Desesperada por divisas, Argentina vê exploração de lítio disparar às vésperas de eleição


Analistas e economistas dizem que o boom do lítio pode fornecer à Argentina reservas suficientes para ajudar o país a pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI)

Por Jorge C. Carrasco

Na Puna de Atacama, no noroeste da Argentina — uma árida e extensa região de planalto que cobre de sal a Cordilheira dos Andes, a cerca de 3800 metros acima do nível do mar — jaz uma das maiores reservas de lítio do planeta. O “ouro branco”, como o mineral é conhecido, é o motor de uma complexa cadeia econômica que tem sustentado o desenvolvimento argentino, e que agora ocupa um lugar muito mais relevante na corrida da nação sul-americana pela obtenção de divisas para combater a corrosiva crise que assombra o futuro do país.

A oportunidade tem se tornado cada vez mais clara. Há poucos anos, o lítio era um mineral majoritariamente utilizado na fabricação de vidro, lubrificantes e materiais da indústria nuclear. No entanto, o interesse global na transição energética para um modelo sustentável, de baixa geração de carbono, tem gerado um exponencial aumento da demanda por este produto, assim como disparado o seu preço no mercado.

A maneira mais eficiente de recarregar veículos elétricos ou armazenar energia renovável, por exemplo, é utilizando baterias íon de lítio, e segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda por este mineral pode se incrementar em 40 vezes até 2040. Enquanto em 2010 uma tonelada métrica de lítio custava cerca de US$5 mil, doze anos depois, em 2022, o valor pela mesma quantidade do mineral chegou a atingir os US$37 mil.

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Vista da superfície do Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Com empresas de mineração buscando novos fornecedores para suprir a demanda internacional, o lítio surge como uma salvação econômica em potencial. No meio da acirrada disputa eleitoral, a exploração do mineral se converteu em um dos temas favoritos para prometer ao eleitor um futuro econômico melhor.

Exportação do lítio e geração de divisas

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A Argentina possui sozinha 21% das reservas mundiais de lítio (a terceira maior do mundo) e é o quarto maior produtor mundial do mineral. De acordo com um relatório de 2021 do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, em 2020 foram produzidas 33 mil toneladas de lítio no território argentino, ficando por trás apenas de Austrália, China e Chile, nessa ordem.

Com mais de 27 projetos de exploração do mineral sendo desenvolvidos atualmente no país, a expectativa de analistas e economistas entrevistados pelo Estadão é que o boom do lítio forneça à Argentina, nos próximos anos, divisas suficientes para combater a escassez de reservas internacionais para ajudar o país a pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“As metas de transição energética do mundo estão gerando muita pressão sobre a demanda por minerais e há um grande foco no lítio devido a seu papel único na produção de baterias. A Argentina se encontra agora em uma posição bastante privilegiada nesse contexto, atraindo centenas de empresas e investidores em um movimento de expansão da oferta do mineral”, diz ao Estadão Manuel Cruz, economista, especialista em lítio e assessor do Ministério da Economia da Argentina.

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“Existem duas fontes principais de lítio: certos tipos de rocha (espodumênio, lepidolita e petalita) que geralmente são encontradas na Austrália, e os salares, que possuem lítio em suspensão com outros compostos. A grande vantagem dos salares, como os da Puna argentina, é que eles têm os menores custos de produção de lítio do mundo — e isso tem um impacto enorme na cadeia comercial deste produto”, afirma o especialista. “Com a injeção de capital de empresas estrangeiras, o noroeste argentino está experienciando uma espécie de boom do lítio, e o seu papel na entrada de divisas no país tem sido essencial”, completa ele.

A mineração aporta uma quantidade significativa de dólares para a Argentina, e de acordo com um relatório do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, que realizou uma análise do fluxo cambial entre 2003 e 2021, este é o setor com melhor desempenho cambial, aportando um de cada cinco dólares que entraram na economia da nação no período analisado. Já de acordo com um informe sobre lítio produzido em 2021 pela Secretaria de Mineração, o potencial de investimento nas minas de lítio na Argentina é de US$ 6,473 bilhões, levando em consideração todos os projetos de exploração do mineral que estão sendo desenvolvidos em diferentes fases.

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Segundo a Secretaria de Mineração, em 2022 o país viu suas exportações de lítio aumentarem 234% em relação ao ano anterior, representando um quinto de todo o exportado pelo setor no ano.

Um funcionário da Alpha lithium trabalha ao lado de uma piscina de salmoura na salina de Tolillar, em Salta, Argentina, em 13 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

“Desde o setor da mineração, vemos uma grande oportunidade na projeção da Argentina como potência de lítio em relação aos seus vizinhos. Os mais otimistas acreditam inclusive que, seguindo a tendência atual de produção, Argentina vai conseguir superar o Chile como maior produtor de lítio da América Latina”, afirma ao Estadão David Guerrero Alvarado, consultor do mercado de lítio que assessora a Alpha Lithium — uma empresa de mineração canadense que é proprietária do Salar Tolillar, na província de Salta.

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“A força com que o setor de mineração contribui, de maneira crescente, ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina, nos faz acreditar que o funcionamento pleno do setor, uma vez iniciados os novos projetos, permitiria que a Argentina se beneficiasse de uma posição de exportação muito mais confortável em termos de gerenciamento das suas divisas”, comenta o especialista.

Atração do investimento estrangeiro no setor

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A Argentina, junto com Chile e Bolívia, faz parte do chamado “triângulo do lítio”, região geográfica andina que concentra 85% das reservas de metal macio do mundo. Mas apesar do bom desempenho dos últimos dois países na produção do “ouro branco”, empresas de mineração — majoritariamente canadenses e chinesas — têm focado seus investimentos no solo argentino nos últimos dois anos. Para os especialistas, isto se deve tanto ao modelo atual pró-mercado das províncias argentinas quanto às desvantagens do histórico nacionalista de controle de recursos dos países vizinhos.

No Chile, por exemplo, o lítio foi declarado estratégico durante o regime do ditador Augusto Pinochet, na década de 1970, devido às suas expectativas de exportação para a construção de materiais e armas nucleares. Nas décadas seguintes, a exploração do mineral continuou sendo limitada a poucas empresas. E, recentemente, o governo chileno anunciou planos para aumentar a participação do estado na produção e exportação do lítio. Hoje apenas duas empresas exploram lítio no país: Albemarle e SQM.

