Diplomacia climática é maior desafio para a política externa do Brasil, indica pesquisa


Tema prevalece sobre questões como guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza e mostra expectativa de País ser líder global em políticas de desenvolvimento sustentável

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

A agenda climática e de desenvolvimento sustentável é o maior desafio para a política externa do Brasil, avaliaram especialistas em uma pesquisa do Instituto Körber Stiftung, da Alemanha. O tema prevalece sobre outras questões internacionais importantes, como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e mostra a expectativa do País liderar a pauta climática no mundo.

Desenvolvida em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas do Brics, vinculado a PUC-Rio, e outros dois institutos internacionais, a pesquisa ouviu especialistas e autoridades de três países do Sul Global (Brasil, Índia e África do Sul) e da Alemanha para identificar as respectivas prioridades da política externa. A agenda climática foi escolhida por 38% dos entrevistados brasileiros como a mais desafiadora, seguida do comércio internacional (19%) e da relação com a China (6%).

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Para o professor de relações internacionais da PUC e um dos coordenadores da pesquisa, Paulo Esteves, o resultado reflete a oportunidade do Brasil se projetar como uma liderança global nas políticas voltadas às mudanças climáticas. “Essa pauta oferece a possibilidade de projeção do Brasil como um modelo de desenvolvimento que prioriza o clima e que pode ser seguido por outros países”, disse.

Segundo Esteves, o Brasil tem colocado a agenda climática no centro de sua atuação internacional desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência no ano passado. O presidente tem se encontrado com os líderes de nações com as maiores emissões de carbono do mundo para debater políticas de desenvolvimento sustentável e pressionar mais financiamento para projetos na área.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva na 28ª reunião anual das Nações Unidas sobre o clima, COP28, realizada em Dubai No Emirados Árabes Unidos, no ano passado  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
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Os esforços resultaram em recursos para iniciativas como o Fundo Amazônia, que obteve mais de R$ 490 milhões do Reino Unido e R$ 80 milhões da Alemanha no ano passado. “Embora o Brasil e outras nações mais pobres não sejam os maiores emissores de carbono, são eles que mais irão sofrer com as mudanças climáticas”, afirmou o coordenador. “Por isso, é importante que esse outro grupo de países também partilhe a responsabilidade de reparar as perdas e danos causadas pelas mudanças”.

A busca pela liderança nessa agenda ficou evidente na participação de Lula na COP-28, realizada no ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes. Durante seu discurso, o presidente cobrou as nações mais ricas a cumprir os acordos climáticos para redução de emissão de carbono e as criticou por aumentar os gastos com guerra enquanto projetos de desenvolvimento têm financiamento inferior.

A realização da Cúpula da Amazônia no ano passado com líderes sul-americanos, em Belém, e da COP-30 em 2025 também são vistas como iniciativas que visam habilitar o Brasil como liderança global no tema.

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Desde o início dos esforços, no entanto, o governo Lula também passou a receber críticas internacionais por causa de projetos que vão na contramão do desenvolvimento sustentável, a exemplo dos planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas, próximo à foz do Rio Amazonas. O projeto para pavimentar a BR-319, que corta o interior do Amazonas e tem potencial para causar impactos em cerca de 300 mil km² da Amazônia, é outra controvérsia que afeta a imagem do governo no exterior.

Em janeiro deste ano, o jornal britânico The Guardian chamou o projeto da BR-319 de “flagrante contradição” do objetivo do Brasil de reduzir o desmatamento e promover a sustentabilidade. “Fazer pedidos (de financiamento) é um escárnio com o fundo internacional e com a credibilidade ambiental do governo brasileiro. É uma piada de mau gosto, até porque um dos objetivos da nova estrada é facilitar a exploração de petróleo e gás no interior da floresta”, disse o jornal.

