Este é um aniversário que ninguém está ansioso por destacar. Meio milhão de pessoas morreram; outros 16 milhões fugiram de países, hoje irreconhecíveis.
Dez anos se passaram desde que Muhammad Bouazizi, um vendedor de rua tunisiano ateou fogo ao corpo em protesto contra a polícia corrupta que confiscou sua mercadoria. Sua imolação, no dia 17 de dezembro, é considerada a centelha que deflagrou a Primavera Árabe, onda de protestos revolucionários que varreram a região. Ditadores que pareciam invulneráveis caíram, um após o outro – na Tunísia, Egito e, posteriormente, na Líbia e Iêmen.
Mas a revolução logo deu lugar a uma espécie de reação termidoriana. A breve experiência do Egito com a democracia fracassou. Líbia, Síria e Iêmen mergulharam na guerra civil e tornaram-se territórios de ação de potências estrangeiras. Os ricos países do Golfo gastaram fortunas para acalmar o próprio povo, e fortaleceram as forças antidemocráticas. A região hoje está menos livre do que em 2010 – e pior em outros sentidos.
No Ocidente, os gurus e os estrategistas políticos em geral falam de si mesmos, o que poderiam ter feito para ajudar as revoluções a vencer. Há um solipsismo nestes debates, que relegam os árabes a um papel secundário em sua história. É plausível argumentar que a Síria não seria o grande cemitério que é hoje se os EUA destruíssem a força aérea de Bashar Assad em 2012; muito menos afirmar que teria se tornado mais estável ou próspera ou democrática. A zona de interdição de voos sobre a Líbia, em 2011, contribuiu para derrubar Muamar Kadafi, mas não impediu a ruína do país.
Os cínicos sugerem que o Oriente Médio simplesmente não está preparado para a democracia. Entretanto, a Tunísia saiu da revolta com uma república frágil, mas autêntica, da qual seus cidadãos muito se orgulham e com razão.
Culpemos as potências estrangeiras, do Irã e a Rússia ao Ocidente, impotentes e incoerentes. Ou os islamistas, que frequentemente alimentaram as divisões em sua busca cínica de poder.
No entanto, acima de tudo, culpemos os homens que governaram os países árabes depois que estes conseguiram a independência no século 20. Embora poucos fossem democratas, eles compreendiam um pouco a democracia. É necessário mais do que eleições para vencer. Também é necessário que os cidadãos estejam engajados e informados, um conjunto comum de normas e a convicção comum de que as divergências políticas não representam uma ameaça existencial. As ditaduras, por sua razão de ser, carecem destas qualidades – e impedem que elas surjam.
Qualquer pessoa que tenha vivido no Oriente Médio sabe que na região pululam as teorias da conspiração. Um número incomum de egípcios acredita que os EUA puseram a Irmandade Muçulmana no poder e Hillary Clinton criou o Estado Islâmico.
No Egito, as escolas ensinam com base na memorização das matérias; o governo prefere indivíduos plácidos a cidadãos engajados. Uma palavra rebelde em um café ou uma mensagem no Facebook pode jogar qualquer pessoa na cadeia.Bashar Assad convenceu grande parte de seus seguidores de que o levante sírio foi obra de extremistas. Não foi uma premonição, mas uma profecia que se realizou. Soltem um número moderado de jihadistas da prisão, mate-se um número suficiente de moderados, deixe a população morrer de fome por muito tempo e um movimento pacífico se tornará radical.
Nada disso é peculiar ao Oriente Médio. Os Estados Unidos têm um grau alarmante de polarização e um presidente em final de mandato que mente por reflexo. Mas instituições fortes e séculos de tradição democrática tornam praticamente impossível que um presidente americano se torne um ditador.
A safra atual de ditadores, os que sobreviveram a 2011 e os que surgiram daquele período, fala uma linguagem sutilmente diferente, que postula o desenvolvimento, não a democracia, como o que mais falta na região. Mas muitos governantes, mesmo em seus próprios termos, estão fracassando. Abdel-Fattah al Sisi fala em desenvolver o Egito, mas a maioria dos egípcios viu o seu padrão de vida deteriorar-se.
Na Argélia, um novo regime apoiado pelo Exército está menos interessado em eliminar a corrupção do que em usar as acusações de corrupção como uma arma contra seus inimigos. A monarquia do Bahrein trata as críticas a seu governo como um complô iraniano.
Entretanto, esta não é uma era de estabilidade autoritária. Com poucas exceções, a região é miserável, uma mescla de Estados fracassados e outros estagnados que oferecem perspectivas mínimas a suas populações jovens. Mesmo nos países do Golfo, que na maior parte escaparam de agitações sérias em 2011, os governantes estão preocupados com o próprio futuro no ocaso da era do petróleo. O seu antigo contrato social oferecia o conforto material em troca da aquiescência política. Se eles não conseguirem mais proporcionar aquele, não poderão esperar esta.
Não há razão para esperar que a próxima rodada de revoltas árabes produza resultados mais felizes do que a anterior. Do mesmo modo, entretanto, não há nenhuma razão para acreditar nos autocratas quando eles afirmam que podem impedi-la. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM