Dicionário francês adiciona pronome de gênero neutro e oponentes acusam 'lacração' demais


Confiável referência da língua francesa, o Le Robert incluiu o verbete 'iel', que combina as palavras “ele" e “ela”, como um pronome na terceira pessoa do singular, para se referir a pessoas de qualquer gênero

Por Amy Cheng
Atualização:

A decisão de um dos principais dicionários franceses de adicionar ao seu léxico o termo “iel”, um pronome de gênero neutro que se tornou popular entre a comunidade não binária nos anos recentes, tem atraído duras críticas de líderes políticos na França, movimento que sublinha uma vez mais a controvérsia em torno dos esforços de tornar a língua do amor reflexo de uma sociedade inclusiva. 

O dicionário Le Robert, uma confiável referência da língua francesa, incluiu o verbete “iel” depois de seus pesquisadores notarem “um crescente uso” do pronome em terceira pessoa em “uma grande quantidade de textos de variadas fontes”, explicou Charles Bimbenet, diretor do dicionário, em um comunicado emitido na quarta-feira. Ele acrescentou que a publicação do verbete repercutiu positivamente entre “a maioria” de seus usuários. 

O dicionário define “iel”, que combina as palavras “ele" e “ela”, como um pronome na terceira pessoa do singular, que pode se referir a pessoas de qualquer gênero. A palavra é identificada como “rara”, pois seu uso permanece relativamente baixo apesar de um aumento nos meses recentes, afirmou Bimbenet. (“Lels” é o plural do pronome não binário. As variações “Ielle” e ielles” também foram incluídas no verbete do Le Robert).

continua após a publicidade
Macron discursa sobre estratégia para promoção da língua francesa diante de membros da Academia Francesa em março de 2018. Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

“A missão [do dicionário] é observar a evolução da língua francesa em tempo real. (…) Definir palavras que descrevem o mundo nos ajuda a compreendê-lo melhor”, acrescentouBimbenet, em defesa da decisão editorial, que foi tomada em outubro. 

Mas esta semana vários políticos franceses expressaram forte oposição à adoção formal de pronomes não binários, trazendo à tona uma antiga batalha, a respeito de a língua francesa, que é rigidamente estruturada em regras gramaticais que distinguem masculino e feminino, ser ou não alterada para representar melhor mulheres e indivíduos de gênero não binário.

continua após a publicidade

O ministro da Educação francês, Jean-Michel Blanquer, tuitou na quarta-feira que crianças em idade escolar não deveriam usar o verbete do Le Robert como referência válida, acrescentando que “escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”. 

François Jolivet, parlamentar francês do partido de centro que governa o país, rejeitou de maneira similar os pronomes não binários, caracterizando a aceitação de “iel” e suas variações à imposição de uma ideologia “lacradora”.

Em uma carta endereçada à Académie Française, uma instituição de quase 400 anos, fundada para atuar como guardiã da língua francesa, Jolivet pediu que seus membros se posicionem nesse debate. “A campanha solitária [do Le Robert] é uma óbvia intrusão ideológica que mina nossa língua comum e sua influência”, afirmou a carta do legislador. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Académie Française para um posicionamento até a manhã desta quinta-feira. 

continua após a publicidade

A prestigiada organização publica diretrizes da gramática e do vocabulário da língua francesa, mas muitos no mundo francófono consideram suas recomendações não vinculantes como obrigações sagradas.

Em 2017, o célebre organismo linguístico emitiu uma alerta furioso, declarando que esforços para tornar o francês mais inclusivo em relação a gênero poderiam resultar em uma “língua desunida, díspar em sua expressão, o que cria uma confusão que beira a ilegibilidade”. 

Por muitos anos, ativistas feministas fizeram campanha contra a dominância das formas masculinas no francês, que, segundo os argumentos de algumas pessoas, reduz as mulheres no ambiente profissional. 

continua após a publicidade

Até os anos 1990, mulheres que ocupavam cargos graduados no governo francês, incluindo o mais altos postos do Executivo, tentaram referir-se às suas posições como “madame la ministre”, trocando o masculino “le” por sua forma feminina.

