Discurso de Lula focou em temas que o Brasil pode brilhar, avalia Oliver Stuenkel


Presidente brasileiro mencionou a guerra na Ucrânia de forma tímida e focou no combate as mudanças climáticas, cobrança de países ricos por mais investimento no Fundo Amazônia e a necessidade de uma mudança na governança global

Por Daniel Gateno
Atualização:
Entrevista comOliver StuenkelProfessor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Assembleia-Geral da ONU, foi positivo por dar destaque às posições que o Brasil pode ter um maior impacto, segundo o professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão Oliver Stuenkel.

“Houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar”, aponta Stuenkel.

O analista também aponta que o presidente brasileiro mencionou a guerra na Ucrânia de maneira tímida, o que foi bom para a imagem do Brasil, que estava comprometida devido às recentes declarações de Lula sobre o tema.

continua após a publicidade

Confira trechos da entrevista.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, abriu a rodada de discursos na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Justin Lane / EFE

O discurso do Lula pareceu centrado e não passou por questões polêmicas. Qual sua avaliação das falas?

continua após a publicidade

O presidente Lula sobretudo agora no seu primeiro ano de mandato tem uma vantagem inédita porque houve uma rejeição praticamente universal contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, então tanto no Ocidente quanto no Sul Global existe um certo alívio com o fim do governo Bolsonaro em função da imprevisibilidade, da falta de compromisso com o multilateralismo e com questões envolvendo o negacionismo climático de Bolsonaro.

Então o Lula tem um bônus que é qualquer coisa que ele disser, mesmo em questões polêmicas, será comparado com o último presidente. Em função disso, o discurso do presidente brasileiro na Assembleia-Geral da ONU será lembrado como um discurso de normalização e facilita muito a mensagem de que o Brasil está de volta.

Conversei com estrangeiros que assistiram o discurso do presidente Lula ao vivo e me elas me falaram que de fato Lula passou a mensagem de que o Brasil está de volta.

continua após a publicidade

Esta foi a principal mensagem e diante do contexto, a recepção geral foi positiva.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na Assembleia-Geral da ONU  Foto: Michael M. Santiago/AFP
continua após a publicidade

Lula mencionou a Guerra na Ucrânia apenas de passagem, e novamente não falou da Rússia. Foi uma tentativa de evitar o tema? Isso é positivo?

O presidente Lula fez questão de mencionar outros conflitos antes da guerra na Ucrânia. Antes dele falar da Ucrânia, ele falou de Haiti, Iémen, Burkina Faso, Gabão, Guiné. Mali, Níger e Sudão.

Então a mensagem que o presidente quis passar foi que a comunidade Internacional, sobretudo o Ocidente, fala muito da Ucrânia e muito pouco para os outros conflitos. É um comentário, mas eu não acho que leva a analistas ocidentais criticarem o discurso, mas claramente aquilo não foi coincidência.

continua após a publicidade

O Brasil busca preservar os seus laços com a Rússia e com o Ocidente, o que é um equilíbrio difícil, até porque o Brasil é visto no Ocidente como pró-Rússia e me parece que é muito complicado satisfazer os dois lados, mas houve uma certa tentativa de não entrar em detalhes porque a chance disso ser polêmico é grande.

Os líderes dos países do Brics posam para foto durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Outros líderes vão enfatizar muito essa questão da Ucrânia, então houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar.

continua após a publicidade

Não acredito em um grande impacto do Brasil em uma possível mediação da guerra entre Rússia e Ucrânia. As declarações de Lula sobre o assunto já produziram um custo, sobretudo no Ocidente, então houve uma tentativa de enfatizar outras questões e não entrar muito nessa questão.

Lula não falou de uma possível mediação e eu avalio isso como positivo, porque sei do impacto negativo das declarações de Lula em relação ao tema.

Lula chegou a falar de outros países que estão em crise. Foi uma forma de diluir os conflitos globais?

Acredito que faz parte de uma crítica que o Brasil vem fazendo, que o Ocidente tem gastos militares enormes em apoio a Ucrânia, mas outras questões que não aparecem com tanta frequência no debate internacional também precisam de atenção.

Mas foi uma citação sutil, ele não disse para o Ocidente parar de olhar para a Ucrânia, mas ele quis ressaltar outros conflitos antes.

O presidente brasileiro questionou o embargo a Cuba sem tratar da questão de ser uma ditadura. Por que a insistência com Cuba?

O Lula acaba de vir de Havana e esse assunto é quase consensual na América Latina e por incrível que pareça, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Partido Democrata são céticos deste embargo, mas não existe muito espaço político junto com o Partido Republicano para mudanças.

