Desconfiança e temor de escassez ameaçam tímida recuperação econômica na Venezuela


Processo de abertura no país sul-americano teve impacto positivo na economia, mas anos de desequilíbrio nas finanças e de hiperinflação faz venezuelanos reagirem a cada sinal de variação

Por Renato Vasconcelos e Carolina Marins

A Venezuela voltou a ter previsão de crescimento por dois anos seguidos após sete de contração econômica. O dólar oficial está quase equiparado ao dólar paralelo, usado como referência na maioria das transações no mercado interno, o que aumentou o volume de transações pelo sistema bancário. E mesmo a inflação estimada para 2022 de 500%, segundo o FMI, não é nem sombra da hiperinflação registrada há poucos anos.

A melhora econômica diante do colapso econômico, impulsionada por reformas liberalizantes autorizadas pelo governo de Nicolás Maduro, foi capaz criar um “otimismo moderado” entre economistas do país, mas não para resgatar a confiança do venezuelano comum.

Os anos de escassez de produtos nos mercados e de desvalorização constante da moeda provocaram um estado de alerta permanente, que reage ao menor sinal de instabilidade econômica e em que ter uma reserva em moeda estrangeira é indispensável.

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Pescadores no porto de La Guaira, na Venezuela: custo de vida tem aumentado Foto: AP Photo/Ariana Cubillos

“A desconfiança da população é normal, porque como a economia ainda não está estável e nem em equilíbrio, nunca se sabe quando vai se perder o controle, quando vai haver uma ruptura. Acho que essa preocupação é normal, mas é claro que ela complica ainda mais o problema”, disse o economista, Luis Vicente Leon, presidente do Datanalisis.

Há cerca de um mês, uma disparada no preço do dólar mostrou como essa desconfiança se manifesta. Em um espaço de cinco dias, entre 22 e 26 de agosto, o dólar oficial saltou de 6,18 bolívares para 7,85, uma desvalorização de cerca de 27% da moeda nacional. Até o fim do mês, um dólar chegou a custar 9 bolívares -- o que provocou uma corrida para estocar alimentos e itens básicos.

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“Foi muito angustiante, houve total descontrole na alta do dólar. Em questão de dias, o valor subiu em 2 bolívares, e subiu mais na última semana de agosto. No centro comercial onde eu trabalho, todas as lojas permaneceram fechadas no fim-de-semana. Foi realmente preocupante”, contou a venezuelana Sara Franco, de 66 anos, moradora de Caracas.

Na impressão da técnica de oftalmologia, o país já estava “no limiar” de uma nova desvalorização do bolívar, o que acabou por estimular “compras nervosas” no momento de alta do dólar, por medo “‘de uma nova escassez”.

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O pensamento de Sara ajuda a explicar um pouco da herança que a decadência econômica venezuelana na última década deixou no cidadão comum. Certa vez maior renda per capita da América Latina, as finanças do país entraram em queda livre a partir de 2014, em meio a intervenções do governo na economia e o endurecimento de sanções internacionais contra o país.

Em 2021, a Venezuela foi considerada o país mais pobre da região, sendo ultrapassada pelo Haiti. O país perdeu cerca de 80% do PIB de lá para cá, tendo convivido com uma inflação anual de 130.000% em 2018, o que colapsou a estrutura econômica interna e criou um cenário de escassez que impulsionou um dos maiores êxodos do mundo. Segundo dados da Anistia Internacional, por volta de 6 milhões de venezuelanos deixaram o país entre 2015 e 2021.

Um dos efeitos da profunda crise foi a perda de valor do bolívar, que passou a não ser aceito no mercado nacional pela constante desvalorização. A taxa cambial oficial foi esquecida pelo mercado, que criou uma taxa paralela mais próxima da realidade, muito acima da informada pelo Banco Central da Venezuela (BCV), indexando os valores dos produtos ao dólar, em uma espécie de dolarização informal. Maduro reformou a moeda por três vezes entre 2018 e 2021, que somadas cortaram 14 zeros do bolívar.