Mas até hoje esse uso está longe de ser amplamente aceito, pois oponentes da forma inclusiva da língua francesa aferram-se firmemente à tradição. Em 2017, o ex-primeiro-ministro francês Eduard Philippe baniu o uso de gênero neutro em todos os documentos oficiais. 

Autoridades de outras partes do mundo francófono podem ser mais abertas às mudanças na língua. Mas até agora, nenhum desses países adotou o “iel” e suas muitas variações na linguagem oficial de seus governos. 

continua após a publicidade

O Canadá, onde o francês é uma das línguas oficiais, encoraja o parlamentares do país a usar linguagem de gênero neutro quando redigem versões em inglês de seus projetos, argumentando que pronomes como “they” (ele/ela) são úteis no contexto legislativo, “para eliminar linguagens que especificam gêneros e repetições pesadas ou constrangedoras de substantivos”.

Linguagem neutra pelo mundo

No Brasil, a linguagem neutra ganha cada vez mais visibilidade e é motivo de debates em ambientes acadêmicos, políticos e corporativos, como já noticiou o Estadão. Empresas que trabalham com diversidade já adotam o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". Apesar disso, os termos ainda não constam nos verbetes dos principais dicionários de língua portuguesa produzidos no país, incluindo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), organizado pela Academia Brasileira de Letras.

continua após a publicidade

Ao redor do mundo, a inclusão dos termos na ortografia oficial de diversos idiomas avança em velocidades diferentes. Há seis anos, a Suécia incluiu o pronome pessoal "hen" - criado pela comunidade transgênera no início dos anos 2000 para designar pessoas que não tem sexo definido ou quando a informação sobre o sexo do indivíduo é irrelevante - no idioma oficial. Nos Estados Unidos, um dos dicionários mais importantes da língua inglesa, oMerriam-Webster, acrescentou a sua lista de pronomes os termos neutros "they" e "them", usados no lugar de "ele" e "ela", para se referir a pessoas não binárias.

Em solo brasileiro, a inclusão da linguagem neutra na ortografia oficial ainda enfrenta resistência no campo político. Projetos de lei tentando proibir o uso de termos neutros em escolas, universidades e em órgãos públicos em geral foram protocolados na Câmara dos Deputados e em Assembleias Legislativas de diversos Estados - inclusive São Paulo - no último ano. Uma delas, aprovada em Rondônia no mês de setembro, foi suspensa na quarta-feira, 17, após uma decisão liminar do ministro Edson Fachin, que apontou o risco de que a norma pudesse calar a livre expressão de professores e alunos./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

A decisão de um dos principais dicionários franceses de adicionar ao seu léxico o termo “iel”, um pronome de gênero neutro que se tornou popular entre a comunidade não binária nos anos recentes, tem atraído duras críticas de líderes políticos na França, movimento que sublinha uma vez mais a controvérsia em torno dos esforços de tornar a língua do amor reflexo de uma sociedade inclusiva. 

O dicionário Le Robert, uma confiável referência da língua francesa, incluiu o verbete “iel” depois de seus pesquisadores notarem “um crescente uso” do pronome em terceira pessoa em “uma grande quantidade de textos de variadas fontes”, explicou Charles Bimbenet, diretor do dicionário, em um comunicado emitido na quarta-feira. Ele acrescentou que a publicação do verbete repercutiu positivamente entre “a maioria” de seus usuários. 

O dicionário define “iel”, que combina as palavras “ele" e “ela”, como um pronome na terceira pessoa do singular, que pode se referir a pessoas de qualquer gênero. A palavra é identificada como “rara”, pois seu uso permanece relativamente baixo apesar de um aumento nos meses recentes, afirmou Bimbenet. (“Lels” é o plural do pronome não binário. As variações “Ielle” e ielles” também foram incluídas no verbete do Le Robert).

Macron discursa sobre estratégia para promoção da língua francesa diante de membros da Academia Francesa em março de 2018. Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

“A missão [do dicionário] é observar a evolução da língua francesa em tempo real. (…) Definir palavras que descrevem o mundo nos ajuda a compreendê-lo melhor”, acrescentouBimbenet, em defesa da decisão editorial, que foi tomada em outubro. 