Mas não vejo como assunto particularmente polêmico de Lula, eu acho que também é um tema importante para uma ala do PT, que se importa muito com esta questão. Infelizmente não existe nenhuma perspectiva de que isso mude nos próximos anos.

Isso é um pouco o dilema de um discurso. É preciso falar de visões e posições, mesmo que elas não estejam próximas de acontecer. Um exemplo disso é o presidente falar sobre uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. A grande maioria dos países sabe que a atual composição do conselho não reflete a ordem mundial, mas qualquer mudança está completamente descartada na próxima década.

O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participam de cerimonia da cúpula do G77+China em Havana, Cuba  Foto: Alexandre Meneghini/ Reuters

Lula enfatizou a importância da ONU e do multilateralismo. Não é um contrassenso com as posições recentes do presidente, criticando o TPI, e rechaçando outros mecanismos multilaterais?

Vários integrantes do governo e do Itamaraty discordaram em off com a postura do presidente brasileiro em relação ao Tribunal Penal Internacional (TPI), foram comentários que destoam da posição oficial do Brasil, em função disso o Lula não falou sobre o TPI na Assembleia-Geral.

Os comentários da semana passada tiveram um custo político, mas o fato de Lula não ter levantado o assunto é uma forma de contenção de danos e de mostrar que o Brasil está comprometido com o multilateralismo, o que é importante porque o multilateralismo está na sua pior crise em décadas e a ausência de quatro dos cinco líderes dos países que estão no Conselho de Segurança é um reflexo disso.

Estamos nos aproximando de um mundo em que regras e normas valem menos e que as plataformas estão enfraquecidas, então Lula fez um apelo importante.

Na sua avaliação, Lula tentou se colocar como líder do Sul Global nas ausências de Xi Jinping e Narendra Modi na Assembleia-Geral?

Sem dúvida, eu diria que China, Índia e Brasil buscam se projetar como lideranças no Sul Global, mas em função das diversidades destes países, é impossível representar todos esses países. Mas o Brasil é reconhecido como um país com um papel importante no Sul Global e apesar do maior peso econômico de Índia e China, o Brasil tem mais peso em algumas áreas por conta do discurso.

Em suas declarações, Lula fala de direitos LGBT, de direitos da mulher, da liberdade da imprensa, ele denuncia as rupturas institucionais em outros países. São assuntos caros ao Ocidente e que não serão mencionados pela China e pela Rússia, por exemplo.

Líderes do Brics se comprimentam durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/AFP

Então também é uma forma de sinalizar que o Brasil está no Sul Global, mas também pode ser uma ponte com o Ocidente e que o Brasil consegue dialogar sobre diversos assuntos, sobretudo no âmbito da democracia.

A cobrança de Lula aos países ricos para que cumpram a promessa de doações ao Fundo Amazônia foi importante?

A cobrança de Lula é legítima porque as promessas que foram feitas até agora foram só promessas. Isso é um assunto que em uma conversa em off entre presidentes, Joe Biden concorda que é preciso fazer mais nesta questão.

Os primeiros números deste ano demonstram que o Brasil avançou bastante no quesito desmatamento e os países do Ocidente precisam oferecer mais apoio.

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Assembleia-Geral da ONU, foi positivo por dar destaque às posições que o Brasil pode ter um maior impacto, segundo o professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão Oliver Stuenkel.

“Houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar”, aponta Stuenkel.

O analista também aponta que o presidente brasileiro mencionou a guerra na Ucrânia de maneira tímida, o que foi bom para a imagem do Brasil, que estava comprometida devido às recentes declarações de Lula sobre o tema.

Confira trechos da entrevista.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, abriu a rodada de discursos na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Justin Lane / EFE

O discurso do Lula pareceu centrado e não passou por questões polêmicas. Qual sua avaliação das falas?

O presidente Lula sobretudo agora no seu primeiro ano de mandato tem uma vantagem inédita porque houve uma rejeição praticamente universal contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, então tanto no Ocidente quanto no Sul Global existe um certo alívio com o fim do governo Bolsonaro em função da imprevisibilidade, da falta de compromisso com o multilateralismo e com questões envolvendo o negacionismo climático de Bolsonaro.

Então o Lula tem um bônus que é qualquer coisa que ele disser, mesmo em questões polêmicas, será comparado com o último presidente. Em função disso, o discurso do presidente brasileiro na Assembleia-Geral da ONU será lembrado como um discurso de normalização e facilita muito a mensagem de que o Brasil está de volta.

Conversei com estrangeiros que assistiram o discurso do presidente Lula ao vivo e me elas me falaram que de fato Lula passou a mensagem de que o Brasil está de volta.

