados locais. E, assim como na Síria, os parceiros locais que se uniram aos EUA para combater o Estado Islâmico agora estão reclamando de abandono e traição.

Relembre: Mais conversa, menos combate

Seu navegador não suporta esse video.

Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, ‘ainda há tempo’ de evitar uma escalada dos combates pela capital líbia. Antonio Guterres defende o retorno urgente do diálogo. Na semana passada o marechal Khalifa Haftar lançou uma ofensiva sobre o governo sediado em Trípoli, que é apoiado pela ONU e por diversas milícias.

A ONU tentou e fracassou em negociar a paz nos dois países. Mas as apostas na Líbia são, de certa forma, ainda mais altas. A Líbia controla vastas reservas de petróleo, bombeando 1,3 milhão de barris por dia, apesar do atual conflito. Seu extenso litoral no Mediterrâneo, a apenas 500 quilômetros da Itália, tem sido o ponto de partida para dezenas de milhares de migrantes que vão para a Europa. E as fronteiras abertas ao redor dos desertos da Líbia servem como refúgio para extremistas do norte da África.

O conflito se tornou uma combinação do primitivo com o futurista. A Turquia e os Emirados Árabes transformaram a Líbia no primeiro campo de batalha marcado principalmente pelo confronto de frotas de drones armados. Mas, no chão, a guerra se dá entre milícias, com menos de 400 combatentes preparados para lutar a qualquer momento. 

“Na Líbia, há uma enorme discrepância entre os combates terrestres e a tecnologia avançada que as potências estrangeiras introduziram no combate aéreo”, disse Emad Badi, pesquisador líbio do Instituto do Oriente Médio, que visitou o front em julho. “É como se fossem dois mundos diferentes.”

A chegada dos atiradores russos já está transformando a guerra, disse Mohamed el-Delawi, um oficial da milícia de Trípoli, relatando a morte de nove de seus combatentes – um deles baleado nos olhos. “A bala era do tamanho de um dedo.”

“Está muito claro que a Rússia vem participando do conflito”, disse o general Osama al-Juwaili, principal comandante das forças alinhadas com o governo de Trípoli. Ele reclamou que o Ocidente não está fazendo nada para proteger o governo das potências estrangeiras determinadas a colocar Hifter no poder.

Até então, a Rússia havia permanecido em segundo plano, enquanto Emirados e Egito assumiam o papel principal no apoio militar a Hifter. Dada a natureza amadora dos combates em terra, disseram alguns diplomatas, a chegada de 200 profissionais russos pode ter um impacto enorme. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.