A Bolívia, por sua parte, declarou o lítio um recurso estratégico na sua Constituição Nacional de 2009 e é o estado quem controla a propriedade, a exploração, e produção destes recursos, através da empresa Yacimientos de Litios Bolivianos (YLB)

Mas o caso argentino é diferente. De acordo com a cientista política e especialista em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica da Argentina (UCA), Lourdes Puente, os recursos naturais argentinos são propriedade das províncias, que possuem total autonomia na administração do minério, e este é o motivo pelo qual “mudanças na legislação em relação a estes recursos simplesmente são muito difíceis de ocorrerem no cenário nacional, independentemente da coalizão que controlar o governo”.

Geólogos no Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Para ela, a administração provincial “garante que a interferência do governo no lítio seja muito limitada”. Isso facilita a realização de mais projetos de exploração que no Chile, com contratos que favorecem as regiões de acordo com seus contextos e interesses autônomos, mas além disso, torna quase irresistíveis os modelos oferecidos pelas províncias de Jujuy, Catamarca e Salta, segundo afirma a especialista. Atualmente empresas multinacionais como Eramet, Lithium Americas, Zinjín e Alpha Lithium trabalham em conjunto com os governos destas províncias.

Apesar de o processo de licitação de minas de lítio ser controlado pelas províncias, ter o apoio do Governo Federal é essencial. Sem ele, uma empresa dificilmente terá sucesso na obtenção de licenças. Por isso, o governo federal interfere e participa no processo.

Caminho para a recuperação econômica

Franco Mignacco, Presidente da Câmara Argentina de Empresários de Mineração (CAEM), acredita que “esse mecanismo permitiu que, nos últimos anos, o país fosse o mais dinâmico no desenvolvimento do setor de lítio em comparação com seus vizinhos”. “Nesse sentido, a estratégia tem sido garantir o aproveitamento da janela de oportunidade que está se abrindo para o lítio”, afirma Mignacco.

A CAEM estima a produção atual de lítio da Argentina poderia triplicar até 2025, chegando perto de 120.000 toneladas — fator que levaria o país a ultrapassar a China neste quesito e se tornar um concorrente mais próximo do Chile, produz cerca de 180.000 toneladas por ano.

Um informe do governo da Argentina estima que os 27 projetos atuais de exploração do lítio têm atingido um CAPEX (ou despesa de capital) de US$7.334 milhões. Estes recursos financiam o crescimento do país. As empresas de mineração pagam, de forma geral, um tributo de 3% às províncias, além de 35% de imposto de renda que é pago à nação, e outros impostos de exportação que variam de 4,5 a 8%, dependendo do mineral.

Piscinas de salmoura usadas para extrair lítio no Salar del Rincon, em Salta, Argentina, em 12 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

Nos últimos anos, a coalizão governista tem criticado a relação da Argentina com as empresas multinacionais, com atores políticos peronistas como Cristina Kirchner expressando a necessidade de o país ganhar mais espaço não apenas como produtor de lítio, mas como produtor das tecnologias compostas por este mineral.

Mas para Camilo Tiscornia, economista da UCA, a falta de divisas e a inflação atuais da Argentina são fatores paralisantes na indústria, e o país se encontra em um estado de incerteza que o coloca ainda bastante longe das metas industriais do governo.

Para ele não há dúvidas sobre o potencial dos recursos como o lítio para impulsionar a melhora da qualidade de vida dos argentinos. O maior entrave para isso, contudo, é a falta de uma fórmula clara para a recuperação econômica.

“Há neste momento uma série de desequilíbrios macroeconômicos que afetam bastante a Argentina, e a falta de divisas é um dos mais evidentes”, diz ao Tiscornia. “Neste período eleitoral, com o possível fechamento de um ciclo muito discutido da Argentina — que é o peronismo — há no mercado um certo otimismo em relação ao futuro crescimento de setores com potencial que podem trazer divisas para o país, como o do lítio, mas há dúvidas sobre como o governo que for eleito vai conseguir destravar esse potencial”, afirma ele.

Na Puna de Atacama, no noroeste da Argentina — uma árida e extensa região de planalto que cobre de sal a Cordilheira dos Andes, a cerca de 3800 metros acima do nível do mar — jaz uma das maiores reservas de lítio do planeta. O “ouro branco”, como o mineral é conhecido, é o motor de uma complexa cadeia econômica que tem sustentado o desenvolvimento argentino, e que agora ocupa um lugar muito mais relevante na corrida da nação sul-americana pela obtenção de divisas para combater a corrosiva crise que assombra o futuro do país.

A oportunidade tem se tornado cada vez mais clara. Há poucos anos, o lítio era um mineral majoritariamente utilizado na fabricação de vidro, lubrificantes e materiais da indústria nuclear. No entanto, o interesse global na transição energética para um modelo sustentável, de baixa geração de carbono, tem gerado um exponencial aumento da demanda por este produto, assim como disparado o seu preço no mercado.

A maneira mais eficiente de recarregar veículos elétricos ou armazenar energia renovável, por exemplo, é utilizando baterias íon de lítio, e segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda por este mineral pode se incrementar em 40 vezes até 2040. Enquanto em 2010 uma tonelada métrica de lítio custava cerca de US$5 mil, doze anos depois, em 2022, o valor pela mesma quantidade do mineral chegou a atingir os US$37 mil.

Vista da superfície do Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Com empresas de mineração buscando novos fornecedores para suprir a demanda internacional, o lítio surge como uma salvação econômica em potencial. No meio da acirrada disputa eleitoral, a exploração do mineral se converteu em um dos temas favoritos para prometer ao eleitor um futuro econômico melhor.

Exportação do lítio e geração de divisas

A Argentina possui sozinha 21% das reservas mundiais de lítio (a terceira maior do mundo) e é o quarto maior produtor mundial do mineral. De acordo com um relatório de 2021 do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, em 2020 foram produzidas 33 mil toneladas de lítio no território argentino, ficando por trás apenas de Austrália, China e Chile, nessa ordem.

Com mais de 27 projetos de exploração do mineral sendo desenvolvidos atualmente no país, a expectativa de analistas e economistas entrevistados pelo Estadão é que o boom do lítio forneça à Argentina, nos próximos anos, divisas suficientes para combater a escassez de reservas internacionais para ajudar o país a pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“As metas de transição energética do mundo estão gerando muita pressão sobre a demanda por minerais e há um grande foco no lítio devido a seu papel único na produção de baterias. A Argentina se encontra agora em uma posição bastante privilegiada nesse contexto, atraindo centenas de empresas e investidores em um movimento de expansão da oferta do mineral”, diz ao Estadão Manuel Cruz, economista, especialista em lítio e assessor do Ministério da Economia da Argentina.