Esta foi a principal mensagem e diante do contexto, a recepção geral foi positiva.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na Assembleia-Geral da ONU  Foto: Michael M. Santiago/AFP

Lula mencionou a Guerra na Ucrânia apenas de passagem, e novamente não falou da Rússia. Foi uma tentativa de evitar o tema? Isso é positivo?

O presidente Lula fez questão de mencionar outros conflitos antes da guerra na Ucrânia. Antes dele falar da Ucrânia, ele falou de Haiti, Iémen, Burkina Faso, Gabão, Guiné. Mali, Níger e Sudão.

Então a mensagem que o presidente quis passar foi que a comunidade Internacional, sobretudo o Ocidente, fala muito da Ucrânia e muito pouco para os outros conflitos. É um comentário, mas eu não acho que leva a analistas ocidentais criticarem o discurso, mas claramente aquilo não foi coincidência.

O Brasil busca preservar os seus laços com a Rússia e com o Ocidente, o que é um equilíbrio difícil, até porque o Brasil é visto no Ocidente como pró-Rússia e me parece que é muito complicado satisfazer os dois lados, mas houve uma certa tentativa de não entrar em detalhes porque a chance disso ser polêmico é grande.

Os líderes dos países do Brics posam para foto durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Outros líderes vão enfatizar muito essa questão da Ucrânia, então houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar.

Não acredito em um grande impacto do Brasil em uma possível mediação da guerra entre Rússia e Ucrânia. As declarações de Lula sobre o assunto já produziram um custo, sobretudo no Ocidente, então houve uma tentativa de enfatizar outras questões e não entrar muito nessa questão.

Lula não falou de uma possível mediação e eu avalio isso como positivo, porque sei do impacto negativo das declarações de Lula em relação ao tema.

Lula chegou a falar de outros países que estão em crise. Foi uma forma de diluir os conflitos globais?

Acredito que faz parte de uma crítica que o Brasil vem fazendo, que o Ocidente tem gastos militares enormes em apoio a Ucrânia, mas outras questões que não aparecem com tanta frequência no debate internacional também precisam de atenção.

Mas foi uma citação sutil, ele não disse para o Ocidente parar de olhar para a Ucrânia, mas ele quis ressaltar outros conflitos antes.

O presidente brasileiro questionou o embargo a Cuba sem tratar da questão de ser uma ditadura. Por que a insistência com Cuba?

O Lula acaba de vir de Havana e esse assunto é quase consensual na América Latina e por incrível que pareça, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Partido Democrata são céticos deste embargo, mas não existe muito espaço político junto com o Partido Republicano para mudanças.

Mas não vejo como assunto particularmente polêmico de Lula, eu acho que também é um tema importante para uma ala do PT, que se importa muito com esta questão. Infelizmente não existe nenhuma perspectiva de que isso mude nos próximos anos.

Isso é um pouco o dilema de um discurso. É preciso falar de visões e posições, mesmo que elas não estejam próximas de acontecer. Um exemplo disso é o presidente falar sobre uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. A grande maioria dos países sabe que a atual composição do conselho não reflete a ordem mundial, mas qualquer mudança está completamente descartada na próxima década.

O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participam de cerimonia da cúpula do G77+China em Havana, Cuba  Foto: Alexandre Meneghini/ Reuters

Lula enfatizou a importância da ONU e do multilateralismo. Não é um contrassenso com as posições recentes do presidente, criticando o TPI, e rechaçando outros mecanismos multilaterais?

Vários integrantes do governo e do Itamaraty discordaram em off com a postura do presidente brasileiro em relação ao Tribunal Penal Internacional (TPI), foram comentários que destoam da posição oficial do Brasil, em função disso o Lula não falou sobre o TPI na Assembleia-Geral.

Os comentários da semana passada tiveram um custo político, mas o fato de Lula não ter levantado o assunto é uma forma de contenção de danos e de mostrar que o Brasil está comprometido com o multilateralismo, o que é importante porque o multilateralismo está na sua pior crise em décadas e a ausência de quatro dos cinco líderes dos países que estão no Conselho de Segurança é um reflexo disso.

Estamos nos aproximando de um mundo em que regras e normas valem menos e que as plataformas estão enfraquecidas, então Lula fez um apelo importante.

Na sua avaliação, Lula tentou se colocar como líder do Sul Global nas ausências de Xi Jinping e Narendra Modi na Assembleia-Geral?