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“As pessoas não ainda não têm nenhuma confiança no bolívar, e as transações no varejo ou compras entre particulares são feitas tomando como referência o dólar paralelo. Estabelecimentos comerciais usam o dólar oficial, mas agora o dólar oficial já está mais próximo do dólar paralelo”, contou Yeifer Rodriguez, de 35 anos, que também mora em Caracas.

Desconfiança econômica ainda assusta venezuelano, mesmo com tímida estabilização dos preços Foto: AP Photo/Ariana Cubillos

Para evitar as variações do bolívar, Rodriguez mantém uma reserva com os dólares que recebe da empresa que trabalha no exterior e diz não movimentar o dinheiro pelo banco nacional. “É algo que não recomendo a ninguém. Melhor usar um banco venezuelano que tenha uma filial no Panamá e que o cartão de débito seja aceito em território nacional e no exterior”, disse o internacionalista, que também diz que a parte da população que condições, guarda alguma quantidade de “moeda forte”, como dólar ou euro, em menor escala.

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De acordo com o professor da Universidade Simon Bolívar Erik del Bufalo, os maiores afetados pela desvalorização são os funcionários públicos e pessoas de classe média ou classe baixa, que ainda recebem salários em bolívar, uma vez que a maioria das pessoas recebe valores em dólar ou atrelados a ele, mesmo que pagos em moeda nacional.

“Se você for às ruas hoje, vai ver que isso já passou (a corrida às compras). Não há um ‘estocagem’ maior porque as pessoas também não têm muito dinheiro para gastar. Pessoas com uma certa quantia de dinheiro, que recebem em dólar, não são tão afetadas - e até especulam com isso. Para elas, tudo de maior valor é comprado em dólares por meio de transações no exterior. As classes populares, que têm pouco acesso a dólares, é que são as mais afetadas”, explicou o professor.

“É preciso tentar ter alguma reserva em moeda estrangeira para proteger sua renda. Devemos tentar garantir isso de alguma forma, para que na hora de qualquer revés, economia volátil e instável não nos surpreenda”, disse Sara. E acrescentou: “E, na maioria dos casos, é preferível pagar em dólares, pois os bolívares, além de sua constante desvalorização, também são escassos”.

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Retomada do crescimento e perspectiva positiva não brecam desconfiança

O processo de abertura econômica em termos de preços, o controle do câmbio -- com algum uso de reservas, mas principalmente fluxo de caixa da PDVSA -- e a melhoria da relação (ou pelo menos diminuição da hostilidade) entre os setores público e privado deu um respiro econômico ao país. O novo cenário fez com que a Cepal projetasse um crescimento de 10% para a Venezuela até o fim de 2022, enquanto a média para o continente no mesmo período é de 2,6%. A subida do preço do petróleo em meio à guerra da Ucrânia e a perspectiva de retirada parcial dos embargos também dão esperança de alta no futuro próximo - mas ainda reticente.

Refinaria de petróleo da PDVSA em El Palito, na Venezuela: alta no preço do petróleo e expectativa de retirada de sanções aumentam expectativa de crescimento. Foto: Manaure Quintero/ Bloomberg

“Devemos ter um otimismo moderado. Estamos falando de uma economia em que todas as projeções são de crescimento, mas a partir de base muito pequena. Um país que é um quarto do que era, com crescimento esperado significativo em porcentagem, mas pequeno em valor absoluto. Embora não haja cenários de queda, o que é um elemento positivo, há uma potencial de alta muito importante vinculado a qualquer flexibilização do petróleo que, se ocorrer nos próximos 12 meses, aumenta significativamente a capacidade econômica”, disse Luis Vicente Leon.

O economista ainda explica que a desvalorização do bolívar deve continuar e que faz parte de um plano por etapas, em que cada queda é acompanhada por um esforço para estabelecer um novo patamar, dentro das possibilidades do país, sem que outros fatores econômicos sejam excessivamente desequilibrados. A estratégia, apesar de esperada entre os economistas, é vista com pessimismo.

