ESPECIAL PARA O ‘ESTADÃO’/SANTIAGO - O presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, completa neste sábado um ano de mandato longe da euforia que tomou conta de sua posse na Plaza de la Constitución, em Santiago, em 11 de março do ano passado. O início da sua gestão foi marcado pela baixa aprovação, derrotas importantes no Congresso e problemas internos na coalizão de governo. O apoio do centro, crucial para derrotar o direitista José Antonio Kast, perdeu fôlego e muitos eleitores hoje veem o presidente com ceticismo.
É o caso do universitário Benjamín Rojas, que foi às urnas pela primeira vez na eleição de 2021. Ele conta que votou em Ignacio Briones no primeiro turno por se identificar mais com o ex-candidato de centro-direita. Já no segundo turno, votou em Gabriel Boric por não concordar com as posições mais conservadoras de Kast.
“Sou liberal, pró livre mercado e também respeito as liberdades individuais. Apesar de Kast ter um bom plano econômico e algumas propostas que eu gostava, não compartilhava dos valores dele”, declarou.
Apesar de não se arrepender de ter contribuído para que o atual presidente fosse eleito, Benjamín faz parte do grupo que está insatisfeito com o governo. Morador de Valdívia, cidade ao sul do Chile, o aluno de engenharia informática acredita que a gestão deveria desenvolver políticas menos centralizadas na capital, Santiago. ”Gostaria que oportunidades de trabalho fossem mais igualitárias em todo o país”, diz.
O estudante é um exemplo do descontentamento com Gabriel Boric. De acordo com a pesquisa Cadem, desde junho do ano passado, o mandatário enfrenta uma baixa aprovação em sua gestão. O esquerdista nunca conseguiu uma aprovação superior a 40%.
O pior momento de sua popularidade foi no segundo semestre de 2022, após o plebiscito constitucional que rejeitou a proposta de uma nova Carta Magna para o país. Na ocasião, os índices de aprovação chegaram à casa dos 20%. Nos últimos meses, no entanto, Boric conseguiu uma recuperação, ainda que em patamares baixos. A última pesquisa, divulgada no dia 5 de março, apresentou um leve crescimento na porcentagem de chilenos que aprovam o governo, com a popularidade do presidente chegando a 35%.
Sem aprovação popular, o governo também enfrenta dificuldades de governabilidade. O fato de o governo não ter maioria no Congresso tem complicado o andamento da gestão. As reformas prometidas por Boric, como a da Previdência, estão distantes de serem aprovadas. “Depois de um ano, ainda não temos uma política pública aprovada pelo Legislativo”, ressalta o cientista político Cristóbal Rovira, da Universidade Diego Portales.
Mais sobre Chile
Na quarta-feira, 8, a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de reforma tributária que havia sido encaminhada pelo Executivo. Considerado um dos projetos mais importantes do governo atual, a reforma tinha como objetivo viabilizar financeiramente outras propostas de campanha de Boric. Dentre os principais pontos do projeto estavam a criação de uma tributação para os mais ricos, medidas contra a evasão fiscal e modificações no imposto de renda. Um golpe para o presidente, que criticou severamente a decisão.
“O governo não ficará imobilizado e encontrará o caminho para habilitar um debate sério no Congresso e, com isso, tornar realidade a reforma tributária que o Chile precisa”, criticou Boric, após a derrota, que foi facilitada pela abstenção de ao menos oito deputados de sua base.
Inexperiência
Para Rovira, a gestão do presidente mais jovem da história do Chile começou muito bem, principalmente em sua composição, misturando pessoas com bastante experiência com outras que tinham pouca, e paridade entre homens e mulheres nos cargos. Porém, isso logo se mostrou um problema.
“Muitas dos que entraram no governo não tinham experiência política, mas também não souberam se aproximar de quem tinha. Isso fez com que erros graves fossem cometidos”.
Izkia Siches, ex-ministra do Interior, é um exemplo disso. Após ações e declarações equivocadas, como a que proferiu contra a gestão anterior em relação à expulsão de imigrantes ilegais no norte do país, fizeram com que ela deixasse a pasta em setembro de 2022, na primeira mudança ministerial.
Na última sexta-feira, 10, Boric fez uma troca nos ministérios. Entre as pastas afetadas estão Relações Exteriores, Obras Públicas, Esporte e Cultura. “O presidente e seu grupo mais próximo não souberam aproveitar o bom início que tiveram”, complementa Cristóbal Rovira, que acredita que as novas mudanças ministeriais poderão melhorar, principalmente, esse abismo entre os mais e os menos experientes.
Apesar de também estar descontente com a atual administração, o aposentado Jorge Viera é ciente das dificuldades de governar com o atual Congresso. Aos 70 anos, matém a esperança de mudanças e políticas públicas que efetivamente beneficiem a população.
”Este primeiro ano foi mais para sentir o terreno. Quero ver o que o presidente fará no segundo, no terceiro e no quarto. Tenho esperança de que com esse governo a gente possa dar um passo importante para resolver problemas significativos do país, como a grande desigualdade social”, admite.
Desafio constitucional
Talvez a principal derrota política do primeiro ano do governo Boric tenha sido a rejeição da nova proposta de Constituição do país, rechaçada em referendo por mais de 60% dos chilenos em setembro. Após inúmeras negociações junto ao Congresso, o presidente definiu a realização de um novo processo, que já teve início neste mês, com a instalação do Comitê de Especialistas escolhidos pelos congressistas. Em maio, a população vai às urnas para eleger os constituintes e a população votará se aprova ou rejeita uma nova versão do texto em dezembro.
Para a analista política Pamela Figueroa, Boric, além do novo processo constituinte, Boric deve concentrar o restante do mandato com foco na economia e segurança pública. “O presidente não abandonou a sua agenda política, como muitos podem dizer. O que ele fez foi estabelecer uma ordem de prioridades para levar adiante a sua agenda”, afirma.
No campo econômico, as boas notícias começam a aparecer. Após um 2022 marcado pela alta de preços e uma inflação de 12,8%, o Índice de Preços ao Consumidor (referência para medir a inflação) registrou queda de -0,1% no mês passado, surpreendendo muitos especialistas. Desde 2020, quando começou a pandemia de covid-19, o custo de vida no país não apresentava retração.