Sem dúvida, eu diria que China, Índia e Brasil buscam se projetar como lideranças no Sul Global, mas em função das diversidades destes países, é impossível representar todos esses países. Mas o Brasil é reconhecido como um país com um papel importante no Sul Global e apesar do maior peso econômico de Índia e China, o Brasil tem mais peso em algumas áreas por conta do discurso.

Em suas declarações, Lula fala de direitos LGBT, de direitos da mulher, da liberdade da imprensa, ele denuncia as rupturas institucionais em outros países. São assuntos caros ao Ocidente e que não serão mencionados pela China e pela Rússia, por exemplo.

Líderes do Brics se comprimentam durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/AFP

Então também é uma forma de sinalizar que o Brasil está no Sul Global, mas também pode ser uma ponte com o Ocidente e que o Brasil consegue dialogar sobre diversos assuntos, sobretudo no âmbito da democracia.

A cobrança de Lula aos países ricos para que cumpram a promessa de doações ao Fundo Amazônia foi importante?

A cobrança de Lula é legítima porque as promessas que foram feitas até agora foram só promessas. Isso é um assunto que em uma conversa em off entre presidentes, Joe Biden concorda que é preciso fazer mais nesta questão.

Os primeiros números deste ano demonstram que o Brasil avançou bastante no quesito desmatamento e os países do Ocidente precisam oferecer mais apoio.

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Assembleia-Geral da ONU, foi positivo por dar destaque às posições que o Brasil pode ter um maior impacto, segundo o professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão Oliver Stuenkel.

“Houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar”, aponta Stuenkel.

O analista também aponta que o presidente brasileiro mencionou a guerra na Ucrânia de maneira tímida, o que foi bom para a imagem do Brasil, que estava comprometida devido às recentes declarações de Lula sobre o tema.

Confira trechos da entrevista.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, abriu a rodada de discursos na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Justin Lane / EFE

O discurso do Lula pareceu centrado e não passou por questões polêmicas. Qual sua avaliação das falas?

O presidente Lula sobretudo agora no seu primeiro ano de mandato tem uma vantagem inédita porque houve uma rejeição praticamente universal contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, então tanto no Ocidente quanto no Sul Global existe um certo alívio com o fim do governo Bolsonaro em função da imprevisibilidade, da falta de compromisso com o multilateralismo e com questões envolvendo o negacionismo climático de Bolsonaro.

Então o Lula tem um bônus que é qualquer coisa que ele disser, mesmo em questões polêmicas, será comparado com o último presidente. Em função disso, o discurso do presidente brasileiro na Assembleia-Geral da ONU será lembrado como um discurso de normalização e facilita muito a mensagem de que o Brasil está de volta.

Conversei com estrangeiros que assistiram o discurso do presidente Lula ao vivo e me elas me falaram que de fato Lula passou a mensagem de que o Brasil está de volta.

Esta foi a principal mensagem e diante do contexto, a recepção geral foi positiva.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na Assembleia-Geral da ONU  Foto: Michael M. Santiago/AFP

Lula mencionou a Guerra na Ucrânia apenas de passagem, e novamente não falou da Rússia. Foi uma tentativa de evitar o tema? Isso é positivo?

O presidente Lula fez questão de mencionar outros conflitos antes da guerra na Ucrânia. Antes dele falar da Ucrânia, ele falou de Haiti, Iémen, Burkina Faso, Gabão, Guiné. Mali, Níger e Sudão.

Então a mensagem que o presidente quis passar foi que a comunidade Internacional, sobretudo o Ocidente, fala muito da Ucrânia e muito pouco para os outros conflitos. É um comentário, mas eu não acho que leva a analistas ocidentais criticarem o discurso, mas claramente aquilo não foi coincidência.

O Brasil busca preservar os seus laços com a Rússia e com o Ocidente, o que é um equilíbrio difícil, até porque o Brasil é visto no Ocidente como pró-Rússia e me parece que é muito complicado satisfazer os dois lados, mas houve uma certa tentativa de não entrar em detalhes porque a chance disso ser polêmico é grande.

Os líderes dos países do Brics posam para foto durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Outros líderes vão enfatizar muito essa questão da Ucrânia, então houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar.

Não acredito em um grande impacto do Brasil em uma possível mediação da guerra entre Rússia e Ucrânia. As declarações de Lula sobre o assunto já produziram um custo, sobretudo no Ocidente, então houve uma tentativa de enfatizar outras questões e não entrar muito nessa questão.

Lula não falou de uma possível mediação e eu avalio isso como positivo, porque sei do impacto negativo das declarações de Lula em relação ao tema.

Lula chegou a falar de outros países que estão em crise. Foi uma forma de diluir os conflitos globais?