Mas esta semana vários políticos franceses expressaram forte oposição à adoção formal de pronomes não binários, trazendo à tona uma antiga batalha, a respeito de a língua francesa, que é rigidamente estruturada em regras gramaticais que distinguem masculino e feminino, ser ou não alterada para representar melhor mulheres e indivíduos de gênero não binário.

O ministro da Educação francês, Jean-Michel Blanquer, tuitou na quarta-feira que crianças em idade escolar não deveriam usar o verbete do Le Robert como referência válida, acrescentando que “escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”. 

François Jolivet, parlamentar francês do partido de centro que governa o país, rejeitou de maneira similar os pronomes não binários, caracterizando a aceitação de “iel” e suas variações à imposição de uma ideologia “lacradora”.

Em uma carta endereçada à Académie Française, uma instituição de quase 400 anos, fundada para atuar como guardiã da língua francesa, Jolivet pediu que seus membros se posicionem nesse debate. “A campanha solitária [do Le Robert] é uma óbvia intrusão ideológica que mina nossa língua comum e sua influência”, afirmou a carta do legislador. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Académie Française para um posicionamento até a manhã desta quinta-feira. 

A prestigiada organização publica diretrizes da gramática e do vocabulário da língua francesa, mas muitos no mundo francófono consideram suas recomendações não vinculantes como obrigações sagradas.

Em 2017, o célebre organismo linguístico emitiu uma alerta furioso, declarando que esforços para tornar o francês mais inclusivo em relação a gênero poderiam resultar em uma “língua desunida, díspar em sua expressão, o que cria uma confusão que beira a ilegibilidade”. 

Por muitos anos, ativistas feministas fizeram campanha contra a dominância das formas masculinas no francês, que, segundo os argumentos de algumas pessoas, reduz as mulheres no ambiente profissional. 

Até os anos 1990, mulheres que ocupavam cargos graduados no governo francês, incluindo o mais altos postos do Executivo, tentaram referir-se às suas posições como “madame la ministre”, trocando o masculino “le” por sua forma feminina.

Mas até hoje esse uso está longe de ser amplamente aceito, pois oponentes da forma inclusiva da língua francesa aferram-se firmemente à tradição. Em 2017, o ex-primeiro-ministro francês Eduard Philippe baniu o uso de gênero neutro em todos os documentos oficiais. 

Autoridades de outras partes do mundo francófono podem ser mais abertas às mudanças na língua. Mas até agora, nenhum desses países adotou o “iel” e suas muitas variações na linguagem oficial de seus governos. 

O Canadá, onde o francês é uma das línguas oficiais, encoraja o parlamentares do país a usar linguagem de gênero neutro quando redigem versões em inglês de seus projetos, argumentando que pronomes como “they” (ele/ela) são úteis no contexto legislativo, “para eliminar linguagens que especificam gêneros e repetições pesadas ou constrangedoras de substantivos”.

Linguagem neutra pelo mundo

No Brasil, a linguagem neutra ganha cada vez mais visibilidade e é motivo de debates em ambientes acadêmicos, políticos e corporativos, como já noticiou o Estadão. Empresas que trabalham com diversidade já adotam o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". Apesar disso, os termos ainda não constam nos verbetes dos principais dicionários de língua portuguesa produzidos no país, incluindo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), organizado pela Academia Brasileira de Letras.

Ao redor do mundo, a inclusão dos termos na ortografia oficial de diversos idiomas avança em velocidades diferentes. Há seis anos, a Suécia incluiu o pronome pessoal "hen" - criado pela comunidade transgênera no início dos anos 2000 para designar pessoas que não tem sexo definido ou quando a informação sobre o sexo do indivíduo é irrelevante - no idioma oficial. Nos Estados Unidos, um dos dicionários mais importantes da língua inglesa, oMerriam-Webster, acrescentou a sua lista de pronomes os termos neutros "they" e "them", usados no lugar de "ele" e "ela", para se referir a pessoas não binárias.