“Existem duas fontes principais de lítio: certos tipos de rocha (espodumênio, lepidolita e petalita) que geralmente são encontradas na Austrália, e os salares, que possuem lítio em suspensão com outros compostos. A grande vantagem dos salares, como os da Puna argentina, é que eles têm os menores custos de produção de lítio do mundo — e isso tem um impacto enorme na cadeia comercial deste produto”, afirma o especialista. “Com a injeção de capital de empresas estrangeiras, o noroeste argentino está experienciando uma espécie de boom do lítio, e o seu papel na entrada de divisas no país tem sido essencial”, completa ele.

A mineração aporta uma quantidade significativa de dólares para a Argentina, e de acordo com um relatório do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, que realizou uma análise do fluxo cambial entre 2003 e 2021, este é o setor com melhor desempenho cambial, aportando um de cada cinco dólares que entraram na economia da nação no período analisado. Já de acordo com um informe sobre lítio produzido em 2021 pela Secretaria de Mineração, o potencial de investimento nas minas de lítio na Argentina é de US$ 6,473 bilhões, levando em consideração todos os projetos de exploração do mineral que estão sendo desenvolvidos em diferentes fases.

Segundo a Secretaria de Mineração, em 2022 o país viu suas exportações de lítio aumentarem 234% em relação ao ano anterior, representando um quinto de todo o exportado pelo setor no ano.

Um funcionário da Alpha lithium trabalha ao lado de uma piscina de salmoura na salina de Tolillar, em Salta, Argentina, em 13 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

“Desde o setor da mineração, vemos uma grande oportunidade na projeção da Argentina como potência de lítio em relação aos seus vizinhos. Os mais otimistas acreditam inclusive que, seguindo a tendência atual de produção, Argentina vai conseguir superar o Chile como maior produtor de lítio da América Latina”, afirma ao Estadão David Guerrero Alvarado, consultor do mercado de lítio que assessora a Alpha Lithium — uma empresa de mineração canadense que é proprietária do Salar Tolillar, na província de Salta.

“A força com que o setor de mineração contribui, de maneira crescente, ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina, nos faz acreditar que o funcionamento pleno do setor, uma vez iniciados os novos projetos, permitiria que a Argentina se beneficiasse de uma posição de exportação muito mais confortável em termos de gerenciamento das suas divisas”, comenta o especialista.

Atração do investimento estrangeiro no setor

A Argentina, junto com Chile e Bolívia, faz parte do chamado “triângulo do lítio”, região geográfica andina que concentra 85% das reservas de metal macio do mundo. Mas apesar do bom desempenho dos últimos dois países na produção do “ouro branco”, empresas de mineração — majoritariamente canadenses e chinesas — têm focado seus investimentos no solo argentino nos últimos dois anos. Para os especialistas, isto se deve tanto ao modelo atual pró-mercado das províncias argentinas quanto às desvantagens do histórico nacionalista de controle de recursos dos países vizinhos.

No Chile, por exemplo, o lítio foi declarado estratégico durante o regime do ditador Augusto Pinochet, na década de 1970, devido às suas expectativas de exportação para a construção de materiais e armas nucleares. Nas décadas seguintes, a exploração do mineral continuou sendo limitada a poucas empresas. E, recentemente, o governo chileno anunciou planos para aumentar a participação do estado na produção e exportação do lítio. Hoje apenas duas empresas exploram lítio no país: Albemarle e SQM.

A Bolívia, por sua parte, declarou o lítio um recurso estratégico na sua Constituição Nacional de 2009 e é o estado quem controla a propriedade, a exploração, e produção destes recursos, através da empresa Yacimientos de Litios Bolivianos (YLB)

Mas o caso argentino é diferente. De acordo com a cientista política e especialista em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica da Argentina (UCA), Lourdes Puente, os recursos naturais argentinos são propriedade das províncias, que possuem total autonomia na administração do minério, e este é o motivo pelo qual “mudanças na legislação em relação a estes recursos simplesmente são muito difíceis de ocorrerem no cenário nacional, independentemente da coalizão que controlar o governo”.

Geólogos no Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Para ela, a administração provincial “garante que a interferência do governo no lítio seja muito limitada”. Isso facilita a realização de mais projetos de exploração que no Chile, com contratos que favorecem as regiões de acordo com seus contextos e interesses autônomos, mas além disso, torna quase irresistíveis os modelos oferecidos pelas províncias de Jujuy, Catamarca e Salta, segundo afirma a especialista. Atualmente empresas multinacionais como Eramet, Lithium Americas, Zinjín e Alpha Lithium trabalham em conjunto com os governos destas províncias.

Apesar de o processo de licitação de minas de lítio ser controlado pelas províncias, ter o apoio do Governo Federal é essencial. Sem ele, uma empresa dificilmente terá sucesso na obtenção de licenças. Por isso, o governo federal interfere e participa no processo.

Caminho para a recuperação econômica

Franco Mignacco, Presidente da Câmara Argentina de Empresários de Mineração (CAEM), acredita que “esse mecanismo permitiu que, nos últimos anos, o país fosse o mais dinâmico no desenvolvimento do setor de lítio em comparação com seus vizinhos”. “Nesse sentido, a estratégia tem sido garantir o aproveitamento da janela de oportunidade que está se abrindo para o lítio”, afirma Mignacco.

A CAEM estima a produção atual de lítio da Argentina poderia triplicar até 2025, chegando perto de 120.000 toneladas — fator que levaria o país a ultrapassar a China neste quesito e se tornar um concorrente mais próximo do Chile, produz cerca de 180.000 toneladas por ano.

Um informe do governo da Argentina estima que os 27 projetos atuais de exploração do lítio têm atingido um CAPEX (ou despesa de capital) de US$7.334 milhões. Estes recursos financiam o crescimento do país. As empresas de mineração pagam, de forma geral, um tributo de 3% às províncias, além de 35% de imposto de renda que é pago à nação, e outros impostos de exportação que variam de 4,5 a 8%, dependendo do mineral.