Acredito que faz parte de uma crítica que o Brasil vem fazendo, que o Ocidente tem gastos militares enormes em apoio a Ucrânia, mas outras questões que não aparecem com tanta frequência no debate internacional também precisam de atenção.

Mas foi uma citação sutil, ele não disse para o Ocidente parar de olhar para a Ucrânia, mas ele quis ressaltar outros conflitos antes.

O presidente brasileiro questionou o embargo a Cuba sem tratar da questão de ser uma ditadura. Por que a insistência com Cuba?

O Lula acaba de vir de Havana e esse assunto é quase consensual na América Latina e por incrível que pareça, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Partido Democrata são céticos deste embargo, mas não existe muito espaço político junto com o Partido Republicano para mudanças.

Mas não vejo como assunto particularmente polêmico de Lula, eu acho que também é um tema importante para uma ala do PT, que se importa muito com esta questão. Infelizmente não existe nenhuma perspectiva de que isso mude nos próximos anos.

Isso é um pouco o dilema de um discurso. É preciso falar de visões e posições, mesmo que elas não estejam próximas de acontecer. Um exemplo disso é o presidente falar sobre uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. A grande maioria dos países sabe que a atual composição do conselho não reflete a ordem mundial, mas qualquer mudança está completamente descartada na próxima década.

O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participam de cerimonia da cúpula do G77+China em Havana, Cuba  Foto: Alexandre Meneghini/ Reuters

Lula enfatizou a importância da ONU e do multilateralismo. Não é um contrassenso com as posições recentes do presidente, criticando o TPI, e rechaçando outros mecanismos multilaterais?

Vários integrantes do governo e do Itamaraty discordaram em off com a postura do presidente brasileiro em relação ao Tribunal Penal Internacional (TPI), foram comentários que destoam da posição oficial do Brasil, em função disso o Lula não falou sobre o TPI na Assembleia-Geral.

Os comentários da semana passada tiveram um custo político, mas o fato de Lula não ter levantado o assunto é uma forma de contenção de danos e de mostrar que o Brasil está comprometido com o multilateralismo, o que é importante porque o multilateralismo está na sua pior crise em décadas e a ausência de quatro dos cinco líderes dos países que estão no Conselho de Segurança é um reflexo disso.

Estamos nos aproximando de um mundo em que regras e normas valem menos e que as plataformas estão enfraquecidas, então Lula fez um apelo importante.

Na sua avaliação, Lula tentou se colocar como líder do Sul Global nas ausências de Xi Jinping e Narendra Modi na Assembleia-Geral?

Sem dúvida, eu diria que China, Índia e Brasil buscam se projetar como lideranças no Sul Global, mas em função das diversidades destes países, é impossível representar todos esses países. Mas o Brasil é reconhecido como um país com um papel importante no Sul Global e apesar do maior peso econômico de Índia e China, o Brasil tem mais peso em algumas áreas por conta do discurso.

Em suas declarações, Lula fala de direitos LGBT, de direitos da mulher, da liberdade da imprensa, ele denuncia as rupturas institucionais em outros países. São assuntos caros ao Ocidente e que não serão mencionados pela China e pela Rússia, por exemplo.

Líderes do Brics se comprimentam durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/AFP

Então também é uma forma de sinalizar que o Brasil está no Sul Global, mas também pode ser uma ponte com o Ocidente e que o Brasil consegue dialogar sobre diversos assuntos, sobretudo no âmbito da democracia.

A cobrança de Lula aos países ricos para que cumpram a promessa de doações ao Fundo Amazônia foi importante?

A cobrança de Lula é legítima porque as promessas que foram feitas até agora foram só promessas. Isso é um assunto que em uma conversa em off entre presidentes, Joe Biden concorda que é preciso fazer mais nesta questão.

Os primeiros números deste ano demonstram que o Brasil avançou bastante no quesito desmatamento e os países do Ocidente precisam oferecer mais apoio.

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Assembleia-Geral da ONU, foi positivo por dar destaque às posições que o Brasil pode ter um maior impacto, segundo o professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão Oliver Stuenkel.

“Houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar”, aponta Stuenkel.

O analista também aponta que o presidente brasileiro mencionou a guerra na Ucrânia de maneira tímida, o que foi bom para a imagem do Brasil, que estava comprometida devido às recentes declarações de Lula sobre o tema.

Confira trechos da entrevista.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, abriu a rodada de discursos na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Justin Lane / EFE

O discurso do Lula pareceu centrado e não passou por questões polêmicas. Qual sua avaliação das falas?