Em solo brasileiro, a inclusão da linguagem neutra na ortografia oficial ainda enfrenta resistência no campo político. Projetos de lei tentando proibir o uso de termos neutros em escolas, universidades e em órgãos públicos em geral foram protocolados na Câmara dos Deputados e em Assembleias Legislativas de diversos Estados - inclusive São Paulo - no último ano. Uma delas, aprovada em Rondônia no mês de setembro, foi suspensa na quarta-feira, 17, após uma decisão liminar do ministro Edson Fachin, que apontou o risco de que a norma pudesse calar a livre expressão de professores e alunos./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

A decisão de um dos principais dicionários franceses de adicionar ao seu léxico o termo “iel”, um pronome de gênero neutro que se tornou popular entre a comunidade não binária nos anos recentes, tem atraído duras críticas de líderes políticos na França, movimento que sublinha uma vez mais a controvérsia em torno dos esforços de tornar a língua do amor reflexo de uma sociedade inclusiva. 

O dicionário Le Robert, uma confiável referência da língua francesa, incluiu o verbete “iel” depois de seus pesquisadores notarem “um crescente uso” do pronome em terceira pessoa em “uma grande quantidade de textos de variadas fontes”, explicou Charles Bimbenet, diretor do dicionário, em um comunicado emitido na quarta-feira. Ele acrescentou que a publicação do verbete repercutiu positivamente entre “a maioria” de seus usuários. 

O dicionário define “iel”, que combina as palavras “ele" e “ela”, como um pronome na terceira pessoa do singular, que pode se referir a pessoas de qualquer gênero. A palavra é identificada como “rara”, pois seu uso permanece relativamente baixo apesar de um aumento nos meses recentes, afirmou Bimbenet. (“Lels” é o plural do pronome não binário. As variações “Ielle” e ielles” também foram incluídas no verbete do Le Robert).

Macron discursa sobre estratégia para promoção da língua francesa diante de membros da Academia Francesa em março de 2018. Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

“A missão [do dicionário] é observar a evolução da língua francesa em tempo real. (…) Definir palavras que descrevem o mundo nos ajuda a compreendê-lo melhor”, acrescentouBimbenet, em defesa da decisão editorial, que foi tomada em outubro. 

Mas esta semana vários políticos franceses expressaram forte oposição à adoção formal de pronomes não binários, trazendo à tona uma antiga batalha, a respeito de a língua francesa, que é rigidamente estruturada em regras gramaticais que distinguem masculino e feminino, ser ou não alterada para representar melhor mulheres e indivíduos de gênero não binário.

O ministro da Educação francês, Jean-Michel Blanquer, tuitou na quarta-feira que crianças em idade escolar não deveriam usar o verbete do Le Robert como referência válida, acrescentando que “escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”. 

François Jolivet, parlamentar francês do partido de centro que governa o país, rejeitou de maneira similar os pronomes não binários, caracterizando a aceitação de “iel” e suas variações à imposição de uma ideologia “lacradora”.

Em uma carta endereçada à Académie Française, uma instituição de quase 400 anos, fundada para atuar como guardiã da língua francesa, Jolivet pediu que seus membros se posicionem nesse debate. “A campanha solitária [do Le Robert] é uma óbvia intrusão ideológica que mina nossa língua comum e sua influência”, afirmou a carta do legislador. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Académie Française para um posicionamento até a manhã desta quinta-feira. 

A prestigiada organização publica diretrizes da gramática e do vocabulário da língua francesa, mas muitos no mundo francófono consideram suas recomendações não vinculantes como obrigações sagradas.

Em 2017, o célebre organismo linguístico emitiu uma alerta furioso, declarando que esforços para tornar o francês mais inclusivo em relação a gênero poderiam resultar em uma “língua desunida, díspar em sua expressão, o que cria uma confusão que beira a ilegibilidade”. 

Por muitos anos, ativistas feministas fizeram campanha contra a dominância das formas masculinas no francês, que, segundo os argumentos de algumas pessoas, reduz as mulheres no ambiente profissional. 

Até os anos 1990, mulheres que ocupavam cargos graduados no governo francês, incluindo o mais altos postos do Executivo, tentaram referir-se às suas posições como “madame la ministre”, trocando o masculino “le” por sua forma feminina.

Mas até hoje esse uso está longe de ser amplamente aceito, pois oponentes da forma inclusiva da língua francesa aferram-se firmemente à tradição. Em 2017, o ex-primeiro-ministro francês Eduard Philippe baniu o uso de gênero neutro em todos os documentos oficiais. 

Autoridades de outras partes do mundo francófono podem ser mais abertas às mudanças na língua. Mas até agora, nenhum desses países adotou o “iel” e suas muitas variações na linguagem oficial de seus governos. 