Piscinas de salmoura usadas para extrair lítio no Salar del Rincon, em Salta, Argentina, em 12 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

Nos últimos anos, a coalizão governista tem criticado a relação da Argentina com as empresas multinacionais, com atores políticos peronistas como Cristina Kirchner expressando a necessidade de o país ganhar mais espaço não apenas como produtor de lítio, mas como produtor das tecnologias compostas por este mineral.

Mas para Camilo Tiscornia, economista da UCA, a falta de divisas e a inflação atuais da Argentina são fatores paralisantes na indústria, e o país se encontra em um estado de incerteza que o coloca ainda bastante longe das metas industriais do governo.

Para ele não há dúvidas sobre o potencial dos recursos como o lítio para impulsionar a melhora da qualidade de vida dos argentinos. O maior entrave para isso, contudo, é a falta de uma fórmula clara para a recuperação econômica.

“Há neste momento uma série de desequilíbrios macroeconômicos que afetam bastante a Argentina, e a falta de divisas é um dos mais evidentes”, diz ao Tiscornia. “Neste período eleitoral, com o possível fechamento de um ciclo muito discutido da Argentina — que é o peronismo — há no mercado um certo otimismo em relação ao futuro crescimento de setores com potencial que podem trazer divisas para o país, como o do lítio, mas há dúvidas sobre como o governo que for eleito vai conseguir destravar esse potencial”, afirma ele.

Na Puna de Atacama, no noroeste da Argentina — uma árida e extensa região de planalto que cobre de sal a Cordilheira dos Andes, a cerca de 3800 metros acima do nível do mar — jaz uma das maiores reservas de lítio do planeta. O “ouro branco”, como o mineral é conhecido, é o motor de uma complexa cadeia econômica que tem sustentado o desenvolvimento argentino, e que agora ocupa um lugar muito mais relevante na corrida da nação sul-americana pela obtenção de divisas para combater a corrosiva crise que assombra o futuro do país.

A oportunidade tem se tornado cada vez mais clara. Há poucos anos, o lítio era um mineral majoritariamente utilizado na fabricação de vidro, lubrificantes e materiais da indústria nuclear. No entanto, o interesse global na transição energética para um modelo sustentável, de baixa geração de carbono, tem gerado um exponencial aumento da demanda por este produto, assim como disparado o seu preço no mercado.

A maneira mais eficiente de recarregar veículos elétricos ou armazenar energia renovável, por exemplo, é utilizando baterias íon de lítio, e segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda por este mineral pode se incrementar em 40 vezes até 2040. Enquanto em 2010 uma tonelada métrica de lítio custava cerca de US$5 mil, doze anos depois, em 2022, o valor pela mesma quantidade do mineral chegou a atingir os US$37 mil.

Vista da superfície do Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Com empresas de mineração buscando novos fornecedores para suprir a demanda internacional, o lítio surge como uma salvação econômica em potencial. No meio da acirrada disputa eleitoral, a exploração do mineral se converteu em um dos temas favoritos para prometer ao eleitor um futuro econômico melhor.

Exportação do lítio e geração de divisas

A Argentina possui sozinha 21% das reservas mundiais de lítio (a terceira maior do mundo) e é o quarto maior produtor mundial do mineral. De acordo com um relatório de 2021 do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, em 2020 foram produzidas 33 mil toneladas de lítio no território argentino, ficando por trás apenas de Austrália, China e Chile, nessa ordem.

Com mais de 27 projetos de exploração do mineral sendo desenvolvidos atualmente no país, a expectativa de analistas e economistas entrevistados pelo Estadão é que o boom do lítio forneça à Argentina, nos próximos anos, divisas suficientes para combater a escassez de reservas internacionais para ajudar o país a pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“As metas de transição energética do mundo estão gerando muita pressão sobre a demanda por minerais e há um grande foco no lítio devido a seu papel único na produção de baterias. A Argentina se encontra agora em uma posição bastante privilegiada nesse contexto, atraindo centenas de empresas e investidores em um movimento de expansão da oferta do mineral”, diz ao Estadão Manuel Cruz, economista, especialista em lítio e assessor do Ministério da Economia da Argentina.

“Existem duas fontes principais de lítio: certos tipos de rocha (espodumênio, lepidolita e petalita) que geralmente são encontradas na Austrália, e os salares, que possuem lítio em suspensão com outros compostos. A grande vantagem dos salares, como os da Puna argentina, é que eles têm os menores custos de produção de lítio do mundo — e isso tem um impacto enorme na cadeia comercial deste produto”, afirma o especialista. “Com a injeção de capital de empresas estrangeiras, o noroeste argentino está experienciando uma espécie de boom do lítio, e o seu papel na entrada de divisas no país tem sido essencial”, completa ele.

A mineração aporta uma quantidade significativa de dólares para a Argentina, e de acordo com um relatório do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, que realizou uma análise do fluxo cambial entre 2003 e 2021, este é o setor com melhor desempenho cambial, aportando um de cada cinco dólares que entraram na economia da nação no período analisado. Já de acordo com um informe sobre lítio produzido em 2021 pela Secretaria de Mineração, o potencial de investimento nas minas de lítio na Argentina é de US$ 6,473 bilhões, levando em consideração todos os projetos de exploração do mineral que estão sendo desenvolvidos em diferentes fases.

Segundo a Secretaria de Mineração, em 2022 o país viu suas exportações de lítio aumentarem 234% em relação ao ano anterior, representando um quinto de todo o exportado pelo setor no ano.

Um funcionário da Alpha lithium trabalha ao lado de uma piscina de salmoura na salina de Tolillar, em Salta, Argentina, em 13 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

“Desde o setor da mineração, vemos uma grande oportunidade na projeção da Argentina como potência de lítio em relação aos seus vizinhos. Os mais otimistas acreditam inclusive que, seguindo a tendência atual de produção, Argentina vai conseguir superar o Chile como maior produtor de lítio da América Latina”, afirma ao Estadão David Guerrero Alvarado, consultor do mercado de lítio que assessora a Alpha Lithium — uma empresa de mineração canadense que é proprietária do Salar Tolillar, na província de Salta.

“A força com que o setor de mineração contribui, de maneira crescente, ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina, nos faz acreditar que o funcionamento pleno do setor, uma vez iniciados os novos projetos, permitiria que a Argentina se beneficiasse de uma posição de exportação muito mais confortável em termos de gerenciamento das suas divisas”, comenta o especialista.