“As mudanças econômicas são apenas aparentes. No longo prazo, apenas se repetirá o mesmo padrão: mais desvalorização da nossa moeda”, disse Sara. “A Venezuela só prosperará quando for democrática”, acrescentou Rodriguez.

A Venezuela voltou a ter previsão de crescimento por dois anos seguidos após sete de contração econômica. O dólar oficial está quase equiparado ao dólar paralelo, usado como referência na maioria das transações no mercado interno, o que aumentou o volume de transações pelo sistema bancário. E mesmo a inflação estimada para 2022 de 500%, segundo o FMI, não é nem sombra da hiperinflação registrada há poucos anos.

A melhora econômica diante do colapso econômico, impulsionada por reformas liberalizantes autorizadas pelo governo de Nicolás Maduro, foi capaz criar um “otimismo moderado” entre economistas do país, mas não para resgatar a confiança do venezuelano comum.

Os anos de escassez de produtos nos mercados e de desvalorização constante da moeda provocaram um estado de alerta permanente, que reage ao menor sinal de instabilidade econômica e em que ter uma reserva em moeda estrangeira é indispensável.

Pescadores no porto de La Guaira, na Venezuela: custo de vida tem aumentado Foto: AP Photo/Ariana Cubillos

“A desconfiança da população é normal, porque como a economia ainda não está estável e nem em equilíbrio, nunca se sabe quando vai se perder o controle, quando vai haver uma ruptura. Acho que essa preocupação é normal, mas é claro que ela complica ainda mais o problema”, disse o economista, Luis Vicente Leon, presidente do Datanalisis.

Há cerca de um mês, uma disparada no preço do dólar mostrou como essa desconfiança se manifesta. Em um espaço de cinco dias, entre 22 e 26 de agosto, o dólar oficial saltou de 6,18 bolívares para 7,85, uma desvalorização de cerca de 27% da moeda nacional. Até o fim do mês, um dólar chegou a custar 9 bolívares -- o que provocou uma corrida para estocar alimentos e itens básicos.

“Foi muito angustiante, houve total descontrole na alta do dólar. Em questão de dias, o valor subiu em 2 bolívares, e subiu mais na última semana de agosto. No centro comercial onde eu trabalho, todas as lojas permaneceram fechadas no fim-de-semana. Foi realmente preocupante”, contou a venezuelana Sara Franco, de 66 anos, moradora de Caracas.

Na impressão da técnica de oftalmologia, o país já estava “no limiar” de uma nova desvalorização do bolívar, o que acabou por estimular “compras nervosas” no momento de alta do dólar, por medo “‘de uma nova escassez”.

O pensamento de Sara ajuda a explicar um pouco da herança que a decadência econômica venezuelana na última década deixou no cidadão comum. Certa vez maior renda per capita da América Latina, as finanças do país entraram em queda livre a partir de 2014, em meio a intervenções do governo na economia e o endurecimento de sanções internacionais contra o país.

Em 2021, a Venezuela foi considerada o país mais pobre da região, sendo ultrapassada pelo Haiti. O país perdeu cerca de 80% do PIB de lá para cá, tendo convivido com uma inflação anual de 130.000% em 2018, o que colapsou a estrutura econômica interna e criou um cenário de escassez que impulsionou um dos maiores êxodos do mundo. Segundo dados da Anistia Internacional, por volta de 6 milhões de venezuelanos deixaram o país entre 2015 e 2021.

Um dos efeitos da profunda crise foi a perda de valor do bolívar, que passou a não ser aceito no mercado nacional pela constante desvalorização. A taxa cambial oficial foi esquecida pelo mercado, que criou uma taxa paralela mais próxima da realidade, muito acima da informada pelo Banco Central da Venezuela (BCV), indexando os valores dos produtos ao dólar, em uma espécie de dolarização informal. Maduro reformou a moeda por três vezes entre 2018 e 2021, que somadas cortaram 14 zeros do bolívar.