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Na avaliação de Paulo Esteves, é natural que haja contradições internas no processo de desenvolvimento sustentável devido ao impacto sobre setores econômicos e sociais, mas isso pode ser superado caso o Brasil consiga se habilitar como líder. “Uma eventual liderança internacional do Brasil na agenda do clima poderá fortalecer aqueles grupos que defendem um modelo de desenvolvimento sustentável e de baixo carbono, fortalecendo essa agenda também no âmbito doméstico”, afirmou.

Multilateralismo

Intitulada “Listening Beyond the Echo Chamber” (Ouvindo além da câmara de eco, em tradução livre), a pesquisa do Instituto Körber Stiftung mostrou o quanto os desafios diplomáticos de cada país estão ligados a suas preocupações. Enquanto a agenda climática é central para o Brasil, a Índia prioriza a relação com a China, com quem possui disputa na fronteira, e a África do Sul, o equilíbrio entre diferentes poderes. A Alemanha, o único país do Ocidente incluído na pesquisa, tem a guerra na Ucrânia como seu maior desafio.

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Em comum, os quatro países possuem a agenda do multilateralismo – ou seja, uma geopolítica ordenada a partir de diferentes poderes –, refletida na defesa das reformas de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial. “Há diferenças entre os países mesmo dentro dessa agenda, mas um desejo é comum: o de ser ouvido e respeitado e de ter os organismos internacionais reformados”, afirmou o professor da PUC Rio e da Eceme, Carlos de Souza Coelho, que também esteve na pesquisa.

Faixa do exército indiano dizendo 'Desistir, nunca' perto do lago Pangong Tso, na fronteira Índia-China na área de Ladakh, na Índia: conflito é maior desafio para os indianos  Foto: Manish Swarup / AP Photo

Dois aspectos são importantes para entender a defesa do multilateralismo, segundo Coelho: a frustração dos países, sobretudo do Sul Global, com o sistema internacional pós-2.ª Guerra e a ascensão da China. “O primeiro aspecto diz respeito a paralisia da ONU, da Organização Mundial do Comércio, o protecionismo, a falta de conclusão de acordos como o Mercosul-União Europeia”, disse. “Já a ascensão da China é o que permite essa nova janela de oportunidade para os países em desenvolvimento, possibilitando que tenham outros tipos de alinhamento”.

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Dentro desta configuração, os pesquisadores ressaltaram a importância do G-20 enquanto plataforma de articulação política. Sob a presidência do país este ano, o grupo reúne tanto nações do Sul Global como o G-7, o grupo das sete maiores economias do mundo pós-2.ª Guerra. “Reformas de instituições como o Conselho de Segurança são difíceis, mas pautas como a agenda climática pode favorecer consensos. Em um mundo cada vez mais polarizado, construir os consensos em determinados tópicos e para problemas específicos são importantes, e o Brasil pode se beneficiar disso”, afirmou Paulo Esteves.

“O G-20 é a melhor esperança para o multilateralismo. Na ausência do G-20, não há nenhuma arena que reúna o G-7 e os demais países, como a China e a Rússia. É no G-20 que os Brics+ querem ter a sua voz ouvida. É o fórum para isso”, disse Coelho.

A agenda climática e de desenvolvimento sustentável é o maior desafio para a política externa do Brasil, avaliaram especialistas em uma pesquisa do Instituto Körber Stiftung, da Alemanha. O tema prevalece sobre outras questões internacionais importantes, como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e mostra a expectativa do País liderar a pauta climática no mundo.

Desenvolvida em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas do Brics, vinculado a PUC-Rio, e outros dois institutos internacionais, a pesquisa ouviu especialistas e autoridades de três países do Sul Global (Brasil, Índia e África do Sul) e da Alemanha para identificar as respectivas prioridades da política externa. A agenda climática foi escolhida por 38% dos entrevistados brasileiros como a mais desafiadora, seguida do comércio internacional (19%) e da relação com a China (6%).