O presidente Lula sobretudo agora no seu primeiro ano de mandato tem uma vantagem inédita porque houve uma rejeição praticamente universal contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, então tanto no Ocidente quanto no Sul Global existe um certo alívio com o fim do governo Bolsonaro em função da imprevisibilidade, da falta de compromisso com o multilateralismo e com questões envolvendo o negacionismo climático de Bolsonaro.

Então o Lula tem um bônus que é qualquer coisa que ele disser, mesmo em questões polêmicas, será comparado com o último presidente. Em função disso, o discurso do presidente brasileiro na Assembleia-Geral da ONU será lembrado como um discurso de normalização e facilita muito a mensagem de que o Brasil está de volta.

Conversei com estrangeiros que assistiram o discurso do presidente Lula ao vivo e me elas me falaram que de fato Lula passou a mensagem de que o Brasil está de volta.

Esta foi a principal mensagem e diante do contexto, a recepção geral foi positiva.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na Assembleia-Geral da ONU  Foto: Michael M. Santiago/AFP

Lula mencionou a Guerra na Ucrânia apenas de passagem, e novamente não falou da Rússia. Foi uma tentativa de evitar o tema? Isso é positivo?

O presidente Lula fez questão de mencionar outros conflitos antes da guerra na Ucrânia. Antes dele falar da Ucrânia, ele falou de Haiti, Iémen, Burkina Faso, Gabão, Guiné. Mali, Níger e Sudão.

Então a mensagem que o presidente quis passar foi que a comunidade Internacional, sobretudo o Ocidente, fala muito da Ucrânia e muito pouco para os outros conflitos. É um comentário, mas eu não acho que leva a analistas ocidentais criticarem o discurso, mas claramente aquilo não foi coincidência.

O Brasil busca preservar os seus laços com a Rússia e com o Ocidente, o que é um equilíbrio difícil, até porque o Brasil é visto no Ocidente como pró-Rússia e me parece que é muito complicado satisfazer os dois lados, mas houve uma certa tentativa de não entrar em detalhes porque a chance disso ser polêmico é grande.

Os líderes dos países do Brics posam para foto durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Outros líderes vão enfatizar muito essa questão da Ucrânia, então houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar.

Não acredito em um grande impacto do Brasil em uma possível mediação da guerra entre Rússia e Ucrânia. As declarações de Lula sobre o assunto já produziram um custo, sobretudo no Ocidente, então houve uma tentativa de enfatizar outras questões e não entrar muito nessa questão.

Lula não falou de uma possível mediação e eu avalio isso como positivo, porque sei do impacto negativo das declarações de Lula em relação ao tema.

Lula chegou a falar de outros países que estão em crise. Foi uma forma de diluir os conflitos globais?

Acredito que faz parte de uma crítica que o Brasil vem fazendo, que o Ocidente tem gastos militares enormes em apoio a Ucrânia, mas outras questões que não aparecem com tanta frequência no debate internacional também precisam de atenção.

Mas foi uma citação sutil, ele não disse para o Ocidente parar de olhar para a Ucrânia, mas ele quis ressaltar outros conflitos antes.

O presidente brasileiro questionou o embargo a Cuba sem tratar da questão de ser uma ditadura. Por que a insistência com Cuba?

O Lula acaba de vir de Havana e esse assunto é quase consensual na América Latina e por incrível que pareça, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Partido Democrata são céticos deste embargo, mas não existe muito espaço político junto com o Partido Republicano para mudanças.

Mas não vejo como assunto particularmente polêmico de Lula, eu acho que também é um tema importante para uma ala do PT, que se importa muito com esta questão. Infelizmente não existe nenhuma perspectiva de que isso mude nos próximos anos.

Isso é um pouco o dilema de um discurso. É preciso falar de visões e posições, mesmo que elas não estejam próximas de acontecer. Um exemplo disso é o presidente falar sobre uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. A grande maioria dos países sabe que a atual composição do conselho não reflete a ordem mundial, mas qualquer mudança está completamente descartada na próxima década.

O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participam de cerimonia da cúpula do G77+China em Havana, Cuba  Foto: Alexandre Meneghini/ Reuters

Lula enfatizou a importância da ONU e do multilateralismo. Não é um contrassenso com as posições recentes do presidente, criticando o TPI, e rechaçando outros mecanismos multilaterais?

Vários integrantes do governo e do Itamaraty discordaram em off com a postura do presidente brasileiro em relação ao Tribunal Penal Internacional (TPI), foram comentários que destoam da posição oficial do Brasil, em função disso o Lula não falou sobre o TPI na Assembleia-Geral.

Os comentários da semana passada tiveram um custo político, mas o fato de Lula não ter levantado o assunto é uma forma de contenção de danos e de mostrar que o Brasil está comprometido com o multilateralismo, o que é importante porque o multilateralismo está na sua pior crise em décadas e a ausência de quatro dos cinco líderes dos países que estão no Conselho de Segurança é um reflexo disso.