“As pessoas não ainda não têm nenhuma confiança no bolívar, e as transações no varejo ou compras entre particulares são feitas tomando como referência o dólar paralelo. Estabelecimentos comerciais usam o dólar oficial, mas agora o dólar oficial já está mais próximo do dólar paralelo”, contou Yeifer Rodriguez, de 35 anos, que também mora em Caracas.

Desconfiança econômica ainda assusta venezuelano, mesmo com tímida estabilização dos preços Foto: AP Photo/Ariana Cubillos

Para evitar as variações do bolívar, Rodriguez mantém uma reserva com os dólares que recebe da empresa que trabalha no exterior e diz não movimentar o dinheiro pelo banco nacional. “É algo que não recomendo a ninguém. Melhor usar um banco venezuelano que tenha uma filial no Panamá e que o cartão de débito seja aceito em território nacional e no exterior”, disse o internacionalista, que também diz que a parte da população que condições, guarda alguma quantidade de “moeda forte”, como dólar ou euro, em menor escala.

De acordo com o professor da Universidade Simon Bolívar Erik del Bufalo, os maiores afetados pela desvalorização são os funcionários públicos e pessoas de classe média ou classe baixa, que ainda recebem salários em bolívar, uma vez que a maioria das pessoas recebe valores em dólar ou atrelados a ele, mesmo que pagos em moeda nacional.

“Se você for às ruas hoje, vai ver que isso já passou (a corrida às compras). Não há um ‘estocagem’ maior porque as pessoas também não têm muito dinheiro para gastar. Pessoas com uma certa quantia de dinheiro, que recebem em dólar, não são tão afetadas - e até especulam com isso. Para elas, tudo de maior valor é comprado em dólares por meio de transações no exterior. As classes populares, que têm pouco acesso a dólares, é que são as mais afetadas”, explicou o professor.

“É preciso tentar ter alguma reserva em moeda estrangeira para proteger sua renda. Devemos tentar garantir isso de alguma forma, para que na hora de qualquer revés, economia volátil e instável não nos surpreenda”, disse Sara. E acrescentou: “E, na maioria dos casos, é preferível pagar em dólares, pois os bolívares, além de sua constante desvalorização, também são escassos”.

Retomada do crescimento e perspectiva positiva não brecam desconfiança

O processo de abertura econômica em termos de preços, o controle do câmbio -- com algum uso de reservas, mas principalmente fluxo de caixa da PDVSA -- e a melhoria da relação (ou pelo menos diminuição da hostilidade) entre os setores público e privado deu um respiro econômico ao país. O novo cenário fez com que a Cepal projetasse um crescimento de 10% para a Venezuela até o fim de 2022, enquanto a média para o continente no mesmo período é de 2,6%. A subida do preço do petróleo em meio à guerra da Ucrânia e a perspectiva de retirada parcial dos embargos também dão esperança de alta no futuro próximo - mas ainda reticente.

Refinaria de petróleo da PDVSA em El Palito, na Venezuela: alta no preço do petróleo e expectativa de retirada de sanções aumentam expectativa de crescimento. Foto: Manaure Quintero/ Bloomberg

“Devemos ter um otimismo moderado. Estamos falando de uma economia em que todas as projeções são de crescimento, mas a partir de base muito pequena. Um país que é um quarto do que era, com crescimento esperado significativo em porcentagem, mas pequeno em valor absoluto. Embora não haja cenários de queda, o que é um elemento positivo, há uma potencial de alta muito importante vinculado a qualquer flexibilização do petróleo que, se ocorrer nos próximos 12 meses, aumenta significativamente a capacidade econômica”, disse Luis Vicente Leon.

O economista ainda explica que a desvalorização do bolívar deve continuar e que faz parte de um plano por etapas, em que cada queda é acompanhada por um esforço para estabelecer um novo patamar, dentro das possibilidades do país, sem que outros fatores econômicos sejam excessivamente desequilibrados. A estratégia, apesar de esperada entre os economistas, é vista com pessimismo.

“As mudanças econômicas são apenas aparentes. No longo prazo, apenas se repetirá o mesmo padrão: mais desvalorização da nossa moeda”, disse Sara. “A Venezuela só prosperará quando for democrática”, acrescentou Rodriguez.