Para o professor de relações internacionais da PUC e um dos coordenadores da pesquisa, Paulo Esteves, o resultado reflete a oportunidade do Brasil se projetar como uma liderança global nas políticas voltadas às mudanças climáticas. “Essa pauta oferece a possibilidade de projeção do Brasil como um modelo de desenvolvimento que prioriza o clima e que pode ser seguido por outros países”, disse.

Segundo Esteves, o Brasil tem colocado a agenda climática no centro de sua atuação internacional desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência no ano passado. O presidente tem se encontrado com os líderes de nações com as maiores emissões de carbono do mundo para debater políticas de desenvolvimento sustentável e pressionar mais financiamento para projetos na área.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva na 28ª reunião anual das Nações Unidas sobre o clima, COP28, realizada em Dubai No Emirados Árabes Unidos, no ano passado  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Os esforços resultaram em recursos para iniciativas como o Fundo Amazônia, que obteve mais de R$ 490 milhões do Reino Unido e R$ 80 milhões da Alemanha no ano passado. “Embora o Brasil e outras nações mais pobres não sejam os maiores emissores de carbono, são eles que mais irão sofrer com as mudanças climáticas”, afirmou o coordenador. “Por isso, é importante que esse outro grupo de países também partilhe a responsabilidade de reparar as perdas e danos causadas pelas mudanças”.

A busca pela liderança nessa agenda ficou evidente na participação de Lula na COP-28, realizada no ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes. Durante seu discurso, o presidente cobrou as nações mais ricas a cumprir os acordos climáticos para redução de emissão de carbono e as criticou por aumentar os gastos com guerra enquanto projetos de desenvolvimento têm financiamento inferior.

A realização da Cúpula da Amazônia no ano passado com líderes sul-americanos, em Belém, e da COP-30 em 2025 também são vistas como iniciativas que visam habilitar o Brasil como liderança global no tema.

Desde o início dos esforços, no entanto, o governo Lula também passou a receber críticas internacionais por causa de projetos que vão na contramão do desenvolvimento sustentável, a exemplo dos planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas, próximo à foz do Rio Amazonas. O projeto para pavimentar a BR-319, que corta o interior do Amazonas e tem potencial para causar impactos em cerca de 300 mil km² da Amazônia, é outra controvérsia que afeta a imagem do governo no exterior.

Em janeiro deste ano, o jornal britânico The Guardian chamou o projeto da BR-319 de “flagrante contradição” do objetivo do Brasil de reduzir o desmatamento e promover a sustentabilidade. “Fazer pedidos (de financiamento) é um escárnio com o fundo internacional e com a credibilidade ambiental do governo brasileiro. É uma piada de mau gosto, até porque um dos objetivos da nova estrada é facilitar a exploração de petróleo e gás no interior da floresta”, disse o jornal.

Na avaliação de Paulo Esteves, é natural que haja contradições internas no processo de desenvolvimento sustentável devido ao impacto sobre setores econômicos e sociais, mas isso pode ser superado caso o Brasil consiga se habilitar como líder. “Uma eventual liderança internacional do Brasil na agenda do clima poderá fortalecer aqueles grupos que defendem um modelo de desenvolvimento sustentável e de baixo carbono, fortalecendo essa agenda também no âmbito doméstico”, afirmou.

Multilateralismo

Intitulada “Listening Beyond the Echo Chamber” (Ouvindo além da câmara de eco, em tradução livre), a pesquisa do Instituto Körber Stiftung mostrou o quanto os desafios diplomáticos de cada país estão ligados a suas preocupações. Enquanto a agenda climática é central para o Brasil, a Índia prioriza a relação com a China, com quem possui disputa na fronteira, e a África do Sul, o equilíbrio entre diferentes poderes. A Alemanha, o único país do Ocidente incluído na pesquisa, tem a guerra na Ucrânia como seu maior desafio.