Atração do investimento estrangeiro no setor

A Argentina, junto com Chile e Bolívia, faz parte do chamado “triângulo do lítio”, região geográfica andina que concentra 85% das reservas de metal macio do mundo. Mas apesar do bom desempenho dos últimos dois países na produção do “ouro branco”, empresas de mineração — majoritariamente canadenses e chinesas — têm focado seus investimentos no solo argentino nos últimos dois anos. Para os especialistas, isto se deve tanto ao modelo atual pró-mercado das províncias argentinas quanto às desvantagens do histórico nacionalista de controle de recursos dos países vizinhos.

No Chile, por exemplo, o lítio foi declarado estratégico durante o regime do ditador Augusto Pinochet, na década de 1970, devido às suas expectativas de exportação para a construção de materiais e armas nucleares. Nas décadas seguintes, a exploração do mineral continuou sendo limitada a poucas empresas. E, recentemente, o governo chileno anunciou planos para aumentar a participação do estado na produção e exportação do lítio. Hoje apenas duas empresas exploram lítio no país: Albemarle e SQM.

A Bolívia, por sua parte, declarou o lítio um recurso estratégico na sua Constituição Nacional de 2009 e é o estado quem controla a propriedade, a exploração, e produção destes recursos, através da empresa Yacimientos de Litios Bolivianos (YLB)

Mas o caso argentino é diferente. De acordo com a cientista política e especialista em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica da Argentina (UCA), Lourdes Puente, os recursos naturais argentinos são propriedade das províncias, que possuem total autonomia na administração do minério, e este é o motivo pelo qual “mudanças na legislação em relação a estes recursos simplesmente são muito difíceis de ocorrerem no cenário nacional, independentemente da coalizão que controlar o governo”.

Geólogos no Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Para ela, a administração provincial “garante que a interferência do governo no lítio seja muito limitada”. Isso facilita a realização de mais projetos de exploração que no Chile, com contratos que favorecem as regiões de acordo com seus contextos e interesses autônomos, mas além disso, torna quase irresistíveis os modelos oferecidos pelas províncias de Jujuy, Catamarca e Salta, segundo afirma a especialista. Atualmente empresas multinacionais como Eramet, Lithium Americas, Zinjín e Alpha Lithium trabalham em conjunto com os governos destas províncias.

Apesar de o processo de licitação de minas de lítio ser controlado pelas províncias, ter o apoio do Governo Federal é essencial. Sem ele, uma empresa dificilmente terá sucesso na obtenção de licenças. Por isso, o governo federal interfere e participa no processo.

Caminho para a recuperação econômica

Franco Mignacco, Presidente da Câmara Argentina de Empresários de Mineração (CAEM), acredita que “esse mecanismo permitiu que, nos últimos anos, o país fosse o mais dinâmico no desenvolvimento do setor de lítio em comparação com seus vizinhos”. “Nesse sentido, a estratégia tem sido garantir o aproveitamento da janela de oportunidade que está se abrindo para o lítio”, afirma Mignacco.

A CAEM estima a produção atual de lítio da Argentina poderia triplicar até 2025, chegando perto de 120.000 toneladas — fator que levaria o país a ultrapassar a China neste quesito e se tornar um concorrente mais próximo do Chile, produz cerca de 180.000 toneladas por ano.

Um informe do governo da Argentina estima que os 27 projetos atuais de exploração do lítio têm atingido um CAPEX (ou despesa de capital) de US$7.334 milhões. Estes recursos financiam o crescimento do país. As empresas de mineração pagam, de forma geral, um tributo de 3% às províncias, além de 35% de imposto de renda que é pago à nação, e outros impostos de exportação que variam de 4,5 a 8%, dependendo do mineral.

Piscinas de salmoura usadas para extrair lítio no Salar del Rincon, em Salta, Argentina, em 12 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

Nos últimos anos, a coalizão governista tem criticado a relação da Argentina com as empresas multinacionais, com atores políticos peronistas como Cristina Kirchner expressando a necessidade de o país ganhar mais espaço não apenas como produtor de lítio, mas como produtor das tecnologias compostas por este mineral.

Mas para Camilo Tiscornia, economista da UCA, a falta de divisas e a inflação atuais da Argentina são fatores paralisantes na indústria, e o país se encontra em um estado de incerteza que o coloca ainda bastante longe das metas industriais do governo.

Para ele não há dúvidas sobre o potencial dos recursos como o lítio para impulsionar a melhora da qualidade de vida dos argentinos. O maior entrave para isso, contudo, é a falta de uma fórmula clara para a recuperação econômica.

“Há neste momento uma série de desequilíbrios macroeconômicos que afetam bastante a Argentina, e a falta de divisas é um dos mais evidentes”, diz ao Tiscornia. “Neste período eleitoral, com o possível fechamento de um ciclo muito discutido da Argentina — que é o peronismo — há no mercado um certo otimismo em relação ao futuro crescimento de setores com potencial que podem trazer divisas para o país, como o do lítio, mas há dúvidas sobre como o governo que for eleito vai conseguir destravar esse potencial”, afirma ele.

Na Puna de Atacama, no noroeste da Argentina — uma árida e extensa região de planalto que cobre de sal a Cordilheira dos Andes, a cerca de 3800 metros acima do nível do mar — jaz uma das maiores reservas de lítio do planeta. O “ouro branco”, como o mineral é conhecido, é o motor de uma complexa cadeia econômica que tem sustentado o desenvolvimento argentino, e que agora ocupa um lugar muito mais relevante na corrida da nação sul-americana pela obtenção de divisas para combater a corrosiva crise que assombra o futuro do país.

A oportunidade tem se tornado cada vez mais clara. Há poucos anos, o lítio era um mineral majoritariamente utilizado na fabricação de vidro, lubrificantes e materiais da indústria nuclear. No entanto, o interesse global na transição energética para um modelo sustentável, de baixa geração de carbono, tem gerado um exponencial aumento da demanda por este produto, assim como disparado o seu preço no mercado.

A maneira mais eficiente de recarregar veículos elétricos ou armazenar energia renovável, por exemplo, é utilizando baterias íon de lítio, e segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda por este mineral pode se incrementar em 40 vezes até 2040. Enquanto em 2010 uma tonelada métrica de lítio custava cerca de US$5 mil, doze anos depois, em 2022, o valor pela mesma quantidade do mineral chegou a atingir os US$37 mil.