Estamos nos aproximando de um mundo em que regras e normas valem menos e que as plataformas estão enfraquecidas, então Lula fez um apelo importante.

Na sua avaliação, Lula tentou se colocar como líder do Sul Global nas ausências de Xi Jinping e Narendra Modi na Assembleia-Geral?

Sem dúvida, eu diria que China, Índia e Brasil buscam se projetar como lideranças no Sul Global, mas em função das diversidades destes países, é impossível representar todos esses países. Mas o Brasil é reconhecido como um país com um papel importante no Sul Global e apesar do maior peso econômico de Índia e China, o Brasil tem mais peso em algumas áreas por conta do discurso.

Em suas declarações, Lula fala de direitos LGBT, de direitos da mulher, da liberdade da imprensa, ele denuncia as rupturas institucionais em outros países. São assuntos caros ao Ocidente e que não serão mencionados pela China e pela Rússia, por exemplo.

Líderes do Brics se comprimentam durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/AFP

Então também é uma forma de sinalizar que o Brasil está no Sul Global, mas também pode ser uma ponte com o Ocidente e que o Brasil consegue dialogar sobre diversos assuntos, sobretudo no âmbito da democracia.

A cobrança de Lula aos países ricos para que cumpram a promessa de doações ao Fundo Amazônia foi importante?

A cobrança de Lula é legítima porque as promessas que foram feitas até agora foram só promessas. Isso é um assunto que em uma conversa em off entre presidentes, Joe Biden concorda que é preciso fazer mais nesta questão.

Os primeiros números deste ano demonstram que o Brasil avançou bastante no quesito desmatamento e os países do Ocidente precisam oferecer mais apoio.

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Assembleia-Geral da ONU, foi positivo por dar destaque às posições que o Brasil pode ter um maior impacto, segundo o professor de relações internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão Oliver Stuenkel.

“Houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar”, aponta Stuenkel.

O analista também aponta que o presidente brasileiro mencionou a guerra na Ucrânia de maneira tímida, o que foi bom para a imagem do Brasil, que estava comprometida devido às recentes declarações de Lula sobre o tema.

Confira trechos da entrevista.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, abriu a rodada de discursos na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Justin Lane / EFE

O discurso do Lula pareceu centrado e não passou por questões polêmicas. Qual sua avaliação das falas?

O presidente Lula sobretudo agora no seu primeiro ano de mandato tem uma vantagem inédita porque houve uma rejeição praticamente universal contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, então tanto no Ocidente quanto no Sul Global existe um certo alívio com o fim do governo Bolsonaro em função da imprevisibilidade, da falta de compromisso com o multilateralismo e com questões envolvendo o negacionismo climático de Bolsonaro.

Então o Lula tem um bônus que é qualquer coisa que ele disser, mesmo em questões polêmicas, será comparado com o último presidente. Em função disso, o discurso do presidente brasileiro na Assembleia-Geral da ONU será lembrado como um discurso de normalização e facilita muito a mensagem de que o Brasil está de volta.

Conversei com estrangeiros que assistiram o discurso do presidente Lula ao vivo e me elas me falaram que de fato Lula passou a mensagem de que o Brasil está de volta.

Esta foi a principal mensagem e diante do contexto, a recepção geral foi positiva.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa na Assembleia-Geral da ONU  Foto: Michael M. Santiago/AFP

Lula mencionou a Guerra na Ucrânia apenas de passagem, e novamente não falou da Rússia. Foi uma tentativa de evitar o tema? Isso é positivo?

O presidente Lula fez questão de mencionar outros conflitos antes da guerra na Ucrânia. Antes dele falar da Ucrânia, ele falou de Haiti, Iémen, Burkina Faso, Gabão, Guiné. Mali, Níger e Sudão.

Então a mensagem que o presidente quis passar foi que a comunidade Internacional, sobretudo o Ocidente, fala muito da Ucrânia e muito pouco para os outros conflitos. É um comentário, mas eu não acho que leva a analistas ocidentais criticarem o discurso, mas claramente aquilo não foi coincidência.

O Brasil busca preservar os seus laços com a Rússia e com o Ocidente, o que é um equilíbrio difícil, até porque o Brasil é visto no Ocidente como pró-Rússia e me parece que é muito complicado satisfazer os dois lados, mas houve uma certa tentativa de não entrar em detalhes porque a chance disso ser polêmico é grande.