Em comum, os quatro países possuem a agenda do multilateralismo – ou seja, uma geopolítica ordenada a partir de diferentes poderes –, refletida na defesa das reformas de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial. “Há diferenças entre os países mesmo dentro dessa agenda, mas um desejo é comum: o de ser ouvido e respeitado e de ter os organismos internacionais reformados”, afirmou o professor da PUC Rio e da Eceme, Carlos de Souza Coelho, que também esteve na pesquisa.

Faixa do exército indiano dizendo 'Desistir, nunca' perto do lago Pangong Tso, na fronteira Índia-China na área de Ladakh, na Índia: conflito é maior desafio para os indianos  Foto: Manish Swarup / AP Photo

Dois aspectos são importantes para entender a defesa do multilateralismo, segundo Coelho: a frustração dos países, sobretudo do Sul Global, com o sistema internacional pós-2.ª Guerra e a ascensão da China. “O primeiro aspecto diz respeito a paralisia da ONU, da Organização Mundial do Comércio, o protecionismo, a falta de conclusão de acordos como o Mercosul-União Europeia”, disse. “Já a ascensão da China é o que permite essa nova janela de oportunidade para os países em desenvolvimento, possibilitando que tenham outros tipos de alinhamento”.

Dentro desta configuração, os pesquisadores ressaltaram a importância do G-20 enquanto plataforma de articulação política. Sob a presidência do país este ano, o grupo reúne tanto nações do Sul Global como o G-7, o grupo das sete maiores economias do mundo pós-2.ª Guerra. “Reformas de instituições como o Conselho de Segurança são difíceis, mas pautas como a agenda climática pode favorecer consensos. Em um mundo cada vez mais polarizado, construir os consensos em determinados tópicos e para problemas específicos são importantes, e o Brasil pode se beneficiar disso”, afirmou Paulo Esteves.

“O G-20 é a melhor esperança para o multilateralismo. Na ausência do G-20, não há nenhuma arena que reúna o G-7 e os demais países, como a China e a Rússia. É no G-20 que os Brics+ querem ter a sua voz ouvida. É o fórum para isso”, disse Coelho.

A agenda climática e de desenvolvimento sustentável é o maior desafio para a política externa do Brasil, avaliaram especialistas em uma pesquisa do Instituto Körber Stiftung, da Alemanha. O tema prevalece sobre outras questões internacionais importantes, como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e mostra a expectativa do País liderar a pauta climática no mundo.

Desenvolvida em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas do Brics, vinculado a PUC-Rio, e outros dois institutos internacionais, a pesquisa ouviu especialistas e autoridades de três países do Sul Global (Brasil, Índia e África do Sul) e da Alemanha para identificar as respectivas prioridades da política externa. A agenda climática foi escolhida por 38% dos entrevistados brasileiros como a mais desafiadora, seguida do comércio internacional (19%) e da relação com a China (6%).

Para o professor de relações internacionais da PUC e um dos coordenadores da pesquisa, Paulo Esteves, o resultado reflete a oportunidade do Brasil se projetar como uma liderança global nas políticas voltadas às mudanças climáticas. “Essa pauta oferece a possibilidade de projeção do Brasil como um modelo de desenvolvimento que prioriza o clima e que pode ser seguido por outros países”, disse.

Segundo Esteves, o Brasil tem colocado a agenda climática no centro de sua atuação internacional desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência no ano passado. O presidente tem se encontrado com os líderes de nações com as maiores emissões de carbono do mundo para debater políticas de desenvolvimento sustentável e pressionar mais financiamento para projetos na área.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva na 28ª reunião anual das Nações Unidas sobre o clima, COP28, realizada em Dubai No Emirados Árabes Unidos, no ano passado  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Os esforços resultaram em recursos para iniciativas como o Fundo Amazônia, que obteve mais de R$ 490 milhões do Reino Unido e R$ 80 milhões da Alemanha no ano passado. “Embora o Brasil e outras nações mais pobres não sejam os maiores emissores de carbono, são eles que mais irão sofrer com as mudanças climáticas”, afirmou o coordenador. “Por isso, é importante que esse outro grupo de países também partilhe a responsabilidade de reparar as perdas e danos causadas pelas mudanças”.