A Venezuela voltou a ter previsão de crescimento por dois anos seguidos após sete de contração econômica. O dólar oficial está quase equiparado ao dólar paralelo, usado como referência na maioria das transações no mercado interno, o que aumentou o volume de transações pelo sistema bancário. E mesmo a inflação estimada para 2022 de 500%, segundo o FMI, não é nem sombra da hiperinflação registrada há poucos anos.

A melhora econômica diante do colapso econômico, impulsionada por reformas liberalizantes autorizadas pelo governo de Nicolás Maduro, foi capaz criar um “otimismo moderado” entre economistas do país, mas não para resgatar a confiança do venezuelano comum.

Os anos de escassez de produtos nos mercados e de desvalorização constante da moeda provocaram um estado de alerta permanente, que reage ao menor sinal de instabilidade econômica e em que ter uma reserva em moeda estrangeira é indispensável.

Pescadores no porto de La Guaira, na Venezuela: custo de vida tem aumentado Foto: AP Photo/Ariana Cubillos

“A desconfiança da população é normal, porque como a economia ainda não está estável e nem em equilíbrio, nunca se sabe quando vai se perder o controle, quando vai haver uma ruptura. Acho que essa preocupação é normal, mas é claro que ela complica ainda mais o problema”, disse o economista, Luis Vicente Leon, presidente do Datanalisis.

Há cerca de um mês, uma disparada no preço do dólar mostrou como essa desconfiança se manifesta. Em um espaço de cinco dias, entre 22 e 26 de agosto, o dólar oficial saltou de 6,18 bolívares para 7,85, uma desvalorização de cerca de 27% da moeda nacional. Até o fim do mês, um dólar chegou a custar 9 bolívares -- o que provocou uma corrida para estocar alimentos e itens básicos.

“Foi muito angustiante, houve total descontrole na alta do dólar. Em questão de dias, o valor subiu em 2 bolívares, e subiu mais na última semana de agosto. No centro comercial onde eu trabalho, todas as lojas permaneceram fechadas no fim-de-semana. Foi realmente preocupante”, contou a venezuelana Sara Franco, de 66 anos, moradora de Caracas.

Na impressão da técnica de oftalmologia, o país já estava “no limiar” de uma nova desvalorização do bolívar, o que acabou por estimular “compras nervosas” no momento de alta do dólar, por medo “‘de uma nova escassez”.

O pensamento de Sara ajuda a explicar um pouco da herança que a decadência econômica venezuelana na última década deixou no cidadão comum. Certa vez maior renda per capita da América Latina, as finanças do país entraram em queda livre a partir de 2014, em meio a intervenções do governo na economia e o endurecimento de sanções internacionais contra o país.

Em 2021, a Venezuela foi considerada o país mais pobre da região, sendo ultrapassada pelo Haiti. O país perdeu cerca de 80% do PIB de lá para cá, tendo convivido com uma inflação anual de 130.000% em 2018, o que colapsou a estrutura econômica interna e criou um cenário de escassez que impulsionou um dos maiores êxodos do mundo. Segundo dados da Anistia Internacional, por volta de 6 milhões de venezuelanos deixaram o país entre 2015 e 2021.

Um dos efeitos da profunda crise foi a perda de valor do bolívar, que passou a não ser aceito no mercado nacional pela constante desvalorização. A taxa cambial oficial foi esquecida pelo mercado, que criou uma taxa paralela mais próxima da realidade, muito acima da informada pelo Banco Central da Venezuela (BCV), indexando os valores dos produtos ao dólar, em uma espécie de dolarização informal. Maduro reformou a moeda por três vezes entre 2018 e 2021, que somadas cortaram 14 zeros do bolívar.

“As pessoas não ainda não têm nenhuma confiança no bolívar, e as transações no varejo ou compras entre particulares são feitas tomando como referência o dólar paralelo. Estabelecimentos comerciais usam o dólar oficial, mas agora o dólar oficial já está mais próximo do dólar paralelo”, contou Yeifer Rodriguez, de 35 anos, que também mora em Caracas.