O Canadá, onde o francês é uma das línguas oficiais, encoraja o parlamentares do país a usar linguagem de gênero neutro quando redigem versões em inglês de seus projetos, argumentando que pronomes como “they” (ele/ela) são úteis no contexto legislativo, “para eliminar linguagens que especificam gêneros e repetições pesadas ou constrangedoras de substantivos”.

Linguagem neutra pelo mundo

No Brasil, a linguagem neutra ganha cada vez mais visibilidade e é motivo de debates em ambientes acadêmicos, políticos e corporativos, como já noticiou o Estadão. Empresas que trabalham com diversidade já adotam o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". Apesar disso, os termos ainda não constam nos verbetes dos principais dicionários de língua portuguesa produzidos no país, incluindo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), organizado pela Academia Brasileira de Letras.

Ao redor do mundo, a inclusão dos termos na ortografia oficial de diversos idiomas avança em velocidades diferentes. Há seis anos, a Suécia incluiu o pronome pessoal "hen" - criado pela comunidade transgênera no início dos anos 2000 para designar pessoas que não tem sexo definido ou quando a informação sobre o sexo do indivíduo é irrelevante - no idioma oficial. Nos Estados Unidos, um dos dicionários mais importantes da língua inglesa, oMerriam-Webster, acrescentou a sua lista de pronomes os termos neutros "they" e "them", usados no lugar de "ele" e "ela", para se referir a pessoas não binárias.

Em solo brasileiro, a inclusão da linguagem neutra na ortografia oficial ainda enfrenta resistência no campo político. Projetos de lei tentando proibir o uso de termos neutros em escolas, universidades e em órgãos públicos em geral foram protocolados na Câmara dos Deputados e em Assembleias Legislativas de diversos Estados - inclusive São Paulo - no último ano. Uma delas, aprovada em Rondônia no mês de setembro, foi suspensa na quarta-feira, 17, após uma decisão liminar do ministro Edson Fachin, que apontou o risco de que a norma pudesse calar a livre expressão de professores e alunos./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

A decisão de um dos principais dicionários franceses de adicionar ao seu léxico o termo “iel”, um pronome de gênero neutro que se tornou popular entre a comunidade não binária nos anos recentes, tem atraído duras críticas de líderes políticos na França, movimento que sublinha uma vez mais a controvérsia em torno dos esforços de tornar a língua do amor reflexo de uma sociedade inclusiva. 

O dicionário Le Robert, uma confiável referência da língua francesa, incluiu o verbete “iel” depois de seus pesquisadores notarem “um crescente uso” do pronome em terceira pessoa em “uma grande quantidade de textos de variadas fontes”, explicou Charles Bimbenet, diretor do dicionário, em um comunicado emitido na quarta-feira. Ele acrescentou que a publicação do verbete repercutiu positivamente entre “a maioria” de seus usuários. 

O dicionário define “iel”, que combina as palavras “ele" e “ela”, como um pronome na terceira pessoa do singular, que pode se referir a pessoas de qualquer gênero. A palavra é identificada como “rara”, pois seu uso permanece relativamente baixo apesar de um aumento nos meses recentes, afirmou Bimbenet. (“Lels” é o plural do pronome não binário. As variações “Ielle” e ielles” também foram incluídas no verbete do Le Robert).

Macron discursa sobre estratégia para promoção da língua francesa diante de membros da Academia Francesa em março de 2018. Foto: Ludovic Marin/Pool via REUTERS

“A missão [do dicionário] é observar a evolução da língua francesa em tempo real. (…) Definir palavras que descrevem o mundo nos ajuda a compreendê-lo melhor”, acrescentouBimbenet, em defesa da decisão editorial, que foi tomada em outubro. 

Mas esta semana vários políticos franceses expressaram forte oposição à adoção formal de pronomes não binários, trazendo à tona uma antiga batalha, a respeito de a língua francesa, que é rigidamente estruturada em regras gramaticais que distinguem masculino e feminino, ser ou não alterada para representar melhor mulheres e indivíduos de gênero não binário.