A busca pela liderança nessa agenda ficou evidente na participação de Lula na COP-28, realizada no ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes. Durante seu discurso, o presidente cobrou as nações mais ricas a cumprir os acordos climáticos para redução de emissão de carbono e as criticou por aumentar os gastos com guerra enquanto projetos de desenvolvimento têm financiamento inferior.

A realização da Cúpula da Amazônia no ano passado com líderes sul-americanos, em Belém, e da COP-30 em 2025 também são vistas como iniciativas que visam habilitar o Brasil como liderança global no tema.

Desde o início dos esforços, no entanto, o governo Lula também passou a receber críticas internacionais por causa de projetos que vão na contramão do desenvolvimento sustentável, a exemplo dos planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas, próximo à foz do Rio Amazonas. O projeto para pavimentar a BR-319, que corta o interior do Amazonas e tem potencial para causar impactos em cerca de 300 mil km² da Amazônia, é outra controvérsia que afeta a imagem do governo no exterior.

Em janeiro deste ano, o jornal britânico The Guardian chamou o projeto da BR-319 de “flagrante contradição” do objetivo do Brasil de reduzir o desmatamento e promover a sustentabilidade. “Fazer pedidos (de financiamento) é um escárnio com o fundo internacional e com a credibilidade ambiental do governo brasileiro. É uma piada de mau gosto, até porque um dos objetivos da nova estrada é facilitar a exploração de petróleo e gás no interior da floresta”, disse o jornal.

Na avaliação de Paulo Esteves, é natural que haja contradições internas no processo de desenvolvimento sustentável devido ao impacto sobre setores econômicos e sociais, mas isso pode ser superado caso o Brasil consiga se habilitar como líder. “Uma eventual liderança internacional do Brasil na agenda do clima poderá fortalecer aqueles grupos que defendem um modelo de desenvolvimento sustentável e de baixo carbono, fortalecendo essa agenda também no âmbito doméstico”, afirmou.

Multilateralismo

Intitulada “Listening Beyond the Echo Chamber” (Ouvindo além da câmara de eco, em tradução livre), a pesquisa do Instituto Körber Stiftung mostrou o quanto os desafios diplomáticos de cada país estão ligados a suas preocupações. Enquanto a agenda climática é central para o Brasil, a Índia prioriza a relação com a China, com quem possui disputa na fronteira, e a África do Sul, o equilíbrio entre diferentes poderes. A Alemanha, o único país do Ocidente incluído na pesquisa, tem a guerra na Ucrânia como seu maior desafio.

Em comum, os quatro países possuem a agenda do multilateralismo – ou seja, uma geopolítica ordenada a partir de diferentes poderes –, refletida na defesa das reformas de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial. “Há diferenças entre os países mesmo dentro dessa agenda, mas um desejo é comum: o de ser ouvido e respeitado e de ter os organismos internacionais reformados”, afirmou o professor da PUC Rio e da Eceme, Carlos de Souza Coelho, que também esteve na pesquisa.

Faixa do exército indiano dizendo 'Desistir, nunca' perto do lago Pangong Tso, na fronteira Índia-China na área de Ladakh, na Índia: conflito é maior desafio para os indianos  Foto: Manish Swarup / AP Photo

Dois aspectos são importantes para entender a defesa do multilateralismo, segundo Coelho: a frustração dos países, sobretudo do Sul Global, com o sistema internacional pós-2.ª Guerra e a ascensão da China. “O primeiro aspecto diz respeito a paralisia da ONU, da Organização Mundial do Comércio, o protecionismo, a falta de conclusão de acordos como o Mercosul-União Europeia”, disse. “Já a ascensão da China é o que permite essa nova janela de oportunidade para os países em desenvolvimento, possibilitando que tenham outros tipos de alinhamento”.