Vista da superfície do Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Com empresas de mineração buscando novos fornecedores para suprir a demanda internacional, o lítio surge como uma salvação econômica em potencial. No meio da acirrada disputa eleitoral, a exploração do mineral se converteu em um dos temas favoritos para prometer ao eleitor um futuro econômico melhor.

Exportação do lítio e geração de divisas

A Argentina possui sozinha 21% das reservas mundiais de lítio (a terceira maior do mundo) e é o quarto maior produtor mundial do mineral. De acordo com um relatório de 2021 do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, em 2020 foram produzidas 33 mil toneladas de lítio no território argentino, ficando por trás apenas de Austrália, China e Chile, nessa ordem.

Com mais de 27 projetos de exploração do mineral sendo desenvolvidos atualmente no país, a expectativa de analistas e economistas entrevistados pelo Estadão é que o boom do lítio forneça à Argentina, nos próximos anos, divisas suficientes para combater a escassez de reservas internacionais para ajudar o país a pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“As metas de transição energética do mundo estão gerando muita pressão sobre a demanda por minerais e há um grande foco no lítio devido a seu papel único na produção de baterias. A Argentina se encontra agora em uma posição bastante privilegiada nesse contexto, atraindo centenas de empresas e investidores em um movimento de expansão da oferta do mineral”, diz ao Estadão Manuel Cruz, economista, especialista em lítio e assessor do Ministério da Economia da Argentina.

“Existem duas fontes principais de lítio: certos tipos de rocha (espodumênio, lepidolita e petalita) que geralmente são encontradas na Austrália, e os salares, que possuem lítio em suspensão com outros compostos. A grande vantagem dos salares, como os da Puna argentina, é que eles têm os menores custos de produção de lítio do mundo — e isso tem um impacto enorme na cadeia comercial deste produto”, afirma o especialista. “Com a injeção de capital de empresas estrangeiras, o noroeste argentino está experienciando uma espécie de boom do lítio, e o seu papel na entrada de divisas no país tem sido essencial”, completa ele.

A mineração aporta uma quantidade significativa de dólares para a Argentina, e de acordo com um relatório do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, que realizou uma análise do fluxo cambial entre 2003 e 2021, este é o setor com melhor desempenho cambial, aportando um de cada cinco dólares que entraram na economia da nação no período analisado. Já de acordo com um informe sobre lítio produzido em 2021 pela Secretaria de Mineração, o potencial de investimento nas minas de lítio na Argentina é de US$ 6,473 bilhões, levando em consideração todos os projetos de exploração do mineral que estão sendo desenvolvidos em diferentes fases.

Segundo a Secretaria de Mineração, em 2022 o país viu suas exportações de lítio aumentarem 234% em relação ao ano anterior, representando um quinto de todo o exportado pelo setor no ano.

Um funcionário da Alpha lithium trabalha ao lado de uma piscina de salmoura na salina de Tolillar, em Salta, Argentina, em 13 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

“Desde o setor da mineração, vemos uma grande oportunidade na projeção da Argentina como potência de lítio em relação aos seus vizinhos. Os mais otimistas acreditam inclusive que, seguindo a tendência atual de produção, Argentina vai conseguir superar o Chile como maior produtor de lítio da América Latina”, afirma ao Estadão David Guerrero Alvarado, consultor do mercado de lítio que assessora a Alpha Lithium — uma empresa de mineração canadense que é proprietária do Salar Tolillar, na província de Salta.

“A força com que o setor de mineração contribui, de maneira crescente, ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina, nos faz acreditar que o funcionamento pleno do setor, uma vez iniciados os novos projetos, permitiria que a Argentina se beneficiasse de uma posição de exportação muito mais confortável em termos de gerenciamento das suas divisas”, comenta o especialista.

Atração do investimento estrangeiro no setor

A Argentina, junto com Chile e Bolívia, faz parte do chamado “triângulo do lítio”, região geográfica andina que concentra 85% das reservas de metal macio do mundo. Mas apesar do bom desempenho dos últimos dois países na produção do “ouro branco”, empresas de mineração — majoritariamente canadenses e chinesas — têm focado seus investimentos no solo argentino nos últimos dois anos. Para os especialistas, isto se deve tanto ao modelo atual pró-mercado das províncias argentinas quanto às desvantagens do histórico nacionalista de controle de recursos dos países vizinhos.

No Chile, por exemplo, o lítio foi declarado estratégico durante o regime do ditador Augusto Pinochet, na década de 1970, devido às suas expectativas de exportação para a construção de materiais e armas nucleares. Nas décadas seguintes, a exploração do mineral continuou sendo limitada a poucas empresas. E, recentemente, o governo chileno anunciou planos para aumentar a participação do estado na produção e exportação do lítio. Hoje apenas duas empresas exploram lítio no país: Albemarle e SQM.

A Bolívia, por sua parte, declarou o lítio um recurso estratégico na sua Constituição Nacional de 2009 e é o estado quem controla a propriedade, a exploração, e produção destes recursos, através da empresa Yacimientos de Litios Bolivianos (YLB)

Mas o caso argentino é diferente. De acordo com a cientista política e especialista em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica da Argentina (UCA), Lourdes Puente, os recursos naturais argentinos são propriedade das províncias, que possuem total autonomia na administração do minério, e este é o motivo pelo qual “mudanças na legislação em relação a estes recursos simplesmente são muito difíceis de ocorrerem no cenário nacional, independentemente da coalizão que controlar o governo”.

Geólogos no Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Para ela, a administração provincial “garante que a interferência do governo no lítio seja muito limitada”. Isso facilita a realização de mais projetos de exploração que no Chile, com contratos que favorecem as regiões de acordo com seus contextos e interesses autônomos, mas além disso, torna quase irresistíveis os modelos oferecidos pelas províncias de Jujuy, Catamarca e Salta, segundo afirma a especialista. Atualmente empresas multinacionais como Eramet, Lithium Americas, Zinjín e Alpha Lithium trabalham em conjunto com os governos destas províncias.

Apesar de o processo de licitação de minas de lítio ser controlado pelas províncias, ter o apoio do Governo Federal é essencial. Sem ele, uma empresa dificilmente terá sucesso na obtenção de licenças. Por isso, o governo federal interfere e participa no processo.