O ministro da Educação francês, Jean-Michel Blanquer, tuitou na quarta-feira que crianças em idade escolar não deveriam usar o verbete do Le Robert como referência válida, acrescentando que “escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”. 

François Jolivet, parlamentar francês do partido de centro que governa o país, rejeitou de maneira similar os pronomes não binários, caracterizando a aceitação de “iel” e suas variações à imposição de uma ideologia “lacradora”.

Em uma carta endereçada à Académie Française, uma instituição de quase 400 anos, fundada para atuar como guardiã da língua francesa, Jolivet pediu que seus membros se posicionem nesse debate. “A campanha solitária [do Le Robert] é uma óbvia intrusão ideológica que mina nossa língua comum e sua influência”, afirmou a carta do legislador. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Académie Française para um posicionamento até a manhã desta quinta-feira. 

A prestigiada organização publica diretrizes da gramática e do vocabulário da língua francesa, mas muitos no mundo francófono consideram suas recomendações não vinculantes como obrigações sagradas.

Em 2017, o célebre organismo linguístico emitiu uma alerta furioso, declarando que esforços para tornar o francês mais inclusivo em relação a gênero poderiam resultar em uma “língua desunida, díspar em sua expressão, o que cria uma confusão que beira a ilegibilidade”. 

Por muitos anos, ativistas feministas fizeram campanha contra a dominância das formas masculinas no francês, que, segundo os argumentos de algumas pessoas, reduz as mulheres no ambiente profissional. 

Até os anos 1990, mulheres que ocupavam cargos graduados no governo francês, incluindo o mais altos postos do Executivo, tentaram referir-se às suas posições como “madame la ministre”, trocando o masculino “le” por sua forma feminina.

Mas até hoje esse uso está longe de ser amplamente aceito, pois oponentes da forma inclusiva da língua francesa aferram-se firmemente à tradição. Em 2017, o ex-primeiro-ministro francês Eduard Philippe baniu o uso de gênero neutro em todos os documentos oficiais. 

Autoridades de outras partes do mundo francófono podem ser mais abertas às mudanças na língua. Mas até agora, nenhum desses países adotou o “iel” e suas muitas variações na linguagem oficial de seus governos. 

O Canadá, onde o francês é uma das línguas oficiais, encoraja o parlamentares do país a usar linguagem de gênero neutro quando redigem versões em inglês de seus projetos, argumentando que pronomes como “they” (ele/ela) são úteis no contexto legislativo, “para eliminar linguagens que especificam gêneros e repetições pesadas ou constrangedoras de substantivos”.

Linguagem neutra pelo mundo

No Brasil, a linguagem neutra ganha cada vez mais visibilidade e é motivo de debates em ambientes acadêmicos, políticos e corporativos, como já noticiou o Estadão. Empresas que trabalham com diversidade já adotam o uso dos artigos "x/ile/dile", ao invés de "a/ela/dela" ou "o/ele/dele". Apesar disso, os termos ainda não constam nos verbetes dos principais dicionários de língua portuguesa produzidos no país, incluindo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), organizado pela Academia Brasileira de Letras.

Ao redor do mundo, a inclusão dos termos na ortografia oficial de diversos idiomas avança em velocidades diferentes. Há seis anos, a Suécia incluiu o pronome pessoal "hen" - criado pela comunidade transgênera no início dos anos 2000 para designar pessoas que não tem sexo definido ou quando a informação sobre o sexo do indivíduo é irrelevante - no idioma oficial. Nos Estados Unidos, um dos dicionários mais importantes da língua inglesa, oMerriam-Webster, acrescentou a sua lista de pronomes os termos neutros "they" e "them", usados no lugar de "ele" e "ela", para se referir a pessoas não binárias.

Em solo brasileiro, a inclusão da linguagem neutra na ortografia oficial ainda enfrenta resistência no campo político. Projetos de lei tentando proibir o uso de termos neutros em escolas, universidades e em órgãos públicos em geral foram protocolados na Câmara dos Deputados e em Assembleias Legislativas de diversos Estados - inclusive São Paulo - no último ano. Uma delas, aprovada em Rondônia no mês de setembro, foi suspensa na quarta-feira, 17, após uma decisão liminar do ministro Edson Fachin, que apontou o risco de que a norma pudesse calar a livre expressão de professores e alunos./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO 

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.