Dentro desta configuração, os pesquisadores ressaltaram a importância do G-20 enquanto plataforma de articulação política. Sob a presidência do país este ano, o grupo reúne tanto nações do Sul Global como o G-7, o grupo das sete maiores economias do mundo pós-2.ª Guerra. “Reformas de instituições como o Conselho de Segurança são difíceis, mas pautas como a agenda climática pode favorecer consensos. Em um mundo cada vez mais polarizado, construir os consensos em determinados tópicos e para problemas específicos são importantes, e o Brasil pode se beneficiar disso”, afirmou Paulo Esteves.

“O G-20 é a melhor esperança para o multilateralismo. Na ausência do G-20, não há nenhuma arena que reúna o G-7 e os demais países, como a China e a Rússia. É no G-20 que os Brics+ querem ter a sua voz ouvida. É o fórum para isso”, disse Coelho.

A agenda climática e de desenvolvimento sustentável é o maior desafio para a política externa do Brasil, avaliaram especialistas em uma pesquisa do Instituto Körber Stiftung, da Alemanha. O tema prevalece sobre outras questões internacionais importantes, como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e mostra a expectativa do País liderar a pauta climática no mundo.

Desenvolvida em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas do Brics, vinculado a PUC-Rio, e outros dois institutos internacionais, a pesquisa ouviu especialistas e autoridades de três países do Sul Global (Brasil, Índia e África do Sul) e da Alemanha para identificar as respectivas prioridades da política externa. A agenda climática foi escolhida por 38% dos entrevistados brasileiros como a mais desafiadora, seguida do comércio internacional (19%) e da relação com a China (6%).

Para o professor de relações internacionais da PUC e um dos coordenadores da pesquisa, Paulo Esteves, o resultado reflete a oportunidade do Brasil se projetar como uma liderança global nas políticas voltadas às mudanças climáticas. “Essa pauta oferece a possibilidade de projeção do Brasil como um modelo de desenvolvimento que prioriza o clima e que pode ser seguido por outros países”, disse.

Segundo Esteves, o Brasil tem colocado a agenda climática no centro de sua atuação internacional desde o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência no ano passado. O presidente tem se encontrado com os líderes de nações com as maiores emissões de carbono do mundo para debater políticas de desenvolvimento sustentável e pressionar mais financiamento para projetos na área.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva com a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva na 28ª reunião anual das Nações Unidas sobre o clima, COP28, realizada em Dubai No Emirados Árabes Unidos, no ano passado  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Os esforços resultaram em recursos para iniciativas como o Fundo Amazônia, que obteve mais de R$ 490 milhões do Reino Unido e R$ 80 milhões da Alemanha no ano passado. “Embora o Brasil e outras nações mais pobres não sejam os maiores emissores de carbono, são eles que mais irão sofrer com as mudanças climáticas”, afirmou o coordenador. “Por isso, é importante que esse outro grupo de países também partilhe a responsabilidade de reparar as perdas e danos causadas pelas mudanças”.

A busca pela liderança nessa agenda ficou evidente na participação de Lula na COP-28, realizada no ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes. Durante seu discurso, o presidente cobrou as nações mais ricas a cumprir os acordos climáticos para redução de emissão de carbono e as criticou por aumentar os gastos com guerra enquanto projetos de desenvolvimento têm financiamento inferior.

A realização da Cúpula da Amazônia no ano passado com líderes sul-americanos, em Belém, e da COP-30 em 2025 também são vistas como iniciativas que visam habilitar o Brasil como liderança global no tema.