Desconfiança econômica ainda assusta venezuelano, mesmo com tímida estabilização dos preços Foto: AP Photo/Ariana Cubillos

Para evitar as variações do bolívar, Rodriguez mantém uma reserva com os dólares que recebe da empresa que trabalha no exterior e diz não movimentar o dinheiro pelo banco nacional. “É algo que não recomendo a ninguém. Melhor usar um banco venezuelano que tenha uma filial no Panamá e que o cartão de débito seja aceito em território nacional e no exterior”, disse o internacionalista, que também diz que a parte da população que condições, guarda alguma quantidade de “moeda forte”, como dólar ou euro, em menor escala.

De acordo com o professor da Universidade Simon Bolívar Erik del Bufalo, os maiores afetados pela desvalorização são os funcionários públicos e pessoas de classe média ou classe baixa, que ainda recebem salários em bolívar, uma vez que a maioria das pessoas recebe valores em dólar ou atrelados a ele, mesmo que pagos em moeda nacional.

“Se você for às ruas hoje, vai ver que isso já passou (a corrida às compras). Não há um ‘estocagem’ maior porque as pessoas também não têm muito dinheiro para gastar. Pessoas com uma certa quantia de dinheiro, que recebem em dólar, não são tão afetadas - e até especulam com isso. Para elas, tudo de maior valor é comprado em dólares por meio de transações no exterior. As classes populares, que têm pouco acesso a dólares, é que são as mais afetadas”, explicou o professor.

“É preciso tentar ter alguma reserva em moeda estrangeira para proteger sua renda. Devemos tentar garantir isso de alguma forma, para que na hora de qualquer revés, economia volátil e instável não nos surpreenda”, disse Sara. E acrescentou: “E, na maioria dos casos, é preferível pagar em dólares, pois os bolívares, além de sua constante desvalorização, também são escassos”.

Retomada do crescimento e perspectiva positiva não brecam desconfiança

O processo de abertura econômica em termos de preços, o controle do câmbio -- com algum uso de reservas, mas principalmente fluxo de caixa da PDVSA -- e a melhoria da relação (ou pelo menos diminuição da hostilidade) entre os setores público e privado deu um respiro econômico ao país. O novo cenário fez com que a Cepal projetasse um crescimento de 10% para a Venezuela até o fim de 2022, enquanto a média para o continente no mesmo período é de 2,6%. A subida do preço do petróleo em meio à guerra da Ucrânia e a perspectiva de retirada parcial dos embargos também dão esperança de alta no futuro próximo - mas ainda reticente.

Refinaria de petróleo da PDVSA em El Palito, na Venezuela: alta no preço do petróleo e expectativa de retirada de sanções aumentam expectativa de crescimento. Foto: Manaure Quintero/ Bloomberg

“Devemos ter um otimismo moderado. Estamos falando de uma economia em que todas as projeções são de crescimento, mas a partir de base muito pequena. Um país que é um quarto do que era, com crescimento esperado significativo em porcentagem, mas pequeno em valor absoluto. Embora não haja cenários de queda, o que é um elemento positivo, há uma potencial de alta muito importante vinculado a qualquer flexibilização do petróleo que, se ocorrer nos próximos 12 meses, aumenta significativamente a capacidade econômica”, disse Luis Vicente Leon.

O economista ainda explica que a desvalorização do bolívar deve continuar e que faz parte de um plano por etapas, em que cada queda é acompanhada por um esforço para estabelecer um novo patamar, dentro das possibilidades do país, sem que outros fatores econômicos sejam excessivamente desequilibrados. A estratégia, apesar de esperada entre os economistas, é vista com pessimismo.

“As mudanças econômicas são apenas aparentes. No longo prazo, apenas se repetirá o mesmo padrão: mais desvalorização da nossa moeda”, disse Sara. “A Venezuela só prosperará quando for democrática”, acrescentou Rodriguez.

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