Caminho para a recuperação econômica

Franco Mignacco, Presidente da Câmara Argentina de Empresários de Mineração (CAEM), acredita que “esse mecanismo permitiu que, nos últimos anos, o país fosse o mais dinâmico no desenvolvimento do setor de lítio em comparação com seus vizinhos”. “Nesse sentido, a estratégia tem sido garantir o aproveitamento da janela de oportunidade que está se abrindo para o lítio”, afirma Mignacco.

A CAEM estima a produção atual de lítio da Argentina poderia triplicar até 2025, chegando perto de 120.000 toneladas — fator que levaria o país a ultrapassar a China neste quesito e se tornar um concorrente mais próximo do Chile, produz cerca de 180.000 toneladas por ano.

Um informe do governo da Argentina estima que os 27 projetos atuais de exploração do lítio têm atingido um CAPEX (ou despesa de capital) de US$7.334 milhões. Estes recursos financiam o crescimento do país. As empresas de mineração pagam, de forma geral, um tributo de 3% às províncias, além de 35% de imposto de renda que é pago à nação, e outros impostos de exportação que variam de 4,5 a 8%, dependendo do mineral.

Piscinas de salmoura usadas para extrair lítio no Salar del Rincon, em Salta, Argentina, em 12 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

Nos últimos anos, a coalizão governista tem criticado a relação da Argentina com as empresas multinacionais, com atores políticos peronistas como Cristina Kirchner expressando a necessidade de o país ganhar mais espaço não apenas como produtor de lítio, mas como produtor das tecnologias compostas por este mineral.

Mas para Camilo Tiscornia, economista da UCA, a falta de divisas e a inflação atuais da Argentina são fatores paralisantes na indústria, e o país se encontra em um estado de incerteza que o coloca ainda bastante longe das metas industriais do governo.

Para ele não há dúvidas sobre o potencial dos recursos como o lítio para impulsionar a melhora da qualidade de vida dos argentinos. O maior entrave para isso, contudo, é a falta de uma fórmula clara para a recuperação econômica.

“Há neste momento uma série de desequilíbrios macroeconômicos que afetam bastante a Argentina, e a falta de divisas é um dos mais evidentes”, diz ao Tiscornia. “Neste período eleitoral, com o possível fechamento de um ciclo muito discutido da Argentina — que é o peronismo — há no mercado um certo otimismo em relação ao futuro crescimento de setores com potencial que podem trazer divisas para o país, como o do lítio, mas há dúvidas sobre como o governo que for eleito vai conseguir destravar esse potencial”, afirma ele.

Na Puna de Atacama, no noroeste da Argentina — uma árida e extensa região de planalto que cobre de sal a Cordilheira dos Andes, a cerca de 3800 metros acima do nível do mar — jaz uma das maiores reservas de lítio do planeta. O “ouro branco”, como o mineral é conhecido, é o motor de uma complexa cadeia econômica que tem sustentado o desenvolvimento argentino, e que agora ocupa um lugar muito mais relevante na corrida da nação sul-americana pela obtenção de divisas para combater a corrosiva crise que assombra o futuro do país.

A oportunidade tem se tornado cada vez mais clara. Há poucos anos, o lítio era um mineral majoritariamente utilizado na fabricação de vidro, lubrificantes e materiais da indústria nuclear. No entanto, o interesse global na transição energética para um modelo sustentável, de baixa geração de carbono, tem gerado um exponencial aumento da demanda por este produto, assim como disparado o seu preço no mercado.

A maneira mais eficiente de recarregar veículos elétricos ou armazenar energia renovável, por exemplo, é utilizando baterias íon de lítio, e segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda por este mineral pode se incrementar em 40 vezes até 2040. Enquanto em 2010 uma tonelada métrica de lítio custava cerca de US$5 mil, doze anos depois, em 2022, o valor pela mesma quantidade do mineral chegou a atingir os US$37 mil.

Vista da superfície do Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Com empresas de mineração buscando novos fornecedores para suprir a demanda internacional, o lítio surge como uma salvação econômica em potencial. No meio da acirrada disputa eleitoral, a exploração do mineral se converteu em um dos temas favoritos para prometer ao eleitor um futuro econômico melhor.

Exportação do lítio e geração de divisas

A Argentina possui sozinha 21% das reservas mundiais de lítio (a terceira maior do mundo) e é o quarto maior produtor mundial do mineral. De acordo com um relatório de 2021 do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, em 2020 foram produzidas 33 mil toneladas de lítio no território argentino, ficando por trás apenas de Austrália, China e Chile, nessa ordem.

Com mais de 27 projetos de exploração do mineral sendo desenvolvidos atualmente no país, a expectativa de analistas e economistas entrevistados pelo Estadão é que o boom do lítio forneça à Argentina, nos próximos anos, divisas suficientes para combater a escassez de reservas internacionais para ajudar o país a pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“As metas de transição energética do mundo estão gerando muita pressão sobre a demanda por minerais e há um grande foco no lítio devido a seu papel único na produção de baterias. A Argentina se encontra agora em uma posição bastante privilegiada nesse contexto, atraindo centenas de empresas e investidores em um movimento de expansão da oferta do mineral”, diz ao Estadão Manuel Cruz, economista, especialista em lítio e assessor do Ministério da Economia da Argentina.

“Existem duas fontes principais de lítio: certos tipos de rocha (espodumênio, lepidolita e petalita) que geralmente são encontradas na Austrália, e os salares, que possuem lítio em suspensão com outros compostos. A grande vantagem dos salares, como os da Puna argentina, é que eles têm os menores custos de produção de lítio do mundo — e isso tem um impacto enorme na cadeia comercial deste produto”, afirma o especialista. “Com a injeção de capital de empresas estrangeiras, o noroeste argentino está experienciando uma espécie de boom do lítio, e o seu papel na entrada de divisas no país tem sido essencial”, completa ele.

A mineração aporta uma quantidade significativa de dólares para a Argentina, e de acordo com um relatório do Ministério de Desenvolvimento Produtivo do país, que realizou uma análise do fluxo cambial entre 2003 e 2021, este é o setor com melhor desempenho cambial, aportando um de cada cinco dólares que entraram na economia da nação no período analisado. Já de acordo com um informe sobre lítio produzido em 2021 pela Secretaria de Mineração, o potencial de investimento nas minas de lítio na Argentina é de US$ 6,473 bilhões, levando em consideração todos os projetos de exploração do mineral que estão sendo desenvolvidos em diferentes fases.