Os líderes dos países do Brics posam para foto durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Gianluigi Guercia/Reuters

Outros líderes vão enfatizar muito essa questão da Ucrânia, então houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate contra as mudanças climáticas, desigualdade e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar.

Não acredito em um grande impacto do Brasil em uma possível mediação da guerra entre Rússia e Ucrânia. As declarações de Lula sobre o assunto já produziram um custo, sobretudo no Ocidente, então houve uma tentativa de enfatizar outras questões e não entrar muito nessa questão.

Lula não falou de uma possível mediação e eu avalio isso como positivo, porque sei do impacto negativo das declarações de Lula em relação ao tema.

Lula chegou a falar de outros países que estão em crise. Foi uma forma de diluir os conflitos globais?

Acredito que faz parte de uma crítica que o Brasil vem fazendo, que o Ocidente tem gastos militares enormes em apoio a Ucrânia, mas outras questões que não aparecem com tanta frequência no debate internacional também precisam de atenção.

Mas foi uma citação sutil, ele não disse para o Ocidente parar de olhar para a Ucrânia, mas ele quis ressaltar outros conflitos antes.

O presidente brasileiro questionou o embargo a Cuba sem tratar da questão de ser uma ditadura. Por que a insistência com Cuba?

O Lula acaba de vir de Havana e esse assunto é quase consensual na América Latina e por incrível que pareça, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Partido Democrata são céticos deste embargo, mas não existe muito espaço político junto com o Partido Republicano para mudanças.

Mas não vejo como assunto particularmente polêmico de Lula, eu acho que também é um tema importante para uma ala do PT, que se importa muito com esta questão. Infelizmente não existe nenhuma perspectiva de que isso mude nos próximos anos.

Isso é um pouco o dilema de um discurso. É preciso falar de visões e posições, mesmo que elas não estejam próximas de acontecer. Um exemplo disso é o presidente falar sobre uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. A grande maioria dos países sabe que a atual composição do conselho não reflete a ordem mundial, mas qualquer mudança está completamente descartada na próxima década.

O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participam de cerimonia da cúpula do G77+China em Havana, Cuba  Foto: Alexandre Meneghini/ Reuters

Lula enfatizou a importância da ONU e do multilateralismo. Não é um contrassenso com as posições recentes do presidente, criticando o TPI, e rechaçando outros mecanismos multilaterais?

Vários integrantes do governo e do Itamaraty discordaram em off com a postura do presidente brasileiro em relação ao Tribunal Penal Internacional (TPI), foram comentários que destoam da posição oficial do Brasil, em função disso o Lula não falou sobre o TPI na Assembleia-Geral.

Os comentários da semana passada tiveram um custo político, mas o fato de Lula não ter levantado o assunto é uma forma de contenção de danos e de mostrar que o Brasil está comprometido com o multilateralismo, o que é importante porque o multilateralismo está na sua pior crise em décadas e a ausência de quatro dos cinco líderes dos países que estão no Conselho de Segurança é um reflexo disso.

Estamos nos aproximando de um mundo em que regras e normas valem menos e que as plataformas estão enfraquecidas, então Lula fez um apelo importante.

Na sua avaliação, Lula tentou se colocar como líder do Sul Global nas ausências de Xi Jinping e Narendra Modi na Assembleia-Geral?

Sem dúvida, eu diria que China, Índia e Brasil buscam se projetar como lideranças no Sul Global, mas em função das diversidades destes países, é impossível representar todos esses países. Mas o Brasil é reconhecido como um país com um papel importante no Sul Global e apesar do maior peso econômico de Índia e China, o Brasil tem mais peso em algumas áreas por conta do discurso.

Em suas declarações, Lula fala de direitos LGBT, de direitos da mulher, da liberdade da imprensa, ele denuncia as rupturas institucionais em outros países. São assuntos caros ao Ocidente e que não serão mencionados pela China e pela Rússia, por exemplo.

Líderes do Brics se comprimentam durante cúpula do bloco em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Marco Longari/AFP

Então também é uma forma de sinalizar que o Brasil está no Sul Global, mas também pode ser uma ponte com o Ocidente e que o Brasil consegue dialogar sobre diversos assuntos, sobretudo no âmbito da democracia.

A cobrança de Lula aos países ricos para que cumpram a promessa de doações ao Fundo Amazônia foi importante?

A cobrança de Lula é legítima porque as promessas que foram feitas até agora foram só promessas. Isso é um assunto que em uma conversa em off entre presidentes, Joe Biden concorda que é preciso fazer mais nesta questão.

Os primeiros números deste ano demonstram que o Brasil avançou bastante no quesito desmatamento e os países do Ocidente precisam oferecer mais apoio.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.