Desde o início dos esforços, no entanto, o governo Lula também passou a receber críticas internacionais por causa de projetos que vão na contramão do desenvolvimento sustentável, a exemplo dos planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas, próximo à foz do Rio Amazonas. O projeto para pavimentar a BR-319, que corta o interior do Amazonas e tem potencial para causar impactos em cerca de 300 mil km² da Amazônia, é outra controvérsia que afeta a imagem do governo no exterior.

Em janeiro deste ano, o jornal britânico The Guardian chamou o projeto da BR-319 de “flagrante contradição” do objetivo do Brasil de reduzir o desmatamento e promover a sustentabilidade. “Fazer pedidos (de financiamento) é um escárnio com o fundo internacional e com a credibilidade ambiental do governo brasileiro. É uma piada de mau gosto, até porque um dos objetivos da nova estrada é facilitar a exploração de petróleo e gás no interior da floresta”, disse o jornal.

Na avaliação de Paulo Esteves, é natural que haja contradições internas no processo de desenvolvimento sustentável devido ao impacto sobre setores econômicos e sociais, mas isso pode ser superado caso o Brasil consiga se habilitar como líder. “Uma eventual liderança internacional do Brasil na agenda do clima poderá fortalecer aqueles grupos que defendem um modelo de desenvolvimento sustentável e de baixo carbono, fortalecendo essa agenda também no âmbito doméstico”, afirmou.

Multilateralismo

Intitulada “Listening Beyond the Echo Chamber” (Ouvindo além da câmara de eco, em tradução livre), a pesquisa do Instituto Körber Stiftung mostrou o quanto os desafios diplomáticos de cada país estão ligados a suas preocupações. Enquanto a agenda climática é central para o Brasil, a Índia prioriza a relação com a China, com quem possui disputa na fronteira, e a África do Sul, o equilíbrio entre diferentes poderes. A Alemanha, o único país do Ocidente incluído na pesquisa, tem a guerra na Ucrânia como seu maior desafio.

Em comum, os quatro países possuem a agenda do multilateralismo – ou seja, uma geopolítica ordenada a partir de diferentes poderes –, refletida na defesa das reformas de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial. “Há diferenças entre os países mesmo dentro dessa agenda, mas um desejo é comum: o de ser ouvido e respeitado e de ter os organismos internacionais reformados”, afirmou o professor da PUC Rio e da Eceme, Carlos de Souza Coelho, que também esteve na pesquisa.

Faixa do exército indiano dizendo 'Desistir, nunca' perto do lago Pangong Tso, na fronteira Índia-China na área de Ladakh, na Índia: conflito é maior desafio para os indianos  Foto: Manish Swarup / AP Photo

Dois aspectos são importantes para entender a defesa do multilateralismo, segundo Coelho: a frustração dos países, sobretudo do Sul Global, com o sistema internacional pós-2.ª Guerra e a ascensão da China. “O primeiro aspecto diz respeito a paralisia da ONU, da Organização Mundial do Comércio, o protecionismo, a falta de conclusão de acordos como o Mercosul-União Europeia”, disse. “Já a ascensão da China é o que permite essa nova janela de oportunidade para os países em desenvolvimento, possibilitando que tenham outros tipos de alinhamento”.

Dentro desta configuração, os pesquisadores ressaltaram a importância do G-20 enquanto plataforma de articulação política. Sob a presidência do país este ano, o grupo reúne tanto nações do Sul Global como o G-7, o grupo das sete maiores economias do mundo pós-2.ª Guerra. “Reformas de instituições como o Conselho de Segurança são difíceis, mas pautas como a agenda climática pode favorecer consensos. Em um mundo cada vez mais polarizado, construir os consensos em determinados tópicos e para problemas específicos são importantes, e o Brasil pode se beneficiar disso”, afirmou Paulo Esteves.

“O G-20 é a melhor esperança para o multilateralismo. Na ausência do G-20, não há nenhuma arena que reúna o G-7 e os demais países, como a China e a Rússia. É no G-20 que os Brics+ querem ter a sua voz ouvida. É o fórum para isso”, disse Coelho.

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