Segundo a Secretaria de Mineração, em 2022 o país viu suas exportações de lítio aumentarem 234% em relação ao ano anterior, representando um quinto de todo o exportado pelo setor no ano.

Um funcionário da Alpha lithium trabalha ao lado de uma piscina de salmoura na salina de Tolillar, em Salta, Argentina, em 13 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

“Desde o setor da mineração, vemos uma grande oportunidade na projeção da Argentina como potência de lítio em relação aos seus vizinhos. Os mais otimistas acreditam inclusive que, seguindo a tendência atual de produção, Argentina vai conseguir superar o Chile como maior produtor de lítio da América Latina”, afirma ao Estadão David Guerrero Alvarado, consultor do mercado de lítio que assessora a Alpha Lithium — uma empresa de mineração canadense que é proprietária do Salar Tolillar, na província de Salta.

“A força com que o setor de mineração contribui, de maneira crescente, ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina, nos faz acreditar que o funcionamento pleno do setor, uma vez iniciados os novos projetos, permitiria que a Argentina se beneficiasse de uma posição de exportação muito mais confortável em termos de gerenciamento das suas divisas”, comenta o especialista.

Atração do investimento estrangeiro no setor

A Argentina, junto com Chile e Bolívia, faz parte do chamado “triângulo do lítio”, região geográfica andina que concentra 85% das reservas de metal macio do mundo. Mas apesar do bom desempenho dos últimos dois países na produção do “ouro branco”, empresas de mineração — majoritariamente canadenses e chinesas — têm focado seus investimentos no solo argentino nos últimos dois anos. Para os especialistas, isto se deve tanto ao modelo atual pró-mercado das províncias argentinas quanto às desvantagens do histórico nacionalista de controle de recursos dos países vizinhos.

No Chile, por exemplo, o lítio foi declarado estratégico durante o regime do ditador Augusto Pinochet, na década de 1970, devido às suas expectativas de exportação para a construção de materiais e armas nucleares. Nas décadas seguintes, a exploração do mineral continuou sendo limitada a poucas empresas. E, recentemente, o governo chileno anunciou planos para aumentar a participação do estado na produção e exportação do lítio. Hoje apenas duas empresas exploram lítio no país: Albemarle e SQM.

A Bolívia, por sua parte, declarou o lítio um recurso estratégico na sua Constituição Nacional de 2009 e é o estado quem controla a propriedade, a exploração, e produção destes recursos, através da empresa Yacimientos de Litios Bolivianos (YLB)

Mas o caso argentino é diferente. De acordo com a cientista política e especialista em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica da Argentina (UCA), Lourdes Puente, os recursos naturais argentinos são propriedade das províncias, que possuem total autonomia na administração do minério, e este é o motivo pelo qual “mudanças na legislação em relação a estes recursos simplesmente são muito difíceis de ocorrerem no cenário nacional, independentemente da coalizão que controlar o governo”.

Geólogos no Salar del Hombre Muerto, que fica a 4.000 metros acima do nível do mar e ao norte da província argentina de Catamarca, em 6 de agosto de 2010.  Foto: Enrique Marcarian / REUTERS

Para ela, a administração provincial “garante que a interferência do governo no lítio seja muito limitada”. Isso facilita a realização de mais projetos de exploração que no Chile, com contratos que favorecem as regiões de acordo com seus contextos e interesses autônomos, mas além disso, torna quase irresistíveis os modelos oferecidos pelas províncias de Jujuy, Catamarca e Salta, segundo afirma a especialista. Atualmente empresas multinacionais como Eramet, Lithium Americas, Zinjín e Alpha Lithium trabalham em conjunto com os governos destas províncias.

Apesar de o processo de licitação de minas de lítio ser controlado pelas províncias, ter o apoio do Governo Federal é essencial. Sem ele, uma empresa dificilmente terá sucesso na obtenção de licenças. Por isso, o governo federal interfere e participa no processo.

Caminho para a recuperação econômica

Franco Mignacco, Presidente da Câmara Argentina de Empresários de Mineração (CAEM), acredita que “esse mecanismo permitiu que, nos últimos anos, o país fosse o mais dinâmico no desenvolvimento do setor de lítio em comparação com seus vizinhos”. “Nesse sentido, a estratégia tem sido garantir o aproveitamento da janela de oportunidade que está se abrindo para o lítio”, afirma Mignacco.

A CAEM estima a produção atual de lítio da Argentina poderia triplicar até 2025, chegando perto de 120.000 toneladas — fator que levaria o país a ultrapassar a China neste quesito e se tornar um concorrente mais próximo do Chile, produz cerca de 180.000 toneladas por ano.

Um informe do governo da Argentina estima que os 27 projetos atuais de exploração do lítio têm atingido um CAPEX (ou despesa de capital) de US$7.334 milhões. Estes recursos financiam o crescimento do país. As empresas de mineração pagam, de forma geral, um tributo de 3% às províncias, além de 35% de imposto de renda que é pago à nação, e outros impostos de exportação que variam de 4,5 a 8%, dependendo do mineral.

Piscinas de salmoura usadas para extrair lítio no Salar del Rincon, em Salta, Argentina, em 12 de agosto de 2021. Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

Nos últimos anos, a coalizão governista tem criticado a relação da Argentina com as empresas multinacionais, com atores políticos peronistas como Cristina Kirchner expressando a necessidade de o país ganhar mais espaço não apenas como produtor de lítio, mas como produtor das tecnologias compostas por este mineral.

Mas para Camilo Tiscornia, economista da UCA, a falta de divisas e a inflação atuais da Argentina são fatores paralisantes na indústria, e o país se encontra em um estado de incerteza que o coloca ainda bastante longe das metas industriais do governo.

Para ele não há dúvidas sobre o potencial dos recursos como o lítio para impulsionar a melhora da qualidade de vida dos argentinos. O maior entrave para isso, contudo, é a falta de uma fórmula clara para a recuperação econômica.

“Há neste momento uma série de desequilíbrios macroeconômicos que afetam bastante a Argentina, e a falta de divisas é um dos mais evidentes”, diz ao Tiscornia. “Neste período eleitoral, com o possível fechamento de um ciclo muito discutido da Argentina — que é o peronismo — há no mercado um certo otimismo em relação ao futuro crescimento de setores com potencial que podem trazer divisas para o país, como o do lítio, mas há dúvidas sobre como o governo que for eleito vai conseguir destravar esse potencial”, afirma ele.

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